Resumo: pretendeu-se, neste artigo, responder se, sendo as novas disposições trazidas pela Reforma Trabalhista incompatíveis com o princípio da unidade sindical consagrado pela CF/88, há necessidade de ratificação da Convenção nº 87 da OIT pelo Brasil. Para tanto, utilizando como base teórica Maurício Godinho Delgado e Vólia Bonfim Cassar, primeiro foram analisados os aspectos históricos do sindicalismo no Brasil e, logo após, foram estudados o princípio da liberdade sindical e a Convenção nº 87 da OIT. Por fim, no intuito de responder a indagação proposta neste artigo, foram discutidos pontos da Lei nº 13.467/17 no que dizem respeito à reforma sindical, as influências da Convenção nº 87 da OIT, e a compatibilidade ou não com o sistema proposto pela CF/88.
Palavras-chave: sindicalismo; OIT; reforma trabalhista.
Sumário: Introdução. 1 O sistema sindical; 1.1 Aspectos históricos do sistema sindical no brasil; 1.2 Organização sindical no brasil após o advento da CF/88. 2 A convenção nº 87 da OIT; 2.1 O princípio da liberdade sindical plena; 2.2 A convenção nº 87 da OIT no brasil. 3 A reforma sindical na lei 13.467/17; 3.1 Alterações trazidas pela lei 13.467/17 sobre a organização sindical no brasil; 3.2 A influência da convenção nº 87 da OIT na reforma sindical brasileira; 3.3 A incompatibilidade no novo sistema sindical com a CF/88 e a necessidade de ratificação da convenção nº 87 da OIT. Considerações finais. Referências bibliográficas.
INTRODUÇÃO
Desde o advento da Constituição Federal de 1988, diversas são as críticas ao sistema sindicalista adotado pelo Brasil, que ainda preza pelo princípio da unicidade sindical, visto por grande parte da doutrina como uma norma incompatível com o Estado Social e Democrático de Direito.
Além disso, muito se discute sobre a implementação do modelo do negociado sobre o legislado, em que se daria ampla liberdade aos sindicatos econômicos e de trabalhadores para criarem normas coletivas, ainda que em desconformidade com a lei.
A Lei nº 13.467/17[1], também conhecida como Reforma Trabalhista, modificou diversas disposições antigas da CLT (Decreto-Lei nº 5.452/43). Nessa perspectiva, também alterou algumas normas relativas ao sindicalismo brasileiro, sem se atentar, no entanto, às disposições constitucionais atinentes ao tema e à Convenção nº 87 da OIT (não ratificada pelo Brasil).
As modificações legislativas feitas pela Reforma Trabalhista se mostram arriscadas diante da forma de organização dos sindicatos que temos hoje no país, isto porque não há possibilidade de o trabalhador escolher aquele que irá o melhor representar.
Dessa forma, a vontade, aparentemente, coletiva que surgirá nos acordos e convenções coletivas de trabalho, que nem sempre será mais benéfica do que as disposições legais, não representará, em verdade, aquilo que é desejado pelos trabalhadores.
Em 2005, ainda no primeiro governo de Luís Inácio Lula da Silva, foi enviada ao Congresso Nacional uma proposta de Emenda Constitucional (PEC nº 369/2005) em que se propunha o fim da unicidade sindical e do imposto sindical, apresentando-se um sistema misto em que haveriam três tipos de representação de base (a comprovada, a exclusiva e a derivada). Ocorre que tal proposta não foi aprovada.
Apesar de o caput do artigo 8º da CF/88 prever a liberdade de associação, o inciso II do referido dispositivo põe em xeque o princípio da liberdade sindical tão defendido pela OIT.
Sob esta perspectiva, indaga-se: sendo as novas disposições trazidas pela Reforma Trabalhista incompatíveis com o princípio da unidade sindical consagrado pela CF/88, há necessidade de ratificação da Convenção nº 87 da OIT pelo Brasil?
Para tanto, será analisado num primeiro momento questões relativas aos aspectos históricos do sindicalismo no Brasil, desde a abolição da escravatura até o advento da CF/88 e suas emendas constitucionais. Depois, serão estudados o princípio da liberdade sindical e a Convenção nº 87 da OIT (características e aplicação no Brasil).
Por fim, no intuito de responder a indagação proposta neste artigo, serão discutidos pontos da Lei nº 13.467/17 no que dizem respeito à reforma sindical, as influencias decorrentes da Convenção nº 87 da OIT, e a compatibilidade ou não com o sistema proposto pela CF/88.
