Resumo: O objetivo deste artigo é examinar a aplicabilidade da lei 13.271/16, nos procedimentos da revista íntima dos visitantes das unidades prisionais do Brasil, a partir da elaboração do Projeto de Lei 583/07, do procedimento legislativo, das emendas e veto. Abordou-se os aspectos da validade, vigência e eficácia da norma, o vício de constitucionalidade material, com a finalidade de compreender o seu alcance na tutela jurisdicional, sinalizando a ausência de elementos conceituais do objeto pretendido. A partir da análise das decisões jurisdicionais, verificou-se a capacidade de afetação das provas derivadas das revistas intimas nas unidades prisionais.
Palavras-chave: Lei 13.271/16. Revista intima. Aplicabilidade. Unidade prisional.
Sumário: Introdução. 1 Evolução da lei da revista íntima e o procedimento legislativo. 1.1 Emendas e o texto final. 1.2 O veto ao artigo terceiro. 2 validade, vigência e eficácia da norma. 2.1 Da validade. 2.2 Da vigência. 2.3 Da eficácia. 3 Vício de constitucionalidade da lei. 3.1 Ponderação de interesses. 3.2 Direito a intimidade. 4 A licitude da prova obtida mediante revista íntima e as penalidades previstas pelo excesso e desídia do servidor. 4.1. As sanções ao servidor. 5 Analise das decisões judiciais. Conclusão. Referencias.
INTRODUÇÃO
A lei 13271/16, foi sancionada para tentar regulamentar e coibir os supostos abusos ocorridos nas revistas intimas em funcionárias, servidoras públicas e clientes do sexo feminino, ampliando aos ambientes prisionais. Sem o objetivo de esgotar o assunto, este artigo pretende provocar discussões sobre o aspecto legal das revistas íntimas realizadas nas unidades prisionais, contribuindo para motivar futuras reflexões jurídicas mais aprofundadas, uma vez que o tema ainda é tratado de maneira incipiente, sem aprofundamento acadêmico, e sempre com a mesma abordagem.
Cumpre observar que a escolha do tema: “A (in) aplicabilidade da lei 13.271/06, no estabelecimento de parâmetros para as revistas íntimas nos visitantes dos custodiados das unidades prisionais no Brasil”, foi motivada pela necessidade de compreender os impactos jurídicos do referido ato normativo para os procedimentos de revistas íntimas nos ambientes prisionais. Tem-se, então, como problema central, a busca por respostas para o seguinte questionamento: qual o alcance da lei 13271/16 para determinar os parâmetros de regulamentação das revistas íntimas realizadas nas unidades prisionais no Brasil, e sua capacidade de produzir a nulidade da prova obtida mediante o referido procedimento de segurança?
Neste contexto, o tema abordado guarda um relevante valor social, visto que suscita algumas inquietudes da vida moderna, uma vez que, ao tratar da proibição das revistas íntimas em ambientes prisionais, a questão dialoga com os direitos fundamentais, provocando agitação tanto para os operadores do Direito, quanto para os profissionais que atuam na área da segurança dos estabelecimentos penais, bem como, para os visitantes, para os custodiados e para a sociedade como um todo, que cada dia, sente mais os reflexos dos acontecimentos intra e extramuros.
O objetivo principal foi analisar a Lei 13.271/06 e verificar a sua aplicabilidade nas unidades prisionais e identificar as repercussões legais para as partes envolvidas, dentro de uma abordagem constitucional, ponderando com a legislação penal e o entendimento doutrinário e jurisprudencial.
Dado a característica do objeto de estudo, partindo de um conhecimento apriorístico, o método utilizado foi o dedutivo, tendo a pesquisa sido pautada pela abordagem qualitativa, através de coleta de dados bibliográficos e documental, a fim de relacionar conceitos, através da legislação pertinente, da doutrina e da jurisprudência.
Assim, a elaboração deste artigo desenvolveu-se a partir do exame do Projeto de Lei 583/07, da análise das exposições dos motivos e do procedimento legislativo para a aprovação da lei 13.271/16, além dos fundamentos do veto ao art. 3º, demonstrando as lacunas, obscuridades e contradições do texto normativo.
Em seguida, abordou-se os aspectos da validade, vigência e eficácia da norma, o vício de constitucionalidade material, com a finalidade de compreender o alcance da lei nos ambientes prisionais, a luz dos princípios e dos direitos constitucionais pertinentes ao objeto, sinalizou-se para a ausência de elementos conceituais e verificou-se a legalidade dos procedimentos fiscalizatórios e os reflexos na afetação das provas derivada das revistas íntimas, a partir das recentes decisões jurisprudenciais sobre o assunto.
1 EVOLUÇÃO DA LEI DA REVISTA ÍNTIMA E O PROCEDIMENTO LEGISLATIVO
A Lei federal 13271/16, que dispõe sobre a proibição de revista íntima de funcionárias nos locais de trabalho, de clientes do sexo feminino e trata da revista íntima em ambientes prisionais, embora, vigente, visto que foi sancionada no dia 15 de abril de 2016, encontra-se eivada de vício de constitucionalidade material, por afrontar a carta magna ao violar direitos e garantias fundamentais, estes, representados pela falta de atenção aos princípios da equidade e proporcionalidade, tornando-a insegura e inadequada aos fins a que se destina. Com efeito, a sua aplicabilidade encontra-se prejudicada, no que se refere as revistas íntimas em visitantes dos custodiados das unidades prisionais, seja pela ausência de previsão no ato normativo ou pelo vício de constitucionalidade ora suscitado, tornando-a imprecisa, confusa, e contraditória, representando, assim, risco para a segurança jurídica, pública e prisional.
Nesse diapasão é imperativo compreender a exegese da referida Lei, ou seja, se faz necessário extrair do texto o seu significado. Para isto, é necessário que a análise perpasse pela própria exposição dos motivos que deram origem ao referido ato normativo, através do Projeto de Lei 583/07, da deputada federal Alice Portugal do PCdo B da Bahia, após ser recebido no ano de 2011 no Senado Federal com o número de PL 2/11 e tramitar por mais de 09 (nove) anos no Congresso Nacional, até a sua aprovação no ano de 2016.
Como visto, a leitura da justificação ou exposições de motivos, que fundamentaram o projeto de Lei 583/07, torna-se elementar para começar a se perceber o equívoco dado a interpretação da redação da Lei 13.271/16, em que pese, na aplicabilidade para regulamentar as revistas íntimas nas unidades prisionais brasileira.
Vide Exposição de motivos:
“[…] a igualdade garantida na Lei ainda é desrespeitada muitas vezes na vida e no cotidiano das mulheres. Constatamos que um grande número de trabalhadoras são constrangidas a se submeterem diariamente à prática da revista íntima ao fim da jornada de trabalho.
Com frequência lemos nos jornais de grande circulação denúncias de firmas que adotam essa prática em um acintoso desrespeito à Constituição Federal, que, no seu Capítulo I, Artigo 5º, Inciso X, que trata dos direitos e deveres individuais e coletivos que diz:
“são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a
imagem das pessoas”.
O acesso da mulher ao mercado de trabalho e sua permanência nele é um dos meios mais importantes para exercer a igualdade e respeitos conquistados e consagrados na Constituição brasileira. Portanto, o objetivo que temos ao reapresentar este Projeto de Lei, originalmente de autoria da ex-deputada Jandira Feghali, é garantir e assegurar à mulher o direito ao trabalho sem ter sucessivamente sua intimidade violada.”
Nesta perspectiva, ainda como Projeto de Lei 583/07, originalmente o texto apresentava a seguinte redação:
“Dispõe sobre a proibição de revista íntima de funcionárias nos locais de trabalho.
Art. 1º – As empresas privadas, os órgãos públicos da administração direta e indireta, as sociedades de economia mista, as autarquias e as fundações em atividade no País ficam proibidos de adotar qualquer prática de revista íntima de suas funcionárias por parte dos empregados ou seus prepostos.
Art. 2º O não cumprimento do disposto no art. 1º, ficam os infratores sujeitos a:
I – Multa de 50(cinquenta) salários-mínimos, na data de ocorrência do auto na empresa ou empregador;
II – Suspensão do funcionário da empresa que procedeu à revista por 30(trinta) dias, em caso de reincidência;
III – em caso de nova reincidência, o empregador ficará sujeito à detenção de 6(seis) meses a 1(um) ano.
Art.3º – Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 4º – Revogam-se as disposições em contrário.”
