A compra de um imóvel na planta é um grande passo, seja para realização do sonho da casa própria, seja como investimento. Contudo, o atraso na entrega do imóvel é uma questão que frequentemente afeta os consumidores, gerando prejuízos financeiros, emocionais e até mesmo estruturais para o planejamento de vida das famílias. No ordenamento jurídico brasileiro, a legislação e a jurisprudência têm evoluído para proteger os consumidores nessas situações. Este artigo aborda como os tribunais têm decidido casos de atraso na entrega de imóveis comprados na planta e explica os direitos dos compradores com base em exemplos de jurisprudência.
O atraso na entrega e o Código de Defesa do Consumidor
O Código de Defesa do Consumidor (CDC) é uma das principais bases legais para proteger o comprador de um imóvel na planta. Ele estabelece a vulnerabilidade do consumidor na relação contratual e assegura o equilíbrio nas negociações. O atraso na entrega do imóvel configura descumprimento contratual e fere os princípios da boa-fé e da transparência, garantidos pelo CDC.
Uma cláusula comum em contratos de compra de imóveis é o prazo de tolerância, que geralmente varia entre 90 e 180 dias além da data inicialmente prometida. A jurisprudência reconhece a validade dessa cláusula, desde que ela esteja expressa no contrato e tenha sido devidamente informada ao comprador. Contudo, atrasos superiores a esse prazo configuram abuso contratual, dando direito ao consumidor de buscar reparação.
Jurisprudência sobre indenização por danos materiais
Os danos materiais decorrentes do atraso na entrega do imóvel são amplamente reconhecidos nos tribunais. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) possui decisões que determinam que a construtora deve arcar com despesas como:
- Pagamento de aluguel enquanto o imóvel não é entregue
- Custos com mudanças e armazenamento de móveis
- Juros sobre financiamentos ou prejuízos decorrentes de rescisões contratuais
Um exemplo emblemático é o Recurso Especial (REsp) 1.729.593/SP, em que o STJ determinou que a construtora deveria indenizar o consumidor pelo pagamento de aluguel em decorrência do atraso na entrega do imóvel. A decisão reforça que o comprador não pode ser penalizado por um descumprimento contratual que não lhe é imputável.
Jurisprudência sobre indenização por danos morais
Além dos danos materiais, os tribunais reconhecem o direito à indenização por danos morais em situações de atraso significativo na entrega de imóveis. Os danos morais são aplicáveis quando o atraso gera abalos emocionais, frustrações ou desestruturação na vida pessoal do consumidor.
No julgamento do Agravo de Instrumento (AI) 2121903-64.2019.8.26.0000, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) determinou o pagamento de danos morais a um comprador que enfrentou atrasos superiores a dois anos, destacando o impacto emocional e a quebra de confiança na relação contratual. Decisões como essa reforçam o entendimento de que o descumprimento contratual pode transcender o prejuízo financeiro.
Direito ao distrato e à devolução integral dos valores pagos
O direito ao distrato, que consiste na rescisão do contrato com devolução dos valores pagos, é outra proteção assegurada ao consumidor em casos de atraso. De acordo com o STJ, o comprador pode solicitar o distrato e exigir a devolução integral dos valores quitados, acrescidos de correção monetária, quando o atraso for imputável à construtora.
Um exemplo relevante é o Recurso Especial (REsp) 1.614.721/SP, no qual o STJ reafirmou que o consumidor tem direito à restituição integral em casos de atraso excessivo, sem qualquer desconto indevido por parte da construtora. Essa decisão garante segurança ao comprador que, diante da frustração com o atraso, deseja encerrar a relação contratual.
Aplicação de multa por atraso na entrega
Muitos contratos de compra de imóveis incluem cláusulas prevendo a aplicação de multa em caso de atraso na entrega. Os tribunais têm reforçado que, quando há previsão contratual de multa, ela deve ser aplicada de forma automática em favor do consumidor.
No julgamento da Apelação Cível (AC) 1008375-59.2019.8.26.0002, o TJSP condenou a construtora ao pagamento da multa prevista no contrato, ressaltando que o descumprimento dos prazos deve gerar consequências financeiras para a parte responsável pelo atraso. Essa decisão serve de alerta para que as construtoras cumpram rigorosamente os prazos acordados.
