Quando adquirimos um veículo, a emoção de ter um novo bem ou a utilidade de um meio de transporte muitas vezes nos faz esquecer de um detalhe crucial: a transferência de sua propriedade. No Brasil, a compra e venda de veículos envolve não apenas a negociação entre as partes, mas também uma série de formalidades burocráticas junto aos órgãos de trânsito. A não observância desses procedimentos, especialmente no que tange à transferência da titularidade do bem, pode gerar consequências significativas para o antigo e o novo proprietário. É um cenário de responsabilidades que, se não cumpridas, transformam o que deveria ser um simples processo em um problema administrativo e financeiro.
De forma direta, a multa por falta de transferência de veículo é uma penalidade grave aplicada ao novo proprietário que não regulariza a documentação de propriedade do veículo junto ao Departamento Estadual de Trânsito (Detran) dentro do prazo legal de 30 dias, contados a partir da data de aquisição do bem. Essa infração, prevista no Código de Trânsito Brasileiro (CTB), acarreta o pagamento de multa, a adição de pontos na Carteira Nacional de Habilitação (CNH) do novo proprietário e a retenção do veículo para regularização. Além disso, a falta de transferência pode gerar uma série de problemas para o antigo proprietário, que continua como responsável legal pelo veículo no sistema.
A Importância da Transferência de Propriedade do Veículo
A transferência de propriedade de um veículo é um ato jurídico e administrativo de extrema importância, tanto para o antigo quanto para o novo proprietário. Mais do que uma mera formalidade, ela garante a segurança jurídica da transação e delimita as responsabilidades sobre o bem perante a sociedade e os órgãos de trânsito.
O Que é a Transferência de Propriedade?
A transferência de propriedade é o processo de atualização do registro de um veículo automotor nos sistemas do Departamento Estadual de Trânsito (Detran), informando a mudança de seu proprietário. Esse procedimento é necessário após a compra e venda, doação, herança ou qualquer outra forma de aquisição de um veículo. O objetivo é que o Registro Nacional de Veículos Automotores (RENAVAM) e o Certificado de Registro de Veículo (CRV) reflitam a real situação jurídica e de titularidade do bem.
Por Que é Tão Importante?
A correta e tempestiva transferência de propriedade é crucial por diversos motivos:
- Individualização da Responsabilidade: A principal razão para a exigência da transferência é a individualização das responsabilidades. Enquanto o veículo estiver registrado em nome do antigo proprietário, perante o Detran e a legislação de trânsito, ele ainda é considerado o responsável legal pelo bem. Isso significa que:
- Multas de Trânsito: Todas as multas de trânsito (por exemplo, excesso de velocidade, avanço de sinal, estacionamento irregular) que forem aplicadas ao veículo após a venda, mas antes da transferência de propriedade, serão inicialmente registradas em nome do antigo proprietário. Ele receberá as notificações e os pontos na CNH, e terá que provar que não era o condutor.
- Débitos de IPVA e Licenciamento: O Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) e as taxas de licenciamento continuam sendo cobrados do antigo proprietário, pois o débito está vinculado ao registro do veículo em seu nome.
- Obrigações Civis e Criminais: Em caso de acidentes, envolvimento em crimes ou outras responsabilidades civis e criminais em que o veículo seja utilizado, o antigo proprietário poderá ser chamado a responder, tendo que provar que não era mais o dono do bem.
- Regularização do Veículo: A transferência garante que o novo proprietário possa licenciar o veículo anualmente, emitir o Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo (CRLV) em seu nome e, futuramente, vendê-lo sem complicações. Um veículo com a transferência atrasada é considerado irregular.
- Segurança Jurídica da Transação: A transferência formaliza a mudança de titularidade, garantindo que o novo proprietário seja o legítimo dono do veículo perante a lei, protegendo-o contra fraudes ou contestações futuras.
