A “alienação mental” é um termo que, no contexto jurídico e previdenciário brasileiro, historicamente designa um estado grave e persistente de alteração da saúde mental que impossibilita o indivíduo de compreender a realidade, de gerir seus próprios atos e, consequentemente, de exercer suas atividades laborais e da vida civil. Embora a Classificação Internacional de Doenças (CID) não utilize mais o termo exato “alienação mental” em seus códigos atuais, ele ainda possui relevância e é amplamente empregado na legislação brasileira para fins de concessão de benefícios previdenciários, isenções fiscais e outros direitos específicos.
É crucial entender que a “alienação mental” não se refere a qualquer transtorno mental, mas sim a condições psiquiátricas graves e incapacitantes que se manifestam de forma crônica ou que impedem de forma duradoura o exercício das capacidades mentais essenciais. Este artigo visa explorar a amplitude do conceito de “alienação mental” sob a ótica jurídica, detalhando as doenças que podem ser enquadradas, os direitos que podem ser gerados e o processo para sua comprovação, a fim de proporcionar um entendimento completo e acessível ao leitor.
A Evolução do Conceito de “Alienação Mental” no Brasil
O termo “alienação mental” possui raízes históricas profundas na psiquiatria e no direito brasileiro. Originalmente, era utilizado para descrever estados de insanidade ou loucura que retiravam do indivíduo a capacidade de discernimento e de autogoverno. Com o avanço da medicina e da psicologia, a terminologia psiquiátrica moderna evoluiu, e hoje se prefere o uso de termos mais específicos e menos estigmatizantes, como “transtornos mentais e comportamentais graves e persistentes”.
No entanto, a legislação brasileira, especialmente no âmbito previdenciário e tributário, ainda mantém o termo “alienação mental” para designar um rol de doenças psiquiátricas graves que conferem direitos específicos. Isso gera um descompasso terminológico entre a prática médica e a aplicação da lei, o que pode causar confusão.
A interpretação jurídica da “alienação mental” é dinâmica e não se restringe a um CID específico. Em vez disso, ela abrange um conjunto de doenças que, por sua natureza e gravidade, produzem quadros de alteração profunda das funções cognitivas, afetivas e volitivas, resultando em incapacidade total e permanente.
Doenças que Podem Ser Enquadradas como “Alienação Mental” para Fins Legais
A legislação brasileira não apresenta uma lista exaustiva de CIDs que configuram “alienação mental”. Em vez disso, a interpretação judicial e administrativa se baseia na natureza e na intensidade da incapacidade gerada pela doença. As condições psiquiátricas que mais frequentemente são consideradas para fins de “alienação mental” incluem:
Esquizofrenia (CIDs F20)
A esquizofrenia é um transtorno psiquiátrico grave e crônico caracterizado por distorções no pensamento, percepção, emoções, linguagem, senso de si e comportamento. Sintomas comuns incluem delírios (crenças falsas e irredutíveis), alucinações (percepções sem estímulo externo), desorganização do pensamento e do discurso, e sintomas negativos (embotamento afetivo, apatia, anedonia).
- Impacto Legal: A esquizofrenia, por sua natureza, frequentemente causa perda do contato com a realidade e grave comprometimento da capacidade de discernimento, o que a torna uma das principais condições enquadradas como “alienação mental”. A incapacidade laboral e civil costuma ser total e permanente.
Transtorno Afetivo Bipolar (CIDs F31) com Episódios Graves e Recorrentes
O transtorno afetivo bipolar é caracterizado por flutuações extremas de humor, com episódios de mania/hipomania (euforia, irritabilidade, aumento de energia, pensamento acelerado) e depressão (tristeza profunda, perda de interesse, fadiga, ideação suicida).
- Impacto Legal: Embora não se aplique a todos os casos, as formas mais graves e refratárias do transtorno bipolar, com ciclagem rápida, episódios psicóticos, ou que resultem em comprometimento cognitivo e funcional persistente, podem ser consideradas “alienação mental” devido à incapacidade de gerenciar a própria vida e o trabalho de forma autônoma e segura.
