Leandro Rodrigues Doroteu, Mariana Gonçalves Carneiro, Ricardo Pedroza Martirena, Sara Gonçalves Carneiro
Resumo: Nos tempos de crise financeira e consequente retração do crescimento e da arrecadação o tema orçamento público ganha maior relevância no debate acadêmico e popular. O tema em lide recebe destaque na mídia brasileira devido à sucessão de governos no Distrito Federal e a crise nos serviços públicos, principalmente nas áreas de saúde e educação, em face da dificuldade financeira e orçamentária vividas nos últimos anos. O cenário retratado corrobora a necessidade de aprofundamento do estudo da execução orçamentária do Fundo Constitucional do Distrito Federal. Quanto aos métodos empregados, respalda-se o presente trabalho na análise constitucional, legal e política do respectivo fundo por meio de pesquisa que adotou como método de procedimento o documental e bibliográfico. Quanto ao método de procedimento foi utilizado o método dedutivo. Como resultados observou-se insegurança jurídica devido a falta de critério para remanejar recursos bem como violação dos preceitos constitucionais ao extrapolar a utilidade de prestar assistência financeira às áreas de saúde e educação.
Palavras-chave: Orçamento. Finanças. Fundo Constitucional. Repasse.
Abstract: In times of financial crisis and consequent retraction of growth and collection the public budget theme gains more relevance in academic and popular debate. The issue under discussion is highlighted in the Brazilian media due to the succession of governments in the Federal District and the crisis in public services, especially in the areas of health and education, given the financial and budgetary difficulties experienced in recent years. This scenario corroborates the need to deepen the study of the budgetary execution of the Constitutional Fund of the Federal District. Regarding the methods used, the present work is supported in the constitutional, legal and political analysis of the respective fund through a research that has adopted as method of procedure the documentary and bibliographic. As for the procedure method, the deductive method was used. As a result, legal insecurity was observed due to a lack of criteria for resorting to resources as well as violation of constitutional precepts by extrapolating the usefulness of providing financial assistance to health and education areas.
Keywords: Budget. Finance. Constitutional Fund. Home.
Sumário: Introdução. 1 Histórico do Fundo Constitucional do Distrito Federal. 2. Análise técnica do Fundo Constitucional do Distrito Federal. 3 Diferença entre organizar e manter, com a prestação de assistência. 4 Inconstitucionalidades e ilegalidades na aplicação do FCDF. Conclusão. Referências.
Introdução
O objetivo geral do trabalho é analisar a execução orçamentária, pelo Governo do Distrito Federal, do Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF), pois devem-se ponderar vários critérios e parâmetros ao realizar a distribuição desse recurso financeiro com destinação específica.
Em cumprimento ao mandamento constitucional insculpido, pela emenda constitucional 19 de 1998, no Artigo 21, XIV da constituição federal, “organizar e manter a polícia civil, a polícia militar e o corpo de bombeiros militar do Distrito Federal, bem como prestar assistência financeira ao Distrito Federal para a execução de serviços públicos, por meio de fundo próprio;” (BRASIL, 1988) regulamentado no ano de 2003.
Para o presente trabalho importa compreender os limites e as diferenças entre “organizar e manter” e prestar assistência financeira. Uma vez que, com base nos históricos dos orçamentos de 2010 a 2016, os governos do Distrito Federal no período tentaram repassar para União o seu dever de manter financeiramente a área pública de Saúde e Educação. Para realizar o aporte supracitado, o Governo Distrital retira grande parcela do Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF) que deveria manter e a área de segurança pública do Distrito Federal.
Como o orçamento dita capacidade de planejamento e gestão de qualquer instituição, empresa pública ou privada, o tema reluz de extrema relevância e urgência para harmonizar a distribuição orçamentária financeira no Distrito Federal. Nos anos futuros se pensando uma solução como um limitador legal para essas transferências dentre as áreas contempladas.
