Sim, o CID M75.1 refere-se à síndrome do manguito rotador, que é uma das causas mais comuns de dor no ombro e pode, de fato, dar direito ao afastamento do trabalho pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), seja por auxílio-doença (benefício por incapacidade temporária) ou, em casos mais graves e permanentes, por aposentadoria por incapacidade permanente (antiga aposentadoria por invalidez). O diagnóstico em si não garante o benefício; o que é determinante é a comprovação da incapacidade laboral decorrente dos sintomas da síndrome, impedindo o trabalhador de exercer suas funções de forma eficaz e segura. Além disso, é necessário que o segurado preencha os requisitos previdenciários e seja aprovado na perícia médica do INSS.
A síndrome do manguito rotador é uma condição que afeta os tendões e músculos responsáveis pelos movimentos do ombro, sendo frequentemente associada a atividades repetitivas, levantamento de peso ou traumas. No contexto jurídico, ela ganha particular relevância como uma possível doença ocupacional, o que confere direitos adicionais ao trabalhador. Este artigo visa explorar em profundidade a síndrome do manguito rotador sob a ótica médica e jurídica, detalhando seus aspectos anatômicos, causas, diagnósticos, tratamentos e, principalmente, as implicações legais para o trabalhador e o empregador.
O Que é CID M75.1 (Síndrome do Manguito Rotador)?
O CID M75.1 é o código da Classificação Internacional de Doenças (CID-10) que se refere à Síndrome do Manguito Rotador. Essa síndrome é um conjunto de sintomas causados por lesões, inflamações ou degenerações dos tendões que compõem o manguito rotador.
Anatomia e Função do Manguito Rotador
Para entender a síndrome, é essencial conhecer o manguito rotador. Ele é um grupo de quatro músculos e seus respectivos tendões que envolvem a cabeça do úmero (osso do braço) e se inserem na escápula (omoplata). São eles:
- Supraespinhal (ou Supraespinhoso): Responsável pela abdução (levantar o braço lateralmente) e estabilização do ombro. É o tendão mais comumente lesionado.
- Infraespinhal (ou Infraespinhoso): Responsável pela rotação externa do braço.
- Redondo Menor: Também auxilia na rotação externa.
- Subescapular: Responsável pela rotação interna do braço.
A principal função do manguito rotador é garantir a estabilidade da articulação do ombro (que é a mais móvel do corpo), permitindo uma ampla gama de movimentos com precisão e força. Os tendões do manguito rotador deslizam sob uma estrutura óssea chamada acrômio, e entre eles há uma bolsa cheia de líquido, a bursa subacromial, que amortece o atrito.
Tipos de Lesões do Manguito Rotador
A síndrome do manguito rotador pode se manifestar de diversas formas:
- Tendinite do Manguito Rotador: Inflamação de um ou mais tendões, geralmente devido a uso excessivo, sobrecarga ou movimentos repetitivos. Pode vir acompanhada de bursite subacromial (inflamação da bursa).
- Tendinose do Manguito Rotador: Degeneração crônica dos tendões, que perdem sua estrutura e elasticidade. Diferente da tendinite, a inflamação pode não ser o componente principal.
- Ruptura do Manguito Rotador: Pode ser parcial (apenas algumas fibras rompidas) ou total (o tendão se descola completamente do osso). As rupturas podem ser traumáticas (por uma queda, por exemplo) ou degenerativas (pelo desgaste progressivo ao longo do tempo).
Causas e Fatores de Risco da Síndrome do Manguito Rotador
A síndrome do manguito rotador é multifatorial, ou seja, diversas causas e fatores de risco contribuem para seu desenvolvimento.
I. Causas Relacionadas ao Uso e Sobrecarga (Ocupacionais e Esportivas)
- Movimentos Repetitivos: Atividades que exigem movimentos repetitivos do ombro, especialmente acima da cabeça, são uma das principais causas.
- Exemplos Ocupacionais: Pintores, eletricistas, carpinteiros, atletas de arremesso (beisebol, vôlei), nadadores, tenistas, digitadores que usam o mouse em posição inadequada, trabalhadores de linha de montagem, empacotadores, e profissionais que manuseiam ferramentas vibratórias.
- Exemplos Esportivos: Levantamento de peso inadequado, ginastas.
- Sobrecarga: Levantar objetos pesados de forma incorreta ou excessiva.
- Postura Inadequada: Manter posturas por tempo prolongado que coloquem estresse nos ombros.
- Falta de Condicionamento Físico: Músculos fracos e desequilibrados no ombro e cintura escapular são mais propensos a lesões.
