Prescrição e decadência são institutos do Direito que têm como principal função limitar o tempo para o exercício de direitos. A prescrição está relacionada à perda do direito de ação, ou seja, o direito de exigir algo judicialmente, devido ao decurso de tempo. Já a decadência implica na extinção do próprio direito subjetivo pela inércia do titular dentro do prazo legal ou convencionalmente fixado. Embora sejam semelhantes no aspecto temporal, suas naturezas jurídicas, efeitos práticos, formas de contagem e possibilidades de interrupção ou suspensão são distintas. Saber diferenciá-las é fundamental para advogados, juízes, partes envolvidas em litígios e qualquer pessoa que deseje proteger seus direitos de forma eficaz.
O que é prescrição
A prescrição é a perda do direito de ação pela inércia do titular por determinado tempo, estando esse prazo previsto em lei. Em outras palavras, se a pessoa tem um direito violado e não ajuíza ação dentro do prazo legal, ela não pode mais exigir judicialmente esse direito, embora o direito em si continue existindo em alguns casos.
O fundamento da prescrição está na segurança jurídica e na estabilidade das relações sociais, pois não é razoável que litígios possam ser iniciados indefinidamente. Após certo tempo, presume-se que a inércia do titular revela desinteresse ou abandono do direito.
Exemplo de prescrição: uma pessoa que emprestou dinheiro a outra e não recebeu de volta tem, em regra, cinco anos para ingressar com ação de cobrança. Após esse prazo, seu direito de ação prescreve.
O que é decadência
A decadência é a extinção do próprio direito subjetivo pelo não exercício dentro de um prazo legal ou contratual. Ou seja, o direito deixa de existir porque não foi exercido tempestivamente. Aqui, diferentemente da prescrição, o direito se apaga por completo, e não apenas a possibilidade de exigi-lo judicialmente.
A decadência é comum em direitos potestativos, ou seja, aqueles que se exercem sem necessidade de consentimento da outra parte, como o direito de anular um contrato, impugnar uma cláusula, exercer uma opção.
Exemplo de decadência: o comprador de um produto com defeito aparente tem 30 dias para reclamar do vício, se o produto for não durável, ou 90 dias, se durável. Após esse prazo, o direito de reclamar se extingue.
Natureza jurídica de cada instituto
A prescrição se relaciona ao direito de ação, ou seja, ao direito de invocar o poder jurisdicional para resolver um litígio. Mesmo que o direito continue existindo materialmente, a sua exigibilidade judicial fica impedida.
Já a decadência está vinculada ao direito material propriamente dito. A perda não é apenas da possibilidade de acionar a Justiça, mas do próprio direito de exercer determinado poder ou faculdade jurídica.
Assim, na prescrição, o direito ainda existe, mas não pode mais ser exigido judicialmente; na decadência, o direito deixa de existir em sua essência.
Fundamentos legais da prescrição e da decadência
A prescrição e a decadência estão previstas no Código Civil Brasileiro, principalmente nos artigos 189 a 211.
Prescrição: artigos 189 a 206
Decadência: artigos 207 a 211
O artigo 189 estabelece que “violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206”.
Já o artigo 207 afirma que “salvo disposição legal em contrário, não se aplicam à decadência as normas que impedem, suspendem ou interrompem a prescrição”.
Portanto, a própria lei distingue ambos os institutos, com regimes jurídicos distintos.
Exceções à regra: quando a decadência se submete ao regime da prescrição
Embora a regra geral seja a separação entre os institutos, o Código Civil admite exceções. O artigo 207 prevê que, se a decadência for convencional, ou seja, estipulada por acordo entre as partes, aplicam-se as causas que impedem ou suspendem a prescrição.
Isso ocorre porque a decadência legal e a decadência convencional possuem tratamento diverso. Na convencional, as partes podem ajustar os efeitos do prazo decadencial, inclusive a suspensão por motivo justo.
Diferença quanto à contagem do prazo
A contagem do prazo prescricional segue critérios próprios:
Começa a contar do momento em que o titular do direito tem ciência da violação
Pode ser interrompido ou suspenso, em casos específicos (como reconhecimento do débito, força maior, menoridade)
Já a decadência:
Tem prazo fatal, geralmente fixado em lei, e não admite interrupção ou suspensão, salvo exceções legais
Começa a contar do nascimento do direito (não da violação)
Na decadência legal, o prazo é rígido; na decadência convencional, pode ser ajustado
Exemplo comparativo:
Prescrição: uma dívida vencida em 01/01/2015 pode ter sua contagem suspensa se o devedor reconhecer o débito em 01/01/2017.
Decadência: o direito de contestar uma cláusula contratual em até 180 dias a partir da assinatura não é interrompido, mesmo que haja tratativas entre as partes.
Prescrição e decadência no Código de Defesa do Consumidor
O Código de Defesa do Consumidor (CDC) também distingue os dois institutos, especialmente nos artigos 26 e 27.
Art. 26 (decadência): trata dos prazos para o consumidor reclamar de vícios aparentes ou de fácil constatação
30 dias para produtos não duráveis
90 dias para produtos duráveis
Art. 27 (prescrição): trata do prazo para reparação por danos causados por fato do produto ou serviço
5 anos a partir do conhecimento do dano e de sua autoria
Dessa forma, o CDC combina as duas figuras jurídicas, conforme o tipo de direito envolvido.