Critérios subjetivos ou a falta de análise minuciosa, fragilizam as instituições em lide, e geram disputas internas. Isto promove descontinuidade no planejamento, pois não se sabe quanto será destinado para cada órgão. O Governo local deve respeitar o ordenamento jurídico, alocando recursos próprios na saúde e educação, pois o Fundo Constitucional foi constituído para assegurar maiores recursos na área de segurança pública na Capital Federal, sede dos poderes da República.
Neste diapasão, o Governo necessita acertar as suas contas públicas para não continuar promovendo um desequilíbrio financeiro. É dever do Governo do Distrito Federal organizar, e principalmente manter a área pública de saúde e educação. Sendo assim, para realizar o aporte supracitado, o Governo Distrital retira grande parcela do Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF) que deveria organizar e manter, prioritariamente, a Polícia Militar, a Polícia Civil e o Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal.
Ante ao exposto, quais seriam os critérios legais e subjetivos a serem observados na divisão do Fundo Constitucional? Para responder à questão o presente trabalho passa pelos objetivos gerais de: compreender o histórico da instituição do Fundo Constitucional do Distrito Federal; distinguir organização, manutenção e prestação de assistência; analisar o FCDF do ponto de vista técnico orçamentário; identificar irregularidades na aplicação dos recursos.
1 Histórico do Fundo Constitucional do Distrito Federal
A Constituição da República ratificou a responsabilidade de Brasília em abrigar fisicamente a Capital Federal e também consolidou a autonomia política do Distrito Federal, elevando-a a categoria de membro da Federação embora com características diferenciadas demonstradas oportunamente.
Desta forma, a manutenção de alguns setores do Distrito Federal sempre foi definida como uma “obrigação” da União (Governo Federal). Isso justifica-se por ser Brasília uma cidade administrativa não detentora de base arrecadatória sólida e suficiente.
Além disso, a Capital Federal possui em seu território a sede dos Poderes da República, as representações diplomáticas e o recebimento de diversos Chefes de Estado e Autoridades Internacionais.
Desde a criação da atual Capital Federal, a União realiza suporte financeiro ao Distrito Federal em face de suas peculiaridades, por meio de repasses para manutenção e custeio da área de segurança pública, e realiza assistência financeira para educação e saúde. Tais transferências eram realizadas sem amparo legal específico, em geral por meio de convênios, acordos e outros ajustes. A partir de 1998 passou haver previsão constitucional expressa com a inclusão do inciso XIV do art. 21 citado na introdução.
Os repasses, bem como o valor do montante, a forma e os prazos deixavam o Distrito Federal em situação fragilizada e instável. Pois, a execução das ações governamentais voltadas às aludidas áreas dependia da discricionariedade (oportunidade e conveniência) do Governo Federal, que atrasando ou não depositando no dia acordado geravam dificuldades na condução da máquina administrativa pelo Dirigente Distrital, em caso do impasse dos valores ou atraso na liberação desses recursos.
Essa falta de mandamento legal gerava insegurança jurídica ao governo local, com repercussões nas áreas de planejamento e orçamento. A situação jurídica foi consolidada com a edição da lei que regulamentou o dispositivo constitucional, Lei nº 10.633/2002, com vigência a partir de janeiro de 2003, a qual preceitua:
“Art. 1º Fica instituído o Fundo Constitucional do Distrito Federal – FCDF, de natureza contábil, com a finalidade de prover os recursos necessários à organização e manutenção da polícia civil, da polícia militar e do corpo de bombeiros militar do Distrito Federal, bem como assistência financeira para execução de serviços públicos de saúde e educação, conforme disposto no inciso XIV do art. 21 da Constituição Federal.” (BRASIL, 2002)
Com isso, a partir de 2003, sanou-se a dependência orçamentária discricionária do Governo Federal. A Capital da República passou a trilhar seu planejamento orçamentário com valores pré-fixados, e com as devidas correções anuais, independentemente da vontade da autoridade fazendária ou do Governo Federal.