- Controle e Estatísticas: Para os órgãos de trânsito, a atualização dos registros é fundamental para o controle da frota, planejamento viário e geração de estatísticas sobre o fluxo de veículos.
O Prazo Legal
O Código de Trânsito Brasileiro (CTB), em seu Artigo 233, estabelece o prazo para a realização da transferência de propriedade:
“Art. 233. Deixar de efetuar o registro de veículo no prazo de trinta dias, contado da data de aquisição, ou de efetuar a comunicação de venda do veículo, no prazo de trinta dias, contado da data da venda: Infração – média; Penalidade – multa; Medida administrativa – remoção do veículo.”
Isso significa que o novo proprietário tem 30 dias a partir da data de aquisição do veículo para realizar a transferência junto ao Detran. A data de aquisição é, via de regra, a data da assinatura e reconhecimento de firma no Certificado de Registro de Veículo (CRV) ou no antigo Documento Único de Transferência (DUT).
A importância da transferência de propriedade é, portanto, inegável. Sua não realização pode gerar uma série de dores de cabeça e prejuízos que poderiam ser facilmente evitados com o cumprimento da lei.
A Infração e Suas Penalidades
A falta de transferência de veículo dentro do prazo legal de 30 dias é uma infração de trânsito tipificada no Código de Trânsito Brasileiro (CTB), e que acarreta penalidades específicas tanto para o novo proprietário (o infrator direto) quanto para o antigo (o responsável solidário).
Base Legal: Artigo 233 do CTB
A infração está prevista no Artigo 233 do CTB, que estabelece:
“Art. 233. Deixar de efetuar o registro de veículo no prazo de trinta dias, contado da data de aquisição, ou de efetuar a comunicação de venda do veículo, no prazo de trinta dias, contado da data da venda: Infração – média; Penalidade – multa; Medida administrativa – remoção do veículo.”
É importante notar que o artigo 233 trata de duas omissões distintas, mas relacionadas:
- Deixar de efetuar o registro de veículo no prazo de trinta dias, contado da data de aquisição: Essa é a infração cometida pelo novo proprietário que não realiza a transferência para o seu nome.
- Deixar de efetuar a comunicação de venda do veículo, no prazo de trinta dias, contado da data da venda: Essa é a infração cometida pelo antigo proprietário que não comunica a venda ao Detran, mesmo após ter passado o prazo. Embora seja a mesma infração (média), a comunicação de venda é uma medida que protege o vendedor de futuras responsabilidades.
Natureza da Infração
A infração por falta de transferência de veículo é considerada de natureza média.
Valor da Multa
O valor da multa para infrações de natureza média é de R$ 130,16.
Pontuação na CNH
A infração por falta de transferência gera 4 pontos na Carteira Nacional de Habilitação (CNH) do novo proprietário, pois é ele o responsável direto por essa omissão administrativa.
Medida Administrativa: Remoção do Veículo
Uma das penalidades mais impactantes é a remoção do veículo. Se o veículo for parado em uma fiscalização e a falta de transferência for constatada (ultrapassando o prazo de 30 dias da aquisição), o agente de trânsito poderá determinar a remoção do veículo para o pátio.
A remoção do veículo acarreta custos adicionais e transtornos significativos:
- Custos de Guincho: O proprietário terá que arcar com o valor do guincho para transportar o veículo do local da abordagem até o pátio do Detran ou órgão conveniado.
- Diárias de Pátio: Serão cobradas diárias pela permanência do veículo no depósito. Esses valores se acumulam rapidamente e podem se tornar muito altos.
- Dificuldade de Liberação: Para liberar o veículo do pátio, o novo proprietário terá que regularizar a situação. Isso significa, primeiramente, efetuar a transferência de propriedade (pagando todas as taxas e impostos devidos, incluindo a multa do Art. 233), pagar o guincho e as diárias de pátio, e só então poderá retirar o veículo com a documentação atualizada em seu nome.
