Sim, a artrose interapofisária, uma condição degenerativa que afeta as pequenas articulações da coluna vertebral, pode dar direito à aposentadoria. No entanto, é fundamental compreender que o benefício do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) não é concedido apenas pelo diagnóstico da doença, mas sim pela incapacidade que ela gera no trabalhador. A questão central que o INSS e a Justiça analisam não é “você tem artrose?”, mas sim “a sua artrose, com toda a dor, rigidez e limitação de movimentos que ela causa, o impede de forma total e permanente de exercer seu trabalho e qualquer outra atividade que lhe garanta o sustento?”.
Muitos trabalhadores que sofrem com as dores crônicas e as limitações severas impostas pela artrose interapofisária se sentem perdidos, sem saber quais são seus direitos e como buscá-los. A dor que irradia, a dificuldade para se levantar, sentar ou carregar pesos transforma a rotina de trabalho em um verdadeiro calvário. A boa notícia é que a legislação previdenciária brasileira oferece amparo para esses casos, seja através de um afastamento temporário (auxílio por incapacidade temporária) ou, nos casos mais graves e irreversíveis, da aposentadoria por incapacidade permanente (antiga aposentadoria por invalidez).
Este guia jurídico completo foi elaborado para ser o seu mapa, detalhando cada passo do caminho para garantir seus direitos. Abordaremos o que é a artrose interapofisária e como ela pode ser incapacitante, a diferença crucial entre ter a doença e estar legalmente incapaz, os benefícios disponíveis, os requisitos do INSS, a importância vital de um laudo médico bem-feito e como se preparar para a decisiva perícia médica.
O Que é a Artrose Interapofisária e Como Ela Afeta a Capacidade de Trabalho?
A artrose interapofisária, também conhecida como artropatia facetária ou síndrome facetária, é o desgaste da cartilagem das articulações interapofisárias. Essas pequenas articulações, localizadas na parte de trás das vértebras, são essenciais para a estabilidade da coluna e para permitir movimentos de flexão, extensão e rotação. Pense nelas como as dobradiças da sua coluna.
Com o envelhecimento, sobrecarga ou lesões, a cartilagem que reveste essas articulações se desgasta. Os ossos começam a ter atrito entre si, causando um processo inflamatório que resulta em dor e na formação de osteófitos, os populares “bicos de papagaio”. Esta condição pode afetar qualquer parte da coluna, sendo mais comum na região lombar (inferior das costas) e cervical (pescoço).
Os sintomas variam em intensidade, mas geralmente incluem:
- Dor crônica na coluna: Uma dor persistente na região afetada, que piora com o movimento, ao ficar muito tempo em pé ou sentado.
- Rigidez: Dificuldade para movimentar a coluna, especialmente pela manhã ou após períodos de inatividade.
- Limitação da mobilidade: Perda da amplitude de movimento, tornando difícil ou doloroso se curvar, torcer o tronco ou levantar a cabeça.
- Dor irradiada: Quando os bicos de papagaio ou a inflamação comprimem as raízes nervosas que saem da coluna, a dor pode irradiar para outras partes do corpo. Na coluna lombar, pode causar dor ciática, que desce pelas nádegas e pernas. Na coluna cervical, a dor pode irradiar para os ombros, braços e mãos.
- Espasmos musculares: A musculatura ao redor da coluna pode se contrair de forma involuntária como uma resposta de proteção à dor.
O impacto desses sintomas na capacidade de trabalho é direto e devastador, especialmente para certas profissões. Um trabalhador da construção civil que precisa carregar peso e se curvar constantemente, um motorista que passa horas sentado em uma posição fixa, uma faxineira que realiza movimentos repetitivos de flexão, ou um dentista que trabalha em posições forçadas, todos podem ter suas atividades profissionais inviabilizadas pela dor e limitação impostas pela artrose interapofisária. É essa inviabilidade funcional que fundamenta o pedido de um benefício ao INSS.
O Ponto Crucial: A Diferença Legal Entre Ter a Doença e Estar Incapacitado para o Trabalho
Este é o conceito mais importante que você precisa entender e a principal razão pela qual muitos pedidos de aposentadoria são negados. O INSS não concede benefícios com base em diagnósticos ou nomes de doenças. O sistema previdenciário brasileiro se baseia na comprovação da incapacidade laboral.