1 O SISTEMA SINDICAL
O movimento sindical, tanto no Brasil, como no resto dos países do mundo, adveio do sistema de classes inerente ao modo de produção capitalista. Nesse meio, a diferença econômica existente entre os grupos de trabalhadores e empregadores tornou necessária a presença dos sindicatos para intermediar as suas relações.
O sistema sindical, no plano internacional, tem seu início na Inglaterra, em meados do século XVIII, em decorrência da Revolução Industrial e do fim das corporações de ofício. Segundo Mozart Russomano[2],
“No ano remoto de 1720, os mestres-alfaiates se dirigiram ao Parlamento Britânico, através de uma associação que reunia mais de sete mil trabalhadores, pleiteando a obtenção de maior salário e redução de uma hora na jornada diária de trabalho.”
A inserção das máquinas nos meios de produção tornou o ser humano um ator secundário nas fábricas. A precariedade do trabalho era alarmante, com condições subumanas e exaustivas. Dessa forma, segundo Murilo Carvalho e Mariana Mendes[3], tais condições “estimularam a consciência coletiva dos trabalhadores para a luta de interesses comuns. Foi a partir dessa excitação que a massa operária começou a se reunir para existir circunstâncias básicas de trabalho”.
Conforme ensinamentos de Maurício Godinho Delgado[4], “a primeira fase de desenvolvimento das associações sindicais foi extremamente difícil, porque não reconhecida sua validade pelas ordens jurídicas da época”. Num primeiro momento, associar-se sindicalmente era proibido, tendo sido essa prática criminalizada. O referido autor[5] explica que
“(…) as mesmas ideias liberalistas, preponderantes na França em fins do século XVIII e, em certa medida, desde o século anterior na Inglaterra, defensoras da noção plena de trabalho livre, ideias que conduziram à extinção das corporações de ofício ao longo do século XVIII, na Europa Ocidental, também conduziram, em um primeiro instante, à proibição de um novo tipo de associativismo, formado por trabalhadores livres mas assalariados, os sindicatos.”
Logo após, teve início na Inglaterra uma nova fase do sindicalismo em que se deu uma maior tolerância jurídica aos sindicatos, com a sua consequente descriminalização.
A partir da segunda metade do século XVIII, o Direito do Trabalho passou a se consolidar em toda a Europa, tanto no plano individual, como no plano coletivo, sendo conhecida como a fase do reconhecimento do direito de coalização e livre organização sindical.
Finalmente, segundo Godinho[6], “com o Tratado de Versalhes e a fundação da Organização Internacional do Trabalho, (…) os direitos de livre e autonômica associação e sindicalização tornam-se sedimentados na cultura jurídica ocidental”.
1.1. ASPECTOS HISTÓRICOS DO SISTEMA SINDICAL NO BRASIL
No Brasil, segundo Vólia Bonfim Cassar[7], “a Constituição do Império foi a primeira a adotar os postulados filosóficos da Revolução Francesa, pois assegurou a liberdade para o trabalho e aboliu as corporações de ofício”.
Com efeito, até o ano de 1888, a escravidão era o principal meio de produção e, por esse motivo, até a edição da Consolidação das Leis Trabalhistas não havia um sistema normativo (com regras e princípios) que pudesse reger as relações trabalhistas que passaram a existir.
Além disso, apesar no começo do século XX ter se iniciado a industrialização no Brasil, a economia agrária ainda era a principal fonte de riquezas do país, o que dificultou o processo de criação de normas de direito do trabalho individual e coletivo.
Segundo Godinho[8], “o Decreto n. 1.162 derrogou a tipificação da greve como ilícito penal, mantendo como crime apenas os atos de violência praticados no desenrolar do movimento”. E continua:
“Logo em seguida, a Constituição Republicana de 1981 iria assegurar os direitos de reunião e associação (art. 72, §8º). Algum tempo depois, o Decreto n. 979, de 1903, facultaria a criação de sindicatos rurais (onde se situava, na época, a parte mais significativa da força de trabalho do país), ao passo que, em 1907, o Decreto Legislativo n. 1637 estenderia a vantagem à área urbana, facultando a criação de sindicatos profissionais e sociedades cooperativas.”
No período entre a proclamação da República e o ano de 1930, alguns setores da economia, como o de ferrovia e portos, se mostraram sindicalmente estruturados, uma vez que representavam a maior parte de trabalhadores do país.