Transtorno Depressivo Grave e Recorrente (CIDs F32 e F33) com Características Psicóticas ou Refratariedade ao Tratamento
A depressão maior grave se caracteriza por tristeza profunda, perda de prazer, alterações de apetite e sono, fadiga, dificuldade de concentração e pensamentos de morte ou suicídio. Em alguns casos, pode apresentar sintomas psicóticos (delírios, alucinações).
- Impacto Legal: Depressões graves, especialmente as que não respondem ao tratamento convencional (depressão refratária), ou as que cursam com sintomas psicóticos, podem levar a uma incapacidade profunda, justificando o enquadramento como “alienação mental” se a pessoa estiver totalmente impossibilitada de gerir sua vida e trabalho.
Demências (CIDs F00-F03, G30)
As demências, como a Doença de Alzheimer, Demência Vascular, Demência por Corpos de Lewy, entre outras, são caracterizadas por um declínio progressivo das funções cognitivas (memória, linguagem, raciocínio, praxias, gnosias) que afetam significativamente a vida diária e as atividades sociais e ocupacionais.
- Impacto Legal: As demências, por sua própria definição, implicam em grave comprometimento da capacidade mental, configurando classicamente a “alienação mental” devido à perda da autonomia e da capacidade de discernimento.
Transtornos Delirantes Persistentes (CIDs F22)
Caracterizados pela presença de um ou mais delírios bem estruturados e duradouros, sem a presença de outros sintomas psicóticos proeminentes ou um declínio significativo nas funções cognitivas.
- Impacto Legal: A natureza irredutível dos delírios pode levar a comportamentos bizarros e a uma interpretação distorcida da realidade, tornando o indivíduo incapaz de interagir socialmente e laboralmente de forma adequada e segura, o que pode configurar a “alienação mental”.
Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) Grave e Refratário (CID F42)
O TOC é caracterizado por obsessões (pensamentos, imagens ou impulsos intrusivos e recorrentes) e/ou compulsões (comportamentos repetitivos ou atos mentais para reduzir a ansiedade).
- Impacto Legal: Em suas formas mais graves e refratárias ao tratamento, o TOC pode ser tão debilitante que as obsessões e compulsões consomem a maior parte do tempo do indivíduo, impedindo qualquer atividade produtiva ou social, podendo, em casos extremos, ser equiparado à “alienação mental” devido à profunda incapacidade gerada.
É fundamental ressaltar que o mero diagnóstico de um desses transtornos não é suficiente. O que determina o enquadramento como “alienação mental” é a gravidade, a persistência e o caráter incapacitante da condição, que deve levar à total e duradoura perda da capacidade de autogoverno e de trabalho.
Direitos Decorrentes do Reconhecimento da “Alienação Mental”
O reconhecimento da “alienação mental” no âmbito jurídico concede uma série de direitos e benefícios específicos, que visam amparar o indivíduo e seus familiares diante da incapacidade gerada pela doença.
I. Benefícios Previdenciários
Os benefícios previdenciários são cruciais para a subsistência do indivíduo e de sua família.
Aposentadoria por Incapacidade Permanente (Antiga Aposentadoria por Invalidez)
Este é o benefício mais comum associado à “alienação mental”. É concedido ao segurado do INSS que, devido à doença, é considerado total e permanentemente incapaz para o exercício de qualquer atividade que lhe garanta a subsistência, e que não pode ser reabilitado para outra profissão.
- Dispensa de Carência: A “alienação mental” está entre as doenças graves que dispensam o período de carência de 12 contribuições mensais para a concessão da aposentadoria por incapacidade permanente, desde que a doença tenha se manifestado após a filiação ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS).
- Adicional de 25%: Em casos de aposentadoria por incapacidade permanente, se o segurado necessitar da assistência permanente de outra pessoa (por exemplo, para cuidados básicos, higiene, alimentação, locomoção) devido à gravidade da “alienação mental”, ele tem direito a um acréscimo de 25% no valor do benefício.