II. Causas Traumáticas
- Quedas: Cair sobre o ombro estendido ou com o braço para o lado.
- Impactos Diretos: Batidas no ombro.
- Levantamento Abrupto de Peso: Um esforço súbito e exagerado.
III. Causas Degenerativas e Envelhecimento
- Envelhecimento Natural: Com a idade, os tendões perdem elasticidade e resistência, tornando-se mais suscetíveis a rupturas, mesmo com traumas mínimos.
- Redução do Espaço Subacromial (Impacto ou Síndrome do Impacto): Ocorre quando o acrômio (parte óssea da escápula) ou ligamentos adjacentes pressionam os tendões do manguito rotador, levando a inflamação e desgaste. Isso pode ser causado por fatores genéticos (formato do acrômio), osteófitos (bicos de papagaio) ou inflamação crônica da bursa.
- Má Irrigação Sanguínea dos Tendões: Algumas áreas dos tendões têm menor suprimento sanguíneo, o que dificulta a cicatrização e aumenta o risco de degeneração e ruptura.
IV. Outros Fatores de Risco
- Diabetes: Afeta a saúde dos tendões e a cicatrização.
- Tabagismo: Reduz o fluxo sanguíneo e prejudica a saúde dos tecidos.
- Genética: Predisposição familiar.
- Doenças Reumáticas: Como artrite reumatoide, que podem inflamar os tendões.
Sintomas da Síndrome do Manguito Rotador (CID M75.1)
Os sintomas da síndrome do manguito rotador variam de intensidade e tipo, dependendo da gravidade e da causa da lesão.
Dor
- Localização: Geralmente no ombro, podendo irradiar para a parte lateral do braço (quase até o cotovelo). Raramente irradia abaixo do cotovelo.
- Características: A dor pode ser em pontada, queimação, ou uma dor constante e latejante.
- Agravamento: Piora com movimentos do ombro, especialmente ao levantar o braço acima da cabeça, ao rodar o braço para trás (para pentear o cabelo ou alcançar as costas), e ao dormir sobre o ombro afetado.
- Dor Noturna: É um sintoma clássico, que muitas vezes impede o sono.
Limitação de Movimento
- Dificuldade para Elevar o Braço: Especialmente acima da cabeça (abdução e elevação frontal).
- Dificuldade para Rotação: Interna (colocar a mão nas costas) e externa (pentear o cabelo, alcançar objetos altos).
- Arco Doloroso: Dor mais intensa em um determinado arco de movimento (ex: entre 60° e 120° de elevação do braço).
Fraqueza Muscular
- Dificuldade em levantar ou segurar objetos, mesmo leves.
- Sensação de “braço morto” ou perda de força súbita.
Outros Sintomas
- Estalos ou Crepitações: Sensação de rangido ou estalo ao mover o ombro.
- Rigidez: Sensação de ombro “preso”, especialmente pela manhã.
Em casos de rupturas grandes, a dor pode ser súbita e intensa no momento do trauma, seguida de uma incapacidade significativa de mover o braço. Já em casos degenerativos, a dor e a limitação podem se desenvolver gradualmente ao longo do tempo.
Diagnóstico da Síndrome do Manguito Rotador
O diagnóstico preciso da síndrome do manguito rotador é fundamental para o planejamento do tratamento e, em contexto jurídico, para a comprovação da incapacidade. Envolve a combinação de histórico clínico, exame físico e exames de imagem.
I. Anamnese e Exame Físico
O médico iniciará com uma anamnese detalhada, perguntando sobre:
- Natureza da dor (intensidade, localização, irradiação, fatores de melhora e piora).
- Início dos sintomas (agudo ou gradual).
- Histórico de traumas, acidentes, quedas.
- Atividades ocupacionais e hobbies que envolvem movimentos do ombro.
- Presença de dor noturna, dificuldade para dormir sobre o ombro.
- Limitação para atividades diárias (vestir-se, pentear o cabelo, cozinhar).
No exame físico, o médico fará:
- Inspeção: Observar a simetria dos ombros, atrofia muscular.
- Palpação: Identificar pontos de dor nos tendões e na bursa.
- Amplitude de Movimento: Avaliar ativamente (o paciente move o braço) e passivamente (o médico move o braço do paciente) os movimentos do ombro, procurando limitações e arcos dolorosos.
- Testes Específicos: Existem diversas manobras que testam a integridade de cada tendão do manguito rotador e a presença de síndrome do impacto (ex: teste de Neer, Hawkins, Jobe, Speed, Gerber Lift-off).
- Avaliação de Força: Comparação da força do ombro afetado com o não afetado.
