Por José Alberto Barbosa Júnior *
Em uma passagem no filme Motherless Brooklyn (2019), o detetive Lionel Essrog (Edward Norton), ao discutir com o vilão Moses Randolph (Alec Baldwin), faz a seguinte indagação: “Você se acha acima da lei?”. A resposta foi simples e direta: “Acima não, mas à frente dela”. O trecho ilustra bem, principalmente em um período atípico como o da pandemia de Covid-19, um dos maiores desafios do Direito: acompanhar a complexidade das relações, reinventando-se constantemente.
Em um curto espaço de tempo, conceitos e institutos jurídicos concebidos para reger relações sociais tornam-se obsoletos. É o que se observa claramente no Direito do Trabalho, um dos ramos que mais tem sentido a demora legislativa frente às novas tecnologias. Os esquemas normativos da CLT, que servem de parâmetro para identificação de um trabalhador como empregado, mostram-se desatualizados perante as novas formas de trabalho e necessitam de uma reformulação total para atender, com equidade, a todos esses modelos desenvolvidos em sociedade.
Para a realidade trabalhista brasileira, a pandemia veio em ótimo momento, aflorando a discussão iniciada pela Reforma Trabalhista e trazendo à tona a necessidade dessa reformulação total legislativa. Está claro que o ser humano está aprendendo a trabalhar de outra forma diante do risco de contágio. Estamos reinventando processos e criando novos procedimentos. O home office está trazendo resultados significativos no dia a dia das empresas e trabalhadores: diminui o trânsito, desafoga o transporte e mobiliza a economia. As pessoas têm mais tempo para cuidar de si mesmas, usufruindo de coisas que lhes dão prazer sem que a empresa tenha redução na produtividade e no faturamento.
É possível observar que os profissionais de diversos setores estão melhorando suas estruturas e percebendo no home office uma solução confiável, segura e de contingenciamento de custos. Empresas estão testando controles de monitoramento do funcionário e da produtividade, conexão de internet e demais equipamentos. O artigo 62 da CLT garante que não há pagamento de horas extras para quem trabalha neste regime, desde que o controle do horário seja impossível de se realizar. Logo, essas realidades precisam ser adaptadas e protegidas.
Além disso, é importante salientar que o home office ainda pode estar associado à precarização do trabalho, especialmente na intensificação da jornada e perdas de direitos. O fenômeno da uberização também está fortemente ligado ao crescimento da terceirização e da informalidade no Brasil, caso não seja utilizado com precaução pelo empregado. Sendo assim, é preciso cautela ao imaginar cenários positivos bem como atenção e cuidado com as mudanças que vêm por aí.
Repensar a legislação que regulamenta isso se revela emergencial. Não se cogita aplicar uma norma de 1943 em uma relação de trabalho em 2020. Tudo mudou, principalmente a forma de se estabelecer contratualmente o trabalho. É preciso pensar em novas formas, mas com solidez e diálogos com seus destinatários, pois, quando a Reforma Trabalhista foi editada, os maiores atingidos sequer foram ouvidos.
Enquanto isso e durante a pandemia de Covid-19, empresas e trabalhadores precisam adotar medidas eventuais para continuarem ativos neste momento crítico – desde que respeitando os limites estampados na norma e os direitos mínimos, básicos e fundamentais dos colaboradores. As adaptações contratuais não podem rechaçar os direitos dos empregados, afinal esse não é o seu objetivo, mas tão somente adaptá-los à realidade pontual que estamos enfrentando a fim de não gerar desemprego.
O empresário precisa entender que essa situação irá passar e que seus funcionários serão essenciais para retomada do negócio. Portanto, diante de sua projeção financeira, observar os limites com cada setor, o retorno financeiro de cada colaborador, realizando acordos individuais e por períodos determinados. Rescindir os contratos deve ser a última alternativa a ser adotada, visto que a retomada tende a demandar mais tempo.
Evidentemente que as empresas estão expostas a uma série de riscos estratégicos e operacionais, como interrupção do fornecimento de matérias-primas e alterações nas despesas. Entretanto, é preciso que o empresário tome as rédeas da situação e estabeleça: 1) equipe para tomar decisões de emergência; 2) avaliação de riscos e mecanismos de respostas; 3) plano e divisão de trabalho; 4) mecanismo positivo de comunicação de informações; 5) um clima otimista de trabalho; 6) um plano de gestão de dados; 7) ajustes nos orçamentos durante a quarentena; 8) compliance para seguir os padrões legislativos.
A pandemia trouxe muitas situações negativas para o mundo, isso é inegável. Porém, devemos analisar o lado bom da crise e uma coisa é certa: as relações de trabalho precisam de atenção. As normas trabalhistas estão defasadas, trazendo desproteção e insegurança jurídica a todos. É preciso olhar para a sociedade e adaptar os princípios a essa nova realidade, minimizando os impactos, protegendo direitos fundamentos e aumentando a liberdade laboral. Só assim é possível acreditar no aumento da economia e no crescimento de nosso país a médio e longo prazo.
* José Alberto Barbosa Júnior é advogado do escritório Barbosa Advogados, mestre em Direito e Pós-graduado em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho. Coautor do livro Os Princípios do Direito na Modernidade Líquida, também é professor de Direito do Centro Universitário Salesiano de São Paulo – UNISAL – e-mail: [email protected]