Ter um laudo com o diagnóstico de “Artrose Interapofisária” (CID M19) é o primeiro passo, mas é insuficiente por si só. A análise do perito do INSS buscará responder a perguntas como:
- Qual a sua profissão? A incapacidade é sempre analisada em relação ao trabalho que a pessoa exerce. Uma artrose lombar pode ser totalmente incapacitante para um estoquista, mas talvez não para um trabalhador de escritório que exerce suas funções sentado e com ergonomia adequada.
- Qual o grau de limitação? O perito avaliará o quanto a doença limita seus movimentos e sua capacidade de realizar as tarefas essenciais da sua função. Você ainda consegue ficar em pé por quanto tempo? Consegue levantar qual peso? Consegue realizar os movimentos que seu trabalho exige?
- A incapacidade é temporária ou permanente? O tratamento (fisioterapia, medicação, fortalecimento) pode recuperar sua capacidade de trabalho? Se sim, a incapacidade é temporária, dando direito ao auxílio-doença. Se não houver mais possibilidade de melhora ou de recuperação, a incapacidade pode ser considerada permanente.
- Existe possibilidade de reabilitação profissional? Se você está incapacitado para sua profissão atual, mas o INSS entende que você pode ser treinado e realocado para outra função compatível com suas limitações, a aposentadoria por invalidez pode ser negada, e você será encaminhado para um programa de reabilitação. A aposentadoria por incapacidade permanente só é concedida quando se conclui que o segurado não pode trabalhar em sua função nem em nenhuma outra.
Portanto, todo o seu esforço probatório deve ser direcionado não apenas a mostrar que você tem a doença, mas a demonstrar, de forma clara e convincente, como os sintomas dessa doença anulam sua capacidade de trabalhar e prover seu sustento.
Quais Benefícios do INSS Podem Ser Solicitados por Quem Sofre de Artrose na Coluna?
Dependendo da gravidade e da duração da incapacidade causada pela artrose interapofisária, o trabalhador segurado pelo INSS pode ter direito a dois benefícios principais:
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Auxílio por Incapacidade Temporária (antigo Auxílio-Doença): É o benefício destinado ao segurado que fica temporariamente incapaz de exercer sua atividade profissional por mais de 15 dias consecutivos. É o caso mais comum para crises agudas de dor, pós-operatórios ou durante um período intensivo de fisioterapia. O INSS pagará o benefício enquanto a incapacidade durar, e o segurado será submetido a perícias periódicas para avaliar se já pode retornar ao trabalho.
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Aposentadoria por Incapacidade Permanente (antiga Aposentadoria por Invalidez): Este é o benefício concedido quando a perícia médica do INSS constata que a incapacidade para o trabalho é total e permanente, ou seja, o segurado não tem condições de exercer sua profissão habitual nem pode ser reabilitado para qualquer outra atividade laboral. É uma situação mais rara e exige uma comprovação muito mais robusta da gravidade e irreversibilidade da condição. Geralmente, é concedida para casos de artrose em estágios muito avançados, com dor refratária, limitações severas e falha de todos os tratamentos conservadores e, por vezes, cirúrgicos.
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Benefício de Prestação Continuada (BPC/LOAS): Para as pessoas que sofrem com as formas mais graves de artrose, que geram uma deficiência de longo prazo, mas que nunca contribuíram para o INSS ou não têm a qualidade de segurado, existe o BPC/LOAS. Este é um benefício assistencial (não uma aposentadoria) que exige a comprovação da deficiência que impede a participação plena na sociedade e da condição de vulnerabilidade socioeconômica da família.
Os Requisitos Essenciais para a Concessão de Benefícios pelo INSS
Para ter direito ao auxílio por incapacidade temporária ou à aposentadoria por incapacidade permanente, além de comprovar a incapacidade, o trabalhador precisa preencher outros requisitos administrativos:
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Qualidade de Segurado: O requerente deve ser um segurado do INSS na data em que a incapacidade começou. Isso significa estar com as contribuições em dia (como empregado, autônomo, facultativo, etc.). A lei prevê o “período de graça”, que permite que a pessoa mantenha a qualidade de segurado por um tempo (geralmente 12 meses, mas pode chegar a 36 meses) mesmo após parar de contribuir.
