Sim, uma pessoa diagnosticada com esquizofrenia tem direito a receber o Benefício de Prestação Continuada (BPC/LOAS), desde que preencha os dois requisitos fundamentais estabelecidos pela lei: a comprovação da deficiência de longo prazo que a impeça de participar de forma plena e efetiva na sociedade, e a demonstração de que a renda por pessoa do grupo familiar é inferior a 1/4 do salário mínimo vigente. O diagnóstico de esquizofrenia, por si só, é um forte indicativo da existência de uma deficiência grave, mas a concessão do benefício não é automática. É indispensável passar por uma rigorosa avaliação médica e social no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) para que o direito seja formalmente reconhecido.
O BPC/LOAS é um benefício assistencial, desvinculado de contribuições previdenciárias, e representa um dos mais importantes instrumentos de proteção social do Estado brasileiro, garantindo um salário mínimo mensal para aqueles que, em razão de uma deficiência severa como a esquizofrenia, não possuem meios de prover a própria subsistência nem de tê-la provida por sua família.
Este artigo completo foi elaborado para servir como um guia definitivo sobre o acesso ao BPC/LOAS para pessoas com esquizofrenia. Abordaremos em profundidade o que é a esquizofrenia e seu caráter incapacitante, dissecaremos os requisitos legais do benefício, detalharemos como funcionam as perícias do INSS, explicaremos o passo a passo da solicitação e destacaremos a importância do suporte jurídico especializado para garantir o seu direito.
Compreendendo a Esquizofrenia e sua Natureza Incapacitante
A esquizofrenia é um transtorno mental crônico, grave e complexo, classificado no CID-10 sob o código F20. Ela afeta profundamente a capacidade de uma pessoa de pensar, sentir e se comportar com clareza. Ao contrário do que o senso comum pode sugerir, a esquizofrenia não é uma “dupla personalidade”, mas sim uma psicose que provoca uma desconexão com a realidade. A natureza da esquizofrenia é intrinsecamente incapacitante, impactando todas as esferas da vida do indivíduo, incluindo a social, a pessoal e, de forma contundente, a laboral.
Os sintomas da esquizofrenia são geralmente divididos em três categorias:
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Sintomas Positivos: São aqueles que adicionam ou distorcem as funções normais. Incluem:
- Delírios: Crenças falsas e irredutíveis que não se baseiam na realidade. O indivíduo pode acreditar que está sendo perseguido (delírios persecutórios), que é uma figura de extrema importância (delírios de grandeza) ou que seus pensamentos estão sendo controlados por forças externas.
- Alucinações: Percepções sensoriais na ausência de um estímulo real. As mais comuns são as alucinações auditivas (ouvir vozes que ninguém mais ouve), mas também podem ser visuais, táteis, olfativas ou gustativas.
- Pensamento e Discurso Desorganizados: A pessoa pode ter dificuldade em organizar suas ideias, saltando de um assunto para outro sem conexão lógica (fuga de ideias) ou criando palavras novas (neologismos). O discurso pode se tornar incompreensível.
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Sintomas Negativos: Representam a diminuição ou a perda de capacidades normais. São frequentemente confundidos com preguiça ou depressão, mas são parte integrante da doença. Incluem:
- Apatia e Abulia: Uma severa falta de iniciativa, motivação e interesse em participar de atividades, incluindo o trabalho, o lazer e o autocuidado.
- Embotamento Afetivo: Redução da expressão emocional. O rosto pode parecer inexpressivo, o tom de voz monótono, e há uma dificuldade em demonstrar alegria ou tristeza.
- Isolamento Social: Tendência a se afastar de amigos, familiares e do convívio social em geral.
- Alogia: Pobreza do discurso, com respostas curtas e vazias de conteúdo.
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Sintomas Cognitivos: Afetam as funções executivas do cérebro, prejudicando a capacidade de:
- Manter o foco e a atenção.
- Processar informações e tomar decisões.
- Utilizar a memória de trabalho (memória de curto prazo).
É a combinação destes três grupos de sintomas que torna a esquizofrenia uma das condições mais incapacitantes. Manter um emprego se torna uma tarefa hercúlea. Os delírios e alucinações podem gerar desconfiança e conflitos com colegas e gestores. A desorganização do pensamento impede a execução de tarefas que exigem lógica e planejamento. Os sintomas negativos minam a energia e a motivação para sequer comparecer ao trabalho, enquanto os déficits cognitivos comprometem a produtividade e a aprendizagem de novas funções. Portanto, a esquizofrenia gera um impedimento de longo prazo de natureza mental que, em interação com as barreiras do mundo do trabalho, obstrui a participação plena e efetiva da pessoa em igualdade de condições com as demais. É exatamente essa a definição de deficiência para fins de acesso ao BPC/LOAS.