Em rápida observação, o Projeto original, embora, também, apresentasse os mesmos vícios capazes de comprometer a sua eficácia, a exemplo do art. 2º, II, e da ausência de regulamentação conceitual de revista íntima, mostrava-se menos confusa, e mais objetiva, que a redação final da Lei 13271/16, apresentada mais à frente.
Não obstante, o texto final tenha mantido o mesmo número de artigos em relação ao texto inicial, como será apresentado adiante, é com clareza que se observa que o referido projeto, objetivava a sua aplicação apenas no âmbito da relação trabalhista, seja na iniciativa privada ou no serviço públicos, salvo melhor juízo, apenas com o intuito de regulamentar o art. 373-A da Consolidação da Leis do Trabalho –CLT, que a priori já se reveste de auto aplicabilidade.
Embora o Projeto de lei também sofresse de ausência conceitual, a mesma não se confunde com a miscelânea desarmoniosa, que em único ato normativo, colocou direito administrativo, trabalhista, consumerista e de execuções penais no seu texto final, sem a devida preocupação de ao menos conceituar o seu principal objeto.
Neste passo, se faz necessário a primeira observação a respeito do referido ato normativo, quanto a desnecessidade da sua proposta nos termos do texto aprovado, uma vez que, desde a introdução do art. 373-A na CLT, trazida pela Lei 9.799/99, já havia previsão de vedação expressa a revista íntima nas empregadas ou funcionárias, posição consolidado tanto pela jurisprudência, quanto pela doutrina, faltando apenas a regulamentação conceitual de revista íntima.
Assim prescreve a CLT:
“CLT, Art. 373-A. Ressalvadas as disposições legais destinadas a corrigir as distorções que afetem o acesso da mulher ao mercado de trabalho e certas especificidades estabelecidas nos acordos trabalhistas, é vedado: (…)
VI – Proceder o empregador ou preposto a revistas íntimas nas empregadas ou funcionárias.”
Ressalte-se, que o sancionamento da Lei 13.271/16, não foi capaz sequer de sanar a ausência conceitual do seu objeto, mormente, serviu para estender a proibição da revista as servidoras públicas e clientes femininas, quando em relação de consumo.
É importante reiterar, que o legislador ao aprovar a referida Lei, além de não conseguir criar um marco regulamentador das revistas íntimas para as visitantes das unidades prisionais, ainda criou uma lei geradora de insegurança jurídica, dado as lacunas e o vício de constitucionalidade material insculpidos no seu texto final, ao promover tratamento distinto, injustificado e desproporcional entre mulheres e homens. Da mesma forma, tornou-a inócua, ao se omitir quanto a competência para fiscalizar e aplicar a multa prevista.
1.1 Emendas e o texto final
Superadas as considerações inicias, passa agora a merecer destaque a emenda acolhida pelo Senado em 10/03/2015, objeto central deste trabalho, ao incluir no caput e aprovar no texto final, a expressão “[…] e de revista íntima em ambientes prisionais”, não sendo feita qualquer alusão a visitantes na sua parte normativa. Assim sendo, é de fácil percepção que a lei tutela as trabalhadoras, servidoras ou empregadas do sistema prisional, sem o alcance as visitantes, conforme verifica-se:
“Dispõe sobre a proibição de revista íntima de funcionárias nos locais de trabalho e trata da revista íntima em ambientes prisionais
A PRESIDENTA DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1o As empresas privadas, os órgãos e entidades da administração pública, direta e indireta, ficam proibidos de adotar qualquer prática de revista íntima de suas funcionárias e de clientes do sexo feminino.
Art. 2o Pelo não cumprimento do art. 1o, ficam os infratores sujeitos a:
I – multa de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) ao empregador, revertidos aos órgãos de proteção dos direitos da mulher;
II – multa em dobro do valor estipulado no inciso I, em caso de reincidência, independentemente da indenização por danos morais e materiais e sanções de ordem penal.
Art. 3o Nos casos previstos em lei, para revistas em ambientes prisionais e sob investigação policial, a revista será unicamente realizada por funcionários servidores femininos (VETADO).
Art. 4o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 15 de abril de 2016; 195o da Independência e 128o da República.
DILMA ROUSSEFF
Eugênio José Guilherme de Aragão
Publicado no DOU de 18.4.2016”
Registre-se, ainda, que houve apresentação da Emenda do Plenário sob n. 2/2011, proposta pelo Deputado Domingos Sávio do PSDB/MG, para que fosse acrescentado o parágrafo único ao artigo 1° do substitutivo do PL 583-A de 2007, no sentido de retirar as unidades prisionais da abrangência da referida lei, com o seguinte texto: “parágrafo único: em estabelecimentos prisionais fica assegurada a possibilidade de revista íntima, sempre realizada por pessoas do mesmo sexo”. Inicialmente o substitutivo foi acolhido pela Deputada Federal do PCdoB, Jô Moraes, com parecer favorável para a inclusão, no entanto foi rejeitada pela Plenária do Senado.
Contudo, percebe-se que mesmo com o não acolhimento da referida emenda, a lei 13.271/16 não foi capaz de proibir a revista íntima das visitantes nas unidades prisionais no Brasil, por ausência de previsão expressa para este fim, ou na pior das hipóteses, a interpretação literal do art. 1º, teria abolido ‘todo e qualquer’ tipo de revista as visitantes nos estabelecimentos prisionais do país, no entanto, direcionou apenas as funcionárias e clientes do sexo feminino.
1.2 O veto ao artigo terceiro
O artigo terceiro do projeto de lei foi vetado, dado a injustificada preocupação de que a existência do texto no ato normativo, permitiria a realização de revistas intimas nas unidades prisionais e obrigaria que qualquer procedimento de busca corporal somente fosse realizado por servidores do sexo feminino.
É preciso insistir, que o argumento do veto ao art. 3º é contraditório, dado ao equivoco dos fundamentos apresentados, afirmando que a manutenção da “redação do dispositivo possibilitaria interpretação no sentido de ser permitida a revista íntima nos estabelecimentos prisionais”. Além disso, segundo defensores desta corrente, também, “permitiria interpretação de que quaisquer revistas seriam realizadas unicamente por servidores femininos, tanto em pessoas do sexo masculino quanto do feminino".
Diante das hipóteses ora justificadas para o veto, tem-se como apropriado a observação de que as premissas anteriormente apresentadas são evasivas e improcedentes, podendo ser facilmente refutadas, sobretudo a segunda, com a simples leitura do dispositivo a contrário sensu.
Assim, ao vetar o artigo 3º, sob o equivocado argumento de que a manutenção do texto, admitiria a possibilidade da revista íntima ser realizada exclusivamente por servidores do sexo feminino, o legislador demonstrou desconhecimento das leis, ao desprezar o artigo 244 do Código de Processo Penal-CPP, que prevê a busca pessoal de objetos ilícitos, desde que realizada por policial do mesmo sexo.
Ademais, o alcance da referida lei se direciona apenas as mulheres, expressamente do sexo feminino, não deixando margem de dúvidas que os visitantes do sexo masculino estão fora do seu âmbito de tutela. Sem embaraços, é certo que os servidores masculinos não podem ser impedidos de continuar a realizar as revistas masculinas.
Neste sentido, é coerente insistir que a simples existência da dúvida dos legisladores, já é um indicativo de que não houve intenção de se vetar a revista íntima nos visitantes das unidades prisionais, sejam homens ou mulheres, mas, sim, houve um preciosismo para não deixar dúvidas de que as revistas corporais nas visitas devem ser realizadas por agentes do mesmo sexo.
Não bastasse tal contradição, se prosperar o entendimento de que a referida lei é capaz de proibir a revista íntima de visitantes do sexo feminino nas unidades prisionais, será ainda mais absurdo imaginar a aplicabilidade extensiva aos visitantes do sexo masculino. Assim, dando interpretação contraria, o judiciário promoverá insegurança e validará a antinomia jurídica, visto que, não se deve admitir uma interpretação extensiva da norma infraconstitucional, para além do seu texto normativo, pois não cabe ao juiz decidir fora da lei, sob pena de estar ultrapassando o limite da separação dos poderes, criando uma nova lei.
A bem da verdade, não se pode admitir a subjetividade da interpretação do que vem a ser revista íntima, uma vez que o art. 1º da Lei 13.271/16, mesmo sem defini-la, proíbe a adoção de “qualquer pratica de revista íntima”. Como se percebe, a palavra ‘qualquer’, pronome indefinido que significa “seja qual for”, expresso na segunda metade do art. 1º, na hipótese de poder aplicar nos estabelecimentos prisionais, será capaz de impedir a existência da prática de revista íntima em mulheres nestes locais, independentemente do método adotado, incluindo aquele realizado através de aparelhos de imagem?