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Carência Mínima: A carência é o número mínimo de contribuições mensais que o trabalhador precisa ter para ter direito ao benefício. Para os benefícios por incapacidade, a regra geral é de 12 contribuições mensais. No entanto, a carência é dispensada em casos de acidente de qualquer natureza, doença profissional ou do trabalho. Este ponto é muito importante e será detalhado mais à frente.
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Comprovação da Incapacidade Laboral: Como já vimos, este é o requisito central, que deve ser atestado pela perícia médica do INSS.
A Prova Rainha: A Importância do Laudo Médico e dos Exames de Imagem
A sua batalha para comprovar a incapacidade começa muito antes da perícia do INSS. Começa na construção de um histórico médico sólido e bem documentado. O perito do INSS tem apenas alguns minutos para avaliar seu caso, e ele dependerá fundamentalmente dos documentos que você apresentar.
O documento mais importante é o laudo médico detalhado do seu ortopedista ou reumatologista. Um laudo eficaz não é um simples atestado; ele precisa ser uma declaração técnica completa que “pinte o quadro” da sua incapacidade para o perito. Ele deve conter:
- Identificação completa: Sua e do médico (com CRM).
- Diagnóstico claro: Artrose Interapofisária, com o código da Classificação Internacional de Doenças (CID M19 ou um mais específico, se aplicável).
- Descrição detalhada dos sintomas: Dor, rigidez, irradiação, formigamento, etc.
- Descrição das limitações funcionais: Esta é a parte mais crítica. O médico deve explicar o que você não pode mais fazer. Por exemplo: “O paciente, devido à artrose lombar, apresenta incapacidade para realizar atividades que exijam ortostatismo (permanecer em pé) prolongado por mais de 20 minutos, levantar cargas superiores a 5 kg ou realizar movimentos de flexo-extensão da coluna, sendo estas atividades inerentes à sua função de pedreiro”.
- Tratamentos realizados: Listar medicamentos, fisioterapias, infiltrações. Isso mostra que você buscou tratamento e a condição persiste.
- Resultados de Exames: Mencionar os achados em exames de imagem.
- Prognóstico: O médico deve indicar se a incapacidade é temporária ou permanente.
Além do laudo, os exames de imagem são provas objetivas fundamentais. Radiografias, tomografias computadorizadas e, principalmente, ressonâncias magnéticas da coluna são essenciais para mostrar o nível de desgaste das articulações, a presença de bicos de papagaio e a eventual compressão de nervos. Leve sempre os laudos dos exames e, se possível, as próprias imagens.
A Perícia Médica do INSS: Como se Preparar para o Momento Decisivo
A perícia médica é o momento em que um médico do INSS irá avaliar se você está, de fato, incapaz para o trabalho. É uma etapa que gera muita ansiedade, mas com preparo, você pode aumentar suas chances de sucesso.
- Seja Pontual e Organizado: Chegue com antecedência e leve todos os seus documentos médicos organizados em uma pasta, em ordem cronológica.
- Leve Documentos Originais e Atuais: Dê preferência a laudos e exames emitidos nos últimos 3 a 6 meses.
- Seja Honesto e Objetivo: Responda às perguntas do perito de forma clara e direta. Não exagere os sintomas, mas também não os minimize por vergonha. Foque em como a dor e a limitação afetam seu trabalho e seu dia a dia.
- Descreva suas Atividades de Trabalho: Explique em detalhes o que você fazia na sua profissão. Descreva os movimentos, o peso que carregava, as posições em que ficava. Isso ajuda o perito a entender a incompatibilidade entre sua condição e sua função.
- Comporte-se de Acordo com suas Limitações: Se você alega ter dor intensa ao sentar, demonstre esse desconforto de forma natural. O perito observa seu comportamento desde o momento em que você entra na sala.
Artrose Interapofisária como Doença Ocupacional: Direitos Adicionais
Este é um ponto que pode mudar completamente o seu caso. Se ficar comprovado que a sua artrose foi causada ou agravada pelas condições do seu trabalho (atividades de impacto, levantamento de peso, movimentos repetitivos, má postura exigida pela função), ela pode ser caracterizada como uma doença ocupacional, que se equipara a um acidente de trabalho para fins previdenciários.