II. Exames de Imagem
- Radiografia (Raio-X): Não visualiza tendões, mas é útil para:
- Excluir outras causas de dor (fraturas, artrose da articulação principal do ombro).
- Identificar osteófitos (bicos de papagaio) no acrômio que possam causar impacto.
- Avaliar o espaço subacromial.
- Detectar calcificações nos tendões (tendinite calcária).
- Ultrassonografia (USG): É um exame dinâmico, rápido e de baixo custo, que pode ser feito no consultório. É excelente para visualizar tendões e bursas, identificar tendinites, bursites e rupturas parciais ou totais do manguito rotador. A qualidade do exame depende muito da experiência do operador.
- Ressonância Magnética (RM): Considerado o “padrão ouro” para o diagnóstico de lesões do manguito rotador. Oferece imagens detalhadas de tendões, músculos, ligamentos, bursa, cartilagem e estruturas ósseas. É capaz de identificar com precisão o tipo, tamanho e localização das rupturas (parciais ou totais), a extensão da inflamação e a presença de atrofia muscular. Essencial para planejar cirurgias.
- Tomografia Computadorizada (TC): Usada principalmente para avaliar problemas ósseos complexos, como fraturas, ou quando a RM é contraindicada (ex: pacientes com marca-passo). Não é o exame de escolha para avaliar tendões.
III. Outros Exames
- Artrografia por Ressonância Magnética: Em alguns casos, pode ser feita com injeção de contraste na articulação para melhor visualização de rupturas pequenas ou parciais.
O diagnóstico preciso é fundamental não apenas para o tratamento médico, mas para embasar a comprovação da incapacidade perante o INSS ou em ações judiciais.
Tratamento da Síndrome do Manguito Rotador
O tratamento da síndrome do manguito rotador é individualizado e depende da gravidade da lesão, da idade do paciente, do nível de atividade e da presença de outras condições. A maioria dos casos inicia com tratamento conservador.
I. Tratamento Conservador (Não Cirúrgico)
É a primeira linha de tratamento para tendinites, bursites e muitas rupturas parciais, ou mesmo rupturas totais em pacientes idosos e pouco ativos.
- Repouso Relativo: Evitar atividades que causem dor e sobrecarga no ombro, mas manter mobilidade para evitar rigidez.
- Medicação:
- Analgésicos: Paracetamol, dipirona, para dor leve a moderada.
- Anti-inflamatórios Não Esteroides (AINEs): Ibuprofeno, naproxeno, diclofenaco, para reduzir inflamação e dor. Usar com cautela devido a efeitos colaterais.
- Fisioterapia: É o pilar do tratamento conservador. Inclui:
- Controle da Dor e Inflamação: Eletroterapia (TENS, ultrassom, laser), crioterapia (gelo) ou termoterapia (calor).
- Restauração da Amplitude de Movimento: Exercícios de alongamento passivos e ativos assistidos.
- Fortalecimento Muscular: Exercícios progressivos para fortalecer o manguito rotador e os músculos escapulares (escápula estável é fundamental para o ombro).
- Reeducação Postural: Correção de posturas inadequadas que podem sobrecarregar o ombro.
- Terapia Manual: Técnicas de mobilização articular.
- Infiltrações: Injeção de corticosteroides e anestésicos na bursa subacromial ou ao redor dos tendões para reduzir inflamação e aliviar a dor. Oferece alívio temporário, mas não trata a causa da lesão. Não devem ser usadas em excesso.
- Acupuntura: Pode ser uma opção para alívio da dor.
- Ondas de Choque: Em casos de tendinite calcária, pode auxiliar na dissolução das calcificações.
II. Tratamento Cirúrgico
A cirurgia é considerada quando o tratamento conservador falha, em casos de rupturas totais significativas (especialmente em pacientes jovens e ativos), em rupturas traumáticas agudas ou em casos de dor crônica refratária.
- Artroscopia de Ombro: É a técnica mais comum. Realizada com pequenas incisões, onde um artroscópio (câmera) e instrumentos cirúrgicos são inseridos para reparar os tendões, remover tecidos inflamados (bursectomia), descompressão subacromial (remover osteófitos ou parte do acrômio para aumentar o espaço), ou remover calcificações.
- Cirurgia Aberta ou Mini-aberta: Usada em casos complexos ou para rupturas muito grandes.
- Transferência Tendínea ou Artroplastia Reversa (Prótese de Ombro): Em casos de rupturas maciças e irreparáveis do manguito rotador, especialmente em pacientes mais idosos, pode-se realizar uma transferência de outro tendão ou uma artroplastia reversa do ombro, que é um tipo de prótese de ombro que utiliza o músculo deltoide para movimentação, quando o manguito rotador está gravemente comprometido.