Segundo dados do Tribunal de Contas da União, somente nos anos de 2011 a 2014 o Governo Federal repassou para o Distrito Federal mais de 40 bilhões. “Por meio de exame das leis orçamentárias anuais da União aprovadas para o período de 2011-2014, o Governo do Distrito Federal contou com mais de 40 bilhões de reais a título de repasses do Governo Federal para o Fundo Constitucional do Distrito Federal.” (TCU, 2015).
- Análise técnica do Fundo Constitucional do Distrito Federal
Conforme o Manual Técnico Orçamentário (MTO) o Fundo Constitucional do Distrito Federal agrega ações pertencentes ao programa 0903 – Operações Especiais: Transferências Constitucionais e as decorrentes de Legislação Específica. No qual não possui metas físicas, visto que sua execução é realizada diretamente pelas Unidades Gestoras do Distrito Federal no Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal – SIAFI, na modalidade de aplicação direta de recursos (BRASIL, 2010).
Na estrutura do Governo Federal, a Subsecretaria de Planejamento, Orçamento e Administração do Ministério da Fazenda (SPOA/MF) e a Secretaria de Orçamento Federal do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (SOF/MP) são as responsáveis pela supervisão dos processos de planejamento e execução orçamentária e financeira no Sistema de Administração Financeira do Governo Federal (SIAFI) e Sistema Integrado de Administração de Recursos Humanos (SIAPE) (BRASIL, 2010).
Um dos objetivos do Fundo Constitucional é garantir execução de serviços públicos na Capital Federal, que é sede dos três poderes da República, sendo desta forma, o Centro Político Nacional. O Distrito Federal vem a cada dia se tornando uma grande metrópole, tendo uma área fora de seus limites territoriais chamada de “entorno”, ou de RIDE – Região Integrada de Desenvolvimento Econômico. A referida região utiliza os serviços públicos da capital, principalmente na área de saúde.
Em relação à execução orçamentária, Osvaldo Sanches (1997, p.168) afirma que o orçamento pode ser conceituado como o documento onde são previstas:
“As quantias de moeda que, num período determinado (normalmente um ano), devem entrar e sair dos cofres públicos (receitas e despesas), com especificacão de suas principais fontes de financiamento e das categorias de despesas mais relevantes, Usualmente formalizado na forma definida pela Constituição. Nos tempos modernos este instrumento, cuja criação se confunde com a própria origem dos Parlamentos, passou a ser situado como técnica vinculada ao instrumental de planejamento. Na verdade, ele é muito mais que isso tendo assumido o caráter de instrumento múltiplo, isto é, político, econômico, programático (de planejamento), gerencial (de administração e controle) e financeiro.”
Como já foi dito, a execução dos recursos destinados do FCDF tem-se sua operacionalização no Sistema Integrado de Administração Financeira (SIAFI) da área Federal, a cargo do Ministério da Fazenda. A referida norma definiu o valor anual (inicial) e a sua correção:
“Art. 2º A partir de 2003, inclusive, o aporte anual de recursos orçamentários destinados ao FCDF será de R$ 2.900.000.000,00 (dois bilhões e novecentos milhões de reais), corrigido anualmente pela variação da receita corrente líquida – RCL da União.”
A Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF , em seu art. 2º, conceitua a Receita Corrente Líquida sendo as:
“V – receita corrente líquida: somatório das receitas tributárias, de contribuições, patrimoniais, industriais, agropecuárias, de serviços, transferências correntes e outras receitas também correntes, deduzidos: a) na União, os valores transferidos aos Estados e Municípios por determinação constitucional ou legal, e as contribuições mencionadas na alínea a do inciso I e no inciso II do art. 195, e no art. 239 da Constituição; b) nos Estados, as parcelas entregues aos Municípios por determinação constitucional; c) na União, nos Estados e nos Municípios, a contribuição dos servidores para o custeio do seu sistema de previdência e assistência social e as receitas provenientes da compensação financeira citada no § 9º do art. 201 da Constituição. §1 Serão computados no cálculo da receita corrente líquida os valores pagos e recebidos em decorrência da Lei Complementar n° 87, de 13 de setembro de 1996, e do fundo previsto pelo art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. §2Não serão considerados na receita corrente líquida do Distrito Federal e dos Estados do Amapá e de Roraima os recursos recebidos da União para atendimento das despesas de que trata o inciso V do § 1 do art. 19. §3 A receita corrente líquida será apurada somando-se as receitas arrecadadas no mês em referência e nos onze anteriores, excluídas as duplicidades.” (BRASIL, 2000).