Auxílio-Doença (Benefício por Incapacidade Temporária)
Embora a “alienação mental” costume levar à incapacidade permanente, quadros iniciais ou períodos de agravamento que não configuram ainda a permanência podem justificar o auxílio-doença.
- Dispensa de Carência: Assim como na aposentadoria por incapacidade permanente, o auxílio-doença também pode ter a carência dispensada para as condições enquadradas como “alienação mental”, seguindo o mesmo raciocínio da lista de doenças graves.
II. Isenções Tributárias
A legislação tributária prevê importantes isenções para pessoas com doenças graves, incluindo a “alienação mental”.
Isenção de Imposto de Renda sobre Proventos de Aposentadoria, Reforma ou Pensão
A Lei nº 7.713/88, em seu artigo 6º, inciso XIV, estabelece que os rendimentos de aposentadoria, reforma ou pensão, quando o beneficiário for portador de “alienação mental”, são isentos de Imposto de Renda. Essa isenção se aplica ao valor integral do benefício, sem limite.
- Importância: Essa isenção é fundamental, pois garante que o valor recebido pelo beneficiário seja integralmente utilizado para suas necessidades, sem a mordida do leão. Muitos segurados, ao descobrirem que possuem direito, podem inclusive pedir a restituição dos valores pagos indevidamente nos últimos 5 anos.
Isenção de IPVA e ICMS na Compra de Veículos Adaptados (para pessoas com deficiência física)
Embora a “alienação mental” por si só não conceda diretamente a isenção de IPVA e ICMS na compra de veículos, se a condição estiver associada a uma deficiência física que exija adaptação veicular (ex: um paciente com esquizofrenia grave que também desenvolveu discinesia tardia que o impede de dirigir normalmente), a isenção pode ser aplicável. É mais comum em casos de deficiência física ou autismo, mas vale a menção do benefício para pessoas com deficiência em geral.
III. Saque de FGTS e PIS/PASEP
A Lei nº 8.036/90 (Lei do FGTS) e a Lei Complementar nº 26/75 (PIS/PASEP) permitem o saque dos saldos de FGTS e PIS/PASEP em casos de “alienação mental”.
- Condições: O trabalhador ou seus dependentes podem realizar o saque integral dos valores, desde que a condição seja comprovada por laudo médico pericial. O objetivo é prover recursos para o tratamento e a subsistência do indivíduo.
IV. Curatela e Tomada de Decisão Apoiada
Quando a “alienação mental” compromete a capacidade do indivíduo de gerir seus próprios bens e atos da vida civil (assinar contratos, fazer compras, etc.), medidas de proteção legal podem ser necessárias.
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Curatela: Antes do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015), a curatela era a medida padrão, onde um curador era nomeado para gerir a vida do curatelado. O Estatuto restringiu a curatela a atos de natureza patrimonial e negocial, e apenas quando estritamente necessária.
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Tomada de Decisão Apoiada: É a medida preferencial introduzida pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência. Permite que a pessoa com deficiência (incluindo a mental) eleja pelo menos duas pessoas de sua confiança para lhe prestar apoio na tomada de decisões sobre atos da vida civil, fornecendo-lhe os elementos e informações necessários para exercer sua capacidade. A ideia é preservar ao máximo a autonomia do indivíduo.
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Importância: Essas medidas são cruciais para proteger o indivíduo com “alienação mental” de abusos e para garantir que suas necessidades sejam atendidas, mesmo que não possa agir por si mesmo.
V. Vaga de Emprego (Lei de Cotas para Pessoas com Deficiência)
A Lei nº 8.213/91 (Lei de Cotas) estabelece que empresas com 100 ou mais empregados devem preencher uma porcentagem de seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas com deficiência.
- Impacto Legal: Se a “alienação mental” for enquadrada como deficiência mental nos termos da lei (o que é comum para condições graves e permanentes), o indivíduo pode ser inserido no mercado de trabalho através das cotas, desde que sua condição permita o desempenho de alguma atividade laboral com ou sem adaptações.
É fundamental que os familiares e o próprio indivíduo (se for o caso) estejam cientes desses direitos para buscar o amparo legal necessário.