Exemplos práticos para diferenciar prescrição e decadência
Prescrição
Ação de cobrança de aluguéis vencidos: prescreve em 3 anos (art. 206, §3º, I, CC)
Ação de responsabilidade civil por ato ilícito: prescreve em 3 anos (art. 206, §3º, V, CC)
Ação de cobrança de cheque prescreve em 6 meses, a contar do vencimento
Decadência
Direito de anular contrato por erro, dolo ou coação: decadência de 4 anos (art. 178, CC)
Direito de reclamar de produto com defeito: 30 ou 90 dias (art. 26, CDC)
Direito de aceitar ou renunciar à herança: 10 anos (em regra), mas pode haver decadência em situações específicas (art. 1806, CC)
A prescrição pode ser renunciada?
Sim. O artigo 191 do Código Civil permite que o devedor renuncie à prescrição consumada, ou seja, à prescrição já completada, de forma expressa ou tácita. Isso significa que, mesmo que o prazo já tenha expirado, o devedor pode aceitar pagar a dívida ou não opor a prescrição como defesa.
No entanto, a renúncia à prescrição antes do vencimento do prazo é nula, conforme a mesma norma.
Já quanto à decadência:
A decadência legal não pode ser renunciada
A decadência convencional pode ser renunciada ou modificada pelas partes, inclusive quanto ao prazo
A prescrição é matéria de ordem pública?
Depende. Embora seja amplamente aceita no processo civil, a prescrição não é, em regra, reconhecida de ofício pelo juiz. Isso significa que, se a parte não alegar prescrição, o juiz não pode declará-la por conta própria (art. 193, CC, e art. 487, II, CPC).
Contudo, há exceções em que a prescrição deve ser reconhecida de ofício, como nas ações penais públicas ou nos processos administrativos, especialmente em ações de ressarcimento ao erário.
Por outro lado, a decadência legal pode ser reconhecida de ofício, conforme o artigo 210 do Código Civil, salvo disposição em contrário.
Aplicações na área penal
Na esfera penal, a prescrição penal é amplamente regulamentada pelo Código Penal e está ligada ao tempo de extinção da punibilidade do crime. Pode ocorrer:
Antes do trânsito em julgado (prescrição da pretensão punitiva)
Após o trânsito em julgado (prescrição da pretensão executória)
Já a decadência no direito penal aparece em ações penais privadas, como nas ações por crimes contra a honra. O prazo para o ofendido propor a ação é, em regra, de 6 meses a partir do conhecimento da autoria. Esse é um caso típico de decadência material, e sua inércia impede o exercício do direito de queixa, extinguindo a punibilidade.
Prescrição intercorrente e sua distinção
A prescrição intercorrente é aquela que ocorre no curso do processo, quando o autor deixa o processo paralisado por longo tempo. É comum em ações de execução, quando não há movimentação processual por mais de 1 ano e o prazo prescricional transcorre em seguida.
Diferente da decadência, a prescrição intercorrente não atinge o direito material, mas apenas o direito de ação no contexto processual.
Efeitos da prescrição e da decadência no processo
Tanto a prescrição quanto a decadência, uma vez configuradas, extinguem o processo com resolução de mérito, nos termos do artigo 487, II, do Código de Processo Civil. Isso significa que o juiz reconhece a perda do direito de ação ou do direito material e encerra a demanda, impedindo nova tentativa com base no mesmo fundamento.
Além disso, ambas podem ser alegadas como matéria preliminar na contestação, sendo apreciadas prioritariamente pelo magistrado.
Perguntas e respostas
O que é prescrição?
É a perda do direito de ação por não exercer o direito no prazo legal previsto.
O que é decadência?
É a perda do próprio direito material por inércia do titular no prazo estipulado.
Como saber se o caso é de prescrição ou decadência?
Depende da natureza do direito envolvido. Em regra, ações patrimoniais e de cobrança envolvem prescrição, enquanto o exercício de direitos potestativos e impugnações contratuais envolvem decadência.
Posso renunciar à prescrição?
Sim, mas somente após ela ter ocorrido. A renúncia antecipada é nula.
Posso renunciar à decadência?
Somente se for uma decadência convencional. A decadência legal é irrenunciável.
O juiz pode reconhecer a prescrição por conta própria?
Em regra, não. Precisa ser alegada pela parte. Exceto em hipóteses específicas em direito penal ou administrativo.
E a decadência, pode ser reconhecida de ofício?
Sim, quando for legal. Se for convencional, dependerá de alegação da parte.
A prescrição suspende e interrompe? E a decadência?
Sim, a prescrição pode ser suspensa ou interrompida por causas previstas em lei. A decadência legal, em regra, não admite suspensão ou interrupção, exceto quando se tratar de menor ou incapaz, nos casos expressos.
Conclusão
A prescrição e a decadência são institutos fundamentais para o equilíbrio do sistema jurídico, pois impedem que o direito seja exercido de maneira indefinida e garantem a segurança nas relações sociais e econômicas. Apesar de semelhantes no aspecto prático — ambos limitam o exercício de direitos —, são juridicamente distintos quanto à natureza, aos efeitos e à forma de aplicação.
A prescrição protege contra o uso tardio do poder judiciário para a cobrança ou exigência de algo, enquanto a decadência extingue o próprio direito pela falta de exercício oportuno. Saber identificá-las corretamente é essencial não apenas para advogados e profissionais do Direito, mas para qualquer pessoa que deseje garantir a efetividade de seus direitos e evitar a perda de oportunidades jurídicas.
Compreender essa diferença é crucial para evitar prejuízos irreparáveis. Afinal, quem não age dentro do tempo certo, pode perder não apenas o processo, mas o próprio direito.