III. Pós-Operatório e Reabilitação
A reabilitação pós-cirúrgica é tão importante quanto a cirurgia. Envolve imobilização com tipoia por algumas semanas, seguida de fisioterapia intensiva para restaurar a amplitude de movimento, fortalecer os músculos e retornar às atividades. A recuperação completa pode levar de 6 meses a 1 ano.
Prevenção da Síndrome do Manguito Rotador
A prevenção é fundamental, especialmente para quem realiza atividades de risco.
- Aquecimento e Alongamento: Antes de atividades físicas ou trabalhos que exigem o uso do ombro.
- Fortalecimento Muscular: Manter os músculos do manguito rotador e da cintura escapular (trapézio, romboides) fortes e equilibrados.
- Postura Adequada: No trabalho e nas atividades diárias, evitando posturas que sobrecarreguem os ombros.
- Ergonomia no Trabalho: Ajustar a altura de mesas, cadeiras e monitores. Usar ferramentas adequadas. Realizar pausas para alongar-se.
- Técnica Correta: Em esportes ou atividades que exijam movimentos do ombro, aprender e praticar a técnica correta para evitar sobrecarga.
- Evitar Sobrecarga: Não levantar pesos excessivos ou realizar movimentos repetitivos de forma prolongada sem descanso.
- Procurar Ajuda em Caso de Dor: Não ignorar dores no ombro. Buscar avaliação médica precoce pode evitar o agravamento da lesão.
- Controle de Doenças Crônicas: Controlar doenças como diabetes e parar de fumar, que afetam a saúde dos tendões.
Aspectos Jurídicos da Síndrome do Manguito Rotador (CID M75.1)
A síndrome do manguito rotador (CID M75.1) possui importantes implicações jurídicas, principalmente no Direito Previdenciário e no Direito do Trabalho, especialmente quando há suspeita de nexo causal com a atividade laboral.
I. Síndrome do Manguito Rotador no Direito Previdenciário (INSS)
A lesão do manguito rotador pode dar direito a benefícios do INSS se causar incapacidade para o trabalho.
Auxílio-Doença (Benefício por Incapacidade Temporária)
Concedido ao segurado que fica incapacitado para o seu trabalho ou atividade habitual por mais de 15 dias consecutivos.
-
Requisitos:
- Qualidade de Segurado: Estar contribuindo para o INSS ou no período de graça.
- Carência Mínima: 12 contribuições mensais. Importante: Se a síndrome do manguito rotador for reconhecida como doença ocupacional (acidente de trabalho), a carência é dispensada.
- Incapacidade Temporária: Comprovação, por laudos e perícia médica do INSS, de que a lesão no ombro impede temporariamente o exercício das atividades laborais.
-
Processo: Os primeiros 15 dias de afastamento são pagos pela empresa. A partir do 16º dia, o segurado deve agendar perícia no INSS. O perito avaliará a documentação médica (laudos, exames de RM/USG) e realizará um exame físico para verificar a existência e a extensão da incapacidade funcional.
Aposentadoria por Incapacidade Permanente (Antiga Aposentadoria por Invalidez)
Benefício para segurados considerados total e permanentemente incapazes para qualquer atividade que lhes garanta a subsistência, e que não podem ser reabilitados para outra profissão.
-
Requisitos:
- Qualidade de Segurado e Carência (mesmos do auxílio-doença).
- Incapacidade Total e Permanente: A perícia médica deve atestar que a síndrome do manguito rotador causa uma incapacidade irreversível e insuscetível de reabilitação para qualquer função. Isso ocorre em casos graves, como rupturas maciças e irreparáveis com perda funcional significativa, ou quando há dor crônica intratável que impossibilita o trabalho.
-
Processo: Geralmente, a aposentadoria por incapacidade permanente é precedida de um período de auxílio-doença, durante o qual o INSS avalia a possibilidade de recuperação ou reabilitação profissional. Se não houver melhora, o benefício pode ser convertido.
II. Síndrome do Manguito Rotador como Doença Ocupacional (Direito do Trabalho)
A síndrome do manguito rotador é uma das doenças osteomusculares relacionadas ao trabalho (DORT) mais comuns e pode ser reconhecida como doença ocupacional ou doença do trabalho quando há um nexo causal comprovado entre a atividade profissional e o desenvolvimento ou agravamento da condição.