O Processo de Comprovação da “Alienação Mental”
A comprovação da “alienação mental” para fins jurídicos é um processo rigoroso que exige documentação médica robusta e, invariavelmente, a aprovação em perícias.
I. A Documentação Médica: O Alicerce da Prova
É o passo mais crucial. O indivíduo ou seus representantes devem coletar e organizar todos os documentos médicos que comprovem o diagnóstico, a gravidade e o caráter incapacitante da doença. Isso inclui:
- Laudos e Relatórios Médicos Detalhados: Emitidos por psiquiatras, neurologistas e/ou psicólogos. Estes documentos devem conter:
- Diagnóstico: CID da doença (ex: F20.0 para Esquizofrenia Paranóide, F31.5 para Transtorno Bipolar com sintomas psicóticos, etc.).
- Histórico da Doença: Início, evolução, crises, hospitalizações, tratamentos anteriores e atuais.
- Sintomas Atuais e Passados: Detalhes sobre delírios, alucinações, desorganização do pensamento, alterações de humor, comprometimento cognitivo, ideação suicida, agressividade, etc.
- Impacto Funcional: Como a doença afeta a capacidade do indivíduo de realizar atividades básicas da vida diária (higiene, alimentação, locomoção), de gerir finanças, de interagir socialmente e, crucialmente, de exercer qualquer atividade laboral.
- Prognóstico: Perspectiva de melhora ou deterioração, caráter crônico e irreversível da incapacidade.
- Necessidade de Assistência Permanente: Se for o caso, justificar a necessidade de alguém para auxiliar nas atividades diárias (para o adicional de 25% na aposentadoria).
- Tempo de Tratamento e Medicação: Receitas, relatórios de uso contínuo de medicamentos, indicação de terapias.
- Prontuários Médicos: O histórico completo de atendimentos em hospitais, clínicas, CAPS (Centros de Atenção Psicossocial), incluindo internações psiquiátricas.
- Exames Complementares: Embora não haja um “exame de imagem” que diagnostique a “alienação mental”, exames como ressonância magnética cerebral podem ser úteis para descartar outras causas orgânicas dos sintomas ou identificar atrofias cerebrais associadas a algumas demências. Testes neuropsicológicos para avaliar o comprometimento cognitivo também são importantes.
- Relatórios de Acompanhamento Psicológico: Que complementem o laudo psiquiátrico, detalhando o acompanhamento terapêutico e as dificuldades psicossociais do paciente.
II. A Perícia Médica do INSS
Para a concessão de benefícios previdenciários, a perícia médica do INSS é obrigatória.
- Objetivo: O perito do INSS avaliará a documentação médica e realizará um exame clínico no segurado para determinar a existência da doença, sua gravidade e, principalmente, a incapacidade laboral.
- Desafios: Perícias para transtornos mentais podem ser desafiadoras, pois a avaliação depende muito da observação clínica e dos relatos do paciente (e de seus acompanhantes, se houver incapacidade de comunicação). O perito busca evidências objetivas do comprometimento funcional.
- Dicas para a Perícia:
- Levar todos os documentos médicos originais e cópias.
- Ser honesto e claro sobre os sintomas e as limitações.
- Se o paciente tiver dificuldades de comunicação, um familiar ou curador deve acompanhá-lo e explicar a situação ao perito.
- O perito não avaliará apenas o CID, mas o impacto da doença na capacidade de trabalho e na autonomia do indivíduo.
III. A Perícia Judicial
Se o benefício for negado pelo INSS, ou em ações de isenção de imposto de renda, interdição/curatela ou outras ações judiciais, uma perícia judicial será nomeada pelo juiz.
- Perito Judicial: Um médico (geralmente psiquiatra) nomeado pelo juiz para atuar como auxiliar da justiça. Ele fará uma nova avaliação, analisando toda a documentação e examinando o paciente. Seu laudo é de grande peso na decisão do juiz.