Exemplo de Penalidades
João comprou um carro em 1º de janeiro. Ele assinou o CRV/DUT e reconheceu firma no cartório nessa data. O prazo para a transferência para seu nome é 30 dias, ou seja, até 31 de janeiro. Se ele não fizer a transferência até essa data e for parado em uma blitz em 15 de fevereiro, ele poderá ser autuado com base no Art. 233 do CTB.
- Ele receberá uma multa de R$ 130,16.
- Serão adicionados 4 pontos à sua CNH.
- O veículo poderá ser removido para o pátio, e ele terá que pagar guincho e diárias para liberá-lo, além de ter que fazer a transferência antes de retirar o carro.
É importante frisar que a multa do Art. 233 é aplicada pela simples omissão na transferência. Ela é independente de outras multas que o novo proprietário possa cometer enquanto estiver dirigindo o veículo ainda no nome do antigo proprietário.
O Antigo Proprietário: Responsabilidade Solidária e Comunicação de Venda
Embora a multa por falta de transferência recaia sobre o novo proprietário, o antigo proprietário (o vendedor) também tem responsabilidades e pode enfrentar sérios problemas se a transferência não for efetivada pelo comprador. A legislação, no entanto, oferece um mecanismo para que o vendedor se proteja: a Comunicação de Venda.
A Responsabilidade do Antigo Proprietário
Enquanto o veículo permanecer registrado em nome do antigo proprietário no sistema do Detran, ele continua sendo o responsável legal pelo bem. Isso gera uma responsabilidade solidária em diversas situações:
- Multas de Trânsito: Todas as multas por infrações de trânsito cometidas pelo novo proprietário (ou qualquer outro condutor) após a venda, mas antes da transferência, serão inicialmente lançadas em nome do antigo proprietário. Ele receberá as Notificações de Autuação e de Penalidade. Para evitar os pontos na CNH, ele terá que indicar o novo proprietário como condutor infrator no prazo legal.
- Débitos de IPVA e Licenciamento: As cobranças do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) e das taxas de licenciamento continuarão sendo enviadas para o endereço do antigo proprietário. Se o novo proprietário não pagar esses débitos, o antigo proprietário poderá ser inscrito em Dívida Ativa da Fazenda Pública, ter seu nome negativado e sofrer ações de execução fiscal.
- Acidentes e Responsabilidades Civis/Criminais: Em caso de acidentes, crimes ou outras situações em que o veículo seja envolvido, o antigo proprietário poderá ser chamado a responder, tendo que provar que não era mais o dono do bem.
A Comunicação de Venda: Proteção para o Antigo Proprietário
Para proteger o antigo proprietário dessas responsabilidades e evitar que ele seja injustamente penalizado, o Código de Trânsito Brasileiro prevê a Comunicação de Venda.
O Artigo 134 do CTB estabelece:
“Art. 134. No caso de transferência de propriedade, o proprietário antigo deverá encaminhar ao órgão executivo de trânsito do Estado dentro de um prazo de trinta dias, cópia autenticada do comprovante de transferência de propriedade, devidamente assinado e datado, sob pena de ter que se responsabilizar solidariamente pelas penalidades impostas e suas reincidências até a data da comunicação.”
Isso significa que, após vender o veículo, o antigo proprietário tem 30 dias para comunicar a venda ao Detran do seu estado.
Como Fazer a Comunicação de Venda:
- Preenchimento do CRV/ATPVE: A parte do Certificado de Registro de Veículo (CRV) destinada à transferência de propriedade (ou o novo ATPV-e – Autorização para Transferência de Propriedade do Veículo em formato eletrônico) deve ser devidamente preenchida com os dados do comprador e do vendedor.
- Assinatura e Reconhecimento de Firma: Ambas as partes (vendedor e comprador) devem assinar o documento, e as assinaturas devem ser reconhecidas por autenticidade em cartório.
