Sim, a seguradora pode cobrar ressarcimento de terceiros que tenham causado um prejuízo coberto pela apólice de seguro, desde que estejam presentes os requisitos legais para tanto. Esse direito é conhecido como direito de regresso e encontra respaldo no ordenamento jurídico brasileiro, especialmente no Código Civil e em normas que regulam os contratos de seguro.
Neste artigo, vamos explicar de forma aprofundada quando e como a seguradora pode cobrar esse ressarcimento, os fundamentos legais, os limites da cobrança, como funciona na prática, e quais são os direitos e defesas possíveis para o terceiro que recebe uma notificação ou cobrança.
O que é o direito de regresso da seguradora
O direito de regresso é o direito da seguradora de buscar o reembolso de valores pagos ao segurado, quando o dano foi causado por um terceiro responsável. Em outras palavras, se a seguradora indeniza o seu cliente por um prejuízo, ela pode posteriormente acionar judicialmente o causador do dano para recuperar o valor que desembolsou.
Esse mecanismo está previsto no artigo 786 do Código Civil, que dispõe:
“Paga a indenização, o segurador sub-roga-se, nos limites do valor respectivo, nos direitos e ações que competirem ao segurado contra o autor do dano.”
Ou seja, a seguradora assume os direitos do segurado, como se fosse ele, para cobrar de quem causou o prejuízo.
Quando o direito de regresso pode ser exercido
O direito de regresso não é absoluto e só pode ser exercido se:
O sinistro foi causado por ato de terceiro (culposo ou doloso)
A seguradora já pagou a indenização ao segurado
O segurado não tiver renunciado previamente ao seu direito de ação contra o terceiro
A apólice de seguro não vedar expressamente o direito de sub-rogação
Portanto, para que a seguradora possa cobrar o ressarcimento, é necessário que o evento danoso envolva a responsabilidade de um terceiro identificado como causador do dano.
Exemplo prático de cobrança de terceiro
Um exemplo muito comum ocorre em acidentes de trânsito. Imagine a seguinte situação:
João é segurado e tem um carro com seguro total.
Pedro avança o sinal vermelho e causa um acidente, danificando o carro de João.
A seguradora de João paga R$ 10.000,00 para cobrir o conserto do veículo.
Em seguida, a seguradora envia uma notificação a Pedro, solicitando o ressarcimento dos R$ 10.000,00 pagos.
Nesse caso, a seguradora está agindo com base no seu direito de sub-rogação, e Pedro, como responsável pelo dano, poderá ser cobrado judicial ou extrajudicialmente.
Fundamento legal do direito de sub-rogação
O artigo 786 do Código Civil é a base central do direito de regresso da seguradora. Além disso, o artigo 349 do mesmo código também reforça o conceito de sub-rogação:
“A sub-rogação transfere ao novo credor todos os direitos, ações, privilégios e garantias do primitivo, em relação à dívida contra o devedor principal e os fiadores.”
Portanto, após pagar a indenização, a seguradora assume a posição jurídica do segurado, podendo exigir do terceiro causador do dano a reparação integral do prejuízo.
Quando a seguradora não pode cobrar do terceiro
Existem situações em que a seguradora não poderá exercer o direito de regresso, tais como:
Culpa exclusiva do segurado: se o sinistro ocorreu por culpa do próprio segurado, não há terceiro responsável a ser acionado.
Acordo de não sub-rogação: algumas apólices preveem cláusulas que renunciam ao direito de sub-rogação, especialmente em casos envolvendo familiares ou sócios.
Ato de Deus ou caso fortuito: situações imprevisíveis e inevitáveis, como catástrofes naturais, sem responsabilidade de terceiros.
Prescrição: se o direito não for exercido dentro do prazo legal, ele se extingue.
O prazo prescricional para a seguradora ingressar com ação de regresso contra terceiro é, segundo entendimento majoritário, de três anos, com base no artigo 206, §3º, V, do Código Civil.
O que acontece se o terceiro não pagar
Se o terceiro responsável pelo dano não realizar o pagamento espontaneamente, a seguradora poderá:
Negociar amigavelmente
Enviar carta de cobrança com proposta de parcelamento
Registrar protesto em cartório
Ingressar com ação judicial de cobrança ou ação de regresso
Na ação judicial, a seguradora deverá comprovar:
Que houve o sinistro
Que o terceiro foi o causador do dano
Que ela efetivamente pagou a indenização ao segurado
O valor pago
Se confirmados esses elementos, o juiz poderá condenar o terceiro ao pagamento do valor, acrescido de juros, correção monetária e honorários advocatícios.
O terceiro pode se defender dessa cobrança?
Sim. O terceiro que for alvo de cobrança da seguradora tem direito à ampla defesa, podendo contestar:
A responsabilidade pelo dano (negar que foi o causador)
A existência de culpa concorrente ou exclusiva do segurado
O valor pago pela seguradora (excesso ou ausência de comprovação)
A inexistência de danos
Alegar prescrição do direito de ação
Alegar vícios na prova apresentada
Além disso, se o terceiro tiver contratado seguro de responsabilidade civil, poderá acionar sua própria seguradora para cobertura da eventual condenação.
Seguradora pode cobrar por danos morais pagos ao segurado?
