A responsabilidade de pagar o tempo de espera pela perícia médica pode recair sobre o empregador, o INSS ou até mesmo ficar sem remuneração, dependendo do contexto jurídico da perícia, da fase do afastamento e do tipo de ação judicial ou administrativa em que o trabalhador esteja envolvido. O tempo de espera entre o término do auxílio-doença e a realização da perícia — seja para restabelecimento do benefício, reconhecimento de incapacidade ou reabilitação — é uma situação que atinge milhares de trabalhadores brasileiros e levanta importantes discussões sobre quem deve arcar com esse intervalo. Este artigo traz uma análise completa sobre essa questão, abordando o entendimento da Justiça, a posição do INSS, as responsabilidades do empregador e os direitos do trabalhador.
O que é o tempo de espera pela perícia médica
O tempo de espera pela perícia médica corresponde ao período entre a data em que o benefício por incapacidade (como o auxílio-doença ou auxílio por acidente) é cessado ou negado e a data da realização de nova perícia, seja ela solicitada administrativamente ou judicialmente. Durante esse intervalo, o trabalhador permanece sem receber o benefício do INSS e, na maioria dos casos, também não retorna ao trabalho por ainda estar incapacitado, gerando um limbo jurídico-previdenciário.
Essa situação é especialmente comum quando o INSS nega ou interrompe um benefício por entender que o segurado está apto para o trabalho, enquanto o médico do trabalho da empresa entende que ele ainda está inapto. Como resultado, o trabalhador fica sem salário, sem benefício e sem trabalhar.
Quem é responsável pelo pagamento durante o limbo previdenciário
A questão central é: quem deve arcar com os custos desse tempo de espera? A resposta depende de diferentes fatores, como:
A existência ou não de ação judicial contra o INSS
A persistência da incapacidade para o trabalho
A conduta da empresa quanto à reintegração do trabalhador
O entendimento dos tribunais sobre a responsabilidade patrimonial
O limbo previdenciário tem sido interpretado de formas distintas pelos tribunais, embora haja uma tendência cada vez maior de responsabilização do empregador quando este impede o retorno do empregado ao trabalho.
Condições em que o empregador pode ser responsabilizado
O empregador pode ser responsabilizado pelo pagamento do período de espera pela perícia quando:
O INSS cessa o benefício entendendo que o trabalhador está apto, mas o médico do trabalho da empresa não permite o retorno por considerá-lo inapto.
O trabalhador não é readaptado a outra função compatível com suas condições.
A empresa não adota providências administrativas para solucionar o impasse, deixando o trabalhador sem qualquer renda.
Nesses casos, a Justiça do Trabalho tem entendido que a responsabilidade pela remuneração recai sobre o empregador, por se tratar de risco da atividade econômica, conforme estabelece o artigo 2º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Quando o INSS pode ser obrigado a pagar
Em outros contextos, a responsabilidade pode ser atribuída ao INSS, especialmente quando:
Há ação judicial em curso e o trabalhador permanece incapacitado durante o tempo de espera da perícia judicial.
A perícia posterior reconhece a continuidade da incapacidade, confirmando que o trabalhador nunca esteve apto.
O INSS não respeitou os prazos legais para a realização da perícia ou cessou indevidamente o benefício.
Nessas hipóteses, a Justiça Federal (responsável pelas ações contra o INSS) pode condenar o Instituto a pagar os valores retroativos desde a cessação indevida do benefício, com juros e correção monetária.
Possibilidade de responsabilidade compartilhada
Há decisões judiciais que reconhecem a responsabilidade solidária ou subsidiária entre empregador e INSS, conforme a análise do caso concreto. Nesses casos:
O INSS pode ser responsabilizado a pagar os valores relativos ao benefício indevidamente cessado.
O empregador pode ser condenado a arcar com o período em que deixou o trabalhador em inatividade, sem renda e sem solução.
Essa abordagem busca preservar a dignidade do trabalhador, evitando que ele arque com os prejuízos de um conflito entre médico perito e médico do trabalho.
O que diz a jurisprudência trabalhista
A jurisprudência da Justiça do Trabalho tem reconhecido, de forma cada vez mais consistente, que o empregador deve arcar com a remuneração do empregado durante o tempo de espera, quando não autoriza seu retorno ao trabalho.