- Cópia Autenticada: O antigo proprietário deve tirar uma cópia autenticada desse documento (CRV/ATPV-e preenchido e com firmas reconhecidas).
- Protocolo no Detran: Essa cópia autenticada deve ser entregue (protocolada) no Detran do seu estado dentro do prazo de 30 dias da venda. Em muitos estados, esse processo pode ser feito online ou via cartório.
- Guarde o Comprovante: É fundamental guardar o comprovante de que a comunicação de venda foi realizada.
Efeitos da Comunicação de Venda:
- A partir da data da comunicação de venda, o antigo proprietário deixa de ser responsável pelas multas e débitos gerados pelo veículo.
- Ele continua sendo o proprietário legal no sistema do Detran até que o comprador efetive a transferência para o seu nome, mas a comunicação o exime de responsabilidades futuras.
- Se o novo proprietário não transferir o veículo e multas ou débitos forem gerados, o antigo proprietário poderá usar o comprovante da comunicação de venda para se defender e ter seu nome retirado da responsabilidade.
Exemplo Prático:
Maria vendeu seu carro para Pedro em 1º de maio. Ambos assinaram e reconheceram firma no CRV/ATPV-e nessa data.
- Se Maria faz a Comunicação de Venda: Em 10 de maio, Maria protocolou a cópia autenticada no Detran. Pedro não transferiu o carro para seu nome. Em 15 de junho, Pedro é multado por avanço de sinal. A multa é lançada no nome de Maria no sistema. No entanto, Maria pode apresentar o comprovante da comunicação de venda para que a multa e os pontos sejam direcionados a Pedro. Maria também não será responsabilizada por IPVAs futuros.
- Se Maria NÃO faz a Comunicação de Venda: Maria não protocolou a cópia autenticada. Em 15 de junho, Pedro é multado por avanço de sinal. A multa e os 7 pontos vão para Maria. Além disso, se Pedro não pagar o IPVA do ano seguinte, a cobrança virá para Maria. Maria terá que provar (por meio de processo administrativo ou judicial) que vendeu o carro antes das infrações/débitos, o que é muito mais difícil e demorado.
Portanto, a comunicação de venda é um passo tão importante quanto a própria transferência para o antigo proprietário, protegendo-o de dores de cabeça e responsabilidades indevidas.
O Processo de Transferência de Propriedade: Passo a Passo
Para evitar a multa por falta de transferência e garantir a regularidade do veículo, é fundamental que o novo proprietário siga o processo de transferência de propriedade conforme as exigências do Detran de seu estado.
1. Documentos Necessários
Embora possa haver pequenas variações entre os Detrans estaduais, os documentos e procedimentos básicos são:
- Certificado de Registro de Veículo (CRV) / Autorização para Transferência de Propriedade do Veículo (ATPV-e):
- CRV (Modelo Antigo): O documento físico original, preenchido com os dados do comprador e do vendedor, com as assinaturas de ambos devidamente reconhecidas por autenticidade em cartório.
- ATPV-e (Modelo Digital): Para veículos com CRV digital (CRLV-e), a Autorização para Transferência de Propriedade do Veículo (ATPV-e) é preenchida eletronicamente no sistema do Detran, geralmente através de um despachante ou pelo próprio comprador. As assinaturas devem ser eletronicamente reconhecidas ou presencialmente em cartório.
- Comprovante de Endereço: Conta de consumo (água, luz, telefone) em nome do comprador, com data de emissão recente (geralmente até 90 dias).
- Documento de Identificação do Comprador: CNH (Carteira Nacional de Habilitação) ou RG e CPF.
- Comprovante de Pagamento de Débitos: Comprovantes de que todos os débitos do veículo (IPVA, multas, DPVAT se aplicável) estão quitados.
2. Prazos
O prazo legal para a realização da transferência é de 30 dias, contados da data da assinatura e reconhecimento de firma no CRV/ATPV-e.