Se for levado em consideração a semântica da palavra ‘qualquer’, entende-se que foi dado as chaves das prisões as visitantes do sexo feminina para que façam o que desejarem. Por este motivo, prosperando o entendimento que a lei 13.271/16 veda a pratica de revista íntima as mulheres no ambiente prisional, não é absurdo imaginar que os defensores desse entendimento, ainda que minoritariamente, passem a exigir que a proibição seja estendida as custodiadas, na medida em que, também, trata-se de mulheres em ambiente prisional.
No entanto, corroborando com o adequado entendimento de que a lei 13.271/16 não possui o condão de proibir as revistas as visitantes dos estabelecimentos prisionais, o art. 1º expressa taxativamente a proibição apenas as funcionárias e as clientes do sexo feminino, não fazendo nenhuma alusão as visitantes ou qualquer outra categoria a alcançar, seja do sexo feminino ou masculino.
Deste modo, é com clareza que se percebe que a proibição da revista íntima as visitantes de unidades prisionais, não encontra tutela na lei 13.271/16, caso contrário, até as revistas realizadas, quando lastreadas por fundadas suspeitas de que a visitante esteja em estado de flagrante, cometendo um ato ilegal, estarão comprometidas, hipótese inadmissível, que vai de encontro ao ordenamento jurídico pátrio.
2 VALIDADE, VIGÊNCIA E EFICÁCIA DA NORMA
A boa técnica legislativa exige a elaboração de normas coerentes, claras, concisas e harmônicas entre si. Nesta perspectiva, a criação de leis imprecisas, indeterminadas e desarmônicas, levam a conflitos e inviabilidade da aplicação do regramento legal, que por sua vez, deve ser conferida através do estudo sobre a validade, vigência e eficácia da norma.
No plano juspositivista dogmático, a análise da Lei 13271/16, quanto ao seu alcance a revista íntima em mulheres visitantes das unidades prisionais, a princípio deve partir da concepção da existência da lei no plano da vigência, validade e eficácia, identificando os conflitos e sua capacidade de produzir efeitos no mundo jurídico.
2.1 Da Validade
Para produzir todos os seus efeitos, a lei necessita inicialmente que a validade seja observada. Numa visão sistêmica, é indispensável para o ordenamento jurídico que as normas coexistam harmonicamente, sejam coerentes e não ofereçam contradições, sobretudo, em relação ao texto das leis de hierarquia superior, não se admitindo a coexistência de leis incompatíveis, ainda que sejam do mesmo nível hierárquico.
Para Kelsen (1999), no plano da validade não se analisa a possibilidade dos efeitos da norma, mas a sua forma de elaboração, competência da autoridade legislativa e os meios adequados de comunicação. Esta dimensão foi denominada validade formal, enquanto na validade material, o que se observa é relação de coerência e subordinação as leis superiores e de igual hierarquia.
Tal concepção tem influência do pensamento positivista abraçado por Kelsen (1999, p.152), conforme se observa nos seus ensinamentos:
“Com efeito, o Direito positivo somente pode ser justificado – como já notamos- através de uma norma ou ordem normativa à qual o Direito positivo – segundo o seu conteúdo – tanto pode conformar-se como não se conformar, assim podendo, portanto, ser justo ou injusto. A norma fundamental, determinada pela Teoria Pura do Direito como condição da validade jurídica objetiva, fundamenta, porém, a validade de qualquer ordem jurídica positiva, quer dizer, de toda ordem coerciva globalmente eficaz estabelecida por atos humanos. De acordo com a Teoria Pura do Direito, como teoria jurídica positivista, nenhuma ordem jurídica positiva pode ser considerada como não conforme à sua norma fundamental, e, portanto, como não válida. O conteúdo de uma ordem jurídica positiva é completamente independente da sua norma fundamental. Na verdade – tem de acentuar-se bem – da norma fundamental apenas pode ser derivada a validade e não o conteúdo da ordem jurídica.” (grifos nossos)
Da mesma forma, Ferraz Jr. (2003, p. 203), leciona que, “a validade é uma qualidade da norma que designa sua pertinência ao ordenamento, por terem sido obedecidas as condições formais e materiais de sua produção e consequente integração no sistema. ”
Como se percebe, ao integrar-se ao ordenamento jurídico a norma passa a ser válida, mas, havendo vícios de ordem formal ou material, poderá comprometer a sua aplicabilidade, por isto é incorreto afirmar que basta a validade da lei, para que a mesma possua capacidade de produzir efeitos leais.
Neste contexto, como já foi apresentado nos itens que tratam sobre o procedimento legislativo e as emendas, extrai-se que, do ponto de vista da validade formal a lei 13271/16, atende todos os requisitos legais, pois respeitou as regras procedimentais para a sua criação, tendo sido elaborado por autoridades competentes, seguido os ritos legislativos adequados e utilizado o instrumento apropriado para a sua publicação.
Por outro lado, sob o mote da validade material, o vício reside na contrariedade a lei de hierarquia superior, que não admite o tratamento desigual injustificado entre mulheres e homens, sobretudo, quando envolver direitos fundamentais.
Sem embargos, é possível inferir que a Lei 13.271/16, ao prever apenas a proibição da revista íntima em mulheres, apresenta vício de constitucionalidade, tornando-a conflitante com a Constituição Federal e incoerente com outros dispositivos legais vigentes. No caso em tela, isto não quer dizer que este vício seja capaz de tornar nula toda a lei, mas que traz sérios e injustificados prejuízos a uma das partes;
2.2 Da Vigência
A vigência da norma, compreende o plano da sua existência no ordenamento jurídico. Em tese, não basta que ela seja válida e tenha atendido os pressupostos legais de construção legislativa, mas, ela deve ser também capaz de ser utilizada no mundo jurídico. Portanto, vigência da lei deve ser compreendida como o período em que a lei encontra-se posta, a disponibilidade do mundo jurídico, sem que necessariamente seja preciso haver capacidade de produzir efeitos, porém, confunde-se com a eficácia.
Sendo assim, toda norma vigente será obrigatoriamente válida, posto que a validade é pressuposto de condição da vigência, no entanto, a norma poderá ser apenas válida, visto que atendeu os requisitos de produção legislativa, sem que esteja vigente, dado a necessidade de analisar a sua dimensão temporal, que se inicia com a publicação valida, perdurando enquanto haja capacidade de produzir efeitos, cuja incapacidade pode se operar pela vacatio legis, por alguma condição suspensiva, pela ab-rogação ou revogação da mesma.
Segundo KELSEN (1996, p.59), in verbis:
“[…] com a palavra 'vigência' designamos a existência específica de uma norma. Quando descrevemos o sentido ou o significado de um ato normativo dizemos que, com o ato em questão, uma qualquer conduta humana é preceituada, ordenada, prescrita, exigida, proibida; ou então consentida, permitida ou facultada.”
Dentro de uma perspectiva conceitual da teoria da norma jurídica, convém notar que a ei 13271/16, além de válida, posto que atendeu todos os requisitos legislativos para a sua criação, também, encontra-se vigente desde o dia 15 de abril de 2016, data da sua publicação, haja vista, que até o momento não existe nenhuma condição de interrupção ou extinção da mesma.
2.3 Da Eficácia
Do ponto de vista técnico-normativo a eficácia da lei, relaciona-se diretamente com a produção dos efeitos jurídicos, que pode ser mensurada em razão da intensidade da sua aplicação e dos resultados concretos produzidos. Para Hans Kelsen (1999), a eficácia da norma é a própria condição da validade do ato normativo, porquanto uma lei que não tem possibilidade de produzir efeitos, ainda que mínimos, mesmo sendo válida e vigente, não pode ser considerada existente no plano jurídico.
Em posicionamento oposto, o qual juga-se mais coerente, Ferraz Jr. (2003), defende que, mesmo que a norma não tenha a mínima condição de produzir efeitos concretos, ainda assim, ela continuará valida, uma vez que atendido todos os requisitos legais de produção legislativa, é o suficiente para a efetivação da validade formal, não sendo necessário a produção de efeitos concretos. Neste sentido, pode-se afirmar que uma norma que não possui condições de executabilidade ou que tenham caído em desuso, não possui eficácia plena.