O Que é o Benefício de Prestação Continuada (BPC/LOAS)?
O Benefício de Prestação Continuada (BPC) está previsto na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), Lei nº 8.742/1993. É importante frisar que o BPC não é uma aposentadoria. Trata-se de um benefício da política de Assistência Social, o que acarreta algumas diferenças fundamentais:
- Não exige contribuição ao INSS: Para ter direito ao BPC, a pessoa não precisa ter feito nenhuma contribuição previdenciária ao longo da vida. Seu objetivo é amparar quem está à margem do sistema previdenciário.
- Não paga 13º salário: Por ser um benefício assistencial e não previdenciário, não há o pagamento de gratificação natalina.
- Não deixa pensão por morte: Em caso de falecimento do beneficiário, o BPC é cessado e não gera direito à pensão para os dependentes.
- É individual e intransferível: O benefício é concedido à pessoa com deficiência ou ao idoso, não podendo ser transferido para outra pessoa.
O BPC garante o pagamento de um salário mínimo mensal ao beneficiário. Para a pessoa com esquizofrenia, o benefício representa a possibilidade de ter uma fonte de renda para custear suas necessidades básicas, como alimentação, moradia e, fundamentalmente, dar continuidade ao seu tratamento, comprando medicamentos e tendo acesso a terapias que são cruciais para a estabilização do quadro e para uma melhor qualidade de vida.
Os Dois Requisitos Essenciais para o BPC/LOAS em Casos de Esquizofrenia
Para que uma pessoa com esquizofrenia tenha seu pedido de BPC/LOAS aprovado, ela precisa comprovar, de forma cumulativa, dois requisitos indispensáveis: o requisito da deficiência e o requisito da vulnerabilidade socioeconômica.
1. Comprovação da Deficiência de Longo Prazo
Conforme a Lei, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
- Impedimento de Longo Prazo: No caso da esquizofrenia, o caráter crônico da doença já cumpre, na maioria das vezes, o requisito do “longo prazo”, que a lei define como aquele que produz efeitos por, no mínimo, 2 anos. O laudo médico deve atestar a cronicidade da condição.
- Natureza Mental: A esquizofrenia é a definição clássica de um impedimento de natureza mental.
- Interação com Barreiras: A perícia médica e social do INSS irá avaliar como os sintomas da esquizofrenia (delírios, alucinações, apatia, déficits cognitivos) interagem com as barreiras do cotidiano, especialmente as barreiras para o trabalho e para a vida independente. É preciso demonstrar que a doença efetivamente impede a pessoa de estudar, trabalhar e manter relações sociais de forma autônoma.
Um laudo psiquiátrico detalhado é a peça mais importante para comprovar este requisito. O laudo ideal deve conter:
- Identificação completa do paciente.
- O diagnóstico de Esquizofrenia com o respectivo código CID (F20).
- Um histórico detalhado da doença: data de início dos sintomas, tratamentos já realizados, internações psiquiátricas, medicamentos em uso (com dosagens) e a resposta a eles.
- A descrição pormenorizada dos sintomas atuais, explicando como eles afetam a funcionalidade do paciente no dia a dia. Por exemplo: “Paciente apresenta delírios persecutórios que o impedem de sair de casa desacompanhado, e embotamento afetivo severo que resulta em total incapacidade para o autocuidado”.
- A conclusão do médico atestando a existência de um impedimento de longo prazo de natureza mental que gera incapacidade para o trabalho e para a vida independente.
2. Comprovação da Vulnerabilidade Socioeconômica (Critério da Renda)
Este é o segundo pilar para a concessão do BPC. Não basta ser pessoa com deficiência; é preciso que a família não tenha condições de prover o sustento do requerente.
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Critério Objetivo: A lei estabelece um critério objetivo de renda: a renda por pessoa (per capita) do grupo familiar deve ser igual ou inferior a 1/4 do salário mínimo vigente.
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Cálculo do Grupo Familiar: O grupo familiar, para fins de BPC, é composto pelo requerente, seu cônjuge ou companheiro, seus pais (ou madrasta/padrasto), seus irmãos solteiros, seus filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. Pessoas como avós, tios ou primos, mesmo que morem na mesma casa, não entram nesse cálculo.
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Cálculo da Renda: Soma-se a renda bruta de todos os membros do grupo familiar e divide-se pelo número de pessoas que o compõem. Por exemplo: em uma casa com 4 pessoas (o requerente com esquizofrenia, sua mãe que recebe um salário mínimo, e dois irmãos menores sem renda), a renda total é de um salário mínimo. Dividido por 4, a renda per capita é de 1/4 do salário mínimo, atendendo ao critério.