Além disso, durante o início do século XX, com o desenvolvimento da indústria em São Paulo, passaram também a se formar entidades sindicais, as quais tiveram uma grande participação na Revolução de 30.
A partir de 1930, com Getúlio Vargas, implanta-se no país um novo sistema sindical, inspirado no modelo italiano (naquela época, fascista). Assim, o intervencionismo estatal também gerou efeitos no sindicalismo brasileiro, instituindo-se o sindicato oficial (único, mas ainda não obrigatório), “submetido ao reconhecimento pelo Estado e compreendido como órgão colaborador deste”.
Em 1932, criam-se as Comissões Mistas de Conciliação e Julgamento pelo Decreto 21.396/32. Logo após, com o advento do Decreto nº 22.132/32, o governo limitou as demandas dos empregados a tais comissões somente para aqueles que eram integrantes do sindicalismo oficial.
A Carta de 1937 previa a instituição da Justiça do Trabalho, mas somente com o Decreto-Lei nº 1.237/39 que teria sido regulamentada e efetivamente instalada no país, passando a funcionar em 01/05/1941.
Durante todo o período do governo de Getúlio Vargas, houve uma forte repressão ao sindicalismo obreiro não-oficial que buscava liberdade e autonomia. E, em 1943, o modelo sindical estruturado no Estado Novo foi reunido na Consolidação das Leis do Trabalho (a CLT), que também alterou e ampliou a legislação trabalhista existente.
Este modelo de sindicalismo controlado pelo Estado se manteve até o advento da Constituição de 1988, que será estudado no próximo tópico.
1.2. ORGANIZAÇÃO SINDICAL NO BRASIL APÓS A CF/88
A Constituição Federal de 1988 trouxe significativas alterações no modelo sindical implementado pelo Estado Novo, tais como: a impossibilidade de intervenção estatal, por meio do Ministério do Trabalho, na atuação dos sindicatos; a possibilidade ampla de substituição processual no processo coletivo; a efetivação do direito do trabalho pela criação de órgãos da Justiça do Trabalho por todo o país; e a institucionalização do Ministério Público do Trabalho, com suas novas atribuições previstas nos artigos 127 e 129 do texto constitucional.
Além das novidades advindas do texto original da CF/88, o legislador constituinte derivado aprovou algumas Emendas Constitucionais que continuaram a alterar o sistema sindical brasileiro. Duas grandes mudanças foram: a extinção da representação classista na Justiça do Trabalho (EC nº 24/99); e a redução do poder normativo da Justiça do Trabalho (EC nº 45/04).
Um avanço trazido pela Constituição Federal de 1988 é o direito que o trabalhador tem de escolher ser filiado ou não ao sindicato de sua categoria ou profissão (art. 8º, V). Entretanto, a contribuição sindical (art. 8º, IV, da CF/88 c/c arts. 578 a 610 da CLT) é devida por todos os empregados, ainda que não associados aos sindicatos, por ter natureza tributária.
Por fim, apesar de o intervencionismo estatal nos sindicatos ter sido abolido pela nova ordem constitucional, não foi adotado pelo Brasil o princípio da liberdade sindical plena, mantendo-se a unicidade sindical, conforme dispõe o artigo 8º, II, da CF/88, nos seguintes termos:
“Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte: (…)
II – é vedada a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, que será definida pelos trabalhadores ou empregadores interessados, não podendo ser inferior à área de um Município;”
A unicidade sindical determina que o trabalhador não tem livre poder para escolher o sindicato ao qual se filiará, que o melhor o represente, isto porque o sindicato é único para uma determinada categoria ou profissão, não podendo coexistir mais de um sindicato para um mesmo grupo num mesmo local.
2 O PRINCÍPIO DA LIBERDADE SINDICAL PLENA
Com o fim da Primeira Guerra Mundial, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) foi criada como parte do Tratado de Versalhes, sob o fundamento de que a paz universal e permanente está intimamente relacionada com a questão da justiça social.
Vale ressaltar que o Brasil é um de seus países-membros fundadores e está presente nas deliberações desde a primeira reunião.
Em 1948, a OIT promulga a sua 87ª convenção, que juntamente com a Convenção nº 98 do mesmo organismo internacional, prestigia o princípio da liberdade sindical. Segundo Gilberto Carlos Maistro Junior[9], tal diploma internacional visa
“(…) assegurar garantias básicas a trabalhadores e empregadores quanto ao livre exercício do direito de sindicalização, (…) contendo, em seu bojo, dentre outros, os quatro direitos fundamentais oriundos do referido princípio de liberdade: fundar, administrar, atuar e filiar. “
Nos tópicos a seguir, será feita uma análise sobre o princípio da liberdade sindical, sob todos os seus aspectos, bem como sobre a aplicabilidade da Convenção nº 87 no Brasil.