- Atividades de Risco: Profissões que exigem:
- Movimentos Repetitivos: Digitação intensa (especialmente mouse), linha de montagem, costura, embalagem.
- Elevação de Braços Acima da Cabeça: Pintores, eletricistas, instaladores, trabalhadores da construção civil.
- Força Excessiva ou Levantamento de Peso: Carregadores, estivadores, pedreiros.
- Posturas Inadequadas e Sustentadas: Cirurgiões, dentistas, cabeleireiros.
- Uso de Ferramentas Vibratórias: Operadores de máquinas.
- Nexo Causal: Para que a síndrome seja considerada ocupacional, é crucial provar que o trabalho foi o desencadeador ou agravador da lesão. Isso é feito por meio de:
- Análise Ergonômica do Trabalho (AET): Estudo técnico das condições e organização do trabalho.
- Histórico de Saúde: Relatórios médicos que apontem a relação da doença com o trabalho.
- Perícia Médica Judicial: O perito avaliará as condições do ambiente de trabalho e a progressão da doença.
- Testemunhas: Colegas de trabalho que possam atestar as condições.
Implicações Legais do Reconhecimento como Doença Ocupacional
Se a síndrome do manguito rotador é reconhecida como doença ocupacional, o trabalhador adquire direitos adicionais e a empresa pode ser responsabilizada:
- Estabilidade Provisória no Emprego: Após o retorno do afastamento pelo INSS (se o benefício foi o auxílio-doença acidentário – B91), o empregado tem estabilidade de 12 meses no emprego, não podendo ser demitido sem justa causa.
- Depósito do FGTS: Durante o período de afastamento por auxílio-doença acidentário (B91), a empresa é obrigada a continuar depositando o FGTS. Essa obrigação não existe no auxílio-doença comum (B31).
- Indenização por Danos Morais e Materiais: Se comprovada a culpa ou dolo do empregador (negligência em fornecer condições seguras de trabalho, não cumprimento das Normas Regulamentadoras – NRs, como a NR-17 de Ergonomia), o trabalhador pode pleitear indenização por danos materiais (despesas médicas não cobertas pelo plano, medicamentos, fisioterapia, perda de rendimentos, lucros cessantes) e danos morais (pelo sofrimento, dor e prejuízo à qualidade de vida).
- Auxílio-Acidente: Se a síndrome do manguito rotador gerar uma sequela permanente que resulte na redução da capacidade para o trabalho (mesmo que o trabalhador continue trabalhando), e houver nexo causal com o trabalho, ele pode ter direito ao auxílio-acidente, um benefício indenizatório mensal pago pelo INSS.
- Aposentadoria por Incapacidade Permanente Acidentária: Se a incapacidade for total e permanente e houver nexo com o trabalho, o benefício será acidentário, com algumas vantagens específicas.
Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT)
Para que a doença seja reconhecida como ocupacional, é fundamental a emissão da CAT. A empresa é obrigada a emitir a CAT ao ter ciência da doença ocupacional. Caso não o faça, o próprio trabalhador, seu médico, o sindicato, ou dependentes podem emitir. A CAT é o primeiro passo para o reconhecimento do nexo causal e para que o benefício previdenciário seja classificado como acidentário (B91).
III. Síndrome do Manguito Rotador em Acidentes e Responsabilidade Civil
Se a síndrome do manguito rotador for resultado de um trauma (queda, acidente de trânsito, agressão) provocado por culpa de terceiro, a vítima pode pleitear indenização por danos materiais e morais contra o responsável.
- Acidentes de Trânsito: Comuns em colisões ou capotamentos. A vítima pode buscar indenização por despesas médicas, fisioterapia, medicamentos, perda de rendimentos e danos morais contra o motorista causador ou sua seguradora.
- Seguro DPVAT: O seguro obrigatório DPVAT pode cobrir despesas médicas e indenizações por invalidez permanente ou morte decorrentes do acidente de trânsito.
Documentação Médica e Perícia: Chaves para o Reconhecimento da Incapacidade
Em todos os cenários jurídicos envolvendo a síndrome do manguito rotador, a qualidade e a completude da documentação médica são a base para a comprovação da incapacidade e do nexo causal. A perícia médica, seja administrativa ou judicial, será o principal meio de prova.
I. Documentação Médica Essencial
O segurado deve reunir e apresentar todos os documentos médicos que comprovem o diagnóstico, a gravidade da lesão e o impacto funcional. Isso inclui:
- Atestados Médicos Detalhados: Com o CID M75.1, data de início da incapacidade, período de afastamento e uma descrição clara das limitações funcionais.