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Flexibilização pelo Judiciário (Tema 187 da TNU): É crucial saber que, mesmo que a renda familiar ultrapasse um pouco o limite de 1/4 do salário mínimo, o benefício ainda pode ser concedido. O Supremo Tribunal Federal (STF) e a Turma Nacional de Uniformização (TNU) já consolidaram o entendimento de que o critério de renda não é absoluto. Se a família comprovar que, apesar de a renda ser um pouco maior, existem gastos extraordinários e contínuos com a saúde do requerente (medicamentos não fornecidos pelo SUS, terapias, fraldas, alimentação especial, etc.), o juiz pode reconhecer a condição de vulnerabilidade e conceder o benefício. Essa comprovação de gastos é fundamental em processos judiciais.
As Perícias do INSS: A Avaliação Médica e Social
Após o requerimento do BPC, o solicitante com esquizofrenia será convocado para duas avaliações periciais no INSS, que são realizadas no mesmo dia:
A Perícia Médica
Realizada por um médico perito do INSS, esta avaliação tem como objetivo principal confirmar a existência do impedimento de longo prazo de natureza mental. O perito irá:
- Analisar toda a documentação médica apresentada (laudos, receitas, relatórios de internação).
- Entrevistar o requerente e, se presente, seu acompanhante. É muito importante que o requerente seja acompanhado por um familiar que conheça bem a rotina e as dificuldades causadas pela doença.
- Avaliar o estado mental do requerente no momento da perícia, observando seu comportamento, discurso, afeto e coerência.
- Preencher um formulário padrão para avaliar o grau do impedimento, considerando as funções mentais, a interação social, o autocuidado e a capacidade de aprendizado.
É fundamental ser honesto e descrever a realidade sem exageros, mas também sem minimizar os sintomas. O familiar acompanhante pode complementar as informações, relatando episódios e dificuldades que o próprio requerente, devido à doença, pode não conseguir expressar.
A Avaliação Social
Conduzida por um assistente social do INSS, esta perícia visa analisar o contexto social, econômico e familiar do requerente e como a deficiência impacta sua vida em sociedade. O assistente social irá:
- Analisar a composição do grupo familiar e a renda declarada no Cadastro Único (CadÚnico).
- Investigar as condições de moradia, a dinâmica familiar e a rede de apoio existente.
- Avaliar os gastos da família, incluindo os custos relacionados à saúde do requerente.
- Aplicar um formulário para identificar e graduar as barreiras sociais, econômicas e arquitetônicas que o requerente enfrenta.
A avaliação social é a oportunidade de demonstrar na prática a situação de vulnerabilidade e como a esquizofrenia impõe barreiras que vão além da questão médica. A soma das pontuações da avaliação médica e da avaliação social determinará se o INSS considera o requerente como pessoa com deficiência para os fins do BPC.
O Processo de Solicitação do BPC/LOAS Passo a Passo
- Inscrição no Cadastro Único (CadÚnico): Este é o primeiro e obrigatório passo. O requerente e sua família devem estar inscritos e com o CadÚnico atualizado (há menos de 2 anos) no Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) do seu município. Sem o CadÚnico, o pedido no INSS não pode ser iniciado.
- Reunir a Documentação Médica: Compile todos os laudos, atestados, receitas, relatórios de psicólogos e prontuários de internações que comprovem o diagnóstico e a gravidade da esquizofrenia.
- Fazer o Requerimento no INSS: A solicitação é feita através do portal ou aplicativo “Meu INSS” ou pelo telefone 135. No “Meu INSS”, procure por “Novo Pedido” e depois por “Benefício Assistencial à Pessoa com Deficiência”.
- Aguardar o Agendamento das Perícias: Após o requerimento, o INSS convocará o requerente para a realização das perícias médica e social. A convocação chega pelo próprio aplicativo, por e-mail, SMS ou carta.
- Comparecer às Perícias: No dia e hora marcados, o requerente deve ir à agência do INSS designada, levando todos os documentos médicos originais e um documento de identificação com foto. É altamente recomendável que vá acompanhado.
- Acompanhar o Resultado: O resultado do pedido pode ser acompanhado pelo Meu INSS. Em caso de concessão (deferimento), o benefício começará a ser pago. Em caso de negação (indeferimento), o INSS informará o motivo.
A Importância do Suporte Jurídico Especializado
O caminho para a obtenção do BPC/LOAS pode ser complexo e cheio de obstáculos. O INSS frequentemente nega o benefício, seja por entender que não há incapacidade suficiente, seja por uma análise rígida do critério de renda. É neste ponto que a atuação de um advogado especialista em direito previdenciário se torna crucial.