Devolução do ITBI e de custos de registro
Quando o atraso na entrega do imóvel impede a posse pelo comprador, valores pagos a título de Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) e taxas de registro também podem ser devolvidos ao consumidor. Os tribunais reconhecem que esses pagamentos só se justificam após a entrega efetiva do imóvel.
No Recurso Especial (REsp) 1.361.182/RS, o STJ determinou que a construtora devolvesse ao comprador os valores pagos indevidamente antes da posse do imóvel. A decisão destaca que é injusto o consumidor arcar com custos decorrentes de um bem que não foi entregue.
Direitos do consumidor em casos de força maior
A jurisprudência também reconhece que atrasos causados por força maior, como desastres naturais ou greves, podem isentar a construtora de responsabilidade, desde que sejam devidamente comprovados e estejam fora do controle da empresa. No entanto, a simples alegação de crise econômica ou dificuldades financeiras não é aceita como justificativa válida.
No julgamento da Apelação Cível (AC) 1005319-36.2020.8.26.0000, o TJSP reforçou que a construtora deve demonstrar claramente que o atraso foi causado por um evento de força maior, sob pena de responder pelo descumprimento contratual.
Necessidade de vistoria e aceitação do imóvel
Mesmo diante de um atraso, o consumidor deve realizar uma vistoria minuciosa no imóvel antes de aceitá-lo. A jurisprudência destaca que a vistoria é essencial para verificar se a unidade foi entregue conforme o prometido no Memorial Descritivo e no contrato.
Caso o imóvel apresente defeitos ou esteja em desconformidade com o contrato, o comprador pode exigir reparos ou até mesmo recusar a entrega. O STJ, no Recurso Especial (REsp) 1.202.918/SP, determinou que a construtora realizasse todas as correções antes de transferir o imóvel ao comprador, reforçando a importância da vistoria.
Prazo para ingressar com ação judicial
O prazo para ingressar com uma ação judicial por atraso na entrega do imóvel é de cinco anos, conforme o Código Civil. Esse prazo é contado a partir do momento em que o consumidor toma ciência do descumprimento contratual. No entanto, recomenda-se que o comprador busque seus direitos o quanto antes para evitar a perda de provas e a ampliação dos prejuízos.
Alternativas extrajudiciais para solução de conflitos
Antes de recorrer ao Judiciário, o consumidor pode tentar resolver o problema de forma extrajudicial, por meio de negociação direta com a construtora ou da mediação de órgãos como o Procon. A jurisprudência tem valorizado acordos extrajudiciais, desde que respeitem os direitos do consumidor.
No julgamento da Apelação Cível (AC) 1007235-82.2020.8.26.0000, o TJSP homologou um acordo entre comprador e construtora, reforçando que soluções amigáveis podem ser vantajosas para ambas as partes.
Perguntas e respostas
O que fazer quando o imóvel comprado na planta atrasa?
Inicialmente, entre em contato com a construtora para obter informações e buscar uma solução amigável. Caso não haja acordo, reúna toda a documentação e procure um advogado especializado para ingressar com uma ação judicial.
Tenho direito a indenização por danos morais em caso de atraso?
Sim, especialmente se o atraso causar transtornos significativos, como impacto na vida pessoal ou frustração de expectativas importantes.
É possível rescindir o contrato em caso de atraso na entrega?
Sim, o consumidor pode solicitar o distrato e exigir a devolução integral dos valores pagos, além de correção monetária e eventuais indenizações.
O que fazer se o imóvel apresentar defeitos após a entrega?
Registre todos os problemas em um relatório de vistoria e notifique a construtora para que realize os reparos necessários. Caso não haja solução, é possível buscar reparação judicial.
Qual o prazo para ingressar com uma ação judicial por atraso na entrega?
O prazo é de cinco anos, mas o ideal é buscar solução assim que o atraso for constatado para minimizar prejuízos.
Conclusão
O atraso na entrega de imóveis comprados na planta é uma questão que afeta diretamente a confiança nas relações contratuais e pode gerar danos financeiros e emocionais ao consumidor. A jurisprudência brasileira tem evoluído no sentido de proteger os direitos dos compradores, garantindo-lhes o direito à indenização, à rescisão do contrato e à reparação por danos morais e materiais. Com a devida orientação jurídica e a coleta de documentação adequada, o consumidor pode buscar a reparação dos prejuízos e assegurar seus direitos perante a construtora, seja por meio de acordos extrajudiciais ou ações judiciais.