- Laudos e Relatórios Médicos: De ortopedistas, fisiatras, fisioterapeutas, reumatologistas. Esses documentos devem descrever:
- O diagnóstico (CID M75.1), incluindo o tipo de lesão (tendinite, tendinose, ruptura parcial/total).
- A evolução da doença, sintomas (dor, limitação de movimento, fraqueza, dor noturna).
- Os tratamentos realizados (medicamentos, fisioterapia, infiltrações, cirurgias), a resposta a esses tratamentos e o prognóstico.
- Crucialmente, o impacto específico da lesão na capacidade laboral do segurado. Ex: “paciente com ruptura total do supraespinhal, incapaz de elevar o braço acima de 90°, impedindo atividades de alcance e levantamento de peso essenciais para sua função de eletricista”, ou “dor crônica refratária que o impede de permanecer na mesma posição por mais de X minutos, incompatível com a jornada de trabalho como digitador”.
- Exames de Imagem: Resultados e laudos de Ressonância Magnética (RM) e/ou Ultrassonografia (USG) do ombro afetado, que são os exames mais importantes para visualizar a lesão nos tendões. Radiografias também devem ser incluídas.
- Receitas Médicas: Comprovando o uso contínuo de medicamentos.
- Prontuários Médicos: O histórico completo de atendimentos em clínicas, hospitais e ambulatórios, incluindo registros de cirurgias, se houver.
- Relatórios de Fisioterapia/Reabilitação: Detalhando o número de sessões, a evolução do tratamento, as dificuldades encontradas e as limitações persistentes.
- Comprovantes de Gastos: Recibos de consultas, exames, medicamentos, sessões de fisioterapia, cirurgias, que servirão para eventual pedido de danos materiais.
II. A Perícia Médica do INSS e a Perícia Judicial
- Perícia Administrativa (INSS): O perito do INSS avaliará a documentação e realizará um exame físico para determinar a existência da incapacidade laboral e sua duração. É importante que o segurado seja claro sobre suas dores e limitações durante o exame.
- Perícia Judicial: Em caso de negativa do benefício pelo INSS ou em ações trabalhistas/cíveis, um perito médico nomeado pelo juiz fará a avaliação. O perito judicial é um auxiliar do juízo e seu laudo possui grande peso na decisão final.
A Importância do Assistente Técnico
Em processos judiciais, o trabalhador tem o direito de indicar um assistente técnico (um médico de sua confiança) para acompanhar a perícia judicial. Este profissional é de grande valia, pois poderá:
- Analisar os quesitos (perguntas) formulados pelo juiz e pela parte contrária.
- Formular quesitos complementares que abordem os pontos mais relevantes para o caso do segurado, especialmente as limitações específicas que a lesão impõe à sua profissão.
- Acompanhar o exame pericial, garantindo que o perito judicial realize uma avaliação completa e justa.
- Elaborar um parecer técnico próprio, que pode corroborar o laudo do perito judicial ou apresentar divergências, fortalecendo a argumentação do segurado no processo.
Direitos Trabalhistas Adicionais e Proteções para Trabalhadores
Além dos benefícios previdenciários e indenizações, o trabalhador com síndrome do manguito rotador pode ter outros direitos e proteções no ambiente de trabalho, especialmente se a condição for ocupacional.
I. Readaptação de Função
Se a síndrome do manguito rotador, mesmo após tratamento e reabilitação, resultar em uma limitação permanente que impeça o trabalhador de exercer sua função original, mas ele ainda possui capacidade para outras atividades, a empresa (especialmente as de médio e grande porte) pode ter o dever legal de readaptá-lo para outra função compatível com suas novas condições de saúde. Isso é parte do dever do empregador de zelar pela saúde e segurança do trabalhador e de promover a inclusão.
II. Estabilidade Pré-Aposentadoria
Algumas convenções ou acordos coletivos de trabalho podem prever estabilidade provisória no emprego para trabalhadores que estão próximos de se aposentar. Essa cláusula pode proteger o empregado de demissões sem justa causa, inclusive quando afastado por problemas de saúde como a síndrome do manguito rotador.
III. Rescisão Indireta do Contrato de Trabalho
Se a síndrome do manguito rotador for comprovadamente causada ou agravada pelas condições de trabalho (doença ocupacional) e o empregador não cumprir com suas obrigações de segurança e saúde (por exemplo, ignorar as normas de ergonomia, não fornecer equipamentos adequados, submeter o empregado a sobrecarga ou jornada excessiva), o trabalhador pode pleitear a rescisão indireta do contrato de trabalho. Isso significa que o empregado “demite” o empregador por justa causa, tendo direito a todas as verbas rescisórias como se tivesse sido demitido sem justa causa (aviso prévio, multa de 40% do FGTS, seguro-desemprego, etc.), além de eventuais indenizações por danos morais e materiais.