- Assistente Técnico: As partes (o indivíduo ou seus representantes e, no caso do INSS, a própria autarquia) têm o direito de indicar um assistente técnico (um médico de sua confiança) para acompanhar a perícia judicial. O assistente técnico pode formular quesitos, participar do exame pericial e apresentar um parecer técnico próprio, que pode corroborar ou divergir do laudo do perito judicial. A presença de um assistente técnico é altamente recomendada para garantir que todos os aspectos da doença e sua incapacidade sejam devidamente avaliados e representados.
IV. Ação Judicial
Em caso de negativa do benefício pelo INSS, ou para pleitear isenções fiscais, é necessário ingressar com uma ação judicial.
- Necessidade de Advogado: A representação por um advogado especializado em direito previdenciário ou tributário é essencial. Ele saberá como conduzir o processo, quais documentos são necessários, como formular os pedidos e como lidar com as complexidades do sistema judicial.
O Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015) e a “Alienação Mental”
O Estatuto da Pessoa com Deficiência (EPD) representou uma mudança paradigmática na forma como o Brasil lida com as pessoas com deficiência, incluindo as deficiências mentais. Ele adota um modelo social de deficiência, que foca nas barreiras impostas pela sociedade, e não apenas na condição de saúde em si.
Impacto na Curatela
O EPD alterou profundamente o regime de curatela. Antes, a pessoa com deficiência mental poderia ser considerada “absolutamente incapaz” para a vida civil. Com o EPD, a incapacidade para atos da vida civil é restrita e a curatela só atinge os atos de natureza patrimonial e negocial, e apenas quando a pessoa não puder exprimir sua vontade.
- Prioridade da Tomada de Decisão Apoiada: O EPD prioriza a Tomada de Decisão Apoiada, que permite que a pessoa com deficiência escolha apoiadores para auxiliar na tomada de suas decisões, preservando ao máximo sua autonomia e capacidade.
- Revisão de Curatelas: Curatelas anteriormente instituídas devem ser revistas para se adequar ao EPD.
“Alienação Mental” e Deficiência Mental
A Lei nº 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS), em seu Art. 20, § 2º, define pessoa com deficiência como aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
As condições que configuram “alienação mental” (esquizofrenia grave, demências, etc.) geralmente se enquadram como deficiência mental ou intelectual conforme o EPD, pois geram impedimentos de longo prazo que, em interação com barreiras sociais, dificultam a participação plena.
- Implicações: Isso significa que a pessoa com “alienação mental” pode ser vista também como pessoa com deficiência, tendo acesso a outros direitos, como cotas em empresas (se a capacidade residual permitir), benefícios assistenciais (Benefício de Prestação Continuada – BPC/LOAS para quem não contribui para o INSS), e outras políticas de inclusão.
Perícia Biopsicossocial
O EPD prevê que a avaliação da deficiência, para fins de alguns direitos, deve ser biopsicossocial, realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar. Essa avaliação considera não apenas a limitação imposta pela doença, mas também as barreiras sociais, ambientais e atitudinais que impedem a participação plena do indivíduo. Embora ainda não totalmente implementada para todos os fins, é a tendência futura.
Diferença entre “Alienação Mental” e Outros Transtornos Mentais
É fundamental diferenciar a “alienação mental” (no sentido jurídico) de outros transtornos mentais que, embora causem sofrimento e incapacidade, não atingem o grau de gravidade e permanência que a lei exige para os direitos específicos.
Transtornos de Ansiedade (CID F40-F48)
Transtornos como Transtorno de Ansiedade Generalizada (F41.1), Transtorno do Pânico (F41.0), Fobias (F40) e Transtorno de Estresse Pós-Traumático (F43.1) podem ser altamente incapacitantes, gerando direito a auxílio-doença e, em casos graves, até aposentadoria por incapacidade permanente. No entanto, raramente são enquadrados como “alienação mental”, a menos que atinjam um grau de cronicidade e refratariedade ao tratamento que resulte em total perda de discernimento e autogoverno (o que é raro para esses transtornos em si). A diferenciação reside na profundidade do comprometimento das funções cognitivas e da capacidade de compreender a realidade.