Sob este ângulo, evidencia-se que a Lei 13.271/16, no que pese ainda suscitar calorosas discussões, sobretudo, quanto a possibilidade de produzir efeitos jurídicos concretos na regulação das revistas íntimas de visitantes do sexo feminino das unidades prisionais, encontra-se perfeita e acabada sob o ponto de vista da validade formal, embora careca de validade material, conquanto vigente, não possui eficácia para produzir efeitos concretos sob a revista íntima de visitantes femininas em ambientes prisionais, como já dito, por ausência de regulamentação conceitual e previsão expressa no ato normativo.
3 VÍCIO DE CONSTITUCIONALIDADE DA LEI
O sistema jurídico para que não sofra contaminação dos seus atos, deve funcionar de forma harmônica, pressupondo uma obediência hierárquica entre a vontade da constituição e o texto normativo infraconstitucional, sob pena de invalidação do ato ou mesmo da norma. O texto normativo, quando contraditório, além de gerar insegurança jurídica, torna a lei imprestável para os fins a que se destina, incapaz de produzir efeitos esperados, nem razão para a sua subsistência.
Ressalte-se, que a lei da revista íntima, mesmo tendo sofrido alterações ao longo da sua tramitação nas duas casas legislativa, entre os anos de 2007 a 2016, recebendo 05 (cinco) emendas e 12 (doze) pareceres e substitutivos, não foi capaz de sanar o seu vício de constitucionalidade material. Ao tutelar apenas das revistas femininas, feriu os princípios da isonomia e da equidade, que são sustentáculos de qualquer Estado Democrático de Direito.
A bem da verdade, não parece sensato dizer que no caso concreto, o legislador tenha tido o cuidado em aplicar o conceito da igualdade material ou substancial, como critério essencial para a promoção da equidade, visto que, ao criar injustificadamente a distinção entre homens e mulheres, tem-se claro a ofensa ao princípio basilar da dignidade humana, aqui representado pela desigualdade de gênero.
Ocorre, que, enquanto a igualdade formal, é compreendida como aquela representada pelo tratamento da lei da mesma forma para todos, contribuindo em alguns casos para um tratamento desigual e injusto, dado ao seu excesso de formalidade e ausência de ponderação. A igualdade material, visa trazer equilíbrio e proporcionalidade a lei, conforme Aristóteles, consubstancia-se em “tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade”.
Assim, ao atribuir tratamento desigual entre homens e mulheres, em matéria que não se justifica a aplicação da igualdade material ou substancial, fica evidenciado o inequívoco desrespeito do legislador aos princípios da equidade, que no caso concreto, atenta verdadeiramente contra o princípio da dignidade humana, visto que a matéria exige o tratamento equânime, não havendo justificativa para distinção de sexo.
Dirley da Cunha Junior, (2009, p. 660), leciona que a igualdade formal abrange:
“a) A igualdade na lei – que significa que nas normas jurídicas não pode haver distinções que não sejam autorizadas pela Constituição. Tem por destinatário o legislador na medida em que o proíbe de incluir na lei fatores de discriminação, responsáveis pela ruptura da ordem isonômica.
b) A igualdade perante a lei – segundo a qual se deve aplicar igualmente a lei, mesmo que die uma desigualdade. Dirige-se aos aplicadores da lei e traduz imposições destinada aos poderes estatais, que, na aplicação da norma legal, não poderão subordina-la a critérios que ensejem tratamento seletivo ou discriminatório.”
Desta forma, não se admite o sancionamento de uma lei, sem a homenagem ao princípio da equidade, sobretudo, quando a mesma se pauta nas garantias fundamentais estabelecidos pelo Estado Democrático de Direito, já consolidado há tempos em diversas legislações pátria e tratados internacionais do qual o Brasil é signatário.
Desde o final do século XVIII, o Princípio da Equidade entre homens e mulheres, já vem sendo eleito como o balizador das relações contidas na Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, fundamentado nos artigos, 1º e 6º, tais como:
“Art. 1º Os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem fundamentar-se na utilidade comum. […] Art. 6º A lei é a expressão da vontade geral. Todos os cidadãos têm o direito de concorrer, pessoalmente ou através de mandatários, para a sua formação. Ela deve ser a mesma para todos, seja para proteger, seja para punir. Todos os cidadãos são iguais a seus olhos e igualmente admissíveis a todas as dignidades, lugares e empregos públicos, segundo a sua capacidade e sem outra distinção que não seja a das suas virtudes e dos seus talentos.”
Nesta dimensão, a constituição federal também trata em diversos artigos, sobre o direito a igualdade, afirmando no art. 3º, IV, que constitui objetivo fundamental do Brasil, a promoção do bem de todos, sem preconceito de cor, raça e sexo. Reitera no caput e no parágrafo do Art. 1º e Art. 5º da CF/88, que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, e homens e mulheres são iguais em direito e obrigações.
É bem verdade, que o referido vício de constitucionalidade material sinalizado na lei 13.271/16não possui o condão de contaminar toda a lei 13.271/16, contudo, a jurisprudência, também, terá que resolver a lacuna deixada em relação ao gênero do visitante das unidades prisionais, visto que, não é raro no sistema deparar-se com visitantes que assumem o seu gênero distinto do seu sexo. Nestes casos, haverá impedimento do acesso a estes indivíduos as unidades prisionais ou os servidores estarão autorizados a fazer a revista íntima, uma vez que, o ato normativo só contempla o sexo feminino?
Feita as necessárias considerações, tem-se a ideia de que mesmo os direitos fundamentais não são absolutos, sobretudo, quando alicerçado pelo direito individual a intimidade, corolário do princípio da dignidade da pessoa humana. Tal entendimento encontra-se consolidado há muito tempo, tanto pelas cortes superiores, quanto pela doutrina majoritária, que neste aspecto se alinharam no pensamento de que não há direito fundamental absoluto, por isto, o seu exercício encontra limites em outro direito da mesma espécie, exigindo ponderações de interesses para a sua resolução.
3.1 Ponderação de interesses
Na busca da resolução desses conflitos entre direitos da mesma espécie, é prudente a aplicação do método de ponderação de interesses, que consiste em analisar o caso concreto, optando pelo bem ou direito de maior abrangência. Da mesma forma, tratando-se de um direito individual em face do direito coletivo, é imperioso que o segundo tenha preferência em relação ao primeiro. No caso em concreto, não se apresenta sensato, que o alegado direito a intimidade do visitante de unidade prisional, não ter que retirar a roupa para ser revistado preventivamente, possa prevalecer em face ao direto coletivo e difuso, dos agentes penitenciários em garantir a segurança pessoal, do estabelecimento, e a segurança pública que reflete a toda a sociedade.
No mesmo passo, a respeito do direito a intimidade, que será tratado adiante, Dirley Cunha Jr (2009, p. 680), afirma que “a intimidade é a vida secreta ou exclusiva que alguém reserva para si, sem nenhuma repercussão social, nem mesmo junto a sua família, aos seus amigos e ao seu trabalho”. Como se percebe, o Direito a intimidade, que também não deve ser confundida com o direito à privacidade, não guarda nenhuma relação com a conveniência do indivíduo que não deseja se submeter a um procedimento de revista corporal para entrar nos estabelecimentos prisionais, sobretudo, quando tal procedimento é realizado atendendo aos limites da proporcionalidade, por servidores do mesmo sexo, na unidade prisional e em local adequado.
Em razão das peculiaridades de um ambiente prisional, o afrouxamento das rotinas de segurança, alcançam negativamente em ação reflexa, tanto os servidores das unidades, quanto os custodiados, como os visitantes e a própria sociedade. Deste modo, tem-se com clareza que a proibição de revistas íntimas nas unidades, geram conflitos de direitos, do qual não parece razoável prevalecer o interesse individual do visitante.
Convém notar, que a referida lei, se aplicado para regulamentar as visitas nas unidades prisionais, criará conflito principiológico, na medida em que, equivocadamente o legislador e minoritariamente alguns juristas atribuem caráter absoluto ao direito a intimidade, relacionando-o ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana como direito incondicional, sem levar em consideração qualquer ponderação de interesses, nem o caráter relativo dos princípios insculpidos nos direitos fundamentais individuais, haja vista, não existir nenhum princípio absoluto o bastante para não poder ser relativizado em razão do interesse coletivo e/ou difuso.
3.2 Direito a Intimidade
Um dos principais argumentos para a propositura da referida lei, baseou-se na suposta violação dos direitos a intimidade da mulher, que por esta razão afrontaria a dignidade da pessoa humana. Contudo, tal argumento apresenta-se um engano, o que parece estar em voga é o princípio da conveniência das visitantes e dos seus visitados, posto que, quando a matéria diz respeito ao controle de objetos ilícitos e proibidos nas dependências das unidades prisionais, o interesse pessoal não deve contrapor-se ao coletivo.