Se a seguradora, por disposição contratual ou acordo, pagou valores ao segurado a título de danos morais, ela não poderá cobrar isso do terceiro, salvo se houver decisão judicial anterior que reconheça a existência e responsabilidade por danos morais praticados por esse terceiro.
O direito de sub-rogação é limitado àquilo que poderia ser exigido pelo segurado. Como danos morais dependem de análise subjetiva e decisão judicial específica, a cobrança só será válida se já houver sentença nesse sentido.
O terceiro pode negociar com a seguradora?
Sim. Antes ou mesmo durante a cobrança judicial, é possível:
Propor parcelamento
Apresentar contraproposta de valor
Solicitar desconto ou abatimento
Celebrar acordo extrajudicial
Essa prática é comum e muitas seguradoras oferecem condições para evitar o litígio judicial. O ideal é formalizar o acordo por escrito, com cláusulas claras e registro do pagamento.
Diferença entre direito de regresso e ação regressiva do INSS
Apesar de parecerem semelhantes, o direito de regresso da seguradora não se confunde com a ação regressiva do INSS. O INSS tem direito de cobrar do responsável por acidente que causou pagamento de benefícios previdenciários (ex: auxílio-doença, pensão por morte), com fundamento no artigo 120 da Lei nº 8.213/91.
Já a seguradora cobra apenas os valores pagos ao seu próprio segurado, com base no contrato privado de seguro e na legislação civil.
Direito de regresso em contratos de seguro empresarial
No âmbito empresarial, o direito de regresso também é aplicado, por exemplo, em casos de:
Incêndio causado por prestador de serviço
Furto por empresa terceirizada
Danos estruturais causados por fornecedores
Danos a bens cobertos por seguro patrimonial
Após indenizar o segurado (empresa), a seguradora pode entrar com ação contra a empresa causadora do dano ou o prestador envolvido.
Responsabilidade solidária e ação regressiva
Em alguns casos, o dano pode ser causado por mais de uma pessoa, surgindo a responsabilidade solidária. Isso significa que a seguradora pode cobrar todos ou qualquer um dos responsáveis pelo valor total, cabendo depois a eles discutir a divisão interna (ação de regresso entre coobrigados).
Por exemplo, se dois motoristas colidem com um terceiro e causam prejuízo, a seguradora poderá escolher contra quem demandar, e esse, se condenado, poderá buscar reaver parte do valor com o outro envolvido.
Acordos entre segurado e terceiro podem afetar a seguradora?
Sim. Se o segurado faz um acordo com o terceiro antes de acionar a seguradora, esse acordo pode impedir a sub-rogação da seguradora.
Por outro lado, se o segurado recebe da seguradora e depois renuncia ao direito de cobrar o terceiro, pode ser obrigado a restituir a seguradora, pois prejudicou o exercício da sub-rogação.
É importante que o segurado não renuncie ao seu direito de ação contra terceiros após o pagamento da indenização, salvo se autorizado pela seguradora.
Acordos com cláusula de renúncia à sub-rogação são válidos?
Sim. É possível que o contrato de seguro traga uma cláusula de renúncia à sub-rogação em determinadas situações, como:
Acidentes entre familiares
Danos causados por sócios ou empregados
Relações contratuais de confiança
Se prevista em contrato e assinada pelas partes, essa cláusula é válida e vinculante, impedindo a seguradora de cobrar o terceiro nesses casos específicos.
Perguntas e respostas
A seguradora pode me cobrar mesmo que eu não tenha contrato com ela?
Sim. O direito de regresso da seguradora é baseado na responsabilidade civil. Mesmo sem contrato, ela pode cobrar se você for o causador do dano.
Posso me recusar a pagar a cobrança da seguradora?
Pode se recusar, mas a seguradora poderá ingressar com ação judicial e, se provado que você foi o causador do dano, poderá ser condenado.
A seguradora pode protestar meu nome por não pagar o ressarcimento?
Sim. A seguradora pode registrar o débito em cartório e protestar, desde que com base em título certo, líquido e exigível.
E se eu não tiver condições financeiras para pagar?
Você pode negociar com a seguradora e solicitar parcelamento. Se processado, poderá apresentar defesa e comprovar hipossuficiência para buscar acordo.
A seguradora pode me cobrar por danos morais?
Não, salvo se houver decisão judicial anterior reconhecendo a responsabilidade por esses danos.
Posso envolver minha própria seguradora para me defender?
Sim, se você tiver seguro de responsabilidade civil, pode acioná-la para cobrir os valores em disputa.
Conclusão
A seguradora pode sim cobrar ressarcimento de terceiros responsáveis por danos que motivaram o pagamento de indenização ao segurado. Esse direito é legítimo e está previsto na legislação brasileira como forma de equilibrar o sistema de seguros e responsabilizar quem efetivamente causou o prejuízo. No entanto, essa cobrança deve respeitar limites legais, critérios de culpa, provas documentais e prazos prescricionais. O terceiro, por sua vez, tem direito à ampla defesa e pode contestar, negociar ou buscar auxílio jurídico para avaliar a melhor forma de conduzir a situação. Entender os fundamentos do direito de regresso é essencial tanto para seguradoras quanto para cidadãos que possam ser responsabilizados por um dano.