2.1. O PRINCÍPIO DA LIBERDADE SINDICAL PLENA
A Convenção nº 87 da OIT dispõe que a liberdade sindical plena consiste “no direito dos empregadores e trabalhadores, sem distinção e intervenção estatal, de constituírem as organizações que consideram convenientes, assim como de se filiarem a essas organizações ou delas se desligarem[10]”.
A liberdade sindical se subdivide em três perspectivas: a liberdade individual, a liberdade coletiva e a autonomia sindical. A primeira está relacionada ao direito de associação, sendo o direito de os trabalhadores e empregadores se reunirem e escolherem se filiarem ou se retirarem da associação. Segundo Godinho[11],
“O princípio associativo envolve as noções conexas de reunião e associação. Por reunião entende-se a agregação episódica de pessoas em face de problemas e objetivos comuns; por associação, a agregação permanente (ou, pelo menos, de largo prazo) de pessoas em face de problemas e objetivos comuns.”
A liberdade sindical coletiva, no entanto, “é a liberdade de o grupo constituir o sindicato de sua escolha, com a estrutura e funcionamento que desejar, com ampla autonomia[12]”. Godinho[13] explica que este princípio “abrange, desse modo, a liberdade de criação de sindicatos e de sua autoextinção (com a garantia de extinção externa somente por intermédio de sentença judicial regularmente formulada)”.
A autonomia sindical, por sua vez, é “a liberdade de organização interna e de funcionamento da associação sindical e, bem assim, à faculdade de constituir federações e confederações ou de filiar-se às já existentes, visando sempre aos fins que fundamentam sua instituição[14]”.
O princípio da autonomia sindical, haja visto no primeiro capítulo da presente pesquisa, sofreu muitas restrições ao longo da história no Brasil, tendo o controle político-administrativo por parte do Estado sobre os sindicatos brasileiros somente sido extinto a partir da CF/88.
A liberdade sindical e o direito de associação estão previstos como direitos humanos na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 no artigo XXIII, nº 4, nos seguintes termos: “toda pessoa tem direito a organizar sindicatos e nele ingressar para proteção dos seus interesses”.
A Convenção nº 87 da OIT prevê em seu artigo 2º que “os trabalhadores e os empregadores, sem qualquer distinção e sem autorização prévia, têm o direito de constituir as organizações que julguem convenientes, assim como de se filiar a essas organizações, com a única condição de observar seus estatutos”.
Ressalta-se que a pluralidade sindical não se tornou obrigatória pelo advento do referido tratado internacional, mas a possibilidade de se criarem diversos sindicatos para defesa dos direitos de trabalhadores e empregadores sem limitação territorial é fundamental para efetivação plena do princípio da liberdade sindical, bem como para implementação de um sistema sindical adequado ao modelo democrático.
No mesmo sentido, Murilo Oliveira e Mariana Porto[15] lecionam que “para se erguer uma perfeita democracia contemporânea é preciso chegar a uma simetria das liberdades parciais, convergindo, portanto, para o princípio da liberdade sindical”.
No Brasil, entretanto, o princípio da liberdade sindical não é utilizado em sua plenitude, por expressa determinação constitucional, como será visto a seguir.
2.2. A LIBERDADE SINDICAL NO BRASIL
Em relação à liberdade sindical na perspectiva do indivíduo, o artigo 8º, V, da CF/88 deixa em voga a importância do direito de associação ao dispor que “ninguém será obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado a sindicato”. Trata-se de uma disposição específica relacionada à previsão constitucional no artigo 5º, XX, de que “ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado”.
De outro giro, haja visto, no tocante ao liame coletivo do referido princípio, o Brasil não o adotou de forma plena, tendo o legislador constituinte optado pelo sistema da unicidade sindical (art. 8º, II, da CF/88).
Sendo assim, o obreiro não tem liberdade para escolher qual sindicato irá melhor representa-lo, visto que os sindicatos estão limitados a existência de somente um por categoria num determinado território (equivalente a um Município).
A unicidade sindical criada pelo Decreto nº 19.770/1931 se justificava em meio a necessidade de amadurecer a cultura sindical brasileira diante do desenvolvimento econômico industrial. Assim, nesse regime, a associação dos trabalhadores aos sindicatos não era voluntária, mas determinada por força de lei.
