A nova fase dos Influenciadores Digitais: o reconhecimento da profissão e fomento ao empreendedorismo

Por Sóstenes Marchezine*

Há, no Brasil, 2.269 ocupações reconhecidas como profissão pelo Ministério do Trabalho e Previdência – MTP. Trata-se de uma lista criteriosa constante da Classificação Brasileira de Ocupações – CBO, que tem como desafio acompanhar o dinamismo do mercado de trabalho e mudanças estruturais nos cenários tecnológico, cultural, econômico e social.
De certo, é notório que a sociedade está em plena transformação. O poder da internet, a revolução das redes sociais e o contexto disruptivo do marketing digital naturalmente trouxeram consigo a existência de novos protagonistas, em especial a figura dos Influenciadores Digitais – ou Digital Influencers, na versão em inglês, a prestigiar o poderio do movimento que se consolida internacionalmente.
Com a profusão contínua de novas tecnologias e soluções cada vez mais inovadoras, não se pretende evidenciar os Influencers como um fenômeno recente, pois relativamente não o é, sobretudo quando em pauta a virtualização do mundo, a partir do metaverso. Assim, determinadas ações iminentes podem ser vistas – literalmente – como a nova fase mercadológica dos Influenciadores Digitais, os alçando a outro patamar institucional.
Isto porque, no final de fevereiro do corrente ano, o Brasil passou a reconhecer a atividade do “Influenciador Digital” como uma profissão, devidamente registrada na Classificação Brasileira de Ocupações – CBO sob o nº 2534-10. A iniciativa se deu após a realização de estudo técnico sobre as atividades e o perfil da categoria, trazendo como sinônimos os termos criador, gerador ou produtor de conteúdo digital, e Influencer.
Importa destacar que, apesar do reconhecimento da ocupação não se confundir com a regulamentação da profissão – que se dá por Lei, após tramitação no Congresso Nacional e sanção presidencial – tal fato, por si só, não é um limitador, uma vez que a CBO tem por filosofia classificar “as diversas atividades profissionais existentes em todo o país, sem diferenciação entre as profissões regulamentadas e as de livre exercício profissional”, conforme consta do próprio sítio eletrônico da Pasta Ministerial.
Cerca de 68 profissões, das 2.269 ocupações reconhecidas, são regulamentadas por Lei e isso – repita-se – não as diferencia em seu regular exercício, tampouco nas bases estatísticas de trabalho e de subsídio para a formulação de políticas públicas.
Nessa linha cognitiva, a Constituição Federal considera, em seu artigo 6º, o trabalho como um direito social; dispõe, em seu artigo 5º, inciso XIII, que “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”; e prega, em seu artigo 7º, inciso XXXIV, a “igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso”.
Destarte, muito embora a atividade de Influencer não seja ainda regulamentada por Lei, o seu reconhecimento como profissão está em total conformidade com o ordenamento jurídico brasileiro – que se estabelece a partir da confluência hierárquica entre as normas, a teor do conceito da pirâmide de Kelsen, que permeia leis, decretos, portarias etc.
A gênese da Classificação Brasileira de Ocupação – CBO, por exemplo, remonta ao ano de 1977, como resultado de um convênio firmado entre o Brasil e a Organização das Nações Unidas – ONU, por intermédio da Organização Internacional do Trabalho – OIT. A base legal histórica da CBO restou estabelecida a partir das Portarias Ministeriais nº 3.654, de 24.11.1977, sequenciada pela de nº 1.334, de 21.12.1994, em seguida pela de nº 397, de 09.10.2002; e mais recentemente pela de nº 671, de 08.11.2021.
Por mais que estejam na base da pirâmide de Kelsen, as Portarias fazem parte do sistema legal brasileiro e, no caso concreto, há que se cotejar a sua confluência com dispositivos como o artigo 22 da Carta Magna brasileira, que disciplina como competência privativa da União legislar sobre “organização do sistema nacional de emprego e condições para o exercício de profissões”; além do disposto no artigo 87, parágrafo único, inciso II, que dispõe sobre a competência de Ministro de Estado para “expedir instruções para a execução das leis, decretos e regulamentos”.
A harmonia normativa perpassa ainda pela Lei nº 13.844, de 18.06.2019, que em seu artigo 48-A, constitui como áreas de competência do Ministério do Trabalho e Previdência, as políticas e diretrizes para a geração de emprego e renda e de apoio ao trabalhador; para a modernização das relações de trabalho; de fiscalização do trabalho; de formação e desenvolvimento profissional; de regulação profissional; dentre outros.