Desta forma, resumidamente a Receita Corrente Líquida é o somatório das receitas tributárias, de contribuições, patrimoniais, industriais, agropecuárias, de serviços, transferências correntes e outras receitas correntes, consideradas as deduções conforme o ente: União, estado, Distrito Federal ou município. É notória a complexidade do cálculo dessa Receita, que é definida pela Secretaria do Tesouro Nacional.
Ainda sobre a Lei de Responsabilidade Fiscal, em seu art. 19, disciplina, in verbis:
“Para os fins do disposto no caput do art. 169 da Constituição, a despesa total com pessoal, em cada período de apuração e em cada ente da Federação, não poderá exceder os percentuais da receita corrente liquida, a seguir discriminados: I – União: 50% (cinquenta por cento); II – Estados: 60% (sessenta por cento); III – Municípios: 60% (sessenta por cento). §1 Na verificação do atendimento dos limites definidos neste artigo, não serão computadas as despesas: (…) V – com pessoal, do Distrito Federal e dos Estados do Amapá e Roraima, custeadas com recursos transferidos pela União na forma dos incisos XIII e XIV do art. 21 da Constituição e do art. 31 da Emenda Constitucional 19.” (BRASIL, 2000)
A Lei em questão tem por escopo a prevenção dos desequilíbrios financeiros entre os entes públicos. Os réditos orçamentários dispensados ao Distrito Federal por meio do Fundo, não implicam responsabilidade do limite legal de comprometimento aplicado às despesas com pessoal. A majoração em folha de salários das polícias Civil e Militar e do Corpo de Bombeiros, não atentam contras os limites que dever ser respeitados pelo Governo do Distrito Federal, com gasto de pessoal.
Com esse dispositivo, o Governo pode reajustar e acrescer os vencimentos das referidas corporações, sem contabilizar nos limites estabelecidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal como despesa de pessoal do Distrito Federal. Ademais, esses servidores não pertencem aos quadros do Distrito Federal.
3 Diferença entre organizar e manter, com a prestação de assistência
A União deve realizar assistência financeira para a execução de serviços públicos nas áreas de saúde e educação. Entretanto, como já foi dito, o Governo Distrital tenta repassar para União o seu dever de manter a área pública de saúde e educação. Com isso, verbas que realizariam custeio e investimento na Polícia Civil, Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros são destinados aos órgãos supracitados.
Todavia, a referida Lei que cria o FCDF determina que ocorra a discriminação das atividades específicas, para que haja controle do destino final do recurso, conforme o artigo 1o, paragrafo § 1o, depreende:
“As dotações do FCDF para a manutenção da segurança pública e a assistência financeira para a execução de serviços públicos deverão ser discriminadas por atividades específicas” (BRASIL, 2002).
Vem à baila a forma com que o Governo Distrital está conduzindo a distribuição do FCDF entre as áreas de segurança, saúde e educação. Desta forma, em nosso entender, é vedada a realização do pagamento de folha de salários da saúde e educação com o respectivo Fundo. Quanto a esse tema, pagamento de folha de pessoal da saúde e educação em especial inativos e pensionistas, é possível encontrar ressalvas no julgamento das contas do FCDF dos anos de 2013 e 2014 com o mérito da questão sendo analisado no processo TCU (TC 022.651/2014-4). O objeto do presente trabalho é a limitação quantitativa das transferência dos recursos para as outras áreas estranhas à segurança pública.
