Sim, o plano de saúde pode negar internação hospitalar se o período de carência não tiver sido cumprido, desde que essa exigência esteja claramente prevista no contrato e respeite os prazos máximos definidos pela legislação. A negativa, nesses casos, não é considerada ilegal, pois a carência é um prazo contratual em que o beneficiário ainda não tem direito a determinados procedimentos. No entanto, existem exceções importantes a essa regra, especialmente em casos de urgência e emergência, em que a recusa à internação pode configurar prática abusiva.
A seguir, vamos entender o que é carência no plano de saúde, quais são os prazos máximos permitidos por lei, quando a operadora pode recusar a internação, quais são as exceções e o que fazer diante de uma negativa indevida. Também explicaremos como funcionam os direitos do consumidor nesses casos, quais os recursos administrativos e judiciais disponíveis e as principais decisões da Justiça sobre o tema.
O que é carência no plano de saúde
A carência é o período contado a partir da assinatura do contrato, durante o qual o beneficiário ainda não tem direito a determinados procedimentos, tratamentos ou internações. Esse intervalo serve como uma garantia para a operadora de saúde, evitando que o plano seja contratado apenas quando o consumidor já estiver doente ou precisar de procedimentos imediatos.
Os prazos de carência devem estar expressamente descritos no contrato e devem respeitar os limites máximos definidos pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Qualquer cláusula que ultrapasse esses limites pode ser considerada abusiva e, portanto, inválida.
Prazos máximos de carência permitidos por lei
Segundo a regulamentação da ANS, os prazos máximos de carência que podem ser exigidos pelas operadoras são:
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24 horas para casos de urgência e emergência
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300 dias para partos a termo (exceto em casos de parto prematuro ou complicações)
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180 dias para demais procedimentos (consultas, exames, cirurgias e internações eletivas)
Isso significa que, se o paciente for internado por uma condição de urgência ou emergência, após 24 horas da assinatura do contrato, o plano não pode negar a internação sob a alegação de carência. Já para cirurgias eletivas ou internações programadas, a operadora pode, sim, recusar o atendimento até o cumprimento do prazo de 180 dias.
Internação eletiva e internação de urgência: qual a diferença?
Para saber se a recusa da operadora é válida, é essencial diferenciar dois tipos de internação:
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Internação eletiva: é aquela previamente agendada, que não representa risco iminente à vida ou à integridade física. Exemplos: cirurgia plástica, retirada de cálculo renal sem infecção, internação para investigação diagnóstica.
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Internação de urgência/emergência: é aquela decorrente de acidente pessoal ou complicação súbita de doença preexistente ou não, que coloca a vida ou a saúde em risco e requer atendimento imediato. Exemplos: infarto, AVC, crises convulsivas, sangramentos internos.
Enquanto a internação eletiva pode ser negada durante o período de carência, a internação de urgência deve ser garantida após 24 horas da contratação do plano, mesmo que o beneficiário ainda esteja dentro do prazo de carência para os demais procedimentos.
A operadora pode negar internação por carência de urgência?
Não. A negativa de internação em casos de urgência ou emergência após as primeiras 24 horas do contrato é ilegal. A operadora é obrigada a cobrir o atendimento, seja em pronto-socorro, seja em internação hospitalar necessária para salvar a vida do paciente ou evitar o agravamento do quadro.
O não cumprimento dessa obrigação pode acarretar:
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Aplicação de multa pela ANS
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Ações judiciais com pedido de indenização por danos morais
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Decisões liminares obrigando a internação imediata
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Responsabilidade civil da operadora e, em alguns casos, criminal
Portanto, em caso de recusa injustificada de internação por urgência, o consumidor deve agir imediatamente, buscando socorro jurídico.