No entanto, atualmente, o modelo do sindicato único não se faz tão relevante, até mesmo porque não impediu que houvesse o fracionamento dos sindicatos pelo território nacional, existindo hoje no país mais de 16 mil sindicatos.
A unicidade sindical vai de encontro com o princípio da liberdade sindical consagrado internacionalmente. Por esse princípio, a lei não pode determinar como será realizada a criação de sindicatos e quais deverão subsistir, muito pelo contrário. O princípio da da liberdade sindical, contemplado por seus três aspectos (individual, coletiva e da autonomia sindical), pressupõe a autonomia ampla para que os indivíduos possam escolher a melhor forma de instituírem o ser coletivo.
O Brasil, apesar de ter ratificado a Convenção nº 98 da OIT, não adotou o mesmo procedimento em relação a Convenção nº 87 da OIT, a qual, conforme grande parte da doutrina, tornaria possível a aplicação do princípio da liberdade sindical plena no território nacional.
3 A REFORMA SINDICAL NA LEI 13.467/17
3.1 ALTERAÇÕES TRAZIDAS PELA LEI 13.467/17 SOBRE A ORGANIZAÇÃO SINDICAL NO BRASIL
A Lei 13.467/17, também conhecida como lei da “reforma trabalhista”, traz formalmente como principal escopo a adequação das normas trabalhistas às atuais formas de relações de trabalho.
Um dos avanços trazidos pelo referido diploma, no que tange ao princípio da liberdade sindical, foi a extinção da contribuição sindical obrigatória, conforme nova redação do artigo 579 da CLT, in verbis:
“Art. 579. O desconto da contribuição sindical está condicionado à autorização prévia e expressa dos que participem de uma determinada categoria econômica ou profissional, ou de uma profissão liberal, em favor do sindicato representativo da mesma categoria”
De outro giro, conforme previsão do novo artigo 611-A da CLT, sempre haverá a prevalência da norma coletiva sobre a lei quando dispuser, dentre outros direitos, sobre a jornada de trabalho, o banco de horas, o intervalo intrajornada (a partir do 30º minuto), a remuneração por produtividade, o teletrabalho, o trabalho intermitente e o grau de insalubridade.
Sob essa perspectiva, o legislador brasileiro adotou a tese do “negociado sobre o legislado” que já vinha sendo alvo de debate desde o início do século XXI, sem, entretanto, alterar o sistema sindical brasileiro, principalmente em relação ao princípio da unicidade. Ora, o que teremos são sindicatos criando normas coletivas desfavoráveis ao trabalhador (menos benéficas do que a lei) sem que esse tenha tido a oportunidade de escolher ser abrangido ou não por tal regramento.
Além disso, o parágrafo 1º do artigo supracitado combinado com o novo artigo 8º, parágrafo 3º, da CLT, o magistrado, quando da análise dos acordos e convenções coletiva, estará limitado a apreciar somente questões relativas aos elementos formados do negócio jurídico, não podendo proferir decisão acerca do conteúdo das normas coletivas, nos seguintes termos:
“Art. 8º. § 3o No exame de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, a Justiça do Trabalho analisará exclusivamente a conformidade dos elementos essenciais do negócio jurídico, respeitado o disposto no art. 104 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), e balizará sua atuação pelo princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva.”
Art. 611-A. § 1o No exame da convenção coletiva ou do acordo coletivo de trabalho, a Justiça do Trabalho observará o disposto no § 3o do art. 8o desta Consolidação.”
Nos parece que o legislador, numa tentativa de dar maior poder aos empregadores para definir as normas que serão aplicadas aos seus empregados, cometeu flagrante inconstitucionalidade material, por ser o novo sistema incompatível com princípios trabalhistas, tais como o princípio da prevalência da norma mais favorável.
3.2 A INCONSTITUCIONALIDADE NA LEI 13.467/17 E A NECESSIDADE DE RATIFICAÇÃO DA CONVENÇÃO Nº 87 DA OIT
O Brasil, como signatário do Pacto de San José da Costa Rica, passou a se sujeitar ao princípio da prevalência da norma mais benéfica, que, conforme Flávia Piovesan[16], consiste na
“(…) intepretação e aplicação da normatividade de direitos humanos, ficando afastados os princípios interpretativos tradicionais, como o princípio da norma posterior que revoga a anterior com ela incompatível, ou o princípio da norma especial que revoga a geral no que apresenta de especial.”