A Lei 10.633/2002, determina de forma cristalina, que somente as folhas de pagamentos da Polícia Civil, Militar e do Corpo de Bombeiros sejam custeadas pelo Fundo Constitucional:
“Art.1 (…) § 3oAs folhas de pagamentos da polícia civil, da polícia militar e do corpo de bombeiros militar do Distrito Federal, custeadas com recursos do Tesouro Nacional, deverão ser processadas através do sistema de administração de recursos humanos do Governo Federal, no prazo máximo de cento e oitenta dias, contado a partir da publicação desta Lei, sob pena de suspensão imediata da liberação dos recursos financeiros correspondentes.” (BRASIL, 2002).
Como é possível observar não há previsão legal expressa para o processamento de folha de salários de servidores da área de Saúde e Educação. “[…] o Princípio da Legalidade tem mais característica de garantia constitucional do que de direito individual, pelo fato de não resguardar um bem da vida específico, e sim garantir ao particular a prerrogativa de rechaçar injunções impostas por outra via que não a da lei.” (CORDEIRO, 2006)
Não se trata de ponderar a questão de importância, ou ainda, a valorização de área de atuação pública, seja Saúde, Educação e Segurança. Pois são, serviços públicos indispensáveis à sociedade. A discussão reflete a aplicabilidade do dispositivo Constitucional, já devidamente regulamentado.
O Distrito Federal é um ente híbrido, com autonomia parcialmente tutelada pela União em relação à seus órgãos de segurança pública. Desta forma, não há autonomia legislativa nas instituições da polícia militar e civil, e corpo de bombeiros do Distrito Federal, devido à redação da Carta Política, em seu Art. 32. (…) § 4º – Lei federal disporá sobre a utilização, pelo Governo do Distrito Federal, das polícias civil e militar e do corpo de bombeiros militar (BRASIL, 1988).
Não obstante essa lei não tenha sido editada até o momento, o fato é que essas corporações integram a estrutura administrativa do Governo do Distrito Federal. Porém, a chefia administrativa exercida pelo Governador pode ser mitigada por lei federal. Assim sendo, em sua singularidade, o Governador Distrital é o único governador da federação que não exerce diretamente o controle legislativo e financeiro em suas polícias.
É imprescindível uma análise geral e sistêmica da Constituição Federal, pois ao estabelecer que compete a União organizar e manter o Poder Judiciário e o Ministério Público. Diante disso, o legislador constituinte originário concedeu um tratamento diferenciado a estas instituições. Tais instituições pertencem à União, esta deve realizar o aporte financeiro/orçamentário, inclusive com a folha de salários.
A Lei Orgânica do Distrito Federal (LODF) disciplina como poderes do Distrito Federal, independentes e harmônicos entre si, apenas o Executivo e o Legislativo. Sendo assim, corroborando o que já foi mencionado, o poder Judiciário no Distrito Federal pertence à União. Do mesmo modo, o Distrito Federal não disciplina matéria vinculada ao Ministério Público no Distrito Federal (DISTRITO FEDERAL, 2000).
O Supremo Tribunal Federal (STF), reiteradamente, tem deliberado no sentido de reconhecer a competência da União para legislar, com exclusividade, sobre a estrutura e o regime jurídico dos servidores desses órgãos. As decisões reiteradas culminaram na edição da súmula 647: “Compete privativamente à União legislar sobre vencimentos dos membros das polícias civil e militar do Distrito Federal”.
O objeto em debate não se trata de assistência pecuniária, mas de atribuição administrativa de organizar e manter os órgãos de segurança do DF, como competência material exclusiva da União, portanto indelegável. Com tais atribuições, confere à União a responsabilidade por essas Corporações, e ao Tribunal de Contas da União (TCU) a competência para fiscalizar a aplicação dos recursos do Fundo Constitucional do Distrito Federal.