O afrouxamento do controle dos materiais ilícitos trazidos pelos visitantes para os custodiados, repercute negativamente para toda a sociedade, seja na forma do aumento da violência urbana, do descontrole do aparelho repressivo do Estado ante o paralelismo do poder dos criminosos, no empoderamento das facções ou mesmo na insegurança dos servidores públicos representantes do controle estatal.
Dado a relativização do caráter dos direitos fundamentais, cumpre reiterar, que havendo conflitos principiológicos, estes devem ser resolvidos aplicando aquele que for mais adequado a resolução. Isto implica em afirmar que embora o princípio constitucional se reverta de poder de normatividade, a ponderação do princípio que deve prevalecer, será essencial para determinar a supremacia no caso concreto. Aqui não se trata de aplicar o princípio mais conveniente, mas, aquele que represente o mais adequado ao interesse coletivo.
Nesta linha, o direito à privacidade que é gênero, do qual a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem são espécies, consagra apenas o direito de o indivíduo resguardar-se da intromissão e divulgação por terceiros na sua vida particular e familiar.
O Direito da intimidade encontra amparo maior na Constituição Federal, no art 5º, inciso X, onde está previsto que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. Embora a maioria dos autores não faça distinção entre o direito a intimidade e a privacidade, estes resultam dos direitos fundamentais individuais, por este motivo não são ilimitados, nem absolutos, podendo ser relativizados desde que não haja exposições públicas da vida intimidade da pessoa.
Leciona Gilmar Mendes (2012, p, 408) que:
“O objeto do direito à intimidade seriam as conversações e os episódios ainda mais íntimos, envolvendo relações familiares e amizades mais próximas.
O direito à privacidade é proclamado como resultado da sentida exigência de o indivíduo “encontrar na solidão aquela paz e aquele equilíbrio, continuamente comprometido pelo ritmo da vida moderna.”
Enquanto o direito à intimidade, inúmeras vezes é utilizado como sinônimo de direito à privacidade, pois esta tutela a relação do indivíduo com seu ciclo familiar, profissional e de amizade, reservando-se a personalidade do indivíduo, o direito a intimidade, resguarda a relação do indivíduo com outros membros do seu convívio pessoal.
Não é correto afirmar que a revista íntima nas unidades prisionais, atinge o direito à intimidade, visto que, o procedimento realizado é necessário, preserva a imagem do visitante e não expõe a terceiros a sua intimidade. Ademais, havendo excessos no procedimento, existem dispositivos legais que tutelam a honra do cidadão, sejam na esfera penal, cível e administrativo.
Nesse sentido, o direito à privacidade, também, sujeita-se a ponderação de interesses nos limites da própria constituição. Perfilhando este entendimento, sustenta Gilmar Mendes (2012, p. 411):
“O direito à privacidade, em sentido mais estrito, conduz à pretensão do indivíduo de não ser foco da observação por terceiros, de não ter os seus assuntos, informações pessoais e características particulares expostas a terceiros ou ao público em geral.
Como acontece com relação a qualquer direito fundamental, o direito à privacidade também encontra limitações, que resultam do próprio fato de se viver em comunidade e de outros valores de ordem constitucional.”
Trazendo para o objeto deste artigo, não há o que se falar em violação a direito a intimidade, o fato de qualquer visitante de unidade prisional que pretenda ter acesso a área restrita dos presos, passar pelo procedimento de revista corporal, ainda que seja sem a utilização de equipamentos de imagens, desde que, a revista seja realizada em local reservado, por servidores do mesmo sexo, de forma visual, sem a manipulação das suas partes intimas, nem exposição a observação de terceiros alheios a revista, sobretudo, porque o procedimento de segurança é realizado como medida de proteção coletiva e os visitantes se dirigem as unidades de forma espontânea, sabendo que passarão pela revista corporal para acessar as áreas de convivência dos custodiados.
4 A LICITUDE DA PROVA OBTIDA MEDIANTE REVISTA ÍNTIMA E AS PENALIDADES PREVISTAS PELO EXCESSO E DESIDIA DO SERVIDOR
Entende-se como prova processual, tudo que for capaz de demonstrar a verdade real dos fatos e formar o livre convencimento do juiz, excluindo-se os obtidos por meio ilícitos e ilegítimos, e os derivadas destes, como se infere da leitura dos artigos 5º, LVI da Constituição Federal e 155 e 157, caput, § 1º do Código de Processo Penal-CPP.
Neste sentido, ensinam Távora; Alencar (2010), que embora não seja absoluto a liberdade probatória, os artigos que tratam dos meios da prova no CPP são apenas exemplificativos, conforme se extrai da leitura do Parágrafo Único do art. 155 do CPP, quando afirma que “somente quanto ao estado das pessoas, serão observadas as restrições estabelecidas na lei civil. ”
Assim sendo, a prova será considerada proibida quando a mesma for capaz de violar a lei ou princípios de direito material ou processual. Com efeito, distingue-se provas ilícitas das ilegítimas, segundo Ada Pellegrini Grinover et al. (2001 apud TÁVORA; ALENCAR, 2010, p. 350-351), enquanto a primeira caracteriza-se por violar disposição de direito material ou princípios constitucionais penais, a exemplo das provas obtidas mediante tortura, na segunda, viola-se a norma processual e princípios constitucionais da mesma espécie, a exemplo da violação ao art. 175 do CPP, quando a perícia deixar de atestar a natureza e a eficácia do instrumento utilizado na infração penal.
Sobre a vedação das provas derivas das ilícitas, a teoria dos frutos da árvore proibida, sugere que haverá contaminação das provas tornando-a imprestável para o processo penal, quando as mesmas forem obtidas por violação as normas constitucionais ou infraconstitucionais, e constituírem-se em únicas provas ou delas forem derivas.
No caso das provas colhidas mediante revista corporal nas unidades prisionais, estas não devem ser consideradas contaminadas, visto que, as pessoas que se dirigem por livre e espontânea vontade, sabem previamente que serão submetidos a uma revista corporal. O procedimento não pode ultrapassar os limites do objetivo do ato e sempre deverá ser realizado por servidores do mesmo sexo do revistado e em local reservado.
Assim tem sido a decisão majoritária dos tribunais, abraçada pelas cortes superiores, como demonstra julgado do Superior Tribunal de Justiça – STJ, proferida no ano de 2015 pela QUINTA TURMA, cujo Relator Ministro Felix Fischer, reconheceu a licitude das provas colhidas pelos Agentes Penitenciários nas revistas íntimas, desde que o procedimento não exceda os limites do objetivo do ato, também, declarou, ainda, que não há direito absoluto, reconhecendo a possibilidade da mitigação do direito a intimidade, quando houver conflitos entres direitos da mesma espécies.
“PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. NÃO CABIMENTO. NOVA ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL. ART. 33, CAPUT, C.C. ART. 40, INCISO III, DA LEI Nº 11.343/2006. INGRESSO DE ENTORPECENTES EM ESTABELECIMENTO PRISIONAL. ILICITUDE DA PROVA DECORRENTE DE REVISTA ÍNTIMA. INOCORRÊNCIA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. (…)III – Não se configura a ilicitude da prova decorrente de revista íntima na qual se encontraram entorpecentes no corpo de denunciada, se tal procedimento não excedeu os limites do objetivo do ato, que é a garantia da segurança pública quando da entrada de visitantes em estabelecimentos prisionais. Em outras palavras, é possível a mitigação do direito à intimidade da pessoa, como na espécie, em benefício da preservação de outros direitos constitucionais igualmente consagrados, uma vez que não há, no ordenamento jurídico-constitucional, direitos fundamentais de caráter absoluto (MS n. 23.452/RJ, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de12/5/2000).IV – O direito à intimidade, portanto, não pode servir de escudo protetivo para a prática de ilícitos penais, como o tráfico de entorpecentes no interior de estabelecimentos prisionais, notadamente quando, em casos como o presente, há razoabilidade e proporcionalidade na revista íntima, realizado por agente do sexo feminino e sem qualquer procedimento invasivo (precedente). (…) Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para fixar o regime semiaberto para o início de cumprimento da pena das pacientes, mantidos, no mais, os termos da condenação.” (HC 328.843/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 15/10/2015, DJe 09/11/2015)
Ademais, qualquer pessoa que for encontrada cometendo um crime, estará sob estado de flagrante delito, conforme se infere da leitura do art. 301 do Código de Processo Penal, no caso dos flagrantes realizados nos procedimentos de revista intima das visitas prisionais, vincula o agente público responsável pela segurança da unidade a obrigatoriedade de prender o infrator ou impedir que o seu ato se consuma, sendo o caso, imediatamente conduzindo o transgressor até a autoridade policial.