IV. Medidas de Prevenção e Ergonomia (NR-17)
É dever da empresa, conforme a Norma Regulamentadora 17 (NR-17 – Ergonomia), adaptar as condições de trabalho às características psicofisiológicas dos trabalhadores, de modo a proporcionar o máximo de conforto, segurança e desempenho eficiente. Isso inclui:
- Fornecer mobiliário e equipamentos ergonômicos (cadeiras, mesas, teclados, mousepad).
- Oferecer pausas para descanso e ginástica laboral.
- Implementar rodízio de tarefas para evitar movimentos repetitivos prolongados.
- Realizar treinamentos sobre postura e técnicas seguras de trabalho.
O descumprimento dessas normas pode configurar negligência da empresa e ser um forte argumento para configurar a responsabilidade do empregador em casos de síndrome do manguito rotador ocupacional.
Desafios na Concessão de Benefícios e Ações Judiciais
Apesar dos direitos e proteções, a obtenção de benefícios ou o sucesso em ações judiciais por síndrome do manguito rotador pode enfrentar desafios significativos.
I. Comprovação do Nexo Causal
A maior dificuldade é provar que a síndrome do manguito rotador foi causada ou agravada pelo trabalho. Muitos casos são degenerativos, decorrentes da idade, ou de traumas fora do ambiente laboral. O perito do INSS ou judicial buscará elementos que liguem a lesão às condições específicas do trabalho (movimentos repetitivos, posturas forçadas, sobrecarga).
II. Caráter Degenerativo da Doença
Peritos frequentemente alegam que a síndrome do manguito rotador é uma doença degenerativa natural do envelhecimento, desconsiderando o nexo causal com o trabalho. É crucial demonstrar que o trabalho acelerou ou agravou o processo degenerativo ou que a lesão foi traumática dentro do ambiente laboral.
III. Falta de Documentação Adequada
Laudos médicos superficiais, ausência de exames de imagem conclusivos (como RM) ou a falta de um histórico detalhado da relação da dor com as atividades laborais podem prejudicar o pedido.
IV. Resistência do INSS e das Empresas
O INSS pode ser rigoroso na concessão de benefícios, e empresas podem resistir a reconhecer o nexo causal com o trabalho para evitar as implicações legais e financeiras (como estabilidade e indenizações).
Como Superar os Desafios:
- Documentação Médica Rigorosa: Sempre solicite laudos e relatórios médicos detalhados que incluam o CID M75.1, o tipo e a localização da lesão, as limitações funcionais específicas para sua profissão e, se possível, a relação com o trabalho. A RM é crucial.
- Tratamento Contínuo e Comprovado: Mantenha um acompanhamento médico e fisioterápico regular, guardando todos os comprovantes. Isso demonstra a persistência da condição e a busca ativa por tratamento.
- Registro de Condições de Trabalho: Se houver suspeita de doença ocupacional, documente suas atividades, horários, equipamentos utilizados e quaisquer incidentes ou condições que agravem sua dor. Comunique formalmente à empresa sobre suas limitações.
- Emissão da CAT: Insista na emissão da CAT. Se a empresa se recusar, o próprio trabalhador, o médico assistente, o sindicato ou o Ministério Público do Trabalho podem emitir.
- Apoio Jurídico Especializado: Contratar um advogado especializado em direito previdenciário e/ou trabalhista é fundamental. Ele terá o conhecimento para:
- Analisar a documentação e identificar lacunas.
- Orientar sobre os melhores passos a seguir (pedido administrativo, recurso, ação judicial).
- Formular quesitos específicos para a perícia médica que abordem o nexo causal e o impacto na sua função.
- Acompanhar a perícia judicial e, se necessário, auxiliar na contratação de um assistente técnico médico.
- Defender seus direitos em todas as instâncias.
- Não Desistir na Primeira Negativa: Muitos benefícios são concedidos após recurso administrativo ou, mais comumente, após uma ação judicial, onde há a oportunidade de uma nova perícia por um profissional independente.
Perguntas e Respostas
O que é a Síndrome do Manguito Rotador (CID M75.1)?
É uma condição de dor e limitação no ombro causada por lesões, inflamação ou degeneração dos tendões que formam o manguito rotador, um grupo de quatro músculos e tendões que estabilizam e movimentam o ombro. Pode incluir tendinite, bursite ou rupturas (parciais ou totais) dos tendões.