Um advogado especialista pode:
- Analisar o Caso Previamente: Verificar se todos os requisitos estão preenchidos antes mesmo de iniciar o pedido, evitando negativas por falhas formais.
- Orientar na Produção de Provas: Instruir sobre como obter um laudo médico robusto e quais documentos são essenciais para comprovar a vulnerabilidade.
- Ingressar com Ação Judicial: Em caso de negativa do INSS, o advogado pode levar o caso à Justiça Federal. Na via judicial, a avaliação é mais ampla. O juiz nomeará um perito médico de sua confiança (um psiquiatra, no caso da esquizofrenia) para uma nova avaliação. Além disso, a análise do critério de renda pelo juiz é mais flexível, considerando os gastos com saúde, o que aumenta significativamente as chances de sucesso.
- Acompanhar o Processo: Cuidar de todos os trâmites do processo judicial, desde a petição inicial até o recebimento dos valores retroativos (os valores devidos desde a data do pedido no INSS).
Perguntas e Respostas Frequentes
1. Quem tem esquizofrenia pode se aposentar por invalidez? Sim, mas são benefícios diferentes. A aposentadoria por invalidez (hoje chamada Aposentadoria por Incapacidade Permanente) é um benefício previdenciário, que exige que a pessoa tenha contribuído para o INSS (qualidade de segurado e carência). O BPC/LOAS é assistencial e não exige contribuições, mas sim a comprovação da vulnerabilidade econômica. Uma pessoa com esquizofrenia que já trabalhou e contribuiu para o INSS pode ter direito à aposentadoria. Se nunca contribuiu ou perdeu a qualidade de segurado, o caminho é o BPC/LOAS.
2. O que fazer se o meu Cadastro Único estiver desatualizado? Você deve procurar o CRAS mais próximo da sua residência para atualizar todas as informações do seu grupo familiar antes de fazer o pedido no INSS. Um CadÚnico desatualizado pode levar à negação do benefício.
3. O fato de outra pessoa na minha casa receber BPC/LOAS impede o meu direito? Não. O valor do BPC recebido por um idoso ou outra pessoa com deficiência no mesmo grupo familiar não entra no cálculo da renda per capita para a concessão de um novo BPC.
4. Se eu começar a receber o BPC/LOAS, posso trabalhar com carteira assinada? Sim. A legislação permite que o beneficiário do BPC trabalhe como aprendiz ou ingresse no mercado de trabalho com carteira assinada. Neste caso, o BPC é suspenso. Se a pessoa perder o emprego, ela pode solicitar a reativação do benefício sem precisar passar por todo o processo de perícia novamente, desde que a solicitação seja feita em até 2 anos. Isso serve como um incentivo à inclusão.
5. Meu filho com esquizofrenia é menor de idade. Ele tem direito ao BPC? Sim. O BPC/LOAS para a pessoa com deficiência pode ser concedido em qualquer idade, desde o nascimento, desde que os requisitos da deficiência de longo prazo e da renda familiar sejam preenchidos.
6. O pedido de BPC/LOAS demora muito? O INSS tem um prazo legal para analisar os pedidos. No entanto, atrasos podem ocorrer. Em caso de demora excessiva, um advogado pode ingressar com um Mandado de Segurança na Justiça para obrigar o INSS a analisar o pedido.
Conclusão
A esquizofrenia impõe desafios imensos não apenas ao indivíduo diagnosticado, mas a toda a sua estrutura familiar. O Benefício de Prestação Continuada (BPC/LOAS) surge como uma ferramenta essencial de amparo estatal, proporcionando a dignidade de uma renda mínima para aqueles que, devido à severidade da condição, são alijados do mercado de trabalho e da vida social autônoma.
O direito ao benefício é claro, mas sua obtenção é um processo que exige organização, documentação adequada e uma compreensão precisa das regras. A comprovação da deficiência de longo prazo, por meio de laudos médicos completos, e a demonstração da vulnerabilidade econômica, a partir de um Cadastro Único atualizado e da correta apresentação da composição familiar, são os pilares que sustentam o pedido.
As perícias médica e social do INSS são etapas decisivas, e a preparação para elas é fundamental. Contudo, mesmo com todo o preparo, a negativa administrativa é uma realidade comum. Nesses momentos, é essencial não desistir. A busca pelo suporte de um advogado especializado em direito previdenciário e assistencial pode ser o diferencial para reverter uma decisão injusta na Justiça, garantindo que o direito à proteção social, previsto na Constituição e na LOAS, seja efetivamente concretizado.