Em seu vocabulário jurídico, Plácido e Silva (2000) relata que assistência seria a acepção de auxílio, atenção ou apoio prestado a alguém em várias circunstâncias, seja em caráter obrigatório, seja em caráter facultativo. No caso de manutenção que deriva de manutenir (ter a mão ou ter em mão), permanência ou conservação, em seu poder, aquilo que por direito lhe pertença. E organização, derivado do organizar, conjunto de regras adotadas para a composição e funcionamento de certas instituições.
Ratificando, os termos organizar e manter entendidos como funções administrativas significam gerir. E como tal, a atribuição é indelegável. As Polícias Civil, Militar e o Corpo de Bombeiros estão sob a titularidade da União. As áreas de Educação e Saúde, não estão.
2.4 Inconstitucionalidades e ilegalidades na aplicação do FCDF
O Fundo Constitucional do Distrito Federal destina recursos para a manutenção da Polícia Civil do Distrito Federal, a Polícia Militar do Distrito Federal e do Corpo de Bombeiros Militares Distrito Federal. Com isso, os recursos de destinam à realização do aporte financeiro na área de saúde e educação. Desta forma, o Tribunal de Contas da União refutou a possibilidade de o Fundo Constitucional do Distrito Federal ser distribuído fora dos preceitos legais em um momento em que houve a tentativa de verba destinar verba ao Fundo de Amparo ao Preso.
Tendo sido realizada tomada de contas especial, para a apuração dos fatos relacionados ao repasse de recursos do Fundo Constitucional do Distrito Federal para custeio de despesas da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Distrito Federal e da Fundação de Amparo ao Trabalhador Preso do Distrito Federal, pelo Governo do Distrito Federal nos exercícios de 2004, 2005, 2006 e 2007.
Devido a esse uso indevido a Corte de Contas editou pelo plenário o Acordão 2433/2013, que versa:
“A aplicação dos recursos pertencentes ao FCDF, em obediência à Lei 10.633/02, que regulamentou o art. 21, inciso XIV da Constituição Federal, está delimitada a: (i) organização e manutenção da polícia civil, da polícia militar e do corpo de bombeiros militar do Distrito Federal; e (ii) assistência financeira para execução de serviços públicos de saúde e educação. É irregular o repasse de recursos do FCDF para custeio de despesas da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Distrito Federal e da Fundação de Amparo ao Trabalhador Preso do Distrito Federal. Grifo nosso.” (TCU, 2013)
Note-se que nem a Secretaria de Segurança Pública, que em tese realiza a coordenação das instituições (PCDF, PMDF e CBMDF) receptoras do FCDF, pode receber da mesma. Devido a especificidade constitucional, legal e finalística.
Para demonstrar novamente o uso inconstitucional de Recursos do Fundo, deve-se citar o Relatório de Auditoria Anual de Contas do FCDF (Brasil, 2014), produzido pela Controladoria Geral da União, exercício de 2012, no qual foi constatado que a Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal – SEE/DF utilizava os recursos repassados pelo FCDF, na Ação 0312 – Assistência Financeira para a Realização de Serviços Públicos de Educação do Distrito Federal, para pagamento da folha de pessoal, incluindo servidores inativos (aposentados) e pensionistas daquele órgão. Conforme conclusão do Relatório:
“Após a análise, esta SOF, restringindo-se aos aspectos orçamentários, entende que, no que tange às ações “0312 – Assistência Financeira para Realização de Serviços Públicos de Educação do Distrito Federal” e “009T – Assistência Financeira para a Realização de Serviços Públicos de Saúde do Distrito Federal”, o texto pertinente ao campo “Descrição”, constante do Cadastro de Ações, encontra-se em conformidade com as delimitações impostas pelo inciso XIV do art. 21 da Constituição Federal de 1988 e pelo art. 1o da Lei no 10.633, de 27 de dezembro de 2002, uma vez que a natureza do termo “serviços públicos de saúde e educação” não engloba o pagamento de despesas com pessoal inativo nas mencionadas ações.”