Destarte, tanto a Constituição Federal, quanto o CPP são claros em afirmar que o Agente Público deve proceder dentro dos limites da lei, a busca ou revista em suspeitos, bem como, a prisão daqueles que estiverem em estado de flagrante delito, não justificando o impedimento de revistas corporais ou íntimas aos visitantes dos custodiados das unidades, sejam estes homens ou mulheres, sobretudo, quando há previsão no art. 244 do CPP para a revista corporal.
Entretanto, não se admitirá a prisão e consequentemente as provas serão consideradas inexistentes, quando singulares, daquelas derivadas do flagrante preparado ou provocado, conforme súmula do STF n. 145, visto que, nestes casos o agente induz ou instiga o indivíduo a cometer o ato delitivo com o intuito de prendê-lo.
Admitindo-se, hipoteticamente, que a única forma licita de revista íntima corporal seja aquela realizada nos estabelecimentos prisionais através de aparelhos de imagem, neste caso, haverá ainda motivo maior para que a revista íntima continue sendo um ato atentatório a dignidade da pessoa humana, na medida em que, incontestavelmente expõe o visitante ao perigo as cargas eletromagnéticas sucessivas e seus efeitos nocivos à saúde humana, sobretudo, para aqueles que acompanharão os custodiados em contínuas visitas às prisões.
Assim, sendo, seria o caso de ponderar entre a conveniência do visitante em não querer se despir para submeter-se ao procedimento de segurança, ou expor a sucessivas taxas de radiação, nocivas à saúde humana?
Como visto, a corrente que entende que as revistas corporais devem ser realizadas através de instrumentos de imagem, não perceberam a possibilidade dos efeitos deletérios da exposição radiativa nos corpos dos visitantes, constituindo-se em verdadeiro atentado a dignidade da pessoa humana.
No mesmo passo, as provas colhidas através das imagens corporais obtidas pelos aparelhos de raio X ou scanner corporal, por força do instituto do crime impossível, previsto no art. 17 do Código Penal, deverá ser considerado impunível, dado a ineficácia absoluta do meio ou do instrumento utilizado pelos visitantes para a consumação do crime, na medida em que, os aparelhos de raio X impossibilitam que o visitante passe despercebido com objetos escondidos no seu corpo?
É de suma importância reiterar que o entendimento majoritário, dos casos em que os visitantes são flagrados tentando ingressar na unidade com materiais ilícitos nas partes íntimas, cujo procedimento seja proporcional e realizado sem coação, em local apropriado e dentro dos padrões procedimentais permitidos, é de que o ato não é considerado constrangedor, nem atentatório a dignidade e as provas não serão consideradas ilegais.
4.1. As Sanções ao Servidor
Nos casos de excesso e desvio do objetivo do ato procedimental, o servidor poderá ser responsabilizado administrativa e criminalmente por constrangimento ilegal, nos termos do art. 146 do Código Penal, e o Estado responderá objetivamente na esfera cível pelos danos causados pelos seus agentes, com base nos artigos 37 § 6º c/c art. 977 do Código Civil, com possibilidade de direito a ação regressa do Estado contra o servidor.
Do mesmo modo, por força da profissão, o servidor que deixar de realizar dolosamente os procedimentos fiscalizatórios regulamentares, contribuindo para a consumação da conduta delitiva do visitante, ainda que culposamente, poderá responder pelos resultados em coautoria, na modalidade de crime omissivo impróprio, por ter injustificadamente deixado de agir não realizando os procedimentos de praxe.
Na mesma esteira, o agente público, por imposição legal previsto no art. 319-A do Código Penal, não pode deixar de impedir ou tentar vedar, a entrada e o acesso do preso ao aparelho telefônico ou similar, nas áreas proibidas das unidades prisionais. Portanto, a proibição de revistas íntimas as visitantes nos estabelecimentos prisionais, implica em embaraço a eficácia do próprio art. 319-A, e os agentes públicos que deixarem de realizar o procedimento de revista corporal, sobretudo, quando confirmado que o aparelho de comunicação chegou ao custodiado por desídia do servidor, também, poderá responder pelo crime em tela, uma vez que, a lei 13.271/16, não foi capaz de revogar o referido artigo.
Entretanto, cumpre observar, que em virtude do princípio do ne bis in idem, não é possível a dupla imputação ao agente infrator pelo mesmo fato, razão pela qual, o servidor não poderá ser condenado pelo crime em coautoria na modalidade omissivo impróprio, em concurso com o crime do art. 319-A.
Ocorre que ao tomar conhecimento de alguns dos supostos atos infracionais relatados anteriormente, o servidor que no exercício do cargo de chefia, por piedade deixar de responsabilizar o subordinado que cometeu a infração no exercício da função, ou deixar de comunicar o fato a autoridade competente, quando o mesmo não possuir competência para tanto, incorrerá no crime de condescendência criminosa, prevista no artigo 320 do Código Penal.
Como visto, não se pode analisar a lei 13.271/16, de forma dissociada da realidade fática, nem das consequências geradas pela antinomia jurídica, entre normas da mesma hierarquia. A pretensão da garantia da proibição da revista íntima ou corporal nas visitantes das unidades prisionais, traz perigo a segurança institucional e coloca injustificadamente em vulnerabilidade a segurança pública e jurídica, sendo inadequado afirmar que a referida revista fere a dignidade do visitante, sobretudo, quando já existe previsão legal para punir a conduta desviante do agente que comete excesso no procedimento de segurança, bem como, pela sua desídia na realização das suas atribuições.
5 ANALISE DAS DECISÕES JUDICIAIS
A análise da jurisprudência é importante para ter um panorama das decisões judiciais dos casos em concreto, contribuindo para a formação de uma visão crítica sobre o assunto. Não há dúvidas que as decisões judiciais dos tribunais criminais brasileiro, precisam alinhar-se aos ditames dos direitos e garantias fundamentais, sob a égide de um modelo garantista, sem que se perca de vista que não há no ordenamento jurídico direito absoluto.
A bem da verdade, muitas vezes as decisões judiciais sofrem mais influências em razão das diretrizes das políticas criminais vigente, do que propriamente pelas convicções do magistrado. É o que se percebe nos julgados liberatórios de vários Habeas Corpus, a exemplo dos HC n.70057862880; 70058177148; 70058286642 proferidos no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul aos pacientes flagrados em atividade de tráfico de drogas:
“TJ-RS HC 70057862880 RS -Ementa: HÁBEAS CORPUS. APREENSÃO DE APROXIMADAMENTE QUARENTA GRAMAS DE MACONHA. DESNECESSIDADE DA PRISÃO, MEDIDA DE EXTREMA RATIO, EM UM PAÍS COM MAIS DE MEIO MILHÃO DE PRESOS, AUSÊNCIA DE PRESÍDIOS EM TODAS AS COMARCAS, ALTO ÍNDICE DE PRISÕES PROCESSUAIS E CONDIÇÕES DESUMANAS NOS CÁRCERES E AGENTES PÚBLICOS QUE NÃO ACEITAM A CONSTRUÇÃO DE PRESÍDIOS EM SUAS CIDADES. ORDEM CONCEDIDA”. (Habeas Corpus Nº 70057862880, Terceira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Nereu José Giacomolli, Julgado em 23/01/2014. Publicado DJ :18/02/2014.)
Em se tratando de decisões envolvendo delito cometido por visitantes flagrados nas revistas íntimas em unidades prisionais, transportando materiais ilícitos no seu corpo, existem deliberações, ainda que representem uma corrente minoritária, que acolhem o pedido de absolvição com fundamento no afastamento da prova, em razão do meio utilizado para a sua obtenção ser considerado atentatório a dignidade.
Neste contexto, a 1ª Vara Criminal Especializada da comarca de Salvador, na ação penal nº 0335105-25.2015.8.05.0001, absorveu no dia 27/07/17 a denunciada pelo crime de favorecimento real, que foi flagrada na revista íntima em uma unidade prisional de Salvador com um celular na vagina. Para absolve-la o juiz fundamentou as suas alegações, no fato da revista ter sido realizada sem observância dos direitos fundamentais, transformando a apreensão em ato ilícito, capaz de contaminar a prova e impossibilitar a legitimação do ato condenatório.