Dessa forma, uma vez incorporados os direitos humanos previstos em tratados internacionais ratificados pelo Brasil, como os direitos sindicais previstos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, alegar a incompatibilidade da Convenção nº 87 da OIT com o art. 8º, II, da CF/88 não é suficiente para negar prosseguimento a sua ratificação.
Com efeito, conforme determinação expressa do artigo 27 da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, um Estado-membro não pode afastar a implementação de normas estabelecidas em tratados internacionais sob o fundamento de contrariam normas do direito interno. Com muito mais razão isso não pode ocorrer diante da efetivação de direitos considerados humanos.
Na mesma perspectiva, o artigo 5º da CF/88, em seu parágrafo 2º, dispõe que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.
Em 1998, a Conferência Internacional do Trabalho, em sua 87ª Sessão, mediante assinatura da Declaração dos Direitos e Princípios Fundamentais no Trabalho, deixou em voga a necessidade de respeito à liberdade sindical e de associação, bem como do reconhecimento do direito de negociação coletiva, dentre outros direitos.
Vale lembrar as declarações da OIT que tratam dos direitos supracitados são definidas como fundamentais, sendo imprescindível, portanto, a sua observância por todos os Estados Membros, pelo simples fato de sê-lo e de terem aderido à sua Constituição, havendo ou não eles ratificado as convenções correspondentes a esses direitos.
Tais princípios sindicais são tão caros à própria democracia que a OIT possui um comitê, dentro do sistema de controle normativo, especializado em queixas sobre violações ao princípio da liberdade sindical, ainda que o Estado-membro não tenha ratificado as Convenções nº 87 e 98 da OIT, chamado de Committee on Freedom of Association (Comitê de Liberdade Sindical).
Sendo a Convenção nº 87 da OIT uma norma internacional que regulamenta o direito humano da liberdade sindical, parece-nos perfeitamente possível a aplicação do parágrafo 3º do artigo 5º da Constituição Federal, de forma a dar status de emenda constitucional ao referido tratado, nos seguintes termos: “os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”.
A ratificação da Convenção nº 87 da OIT afastaria da ordem jurídica nacional o princípio da unicidade sindical. Assim, possibilitando a efetividade máxima do princípio da liberdade sindical, podendo os trabalhadores se organizarem em entes coletivos onde, quando e da forma que achassem mais apropriado, seria possível a aplicação da teoria do negociado sobre o legislado.
No Brasil, as novas disposições trazidas pela Reforma Trabalhista, como foi visto anteriormente, só se tornariam materialmente harmônicas com a Constituição mediante a adoção do princípio da liberdade sindical plena. Somente dessa forma os entes coletivos teriam a legitimidade necessária para poder firmar acordos coletivos sobre tantos direitos mínimos ao trabalhador.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste trabalho, analisou-se a evolução histórica do sistema sindical brasileiro com o objetivo de compreender as escolhas feitas pelo legislador constituinte em relação a manutenção do princípio da unicidade sindical. Com efeito, buscou-se entender também como se dá a aplicação do princípio da liberdade sindical no Brasil.
Logo após, foi feita uma breve análise do princípio da liberdade sindical na Convenção nº 87 da Organização Internacional do Trabalho, concluindo-se ser este um princípio indispensável no sistema sindical de um país que zela pela efetiva democracia, sendo a única forma de legitimar os sindicatos a fazerem acordos coletivos sobre todos os direitos previstos no novo artigo 611-A da Lei 13.467/17.
Por fim, considerando que a liberdade sindical plena é um direito humano, defendeu-se a necessidade de ratificação da Convenção nº 87 da OIT para compatibilizar a Lei 13.467/17, conhecida como Reforma Trabalhista, ao ordenamento jurídico brasileiro, principalmente no que tange à atuação sindical.
Informações Sobre os Autores
Letícia Durval Leite
Acadêmica de Direito da Faculdade de Direito de Vitória
Marcelo Fernando Quiroga Obregon
Graduado em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo, especialista em política internacional pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, Mestre em direito Internacional e comunitário pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Doutor em direitos e garantias fundamentais na Faculdade de Direito de Vitória – FDV, Coordenador Acadêmico do curso de especialização em direito marítimo e portuário da Faculdade de Direito de Vitória – FDV, Professor de direito internacional e direito marítimo e portuário nos cursos de graduação e pós-graduação da Faculdade de Direito de Vitória – FDV.