3. Procedimento Geral (Pode Variar por Estado)
- Verificação de Débitos: O primeiro passo é o comprador verificar se há multas, IPVA, licenciamento ou qualquer outro débito pendente do veículo. Todos os débitos devem ser quitados antes da transferência.
- Vistoria Veicular: Na maioria dos estados, é obrigatória a realização de uma vistoria veicular em empresa credenciada pelo Detran (ECV – Empresa Credenciada de Vistoria). A vistoria tem como objetivo verificar a autenticidade da identificação do veículo (chassi, motor, placas), se as características originais foram alteradas e se o veículo não possui adulterações. O laudo da vistoria tem validade específica (geralmente 30 ou 60 dias).
- Pagamento de Taxas: O comprador deverá pagar as taxas de transferência de propriedade e de emissão de novo CRLV-e. Os valores variam por estado.
- Protocolo da Documentação no Detran: Com todos os documentos em mãos (CRV/ATPV-e preenchido e reconhecido, comprovante de endereço, documentos pessoais, comprovante de débitos quitados e laudo da vistoria), o comprador deve protocolar o pedido de transferência no Detran de seu estado. Em muitos estados, esse processo pode ser iniciado online ou realizado em postos de atendimento credenciados (como Poupatempo em SP).
- Emissão do Novo CRLV-e: Após a aprovação da transferência pelo Detran, o novo Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo (CRLV-e) será emitido em nome do novo proprietário. Esse documento é digital e pode ser acessado pelo aplicativo Carteira Digital de Trânsito (CDT) ou impresso.
4. Atenção a Detalhes Cruciais
- Comunicação de Venda pelo Antigo Proprietário: Oriente o vendedor a realizar a comunicação de venda ao Detran. Isso protege a ele e indiretamente agiliza a regularização.
- Assinatura e Reconhecimento de Firma: Certifique-se de que todas as assinaturas estejam corretas e reconhecidas por autenticidade (ou semelhança, se aceito) no cartório. Qualquer erro ou rasura pode invalidar o processo.
- Prazos da Vistoria e do Processo: A vistoria tem um prazo de validade. Garanta que o processo de transferência seja concluído enquanto o laudo da vistoria ainda é válido.
- Veículos de Outro Estado: Se o veículo foi adquirido em outro estado e o novo proprietário residir em um estado diferente, será necessário realizar uma transferência de jurisdição e de propriedade. O procedimento envolve etapas adicionais.
Embora o processo de transferência possa parecer burocrático, segui-lo corretamente evita a multa do Art. 233 do CTB, além de resguardar o novo proprietário de problemas futuros e garantir a regularidade do veículo. Contar com a ajuda de um despachante pode agilizar o processo e minimizar erros, embora gere um custo adicional.
Problemas para o Novo Proprietário Além da Multa
A multa por falta de transferência de veículo é apenas uma das consequências para o novo proprietário que negligencia a regularização. A omissão nessa etapa crucial pode gerar uma série de outros problemas administrativos e financeiros, tornando a experiência de adquirir um veículo um verdadeiro pesadelo.
1. Impossibilidade de Licenciar o Veículo Anualmente
Como já abordado, para licenciar um veículo anualmente e emitir o CRLV-e (documento obrigatório para circular), é preciso que todos os débitos estejam quitados e que o veículo esteja devidamente registrado em nome do proprietário atual. Se a transferência não for realizada, o novo proprietário não conseguirá licenciar o veículo no seu nome.
- Consequência: Circular com veículo não licenciado é uma infração gravíssima (Art. 230, V do CTB), com multa de R$ 293,47, 7 pontos na CNH e remoção do veículo para o pátio. Isso significa que, ao ser parado em uma fiscalização, o novo proprietário não apenas receberá a multa por não licenciamento, mas também terá seu veículo guinchado e terá que arcar com os custos de guincho e diárias de pátio, além de ter que regularizar a transferência antes de retirar o veículo.