No ítem “descrição” de serviços públicos de Saúde e Educação não alcança o pagamento de folha de salários. O referido Relatório cita ainda, que do total de recursos do FCDF repassados à SEE/DF, em 2012, 52,5% foi destinado ao Grupo de Despesa de Aposentadorias e Reformas, 3,6% a Pensões, e19,4% a Vencimentos e Vantagens Fixas – Pessoal – Civil (pessoal ativo).
Além disso, de acordo com o Manual Técnico do Orçamento o campo “Descrição” deve expressar, de forma sucinta, o que é efetivamente feito no âmbito da ação, escopo, delimitações e objetivo e que o texto do campo “Descrição” dessas ações não sofreu alteração (BRASIL, 2010).
Para reforçar esse entendimento, a Secretaria de Orçamento e Finanças vinculada ao Ministério do Planejamento, Desenvolvimento de Gestão também citou a Lei Complementar n° 141, de 13/01/2012, que regulamenta o parágrafo 3° do art. 198 da Constituição, para dispor sobre valores mínimos a serem aplicados anualmente pela União, estados, Distrito Federal e municípios; e estabelece os critérios de rateio dos recursos de transferências para a saúde e a normas de fiscalização, avaliação e controle das despesas com saúde nas 3 (três) esferas de governo, destacando os seguintes artigos:
“Art. 2º Para fins de apuração da aplicação dos recursos mínimos estabelecidos nesta Lei Complementar, considerar-se-ão como despesas com ações e serviços públicos de saúde aquelas voltadas para a promoção, proteção e recuperação da saúde que atendam, simultaneamente, aos princípios extraídos no art. 7o da Lei no 8.080, de 19 de setembro de 1990, e às seguintes diretrizes:
[…]
Art. 4° Não constituirão despesas com ações e serviços públicos de saúde, para fins de apuração dos percentuais mínimos de que trata esta Lei Complementar, aquelas decorrentes de: I – pagamento de aposentadoria e pensões, inclusive dos servidores da saúde;”
Em suma, pagamento de folha de salários dos servidores da saúde não é serviço de saúde. Não configura ação ou serviço público de saúde as despesas com os servidores.
Para demonstrar como a legislação acerca da PMDF é especifica, convém citar a ementa em seu inteiro teor, Ação Direta de Inconstitucionalidade , 2.705 do Supremo Tribunal Federal, in verbis:
“Ementa: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI DISTRITAL nº 1.654, DE 16.09.1997. INSTITUIÇÃO DE VANTAGEM A SERVIDORES MILITARES DO DISTRITO FEDERAL A SERVIÇO DA CÂMARA LEGISLATIVA. ART. 21, XIV E 22 , XXI DA CF . COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA UNIÃO PARA LEGISLAR SOBRE MATÉRIA CONCERNENTE À POLÍCIA MILITAR DO DF. ART. 61, § 1º,II,a, DA CF. INVASÃO DA INICIATIVA EXCLUSIVA DO CHEFE DO EXECUTIVO PARA PROPOR A ELABORAÇÃO DE LEI QUE VISE À CRIAÇÃO DE FUNÇÃO OU AUMENTO DA REMUNERAÇÃO DE SERVIDOR PÚBLICO. OBSERVÂNCIA OBRIGATÓRIA POR PARTE DOS ESTADOS E DO DISTRITO FEDERAL. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. Verifica-se que a vantagem concedida pela Lei impugnada tem por finalidade a retribuição de um serviço local, cuja organização – instituição de função e gratificação aos policiais militares lotados na Câmara Legislativa – cabe ao próprio Distrito Federal. Além disso, o preceito em exame remete claramente sua abrangência ao art. 4º da Lei 186 /91, que consigna as despesas decorrentes aos recursos orçamentários do Distrito Federal. Hipótese em que não se configura a invasão de competência legislativa da União. Precedente: ADI nº 677-DF, Rel. Min. Néri da Silveira.”