A Síndrome do Manguito Rotador sempre dá direito a afastamento do trabalho?
Não. O direito ao afastamento e aos benefícios do INSS (auxílio-doença ou aposentadoria por incapacidade permanente) depende da comprovação da incapacidade laboral causada pela síndrome. Ou seja, a lesão deve impedir o trabalhador de exercer suas funções de forma eficaz e segura, o que é avaliado por perícia médica.
Quais exames são mais importantes para diagnosticar o CID M75.1 para o INSS?
A Ressonância Magnética (RM) do ombro é o exame mais importante e completo para visualizar os tendões, identificar rupturas (parciais ou totais), inflamações e outras alterações. A Ultrassonografia (USG) também é útil, especialmente para tendinites e rupturas. Radiografias podem ser usadas para descartar outros problemas ósseos. Leve os laudos e as imagens de todos esses exames à perícia.
É possível que minha Síndrome do Manguito Rotador seja considerada uma doença ocupacional?
Sim. Se a sua lesão no manguito rotador foi causada ou agravada pelas condições ou pela natureza do seu trabalho (ex: movimentos repetitivos, levantamento de peso, posturas forçadas, uso de ferramentas vibratórias), ela pode ser reconhecida como doença ocupacional. Para isso, é crucial comprovar o nexo causal com o trabalho e, se possível, emitir a Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT).
Quais direitos adicionais tenho se a doença for reconhecida como ocupacional?
Se a síndrome do manguito rotador for reconhecida como doença ocupacional, você pode ter direito a: estabilidade provisória no emprego (12 meses após o retorno do INSS), depósito do FGTS durante o afastamento, indenização por danos morais e materiais (se houver culpa da empresa), e auxílio-acidente (se houver sequela permanente que reduza a capacidade de trabalho).
O que fazer se o INSS negar meu pedido de auxílio-doença ou aposentadoria por CID M75.1?
Se o INSS negar seu benefício, você tem duas opções: entrar com um recurso administrativo no próprio INSS (prazo de 30 dias) ou ingressar com uma ação judicial contra o INSS na Justiça Federal. A ação judicial é frequentemente mais recomendada, pois permite uma nova avaliação por um perito judicial independente. É altamente recomendável procurar um advogado especializado em direito previdenciário nessas situações.
A Síndrome do Manguito Rotador pode levar à aposentadoria por invalidez?
Sim, em casos muito graves e excepcionais. A aposentadoria por invalidez (agora aposentadoria por incapacidade permanente) é concedida apenas quando a síndrome do manguito rotador resulta em uma incapacidade total e permanente para o exercício de qualquer atividade laboral e não há possibilidade de reabilitação profissional. Isso ocorre, por exemplo, em rupturas maciças e irreparáveis que levam a perda funcional grave e irrecuperável do ombro, impedindo qualquer tipo de trabalho.
Conclusão
A síndrome do manguito rotador (CID M75.1) é uma condição dolorosa e frequentemente incapacitante que afeta um grande número de trabalhadores. Embora sua origem possa ser diversa (traumática, degenerativa ou por sobrecarga), sua relevância no cenário jurídico brasileiro é inegável, especialmente quando há um vínculo com o ambiente de trabalho.
O caminho para o reconhecimento de direitos previdenciários e trabalhistas para quem sofre de CID M75.1 depende fundamentalmente da comprovação da incapacidade laboral e, quando aplicável, do nexo causal com a atividade profissional. A dor e a limitação funcional do ombro podem impedir tarefas básicas e complexas, tornando inviável a continuidade de muitas profissões.
Para o trabalhador afetado, é crucial entender a importância de um diagnóstico médico preciso, com exames de imagem detalhados (principalmente a Ressonância Magnética), e de um tratamento adequado, incluindo a fisioterapia. Toda a documentação médica deve ser meticulosamente guardada, pois será a base para qualquer pedido junto ao INSS ou em ações judiciais. Além disso, a busca por um ambiente de trabalho ergonômico e o cumprimento das normas de segurança por parte do empregador são essenciais para prevenir o desenvolvimento e o agravamento da síndrome.
Diante da complexidade das perícias médicas e dos trâmites legais, a assessoria de um advogado especializado em direito previdenciário e/ou trabalhista torna-se um diferencial. Esse profissional poderá guiar o segurado em cada etapa, desde a preparação da documentação até a representação em recursos administrativos ou ações judiciais, garantindo que todos os direitos sejam pleiteados de forma eficaz. A síndrome do manguito rotador, quando incapacitante, não é apenas um problema de saúde, mas uma questão de justiça social e proteção do trabalhador.