Casos em que a recusa à internação por carência é permitida
A negativa por parte do plano de saúde é permitida apenas se:
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A internação for eletiva, ou seja, não urgente
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O beneficiário não tiver cumprido os 180 dias de carência para esse tipo de atendimento
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A internação não estiver relacionada a acidente ou agravamento súbito de doença
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A recusa for formalizada e baseada na cláusula contratual
Nesses casos, a operadora não está infringindo a lei, pois o contrato foi assinado com pleno conhecimento do período de carência, desde que o consumidor tenha sido informado de forma clara.
Casos em que a recusa à internação por carência é abusiva
Mesmo que o prazo de carência não tenha sido cumprido, a negativa de internação será considerada abusiva se:
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O paciente estiver em situação de risco imediato
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Houver omissão de atendimento de urgência após 24 horas do início da vigência contratual
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A operadora se recusar a fornecer cobertura sem apresentar justificativa por escrito
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O contrato não especificar com clareza o prazo de carência e os procedimentos excluídos
Nesses casos, a operadora pode ser penalizada, e o consumidor tem direito a buscar o cumprimento imediato da cobertura por via judicial.
Gravidez e internação obstétrica: o que diz a carência
Nos casos de internação por parto a termo, ou seja, o parto que ocorre a partir da 37ª semana de gestação, o plano pode exigir carência de até 300 dias.
No entanto, o plano não pode negar cobertura de internação obstétrica se:
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O parto for prematuro
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Houver complicação gestacional, como pré-eclâmpsia, sangramento ou risco à vida da gestante
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O atendimento for de urgência, mesmo antes do término da carência
Muitas mulheres são surpreendidas com a negativa do plano em autorizar a internação para parto prematuro sob alegação de carência. Essa recusa é ilegal e pode ser revertida judicialmente com base nos direitos da gestante e do recém-nascido.
O que fazer se o plano negar a internação por carência
Se a internação for negada e você estiver dentro do período de carência, avalie se o caso é realmente eletivo ou se configura urgência. Em caso de negativa indevida, siga os seguintes passos:
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Exija a negativa por escrito: a operadora é obrigada a fornecer documento com o motivo da recusa.
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Reúna documentos médicos: obtenha laudos, pedidos de internação, exames e atestados do médico.
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Registre reclamação na ANS: por telefone, site ou aplicativo.
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Procure um advogado ou a Defensoria Pública: para entrar com ação judicial, se necessário.
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Solicite liminar judicial: para garantir a internação imediata em caso de risco à vida.
Quanto mais bem documentado o caso, maiores as chances de êxito, inclusive para obter indenização por danos morais caso haja sofrimento ou agravamento da saúde pela recusa.
Ação judicial e liminar para internação negada
Em situações emergenciais, o caminho mais rápido e eficaz é buscar o Judiciário com pedido de liminar. A liminar pode obrigar o plano de saúde a autorizar imediatamente a internação e arcar com os custos, mesmo durante o período de carência.
Para isso, é necessário apresentar:
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Relatório médico detalhado
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Cópia da negativa formal do plano
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Prova do vínculo contratual
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Comprovação da urgência
Os tribunais têm decidido, reiteradamente, que a negativa de internação de urgência, mesmo durante o prazo de carência, é abusiva e viola o direito fundamental à saúde. Decisões favoráveis são comuns, especialmente quando o risco à vida é evidente.
Danos morais em caso de recusa indevida
A recusa injustificada de internação pode causar sofrimento físico, psicológico e colocar em risco a vida do paciente. Nesses casos, é possível requerer indenização por danos morais contra o plano de saúde.
Os valores variam de acordo com:
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A gravidade da situação
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As consequências para a saúde do paciente
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A conduta da operadora (negligência, omissão, reincidência)
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O tempo de espera ou de agravamento do quadro
Além da indenização, o juiz pode aplicar multas diárias pelo descumprimento da obrigação de cobertura. A jurisprudência brasileira tem sido cada vez mais rigorosa com planos de saúde que colocam em risco a vida de seus beneficiários por motivos meramente contratuais.