Assim, na medida que – também por força constitucional, em atenção ao seu art. 227 – é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar, com absoluta prioridade inclusive à criança, ao adolescente e ao jovem, o direito à profissionalização, à dignidade, ao respeito, à liberdade, além de atuar contra toda forma de negligência e discriminação, o reconhecimento do Influenciador Digital como profissão ampara, valoriza e inclui parte considerável da sociedade, que passa a ter uma importante âncora legal.
Tal assertiva fica ainda mais hígida e relevante ao observar que, de acordo com recente pesquisa realizada pela Inflr, 75% dos jovens brasileiros querem ser influenciadores digitais, tornando-a uma das profissões mais desejadas atualmente, por unir receitas financeiras a um estilo de vida que gera interesse de milhões de pessoas.
A atividade dos Influencers, apesar do reconhecimento legal como profissão denotar numa primeira abordagem todo um contexto empregatício, em grande parte é associada ao poder do empreendedorismo e à conquista da liberdade financeira, numa visão um tanto quanto alheia ao mercado tradicional. É este cenário que atrai atenção.
Não por outra razão, a classificação do Influencer – mesmo tendo sido enquadrada ao lado do “Analista de mídias sociais” (CBO nº 2534-05) como um subgrupo de “Profissionais de mídias digitais e afins” (CBO nº 2534) – restou diferenciada em suas características: “os Analistas de Mídias Sociais exercem suas atividades em empresas das mais variadas atividades econômicas, na condição de assalariados com carteira assinada. Os influenciadores Digitais exercem suas atividades de forma autônoma”.
No que tange à formação e experiência, há também diferenças. A CBO dispõe que, “para o exercício da ocupação de Analista de Mídias Sociais, requer-se no mínimo 3º grau incompleto em comunicação social, marketing ou áreas correlatas”. Já em relação ao Influenciador Digital, “embora não sejam exigidos escolaridade específica, experiência ou formação profissional, a produção de conteúdo é uma das principais habilidades exigidas para este profissional, por estar ligado diretamente ao marketing de influência”.
A CBO listou 20 habilidades e competências pessoais recomendadas para a atividade, como potencial de networking; capacidade de comunicação; de tomar decisões; de antever impacto de mudanças e riscos; de antecipar cenário futuro; de contornar situações adversas; de demonstrar credibilidade; retórica; proatividade; criatividade; iniciativa; organização; observação; raciocínio analítico; síntese; empatia; dinamismo; adaptabilidade; saber ouvir; e ser resiliente.
O exercício profissional do Influencer compreende, ainda de acordo com o estudo constante da CBO, 79 atividades distribuídas em 7 eixos macros, quais sejam: (a) realizar gestão das redes sociais; (b) monitorar mídias sociais; (c) elaborar planejamento estratégico de marketing digital; (d) desenvolver produção de conteúdo; (e) gerenciar marketing de influência; (f) administrar atividades de relacionamentos com público/seguidores; e (g) gerenciar resultados de avaliação de desempenho.
Por fim, da análise de tantos dados e informações, ao menos uma conclusão fica à evidência: a atividade do Influenciador Digital pode até parecer, mas não é nada simples. Demanda profissionalismo e, em elevado grau, perfil empreendedor, para que se estabeleça e se consolide no mercado, independente do número de seguidores, do alcance e engajamento social.
Para tanto, por mais que o reconhecimento legal do Influencer como profissão seja um fator por demais positivo e estabeleça uma nova fase institucional com novas oportunidades para o setor, há ainda outras conquistas a serem consolidadas e que carecem de especial atenção, a exemplo de se tornar uma das atividades passíveis de registro direto como Microempreendedor Individual – MEI.
Há, ainda, como pretensão necessária a previsão direta do Influencer no rol da Classificação Nacional de Atividades Econômicas – CNAE, a propiciar o registro de empresa, a ampliação do escopo de negócios e até o enquadramento fiscal que leve em consideração as mais diversas particularidades previstas no exercício da referida atividade profissional e privilegie a sua formalização. Assim, todos ganham em segurança, credibilidade e institucionalidade com reconhecimento social.
O Influenciador conquistou espaço e relevância inconteste na sociedade e no mundo digital. Agora caminha para consolidação profissional e fomento ao empreendedorismo. Avança a passos largos para se desenvolver, crescer e se destacar ainda mais.
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20190210 032608Sóstenes Marchezine é advogado, com especialidade acadêmica e atuação profissional em direito empresarial e penal e extensão universitária em direito digital e proteção de dados. É um dos idealizadores da Associação Brasileira de Influenciadores Digitais – ABRID.

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