Transtornos de Personalidade (CID F60)
Transtornos como Borderline, Antissocial, Narcisista, etc., são padrões de comportamento e pensamento rígidos e inflexíveis que causam sofrimento e prejuízos sociais e ocupacionais. Embora possam gerar incapacidade laboral, geralmente não são considerados “alienação mental”, pois a pessoa, via de regra, mantém o contato com a realidade e a capacidade de discernimento, mesmo que suas ações sejam disfuncionais.
Depressão Leve a Moderada (CID F32.0, F32.1)
A depressão é uma doença séria, mas a “alienação mental” refere-se a casos de depressão muito grave, com sintomas psicóticos, ou que se tornam refratários e geram incapacidade total e permanente. A maioria dos casos de depressão, mesmo que exija afastamento temporário, não se enquadra na definição legal de “alienação mental”.
A distinção é sempre feita por perícia médica especializada, que analisa não apenas o CID, mas o quadro clínico completo, a evolução da doença, a resposta ao tratamento e, crucialmente, o grau de comprometimento das funções mentais superiores e da capacidade funcional do indivíduo.
O Estigma e a Proteção Legal
O termo “alienação mental”, apesar de ser um jargão jurídico, carrega um forte estigma social. É importante que a sociedade compreenda que se trata de doenças cerebrais, que causam sofrimento real e limitam a capacidade do indivíduo.
A legislação, ao prever direitos específicos para a “alienação mental”, busca proteger os indivíduos mais vulneráveis da sociedade, garantindo-lhes um mínimo de dignidade e amparo financeiro e legal. No entanto, o estigma ainda dificulta o diagnóstico precoce, o acesso ao tratamento e a busca pelos direitos.
É dever dos profissionais do direito e da saúde atuar na desmistificação dessas condições, informando e orientando as famílias sobre os direitos existentes e os caminhos para acessá-los. A luta por um tratamento adequado e pelo reconhecimento legal é fundamental para que esses indivíduos possam ter suas necessidades atendidas e serem protegidos de abusos e negligências.
Perguntas e Respostas
O que significa “alienação mental” para o INSS?
Para o INSS e para fins legais no Brasil, “alienação mental” é um termo jurídico que se refere a doenças mentais graves e crônicas que causam a perda total e permanente da capacidade de discernimento do indivíduo, tornando-o incapaz de gerir seus próprios atos e de exercer qualquer atividade laboral. Não se refere a um CID específico, mas a um conjunto de condições como esquizofrenia, transtorno bipolar grave, demências e depressões graves com características psicóticas ou refratárias ao tratamento, que resultam em profunda incapacidade.
Quais doenças mentais são consideradas “alienação mental” para isenção de Imposto de Renda?
As doenças que geralmente são consideradas “alienação mental” para isenção de Imposto de Renda sobre proventos de aposentadoria, reforma ou pensão incluem: esquizofrenia, transtorno afetivo bipolar em suas formas graves e incapacitantes, transtorno depressivo grave e persistente (especialmente com características psicóticas ou refratárias), e todas as formas de demência (como Alzheimer). A comprovação é sempre feita por laudo de serviço médico oficial (da União, Estados, DF ou Municípios) ou por perícia judicial.
É possível pedir a restituição do Imposto de Renda pago nos últimos anos por “alienação mental”?
Sim. Se for comprovado que o aposentado, reformado ou pensionista era portador de “alienação mental” em períodos anteriores e pagou Imposto de Renda sobre seus proventos, é possível pedir a restituição dos valores pagos indevidamente nos últimos 5 anos. Para isso, é necessário ingressar com um processo administrativo junto à Receita Federal ou, se necessário, uma ação judicial.
Apenas o laudo do meu médico particular é suficiente para comprovar a “alienação mental”?
Para fins previdenciários e fiscais, o laudo do seu médico particular é um documento importante, mas geralmente não é suficiente por si só. É necessário passar por uma perícia médica oficial, seja do INSS, de um serviço médico pericial público (da União, Estados ou Municípios) para isenção de IR, ou por uma perícia judicial. Esses órgãos têm seus próprios peritos para avaliar a condição e decidir sobre o direito ao benefício.
