O empregador pode, em algumas situações específicas, consultar os antecedentes criminais de um candidato a emprego, mas essa prática deve seguir critérios legais, respeitar os direitos fundamentais do trabalhador e ter relação direta com a função a ser exercida. A exigência indiscriminada e sem justificativa pode configurar discriminação e violação de direitos constitucionais.
Neste artigo, abordaremos todos os aspectos jurídicos e práticos envolvendo a exigência ou consulta de antecedentes criminais para fins de admissão, incluindo quando é permitida, quando é vedada, quais são os limites legais, e o que o candidato pode fazer em caso de abuso ou discriminação.
O que são antecedentes criminais
Antecedentes criminais são registros relacionados à vida pregressa de um indivíduo no âmbito criminal. Eles podem conter informações sobre processos criminais em andamento, condenações, absolvições, arquivamentos e até mesmo certidões negativas que indicam ausência de registros.
No Brasil, o principal documento utilizado para verificar antecedentes criminais é a Certidão de Antecedentes Criminais, emitida por órgãos como a Polícia Federal, Polícias Civis estaduais e Tribunais de Justiça. Esse documento é de caráter público e pode ser obtido gratuitamente pela internet, geralmente com a simples inserção do nome completo e CPF da pessoa interessada.
A legislação brasileira permite exigir antecedentes criminais?
A legislação brasileira não proíbe totalmente a exigência de certidão de antecedentes criminais para fins de admissão, mas impõe limites rigorosos para evitar violações a princípios constitucionais como o da dignidade da pessoa humana, presunção de inocência e proibição de discriminação.
A exigência só é considerada legal se estiver diretamente relacionada com a natureza do cargo, ou seja, quando for indispensável para garantir a segurança, confiança ou integridade das atividades desempenhadas.
A jurisprudência trabalhista e os órgãos de fiscalização, como o Ministério Público do Trabalho (MPT), já consolidaram o entendimento de que a solicitação indiscriminada da certidão de antecedentes criminais é prática abusiva e discriminatória.
Fundamentos constitucionais e legais
A Constituição Federal assegura o direito ao trabalho, à intimidade, à presunção de inocência e à não discriminação. Tais princípios estão diretamente ligados à análise da legalidade da exigência de antecedentes.
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Art. 5º, inciso X – garante o direito à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem.
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Art. 5º, inciso LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.
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Art. 7º, inciso XXX – proíbe diferença de critérios de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil, sendo aplicado por analogia à situação de antecedentes criminais.
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Lei nº 9.029/1995 – proíbe práticas discriminatórias para efeitos admissionais ou de permanência da relação de trabalho.
Portanto, embora não haja uma lei que proíba expressamente a exigência de antecedentes criminais, as normas citadas orientam que essa exigência só pode ocorrer com justificativa razoável e proporcional.
Quando é permitido exigir antecedentes criminais
A exigência de certidão de antecedentes criminais é admitida quando o cargo exige um grau elevado de confiança, responsabilidade ou segurança pública. Exemplos práticos incluem:
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Motoristas profissionais, como motoristas de transporte escolar, táxi, aplicativos ou caminhões de transporte de carga valiosa;
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Vigilantes e seguranças que atuam em estabelecimentos bancários, empresas de transporte de valores ou segurança patrimonial;
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Trabalhadores da área da educação, que atuam com crianças, adolescentes ou pessoas em situação de vulnerabilidade;
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Cargos públicos, quando previsto em edital de concurso;
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Funcionários de instituições financeiras e cargos com manuseio direto de grandes valores;
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Profissionais que atuam em estabelecimentos prisionais, como agentes penitenciários;
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Empregos domésticos com convivência direta com idosos, crianças ou portadores de deficiência.
Nestes casos, a jurisprudência e a doutrina reconhecem que a exigência é legítima desde que proporcional e fundamentada, visando proteger o interesse público ou a segurança de terceiros.