Sem entrar no mérito, a primeira observação a fazer diz respeito a competência do juízo, uma vez que se tratando de crime previsto no art. 349-A, cuja pena máxima em abstrato é de um ano de detenção, enquadra-se nos crimes de menor potencial ofensivo, amparado na lei 9.099/95, impondo o declínio de competência para o juizado criminal. A segunda observação, diz respeito a ausência de ponderação de direitos, criando obscuridade e contradição na ordem sentencial.
Em sentido diametralmente oposto a decisão anterior, a jurisprudência majoritária, vem entendendo que a prova obtida mediante revista íntima nas unidades prisionais, sem que haja ponderações de interesse não constitui fundamento suficiente para a anulação da mesma.
Em julgamento do Recurso Inominado nº 20150111190595 0119059-85.2015.8.07.0001, realizado em 30/06/16 pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal, foi declarado pela 3ª Turma Recursal que o fato do acusado ter sido flagrado no interior do estabelecimento penal tentando entrar com aparelho celular escondido, já caracteriza a consumação delitiva, mantendo a sentença condenatória monocrática:
“RECURSO INOMINADO. TJ-DF 20150111190595 0119059-85.2015.8.07.0001, E M E N T A PENAL. FAVORECIMENTO REAL (CP, Art. 349-A). I. Crime consumado: O acervo probatório confirma a autoria e materialidade do crime (ocorrência policial -fls. 03/04, auto de apresentação e apreensão – f.06 e depoimentos em juízo – fls. 32/32-v e 42, 46/48). E, diferentemente do alegado pela defesa, o tipo penal configura-se na forma consumada, porquanto o réu já se encontrava dentro do estabelecimento penal (revista pessoal), sendo irrelevante para a consumação o local exato, já que se trata de crime formal, o qual se consuma com prática de um dos núcleos do tipo, que se efetivou com o ingresso do réu no estabelecimento penal de posse dos aparelhos celulares. […]RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. Sentença mantida por seus próprios fundamentos (Lei n. 9.099/95, Art. 86, § 5º). Sem custas nem honorários”. (TJ-DF 20150111190595 0119059-85.2015.8.07.0001, Relator: FERNANDO ANTONIO TAVERNARD LIMA, Data de Julgamento: 28/06/2016, 3ª Turma Recursal, Data de Publicação: Publicado no DJE: 30/06/2016. Pág. 283/287).
Perfilhando com este entendimento, o Superior Tribunal de Justiça –STJ, no dia 12 de setembro de 2017, reiterou o reconhecimento da licitude das provas colhidas através da revista corporal nas unidades prisionais, ao afastar a ofensa a dignidade e a intimidade do visitante, consagrando a mitigação do direito à intimidade da pessoa em benefício da preservação de outros direitos constitucionais, ao declarar ser legitima a revista íntima realizada por agente penitenciário que age conforme as normas administrativas que disciplinam a atividade fiscalizatória, sobretudo, quando há fundada suspeita de que o visitante esteja tentando ingressar no estabelecimento prisional com materiais ilícitos escondidos no seu corpo.
“RECURSO ESPECIAL Nº 1.621.646 – RS (2016/0219826-8) RELATOR: MINISTRO JOEL ILAN PACIORNIK. RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. RECORRIDO: THAIS PAZ ROBAINA ADVOGADO: DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. DECISÃO. TRATA-SE DE RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, COM FULCRO NO ART. 105, III, ALÍNEA A, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, EM DESFAVOR DE ACÓRDÃO ASSIM EMENTADO: APELAÇÃO-CRIME. TRÁFICO DROGAS. INGRESSO EM CASA PRISIONAL. REVISTA ÍNTIMA. VIOLAÇÃO. À DIGNIDADE HUMANA E À INTIMIDADE. ABSOLVIÇÃO. INVALIDADE DA PROVA MATERIAL. CRIME IMPOSSÍVEL. ATIPICIDADE. […] O Ministério Público Federal opinou pelo provimento do recurso. (fls. 366/371) […]. Decido. O recurso merece provimento. Com efeito, a Quinta Turma desta Corte reconhece como válida a prova obtida a partir da revista íntima no momento do visitante ingressar em estabelecimento prisional, porquanto referida revista não viola o princípio da dignidade humana, sendo, desta forma, válida a prova que embasou o decreto condenatório da ré. A corroborar esse entendimento: […] 2. Não viola o princípio dignidade da pessoa humana, a revista íntima realizada conforme as normas administrativas que disciplinam a atividade fiscalizatória, e quando há fundada suspeita de que a visitante esteja trazendo a seu corpo droga para o interior do estabelecimento prisional, pois, diante da inexistência de direito absoluto, a proteção da intimidade da ré não pode ser usada como escudo para práticas ilícitas. Precedentes. 3. A revista íntima no estabelecimento prisional, por se tratar de atividade humana, sujeita a falhas, não impede, de forma absoluta, a consumação do delito de tráfico de drogas, ou seja, a entrada do entorpecente no estabelecimento prisional, sendo, portanto, típica a conduta praticada pela recorrente. Precedentes. 4. Habeas corpus não conhecido. (HC 381.593/RS, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, DJe 19/05/2017) HABEAS CORPUS. IMPETRAÇÃO EM SUBSTITUIÇÃO AO RECURSO CABÍVEL. UTILIZAÇÃO INDEVIDA DO REMÉDIO CONSTITUCIONAL. NÃO CONHECIMENTO. […] TRÁFICO DE DROGAS. INGRESSO EM PRESÍDIO COM SUBSTÂNCIAS ENTORPECENTES. DROGA LOCALIZADA POR MEIO DE REVISTA ÍNTIMA. LEGALIDADE DO PROCEDIMENTO. INEXISTÊNCIA DE ABUSO OU ADOÇÃO DE MEDIDAS INVASIVAS. LICITUDE DA PROVA. COAÇÃO ILEGAL NÃO CONFIGURADA. […]. 4. Havendo fundada suspeita de que o visitante do presídio esteja portando drogas, armas, telefones ou outros objetos proibidos, é possível a revista íntima que, por si só, não ofende a dignidade da pessoa humana, notadamente quando realizada dentro dos ditames legais, exatamente como ocorreu na espécie. […]. Assim, deve ser reconhecida como válida a revista íntima realizada na ré na entrada ao presídio, devendo ser restabelecida a sua condenação, nos termos da r. sentença de fls. 162/181. Ante o exposto, com fundamento no art. 932, inc. V, alínea a, do Código de Processo Civil c/c o art. 3.º do Código de Processo Penal, dou provimento ao recurso especial para afastar a absolvição da ré e determinar o prosseguimento do julgamento da apelação. Publique-se. Intimem-se. Brasília, 31 de agosto de 2017. MINISTRO JOEL ILAN PACIORNIK Relator”. (STJ. REsp 1621646 RS 2016/0219826-8. Publicado no DJ 12/09/17. Relator Ministro JOEL ILAN PACIORNIK) (grifos nossos)
Em recente decisão que foi confirmado pelo TJ-BA, foi negado provimento pelo juiz da 8ª Vara da Fazenda Pública, ao pedido de Tutela Antecipada do Sindicato dos Servidores Penitenciários da Bahia, que entrou com uma ação nº 0573379-40.2016.8.05.0001 para que fosse ordenado ao Estado da Bahia, não exigir aos servidores penitenciários, a realização de revistas íntimas nas visitantes das suas unidades prisionais, sob o fundamento que tal conduta fere o princípio da dignidade da pessoa humana e constrange os agentes penitenciários envolvidos na revista e os visitantes, in verbis :
“[…] DECIDO
O pleito de tutela de urgência deve ser negado. Não nega este juízo que o rito descrito na incoativa é vexatório e poderia ser substituído, com menos sofrimentos para o servidor e para a visitante mulher dos presídios deste Estado, por um aparato que pudesse detectar a presença de objetos escondidos no corpo daqueles.
Não obstante, entre esse vexame e a segurança pública, deve ser dada prevalência a esse último, devendo ser salientado que é notória a situação de caos orçamentário em que vivemos, tanto a nível federal como estadual, não se podendo esperar, por isso mesmo, que seja lícito exigir do réu que adquira imediatamente máquinas para fazer esse papel, de modo a que essa situação mude com uma "canetada" do Poder Judiciário, e de um dia para o outro.
Os agentes penitenciários sempre realizaram essa rotina, por mais vexatória que seja. Um belo dia se dão conta de que pode ser ajuizada uma ação e esperam que o Judiciário, num passe de mágica, e de um dia para o outro, mude tudo.