2. Débitos Acumulados no Nome do Antigo Proprietário
Enquanto a transferência não é efetivada, o Detran continua a registrar o veículo em nome do antigo proprietário. Isso significa que:
- IPVA, Multas e Taxas de Licenciamento: As cobranças anuais de IPVA e as notificações de multas continuarão a ser enviadas para o endereço do vendedor. Se o novo proprietário não pagar esses débitos, eles se acumularão no registro do veículo, e o nome do antigo proprietário poderá ser negativado ou inscrito em Dívida Ativa.
- Impedimento de Venda/Transferência Futura: O novo proprietário não conseguirá vender ou transferir o veículo para um terceiro sem antes regularizar a sua própria situação, ou seja, transferir para seu nome e quitar todos os débitos acumulados.
3. Problemas em Caso de Sinistro (Acidente, Roubo, Furto)
A falta de transferência pode gerar sérios problemas em caso de sinistro:
- Seguradora: Em caso de acidente ou roubo/furto, a seguradora pode se recusar a pagar a indenização se o veículo não estiver no nome do segurado, ou se houver discrepância entre o proprietário de fato e o proprietário legal, alegando fraude ou descumprimento das condições da apólice.
- Responsabilidade Civil/Criminal: Se o veículo estiver envolvido em um acidente com vítimas ou em um crime, e ainda estiver em nome do antigo proprietário, este poderá ser inicialmente chamado a responder, tendo que provar judicialmente que já não era o dono. O novo proprietário, mesmo sendo o culpado, terá sua situação jurídica e civil dificultada pela falta de regularização.
4. Dificuldade na Regularização de Outros Documentos
Qualquer outro procedimento que exija a documentação atualizada do veículo (como obtenção de isenção de IPVA para PCD, alteração de características do veículo, etc.) será dificultado ou impedido pela falta de transferência de propriedade.
5. Fraudes e Golpes
A falta de transferência também expõe o novo proprietário ao risco de fraudes. Um vendedor mal-intencionado, ao ver que a transferência não foi efetivada, poderia, em tese, alegar que o veículo foi roubado ou furtado (uma vez que ainda está em seu nome) e receber indenização da seguradora, gerando um grande problema para o comprador de boa-fé.
Em resumo, a negligência na transferência do veículo vai muito além da multa do Art. 233. Ela cria um emaranhado de problemas burocráticos, financeiros e legais que podem culminar em grande transtorno e prejuízo para o novo proprietário, e até mesmo para o antigo, se este não fizer a comunicação de venda. A regularização é um ato de responsabilidade e prudência.
O Papel do Despachante e do Advogado Especialista
Diante da complexidade e das consequências da falta de transferência de veículo, muitos proprietários buscam auxílio profissional. O despachante documental e o advogado especialista em direito de trânsito são figuras importantes que podem auxiliar nesse processo, cada um com sua área de atuação.
O Papel do Despachante Documental
O despachante documental é um profissional especializado em intermediar a comunicação e os procedimentos entre o cidadão e os órgãos públicos, como o Detran, a Receita Federal, cartórios, etc. Sua atuação é focada na parte burocrática e operacional.
- Agilidade e Conhecimento Burocrático: O despachante conhece todos os procedimentos, formulários, taxas e prazos exigidos pelo Detran de cada estado. Ele pode agilizar o processo de transferência, evitando idas e vindas desnecessárias ao Detran, erros de preenchimento e perda de tempo.
- Coleta e Entrega de Documentos: Ele pode coletar os documentos necessários, encaminhá-los para a vistoria, pagar as taxas e protocolar o pedido de transferência em nome do cliente.
- Acompanhamento do Processo: O despachante acompanha o status do processo no Detran, informando o cliente sobre cada etapa e quaisquer pendências.
- Serviços Adicionais: Além da transferência, muitos despachantes oferecem outros serviços, como licenciamento, primeiro emplacamento, baixa de veículo, segunda via de documentos, entre outros.