Quando a exigência é considerada ilegal
A exigência de antecedentes criminais torna-se ilegal e discriminatória quando:
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É feita sem qualquer justificativa relacionada às atribuições do cargo;
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O histórico criminal é usado como critério absoluto de exclusão, mesmo quando não há condenação transitada em julgado;
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Há constrangimento ou exposição pública do candidato;
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A pessoa apresenta registros irrelevantes para a função pretendida, como delitos antigos, de menor potencial ofensivo ou já extintos;
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É exigido para cargos administrativos comuns, como auxiliar de escritório, vendedor, atendente de loja, entre outros.
Nesse tipo de situação, a prática pode configurar violação aos direitos fundamentais do candidato e resultar em sanções ao empregador, inclusive com pagamento de indenização por danos morais.
O papel da jurisprudência trabalhista
A Justiça do Trabalho já possui entendimentos firmes sobre os limites da exigência de antecedentes criminais. Alguns exemplos:
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TST – RR-0000783-85.2012.5.05.0281: O Tribunal considerou abusiva a exigência de certidão de antecedentes para o cargo de auxiliar de produção, pois não havia qualquer relação entre a função e a necessidade da consulta.
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TRT-2 – 1000303-78.2016.5.02.0712: Empresa condenada por danos morais ao exigir certidão de antecedentes para vaga de vendedor. O tribunal entendeu que não havia justificativa objetiva e a conduta foi discriminatória.
Essas decisões reforçam que o empregador deve justificar adequadamente a necessidade da exigência, além de ter cautela ao utilizar as informações obtidas.
Presunção de inocência e processo criminal em andamento
Outro aspecto relevante é que o simples fato de o candidato responder a um processo criminal não pode ser motivo para recusa automática na contratação. De acordo com o princípio constitucional da presunção de inocência, ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.
Assim, a existência de um processo em curso não pode fundamentar a exclusão de um candidato ou a sua demissão, exceto em casos muito específicos e de risco real e direto para a atividade a ser desempenhada.
Oportunidade para reinserção social
Um dos pilares do direito penal moderno é a reinserção social do apenado. A pessoa que já cumpriu pena ou obteve reabilitação penal tem direito de retomar sua vida em sociedade, inclusive no mercado de trabalho.
Negar emprego a alguém que já cumpriu pena, sem justificativa técnica ou legal, reforça o estigma social e contribui para a reincidência criminal. Por isso, o Judiciário tem adotado o entendimento de que a simples existência de antecedentes não pode, por si só, impedir a contratação, principalmente quando não há relação com a atividade a ser desempenhada.
O que diz o Ministério Público do Trabalho
O MPT considera discriminatória a exigência de certidão de antecedentes criminais em vagas que não envolvam cargos de confiança, risco ou segurança. Em diversas campanhas e recomendações, o MPT orienta empresas a evitarem essa prática e propõe alternativas para contratação inclusiva, como:
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Avaliar os antecedentes apenas nos casos estritamente necessários, com justificativa técnica;
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Adotar políticas de inclusão de pessoas egressas do sistema prisional;
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Garantir sigilo e respeito à intimidade dos candidatos durante o processo seletivo.
Além disso, o MPT pode ajuizar ações civis públicas contra empresas que cometem práticas discriminatórias, inclusive com pedidos de indenização por danos coletivos.
Boas práticas para empresas
As empresas que desejam manter a conformidade legal e ética nos processos seletivos devem adotar as seguintes boas práticas:
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Solicitar certidões de antecedentes somente quando for absolutamente necessário;
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Justificar documentalmente a necessidade da exigência, indicando o risco associado à função;
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Garantir sigilo sobre as informações dos candidatos;
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Não utilizar registros antigos, irrelevantes ou que não envolvam condenações definitivas;
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Permitir que o candidato explique ou apresente defesa antes de qualquer decisão baseada em antecedentes;
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Desenvolver políticas de inclusão de pessoas com histórico criminal, especialmente se já reabilitadas ou com penas cumpridas.
Essas medidas evitam problemas legais, fortalecem a imagem institucional da empresa e contribuem para uma sociedade mais justa.
Como o candidato deve agir diante de exigência abusiva
Se o candidato se sentir constrangido ou discriminado pela exigência de antecedentes criminais, ele pode tomar as seguintes providências:
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Recusar-se a apresentar a certidão, caso considere a exigência abusiva, e questionar a empresa quanto à justificativa;
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Registrar denúncia junto ao Ministério Público do Trabalho;
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Buscar orientação jurídica, por meio da Defensoria Pública ou advogado particular;
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Reunir provas, como mensagens, e-mails ou testemunhos, que comprovem a exigência indevida;
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Em caso de violação comprovada, o candidato pode ingressar com ação judicial por danos morais, requerendo reparação.