A “alienação mental” é a mesma coisa que deficiência mental?
Não são exatamente a mesma coisa, mas há uma grande sobreposição e a “alienação mental” geralmente se enquadra no conceito de deficiência mental ou intelectual. “Alienação mental” é um termo jurídico-previdenciário que denota uma incapacidade grave e permanente para a vida civil e laboral. Deficiência mental, conforme o Estatuto da Pessoa com Deficiência, é um impedimento de longo prazo de natureza mental ou intelectual que, em interação com barreiras, pode impedir a participação plena na sociedade. Assim, uma pessoa com “alienação mental” grave provavelmente será considerada também uma pessoa com deficiência mental.
O que acontece se a pessoa com “alienação mental” não tiver quem a represente legalmente?
Se a pessoa com “alienação mental” não tiver capacidade de gerir seus próprios atos e não houver um representante legal (como um curador ou apoiadores), o Ministério Público ou familiares próximos (cônjuge, pais, filhos) podem ingressar com uma ação de interdição (para nomeação de um curador) ou de Tomada de Decisão Apoiada, conforme a legislação vigente, para proteger os interesses do indivíduo.
A “alienação mental” dá direito a algum benefício para quem nunca contribuiu para o INSS?
Sim. Se a pessoa com “alienação mental” não possui qualidade de segurado do INSS (nunca contribuiu ou perdeu essa qualidade) e se enquadra nos critérios de baixa renda, ela pode ter direito ao Benefício de Prestação Continuada (BPC/LOAS). O BPC é um benefício assistencial pago mensalmente pelo INSS a idosos (a partir de 65 anos) ou pessoas com deficiência (de qualquer idade) que comprovem incapacidade para a vida independente e para o trabalho, e que não possuem meios de prover a própria subsistência ou de tê-la provida por sua família. A “alienação mental” grave geralmente se enquadra como deficiência para fins de BPC.
Conclusão
O conceito de “alienação mental” no direito brasileiro, apesar de sua terminologia antiga e do estigma social que ainda carrega, desempenha um papel crucial na proteção de indivíduos acometidos por transtornos mentais graves e incapacitantes. Ele representa um reconhecimento legal da profunda alteração da capacidade de discernimento e autogoverno que certas condições psiquiátricas podem impor, garantindo acesso a direitos fundamentais.
A interpretação jurídica da “alienação mental” é ampla e abrange um leque de doenças psiquiátricas complexas, como esquizofrenia, transtorno afetivo bipolar grave, depressões refratárias e demências, sempre focando na severidade e na permanência da incapacidade gerada. Os direitos decorrentes desse reconhecimento são vitais, incluindo a isenção de Imposto de Renda sobre aposentadorias, o saque de FGTS e PIS/PASEP, e o acesso a benefícios previdenciários como a aposentadoria por incapacidade permanente, que pode inclusive contar com um adicional de 25% para quem necessita de assistência permanente.
A comprovação da “alienação mental” é um processo que exige rigor e paciência. A documentação médica detalhada, com laudos psiquiátricos e neurológicos que expliquem o diagnóstico, o impacto funcional e a irreversibilidade da condição, é a base para o sucesso. A perícia médica, seja administrativa ou judicial, é o momento decisivo, onde a incapacidade é avaliada por profissionais especializados. Nesses momentos, a presença de um advogado e, se possível, de um assistente técnico médico, é fundamental para assegurar que os direitos do indivíduo sejam devidamente pleiteados e protegidos.
Em um cenário onde o estigma em relação à saúde mental ainda é uma realidade, a compreensão e a aplicação correta do conceito de “alienação mental” são essenciais. Elas não apenas garantem amparo legal e financeiro a quem mais precisa, mas também reforçam a importância de uma sociedade mais inclusiva e justa, que reconhece e protege a dignidade de todos os seus membros, independentemente de suas condições de saúde. É um chamado para que a sociedade e o sistema jurídico continuem a evoluir, desmistificando a doença mental e assegurando que o apoio necessário chegue a quem dele necessita.