Vantagens de Contratar um Despachante:
- Conveniência: Economiza tempo e evita o estresse da burocracia.
- Redução de Erros: Minimiza a chance de erros no preenchimento de documentos ou no cumprimento de prazos.
- Agilidade: O processo pode ser concluído mais rapidamente.
Desvantagens:
- Custo: A contratação do despachante implica em honorários, que são um custo adicional ao processo de transferência.
Para quem busca comodidade e eficiência na parte administrativa da transferência, o despachante é uma excelente opção.
O Papel do Advogado Especialista em Direito de Trânsito
O advogado especialista em direito de trânsito atua em uma esfera diferente do despachante. Seu foco é a análise jurídica, a defesa dos direitos do cliente e a resolução de problemas legais decorrentes da falta de transferência ou de outras infrações.
- Defesa contra Multas: Se o antigo proprietário recebeu multas após a venda devido à falta de transferência pelo novo proprietário, o advogado pode atuar na defesa administrativa dessas multas, realizando a indicação do condutor infrator ou contestando a autuação.
- Ações de Obrigação de Fazer: Se o novo proprietário se recusa a transferir o veículo e o antigo proprietário está sofrendo as consequências (multas, IPVA, negativação), o advogado pode ajuizar uma Ação de Obrigação de Fazer para forçar o novo proprietário a realizar a transferência, além de buscar a condenação para que ele assuma os débitos gerados no período.
- Ações Indenizatórias: Em casos de prejuízos financeiros (pagamento de IPVA, multas, custas judiciais por execuções fiscais) sofridos pelo antigo proprietário devido à inércia do comprador, o advogado pode buscar indenização judicial.
- Análise de Vícios do Contrato de Compra e Venda: O advogado pode analisar o contrato de compra e venda do veículo para identificar cláusulas que possam proteger ou prejudicar as partes, orientando sobre as melhores práticas contratuais.
- Consultoria Jurídica: Oferecer consultoria sobre as responsabilidades legais envolvidas na compra e venda de veículos, na comunicação de venda, e nas penalidades do CTB.
Vantagens de Contratar um Advogado:
- Proteção Legal: Garante que os direitos do cliente sejam protegidos e defendidos na esfera administrativa e judicial.
- Resolução de Conflitos: Atua na resolução de conflitos entre comprador e vendedor.
- Minimização de Prejuízos: Busca evitar ou reverter prejuízos financeiros e administrativos.
Quando contratar um Advogado:
- Quando há conflito entre as partes (comprador e vendedor).
- Quando o antigo proprietário está sendo penalizado por débitos ou multas do veículo que já vendeu.
- Quando a situação se torna complexa e envolve questões além da simples burocracia (ex: veículo envolvido em crime, fraude, etc.).
Em muitos casos, a atuação do despachante e do advogado pode ser complementar. O despachante cuida da parte documental da transferência, e o advogado atua na esfera legal, defendendo os interesses e resolvendo os litígios.
Perguntas e Respostas
Comprei um carro e já passou o prazo de 30 dias para transferir. Qual a multa?
A multa por falta de transferência é de R$ 130,16. É uma infração média, que gera 4 pontos na CNH do novo proprietário. Além da multa, o veículo pode ser retido e removido para o pátio até a regularização.
Se o antigo dono não fez a comunicação de venda, as multas e IPVA ainda vêm para mim?
Não. Se você é o novo proprietário e não transferiu o veículo para o seu nome, as multas e o IPVA (Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores) continuam sendo lançados no registro do veículo, que ainda está em nome do antigo proprietário no sistema do Detran. Isso significa que as notificações e cobranças continuarão a ir para o antigo proprietário. Ele, por sua vez, pode ter que indicar você como condutor para as multas ou terá que pagar os débitos para não ser negativado, e então poderá cobrar de você judicialmente.
Vendi meu carro e o comprador não transferiu. O que devo fazer?