Um exemplo é o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho (TST), no sentido de que, se a empresa impede o retorno do trabalhador, ela assume o ônus pela sua remuneração, ainda que o INSS tenha cessado o benefício.
Assim, o empregado deve receber os salários de forma retroativa, mesmo sem prestar serviços, por estar à disposição do empregador e impossibilitado de trabalhar por decisão da própria empresa.
Decisões da Justiça Federal em ações contra o INSS
Quando a ação tramita na Justiça Federal, os juízes têm aplicado o princípio da continuidade da incapacidade. Isso significa que, se a perícia judicial atesta que o trabalhador permaneceu incapacitado durante todo o período entre a cessação do benefício e a nova perícia, o INSS deve pagar os valores correspondentes como se o benefício nunca tivesse sido interrompido.
Em alguns casos, mesmo com grande lapso de tempo entre uma perícia e outra, os valores são pagos retroativamente com todos os acréscimos legais. O trabalhador, nesses casos, é indenizado financeiramente e pode inclusive pleitear danos morais.
O papel do médico do trabalho da empresa
O médico do trabalho exerce papel fundamental nesse cenário. Após o término do benefício, a empresa deve encaminhar o trabalhador ao exame de retorno, conforme previsto na NR 7 do Ministério do Trabalho.
Se o médico do trabalho atestar que o empregado ainda está incapacitado, a empresa não pode obrigá-lo a trabalhar, mas também não pode deixá-lo sem qualquer suporte. Cabe à empresa buscar alternativas como:
Reabilitação em outra função compatível
Afastamento com salário
Ação regressiva contra o INSS, em caso de erro na perícia
O laudo do médico do trabalho é uma prova importante e pode ser usado tanto na Justiça do Trabalho quanto na Justiça Federal, dependendo da natureza do processo.
O que diz o Tribunal Superior do Trabalho
O TST, por meio de diversas decisões, já fixou entendimento de que o empregador não pode simplesmente afastar o trabalhador sem renda se este não foi considerado apto a retornar.
A responsabilidade pelo pagamento dos salários, nesse caso, decorre do risco da atividade empresarial. A Súmula 378, item II, por exemplo, trata da estabilidade acidentária, mas sua interpretação tem sido estendida para justificar a obrigação da empresa em proteger o trabalhador até o efetivo retorno ou concessão de novo benefício.
Diferença entre perícia administrativa e perícia judicial
É essencial distinguir a perícia médica realizada pelo INSS (administrativa) da perícia judicial, feita no curso de um processo contra o INSS.
A perícia administrativa:
É agendada pelo próprio INSS
Define se o trabalhador terá ou não direito ao benefício
Pode ser contestada judicialmente
A perícia judicial:
É determinada por um juiz federal
É realizada por um perito independente nomeado pelo Judiciário
Serve para decidir ações contra o INSS ou revisar decisões administrativas
Durante o intervalo entre a cessação do benefício e a realização da perícia judicial, o trabalhador pode permanecer meses sem receber qualquer renda, o que leva à discussão sobre o responsável por esse pagamento.
Soluções jurídicas para o trabalhador
Diante dessa situação, o trabalhador tem alguns caminhos possíveis:
Entrar com ação judicial contra o INSS, requerendo a continuidade ou restabelecimento do benefício, com pagamento retroativo desde a cessação.
Propor ação na Justiça do Trabalho contra o empregador, requerendo o pagamento dos salários devidos no período em que esteve impossibilitado de retornar.
Em alguns casos, é possível mover ações contra ambos (INSS e empresa) em juízos distintos, dependendo da origem do problema.
É importante que o trabalhador tenha documentos médicos atualizados, laudos, comunicações da empresa e protocolos de pedidos feitos ao INSS para fundamentar sua ação.
Situações específicas de instabilidade jurídica
Algumas situações podem tornar a análise mais complexa:
Quando o trabalhador é considerado parcialmente apto e não há função compatível
Quando o INSS demora excessivamente para agendar a perícia
Quando há conflito entre laudos médicos particulares e oficiais
Quando o empregado está em processo de reabilitação profissional
Nesses casos, o judiciário costuma aplicar princípios como o da dignidade da pessoa humana, o da proteção ao hipossuficiente e o da continuidade da prestação de serviço ou do benefício previdenciário.