Empregador pode consultar antecedentes sem autorização?
A consulta a bancos públicos de dados criminais, como os disponibilizados pela Polícia Federal ou Tribunais de Justiça, geralmente requer o consentimento do titular das informações.
O uso de dados pessoais sensíveis, como antecedentes criminais, está sujeito à Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). De acordo com essa lei, o tratamento de dados pessoais sensíveis deve ser feito com base legal clara, consentimento do titular e finalidade específica.
Portanto, o empregador não pode consultar antecedentes criminais de terceiros sem autorização, salvo em casos expressamente previstos em lei.
LGPD e dados sensíveis
A Lei nº 13.709/2018 (LGPD) classifica os antecedentes criminais como dados pessoais sensíveis. O tratamento desses dados requer cuidados especiais, como:
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Consentimento do titular, de forma livre, informada e inequívoca;
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Garantia de acesso restrito às informações, apenas para as pessoas autorizadas;
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Justificativa clara da necessidade do uso desses dados;
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Finalidade legítima, específica e proporcional.
Empresas que violam a LGPD ao tratar indevidamente os antecedentes criminais de candidatos podem ser responsabilizadas administrativamente pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) e judicialmente por danos individuais e coletivos.
Inclusão de ex-detentos no mercado de trabalho
O Brasil tem políticas públicas voltadas à reinserção de pessoas egressas do sistema carcerário. Órgãos como o CNJ, o MPT e o DEPEN desenvolvem programas de inclusão produtiva e incentivo à contratação de ex-detentos.
A Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/1984) prevê que o trabalho é um dos pilares da ressocialização do apenado. Negar oportunidades de emprego com base em registros antigos ou irrelevantes é incompatível com os princípios da ressocialização e da dignidade humana.
Muitas empresas têm aderido a iniciativas sociais que promovem a inclusão de pessoas com histórico criminal, com ótimos resultados em termos de produtividade, lealdade e compromisso.
Perguntas e respostas
Empregador pode exigir antecedentes criminais para qualquer vaga?
Não. A exigência só é permitida quando estiver relacionada à natureza da função e houver justificativa legítima, proporcional e documentada.
Se eu me recusar a apresentar a certidão, posso ser eliminado do processo?
Depende. Se a vaga exigir legalmente esse tipo de documento (como vigilante ou motorista de transporte escolar), a recusa pode impedir a contratação. Mas em cargos comuns, essa exigência pode ser considerada abusiva.
Tenho condenação antiga. Isso pode impedir minha contratação?
Não necessariamente. A empresa deve avaliar se a condenação tem relação direta com o cargo e respeitar os princípios de proporcionalidade e ressocialização.
Responder a processo criminal impede de conseguir emprego?
Não. O candidato é presumido inocente até o trânsito em julgado da sentença. A simples existência de processo em andamento não pode ser motivo para exclusão automática.
Empregador pode consultar antecedentes sem meu consentimento?
Não. A LGPD exige consentimento e finalidade legítima para o tratamento de dados sensíveis, como antecedentes criminais.
O que devo fazer se me senti discriminado por causa dos antecedentes?
Você pode denunciar ao MPT, buscar assistência jurídica e, se necessário, ingressar com ação judicial por danos morais.
Conclusão
A exigência de antecedentes criminais para fins de admissão em emprego deve ser feita com cautela, base legal e respeito aos direitos fundamentais do trabalhador. Quando necessária, deve estar vinculada à natureza da função, ser proporcional e devidamente justificada. A exigência genérica e indiscriminada configura prática discriminatória, passível de responsabilização legal.
É essencial que empregadores, candidatos e instituições estejam cientes dos limites legais para garantir processos seletivos justos e inclusivos. O direito ao trabalho e à reinserção social são pilares de uma sociedade democrática e equilibrada. Garantir esse direito é dever de todos os envolvidos nas relações de trabalho.