Você deve fazer a Comunicação de Venda ao Detran do seu estado. Isso é feito protocolando uma cópia autenticada do CRV/ATPV-e preenchido e com as firmas reconhecidas (sua e do comprador) no Detran, dentro do prazo de 30 dias da venda. Guarde o comprovante dessa comunicação. A partir daí, você estará protegido de futuras multas e débitos gerados pelo veículo. Se o comprador não transferir, ele é quem estará irregular.
Meu carro foi guinchado por falta de transferência. Como faço para liberá-lo?
Para liberar o veículo, você terá que, primeiramente, regularizar a situação:
- Pagar a multa por falta de transferência (Art. 233) e quaisquer outras multas pendentes.
- Quitar todos os débitos de IPVA e licenciamento.
- Efetivar a transferência de propriedade para o seu nome no Detran.
- Pagar as custas do guincho e as diárias de pátio acumuladas. Somente após a quitação de todos esses débitos e a efetivação da transferência é que você poderá retirar o veículo do pátio com o CRLV-e atualizado em seu nome.
Posso parcelar a multa por falta de transferência?
A possibilidade de parcelamento de multas (incluindo a de falta de transferência) depende da regulamentação de cada estado e órgão de trânsito. Muitos Detrans oferecem programas de parcelamento por meio de cartões de crédito ou outras formas de pagamento. Verifique as opções disponíveis no site do Detran do seu estado.
A falta de transferência impede o seguro do veículo?
Sim, a falta de transferência pode gerar problemas com a seguradora. Em caso de sinistro (acidente, roubo, furto), a seguradora pode se recusar a pagar a indenização ou a cobrir os danos se o veículo não estiver no nome do segurado, alegando descumprimento das condições da apólice. Isso ocorre porque o contrato de seguro é feito com base no proprietário legal do veículo.
Conclusão
A aquisição de um veículo é um marco significativo, mas a concretização dessa transação vai além da simples entrega das chaves e do pagamento. A transferência de propriedade é uma etapa burocrática essencial, cuja negligência pode gerar uma série de consequências indesejáveis e onerosas para todos os envolvidos. A multa por falta de transferência, prevista no Artigo 233 do Código de Trânsito Brasileiro, é apenas a ponta do iceberg de problemas que podem surgir para o novo proprietário que falha em regularizar a documentação dentro do prazo de 30 dias.
As penalidades para o novo proprietário incluem não apenas a multa de R$ 130,16 e a adição de 4 pontos na CNH, mas também a grave medida administrativa de remoção do veículo para o pátio, com todos os custos e transtornos dela decorrentes. Mais do que isso, a falta de transferência impede o licenciamento anual do veículo, acarreta o acúmulo de débitos no nome do antigo proprietário e pode gerar sérios problemas em caso de acidentes, roubos, furtos ou outras ocorrências legais, dificultando inclusive a atuação de seguradoras.
Para o antigo proprietário, a responsabilidade solidária por multas e débitos futuros é um risco real. É por isso que a Comunicação de Venda, também a ser realizada em até 30 dias, é uma medida protetiva fundamental, que o exime de futuras dores de cabeça, mesmo que o comprador não cumpra sua parte.
O processo de transferência, embora detalhado, é direto e pode ser facilitado pela busca de informação junto aos Detrans estaduais ou pela contratação de um despachante documental. Para situações mais complexas, como conflitos entre as partes ou necessidade de defesa contra penalidades indevidas, o auxílio de um advogado especialista em direito de trânsito torna-se indispensável.
Em última análise, a transferência de propriedade veicular é um ato de responsabilidade e segurança jurídica. Cumprir essa obrigação não apenas evita multas e problemas burocráticos, mas também garante a tranquilidade de todos os envolvidos na transação, assegurando que o veículo esteja devidamente registrado e que as responsabilidades sejam corretamente atribuídas. É um pequeno esforço inicial que previne grandes dores de cabeça no futuro.