Exemplo prático de responsabilidade atribuída ao empregador
Imagine um trabalhador que retorna do auxílio-doença, mas o médico do trabalho da empresa o considera inapto e impede o retorno. O INSS, por sua vez, entende que ele está recuperado e nega novo benefício. O trabalhador entra em ação na Justiça Federal e aguarda seis meses por nova perícia.
Durante esse período, sem renda, o trabalhador sofre prejuízos financeiros e emocionais. Posteriormente, a Justiça do Trabalho reconhece que a empresa não poderia ter deixado o trabalhador inativo sem remuneração e condena a empresa ao pagamento dos salários do período, com juros, correção e danos morais.
Recomendações para empregadores
Para evitar condenações, o empregador deve:
Promover o exame de retorno imediatamente após a alta do INSS
Analisar com responsabilidade o parecer do médico do trabalho
Realocar o empregado, sempre que possível
Não deixar o trabalhador em limbo, sem salário e sem atividade
Registrar formalmente as decisões e medidas adotadas
Buscar orientação jurídica ou médica antes de negar o retorno
A omissão do empregador pode ser considerada negligência e ensejar responsabilidades civis e trabalhistas.
Ações regressivas do empregador contra o INSS
Empresas que foram condenadas a pagar o tempo de espera podem mover ações regressivas contra o INSS quando houver indícios de erro administrativo ou negligência na concessão ou cessação do benefício.
Essas ações têm fundamento no prejuízo econômico sofrido pela empresa, que arcou com uma despesa que originalmente deveria ser responsabilidade do INSS.
Embora pouco utilizadas, essas ações estão ganhando espaço à medida que a jurisprudência responsabiliza mais vezes os empregadores.
Como comprovar a incapacidade durante o tempo de espera
Para assegurar o recebimento dos valores devidos durante o período de espera, o trabalhador deve reunir provas de que estava incapacitado, como:
Laudos médicos contemporâneos
Receituários e exames
Laudo do médico do trabalho da empresa
Atestados e relatórios de fisioterapia ou reabilitação
Relatório da CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho), se for o caso
Quanto mais detalhados e consistentes forem os documentos, maior a chance de êxito na ação judicial.
Perguntas e respostas
O trabalhador tem direito ao salário se a empresa não permitir o retorno após alta do INSS?
Sim. Se a empresa considera o trabalhador inapto e impede o retorno, ela deve pagar os salários enquanto durar a inatividade.
O INSS pode ser obrigado a pagar retroativamente o tempo entre perícias?
Sim. Se ficar provado que o trabalhador permaneceu incapacitado, o INSS deve pagar os valores desde a cessação indevida do benefício.
E se nem o INSS nem a empresa assumem o pagamento?
O trabalhador deve ingressar com ações judiciais para garantir o recebimento dos valores devidos. Cada caso deve ser analisado individualmente.
A empresa pode demitir o trabalhador nesse período?
Não. Enquanto estiver afastado por questões de saúde, o trabalhador goza de estabilidade, especialmente em caso de acidente de trabalho ou doença ocupacional.
O tempo de espera entra no cálculo para aposentadoria?
Sim, se for reconhecido judicialmente como período de incapacidade, esse tempo pode ser computado como tempo de contribuição.
Conclusão
A responsabilidade pelo pagamento do tempo de espera entre a cessação do benefício e a realização da nova perícia médica é uma questão complexa que envolve análise jurídica e médica. Tanto o INSS quanto o empregador podem ser responsabilizados, dependendo das circunstâncias do caso. O importante é que o trabalhador não fique desamparado, sem renda e sem meios de garantir sua subsistência. O Poder Judiciário tem reconhecido esse direito e fornecido meios para reparação dos prejuízos sofridos. Cabe a cada parte agir com diligência e responsabilidade para evitar o chamado limbo jurídico-previdenciário, que afeta diretamente a dignidade e o bem-estar do trabalhador.