O papel da ANS na fiscalização dessas recusas
A ANS é responsável por regular e fiscalizar o mercado de planos de saúde no Brasil. Quando o beneficiário sofre uma negativa indevida, ele pode registrar uma reclamação formal junto à agência.
A ANS pode:
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Notificar a operadora
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Exigir resposta imediata
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Aplicar multas de até centenas de milhares de reais
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Determinar medidas corretivas
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Suspender a comercialização de planos com alta taxa de reclamação
Por isso, registrar a ocorrência na ANS é uma forma importante de pressionar a empresa e também de ajudar na fiscalização para que outros consumidores não sejam prejudicados.
Como evitar problemas com carência
Para evitar complicações com internações negadas por carência, o consumidor deve:
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Ler o contrato com atenção antes da assinatura
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Perguntar quais são os prazos de carência e quais procedimentos estão incluídos
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Exigir cópia completa do contrato
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Guardar todos os comprovantes de pagamento
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Consultar um especialista em direito do consumidor, em caso de dúvidas
No momento da contratação, muitas operadoras minimizam os prazos de carência ou não informam claramente os direitos e restrições. O consumidor deve estar atento para não ser surpreendido em um momento crítico.
Casos práticos de negativa por carência
Exemplo 1: cirurgia eletiva negada em 90 dias de plano
Um paciente agendou uma cirurgia ortopédica para correção de joelho. O plano negou a internação, alegando que ainda faltavam 90 dias para cumprir a carência. Como a cirurgia era eletiva, a recusa foi considerada válida.
Exemplo 2: internação por crise hipertensiva negada em 3 dias de contrato
Uma paciente foi internada por urgência com risco de AVC, três dias após contratar o plano. A operadora negou a cobertura da internação. A negativa foi considerada abusiva, e a Justiça determinou a cobertura com base no direito à saúde.
Exemplo 3: parto prematuro negado antes dos 300 dias
Uma gestante de 7 meses teve parto prematuro e o plano negou a internação sob alegação de carência de 300 dias. A negativa foi revertida judicialmente, pois se tratava de urgência obstétrica, situação que não se submete a esse tipo de carência.
Perguntas e respostas sobre carência e internação
O plano pode negar internação antes de 180 dias?
Sim, se a internação for eletiva e o prazo de carência não tiver sido cumprido.
Em caso de urgência, o plano pode negar internação?
Não, desde que tenham passado 24 horas da contratação do plano. A negativa é ilegal.
Parto prematuro está sujeito à carência?
Não. O parto prematuro ou com complicações é considerado urgência médica e deve ser coberto após 24 horas de contrato.
É necessário ter advogado para processar o plano?
Sim, mas se a pessoa não tiver condições, pode recorrer à Defensoria Pública.
É possível conseguir liminar rapidamente?
Sim. Em casos urgentes, o juiz pode conceder liminar em poucas horas.
A ANS pode multar planos que negam internação?
Sim. A agência pode aplicar sanções administrativas e exigir correções.
Conclusão
Embora os planos de saúde tenham o direito de estabelecer períodos de carência para determinadas coberturas, essa regra não pode ser aplicada de forma absoluta e cega, especialmente quando a vida do beneficiário está em risco. A negativa de internação por carência só é válida para procedimentos eletivos, com base em cláusulas claras e dentro dos prazos legais.
Nos casos de urgência e emergência, o direito do paciente deve prevalecer, independentemente do tempo de contrato. O sistema jurídico, a ANS e o próprio Código de Defesa do Consumidor estão alinhados nesse sentido. Negativas indevidas não só violam a lei como colocam em risco a dignidade e a integridade física das pessoas.
O consumidor deve conhecer seus direitos, agir rapidamente diante de uma recusa e buscar apoio jurídico sempre que necessário. Em muitos casos, uma simples liminar pode salvar uma vida. Por isso, informação e atitude são as melhores armas contra abusos das operadoras de planos de saúde.