Com essa decisão a Corte Suprema ratifica que a Câmara Legislativa Distrital não pode criar benefícios para Polícia Militar em sua própria Corte, devido as peculiaridades constitucionais e legais. Esta atividade é competência privativa da União para legislar sobre matéria concernente à Polícia Militar do DF. Art. 61, § 1º, II, a, da Constituição Federal. Invasão da iniciativa exclusiva do chefe do Executivo para propor a elaboração de lei que vise à criação de função ou aumento da remuneração de servidor público.
A observância é obrigatória por parte dos Estados e do Distrito Federal. Neste caso, que o órgão beneficiário era a Policia Militar e o Corpo de Bombeiros Militar. Destaca-se ainda, que Lei Distrital não pode dispor sobre recursos do FCDF.
Conclusão
A atual situação financeira do Distrito Federal reflete a falta de planejamento, organização e continuidade da atividade orçamentária. Como foi contextualizado, torna-se latente a inconstitucionalidade que ocorre na distribuição do Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF) entre os órgãos que nele atuam pelo Governo do Distrito Federal (GDF).
O descumprimento da Constituição e da Lei Federal pelo Governo do Distrito Federal promovem a instabilidade das instituições distritais, insegurança jurídica e incitam o dissídio entre a Polícia Militar, a Polícia Civil e o Corpo de Bombeiros Militar, entre si, e em desfavor das secretarias de Educação e Saúde.
Percebe-se, ainda, a distinção de tratamento contemplada no referido dispositivo constitucional e legal: enquanto que em relação aos órgãos de segurança pública (Polícia Militar, a Polícia Civil e o Corpo de Bombeiros Militar) compete à União, a organização e manutenção.
Desta forma, aos demais serviços públicos (saúde e educação) compete-lhe tão somente prestação de assistência financeira. Ou seja, aporte financeiro nas secretarias de Saúde e Educação com o FCDF, se resume, as despesas correntes e de investimentos.
No caso da Polícia Militar, a Polícia Civil e o Corpo de Bombeiros Militar não se trata de simples assistência pecuniária, e sim, a atribuição administrativa de organizar e manter, como competência material exclusiva da União (por meio do FCDF), portanto indelegável.
A lei federal que versa sobre o assunto é clara em relação ao pagamento da folha de salários somente as instituições: Polícia Militar, a Polícia Civil e o Corpo de Bombeiros Militar. Atualmente a segurança dispõe de 26.137 servidores ativos, que recebem (folha de salários) diretamente da União (Governo Federal) por meio do FCDF.
Como resultado das pesquisas bibliométricas que deram apoio à construção do presente artigo observou-se que há poucas publicações acerca do tema. Como uma área de estudo de interesse de várias áreas (Direito, Administração Pública, Ciências Contábeis) há possibilidades de elaboração de novos trabalhos que aprofundem os aspectos técnicos da execução orçamentária. Outro tema de estudo são as tomadas de contas e as decisões do TCU acerca do FCDF. O conflito de competências entre Tribunal de Contas da União e Tribunal de Contas do Distrito Federal também é tema de novos trabalhos.
Referências
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BRASIL. Câmara dos Deputados. Lei Federal 10.633 de 27 de dezembro de 2002. Disponível em: <www.camaradosdeputados.gov.br> Acesso em: 04 ago. 2018.
BRASIL. Lei Complementar 101, de 04 de maio de 2000. Estabelece normas de financas publicas voltadas para a responsabilidade na gestao fiscal e da outras providencias. https: www.planalto.gov.br. Acesso em: 29 ago. 2018
BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Secretaria de Orçamento Federal. Manual Técnico de Orçamento MTO: Versão 2010. Brasília, DF.
CORDEIRO, R. A. O princípio da legalidade tributária. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, IX, n. 30, jun 2006. Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=1176 >. Acesso em ago 2018.
DISTRITO FEDERAL. Lei Orgânica do Distrito Federal. 2000.
SILVA, De P. e. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro. 17 ed. 2000.
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO (TCU). Processo TC 003.880/2015-0. Interessados: Senado Federal, Governo do Distrito Federal, Procuradoria-Geral do Distrito Federal e Ministério da Fazenda.