O titular desta vara não é mágico e se com revistas (supostamente minuciosas), feitas pelos agentes penitenciários são encontradas várias vezes dezenas de celulares e drogas nas cadeias públicas e penitenciárias deste Estado, quiçá o que pode ocorrer se isso deixar de ser feito.
Portanto, é lícito supor que a suspensão do serviço de revista, como pedido, imporia um periculum in mora reverso muito mais lesivo à ordem e paz pública do que a manutenção da rotina constrangedora acima reportada.
Em razão do exposto, NEGO o pedido de tutela de urgência acima formulado.” (Decisão 03/11/16. Juiz de Direito -Mário S. Caymmi Gomes) Ação nº 0573379-40.2016.8.05.0001.
Neste julgamento o magistrado ao analisar o pedido de antecipação de mérito com fundamento na urgência, proferiu decisão denegatória ao pleito do Sindicato dos Servidores Penitenciários da Bahia, aplicando a teoria da reserva do possível, ao afastar a competência do poder judiciário da ingerência dos gastos orçamentários do Estado.
Embora, o magistrado na decisão acima citada tenha suscitado a possibilidade da revista vexatória para ambas as partes, não apresentou elementos de convicção que fundamentasse esta situação, aduzindo que o princípio da segurança pública deve ser priorizado, ante a circunstância de vulnerabilidade que seria colocada as unidades prisionais da Bahia caso decidisse de outra forma. Importante reiterar, que em sede de Agravo de Instrumento nº 0023712-48.2016.8.05.0000 TJ/BA, a decisão do juiz a quo foi confirmada em sentença de mérito pelo juízo de reforma.
Em linhas gerais, percebe-se que alguns juízes vêm tendo um posicionamento eminentemente garantista, sem a preocupação com a ponderação de direitos, pelo menos em relação às provas colhidas nas apreensões de objetos ilícitos nas revistas íntimas das unidades prisionais. Contudo, os tribunais, majoritariamente, têm entendido em sentido contrário, desde que não haja excesso ou abuso no procedimento, dentro dos parâmetros de razoabilidade e proporcionalidade estabelecidos nas normas administrativas que disciplinam a atividade fiscalizatória, não há ofensa a dignidade, nem há vício nas provas colhidas nas revistas íntimas realizadas nos visitantes dos estabelecimentos prisionais.
CONCLUSÃO
Diante das incertezas geradas pela vigência da Lei 13.271/16, para o alcance da tutela da chamada revista íntima nas visitantes das nas unidades prisionais, seguindo a mesma ordem exposta no desenvolvimento da pesquisa, extraem-se as seguintes conclusões:
Em que pese o Projeto de Lei 583/07, inicialmente ter sido concebido para proibir a pratica de revista íntima apenas as funcionárias no ambiente de trabalho, a mesma foi sancionada com apenas 3 (três) artigos, passando a incluir no seu texto tanto as funcionárias das empresas privadas, quanto de órgão públicos e as clientes do sexo feminino, nada se referiu a homens, nem visitantes das unidades prisionais. Diante da complexidade e abrangência do assunto tratado na lei, o texto normativo aprovado mostrou-se muito sucinto, motivo pela qual, a tornou obscura, lacunosa, viciada, insegura e inaplicável para regulamentar as revistas íntimas das visitantes das unidades prisionais.
Percebe-se com muita clareza a ausência de previsão regulamentar no seu texto normativa, capaz de tutelar a visitante de custodiados e a omissão do conceito jurídico de revista íntima. Portanto, falta condições de aplicabilidade para o fim anteriormente exposto. A bem da verdade, se admitida a possibilidade do seu emprego, a partir deste momento terá que se aceitar o fim de qualquer tipo de revista às visitantes das prisões no país, dado a imperatividade do artigo 1º ao determinar que “fica proibido qualquer pratica de revista íntima”, inferindo-se que independentemente do método utilizado pelas unidades, mesmo havendo fundadas suspeitas de que a visitante se encontra cometendo flagrante delito, não poderá ser realizado nenhum procedimento de revista.
Uma vez existindo previsão em dispositivos do Código Processo Penal para a revista pessoal, não é razoável que se proíba a revista íntima, sobretudo, quando fundada por suspeita da visitante estar cometendo ato delitivo na unidade prisional. Especialmente neste caso, a lei 13.271/16 não pode conviver em desarmonia com os artigos. 301 e 302 c/c 244, todos do CPP, que prevê a revista corporal preventiva e regulamenta a prisão em flagrante, vinculando o agente público ao dever de realizar a prisão, em qualquer ambiente, restando claro que a antinomia da lei 13.271/16, é fator determinante de insegurança jurídica.
No tocante ao vício de constitucionalidade material, embora a norma em tela dispense tratamento injustificadamente desigual entre homens e mulheres, somente este fato não é capaz de anular toda a lei, porém, é suficiente para excluir os visitantes do sexo masculino da sua tutela. Contudo, em homenagem ao princípio da equidade, impõe-se que as revistas não sejam seletivas, devendo ser realizadas entre homens e mulheres na sua totalidade, sob pena do procedimento se caracterizar como preconceituosa e constrangedora, por não dispensar o mesmo tratamento a todos os visitantes.
No que tange a análise do plano da validade, vigência e eficácia, se percebe que não existe nenhum conflito no plano da validade, nem da vigência da referida norma. Entretanto, sob a perspectiva da eficácia, a lei 13.271/16, não é capaz de produzir efeitos legais, por total ausência de previsão expressa, que determine a proibição das revistas íntimas nas visitantes das unidades prisionais, faltando inclusive a conceituação legal do seu objeto. Objetivamente, a referida lei, não possui eficácia e não é capaz de fundamentar decisões judiciais a respeito da matéria, porquanto, o seu texto normativo se apresenta completamente omisso e confuso, incapaz de atender aos fins a que se destina.
Conforme se vislumbra na jurisprudência majoritária das cortes superiores, a realização das revistas corporais de visitantes nas unidades prisionais, por si só, não caracteriza ofensa a dignidade da pessoa humana, nem viola o direito a intimidade, quando realizado sem uso de aparelhos de imagem, desde que feita por agentes do mesmo sexo do visitante, em local reservado dentro da unidade e não ultrapasse os limites do objetivo do ato, conforme a norma administrativa que a disciplina, visto que, as revistas são procedimentos necessários e considerado ação voluntária dos próprios visitantes, que se dirigem a unidade prisional, com prévio conhecimento que serão submetidos a revista corporal. Ademais, é entendimento doutrinário e jurisprudencial que não há direito absoluto, e havendo conflito entre direitos da mesma espécie, deverá ser submetido a ponderação de interesses com supremacia do interesse coletivo, no caso, a incolumidade dos custodiados, dos servidores e dos próprios visitantes, e da segurança pública, em razão dos atos reflexos das ações intramuros.
Da mesma forma, não invalida a materialidade da prova, as obtidas mediante revista íntima em visitantes, quando as mesmas escondem objetos ilícitos no seu corpo para lubridiar a segurança e inseri-las no interior das unidades, desde que o procedimento de segurança não se configure ofensiva e atentatória as normas fiscalizadoras, sobretudo, quando pautar-se por fundadas suspeitas de cometimento do ato delitivo.
Por fim, no que diz respeito às dúvidas inicialmente apresentadas a partir do problema da pesquisa, tem-se que, o presente trabalho foi capaz de responder o núcleo do seu questionamento, demonstrando que a referida lei não dispõe no seu texto normativo de nenhuma alusão que alcance a tutela das visitantes dos estabelecimentos prisionais, bem como, apresenta-se inepta para regulamentar o procedimento de revista íntima nas unidades prisionais do Brasil por ausência conceitual do seu objeto, por outro lado, apresenta-se capaz de atingir a proteção das servidoras das unidades prisionais, faltando apenas a conceituação jurídica de revista íntima.
Isto posto, diante dos novos questionamentos gerados a partir dos resultados desta pesquisa, sugere-se o aprofundamento deste trabalho, a partir da compreensão da licitude das provas obtidas nos estabelecimentos prisionais por meio de aparelhos de imagem corporal nas revistas realizadas nos visitantes, a luz do instituto do crime impossível.
Casa Civil Subchefia para Assuntos Jurídicos. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/lei/L13271.htm> Acesso em: 20 de julho de 2017.
Informações Sobre o Autor
Sergio Vinicius Tanure dos Santos
Advogado; Especialista em Direito Penal e Processual Penal Centro Universitário Estácio da Bahia; Pós-graduado em Gestão e Auditoria Ambiental FIB; Metodologia do Ensino Pesquisa e Extensão em Educação UNEB; Bacharel em Direito Faculdade Mauricio de Nassau