Para isso, é preciso emitir a Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT). A caracterização como doença ocupacional traz vantagens significativas:
- Dispensa da Carência: Você não precisará comprovar os 12 meses de contribuição para ter direito ao benefício.
- Estabilidade no Emprego: Ao retornar do afastamento pelo INSS, você terá direito a 12 meses de estabilidade no emprego.
- Recolhimento do FGTS: O empregador é obrigado a continuar depositando o FGTS durante o período de afastamento.
- Possibilidade de Ação Indenizatória: Abre a porta para uma ação na Justiça do Trabalho contra a empresa, buscando indenizações por danos morais, materiais e estéticos.
O Papel do Advogado Especialista em Direito Previdenciário
Navegar pelas regras do INSS pode ser um desafio enorme, especialmente para quem já está fragilizado por uma condição de saúde dolorosa. Um advogado especialista em direito previdenciário pode ser seu maior aliado. Ele irá:
- Analisar seu caso: Verificar se você preenche todos os requisitos.
- Orientar na produção de provas: Aconselhar sobre como obter um laudo médico que seja realmente eficaz para o INSS.
- Acompanhar o processo administrativo: Garantir que tudo seja feito da forma correta.
- Atuar em caso de negativa: Se o INSS negar seu pedido, o advogado pode recorrer ou, o que é mais efetivo, ingressar com uma ação judicial. Na Justiça, o juiz nomeará um perito de sua confiança para uma nova avaliação, imparcial, o que aumenta muito as chances de reverter a decisão.
Perguntas e Respostas Frequentes
1. Tenho artrose interapofisária, mas continuo trabalhando com muita dor. Tenho algum direito? Sim. Se você está trabalhando “no sacrifício”, é provável que já tenha direito a um benefício. O ideal é procurar um médico para obter um laudo que ateste sua incapacidade e, com ele, dar entrada no pedido de auxílio por incapacidade temporária no INSS. Não espere a situação se agravar ao extremo.
2. A cirurgia de coluna garante a aposentadoria por invalidez? Não necessariamente. A cirurgia é um tratamento. O direito ao benefício dependerá do resultado da cirurgia. Se, mesmo após o procedimento, você permanecer com sequelas que o incapacitem de forma total e permanente para o trabalho, a aposentadoria pode ser concedida. Durante o período de recuperação, você terá direito ao auxílio por incapacidade temporária.
3. O INSS negou meu pedido. O que eu faço? Você tem 30 dias para entrar com um recurso no próprio INSS ou pode ingressar diretamente com uma ação na Justiça. A via judicial costuma ser mais vantajosa, pois sua condição será reavaliada por um perito médico independente. Procurar um advogado especialista neste momento é a decisão mais recomendada.
4. Aposentadoria por incapacidade permanente é para sempre? Não necessariamente. O INSS pode convocar o aposentado para perícias de revisão, o chamado “pente-fino”, para verificar se a incapacidade ainda persiste. Existem regras que isentam alguns segurados dessa revisão, como os maiores de 60 anos.
5. Posso pedir demissão e depois solicitar o benefício? Não é recomendado. Ao pedir demissão, você perde a qualidade de segurado após o término do “período de graça”. O ideal é, estando empregado, fazer o requerimento no INSS. Se o benefício for concedido, seu contrato de trabalho fica suspenso, e você não perde o vínculo empregatício.
Conclusão
A artrose interapofisária é muito mais do que um diagnóstico em um exame de imagem; é uma condição que pode minar a qualidade de vida e a capacidade de trabalho de um indivíduo. A legislação previdenciária existe para amparar justamente essas situações, mas o caminho para o benefício exige mais do que apenas sentir dor: exige prova.
O sucesso do seu pedido de auxílio ou aposentadoria no INSS repousa sobre a capacidade de demonstrar, de forma inequívoca, a sua incapacidade laboral. Isso é feito através de uma documentação médica robusta, com laudos detalhados que foquem nas suas limitações funcionais, e uma apresentação clara e honesta da sua realidade na perícia médica.
Não subestime a complexidade do processo. Conhecer seus direitos, organizar suas provas e, quando necessário, buscar o auxílio de um profissional do direito são os passos que podem transformar uma jornada de dor e incerteza na conquista de um benefício justo e merecido. Lembre-se: seu direito não é sobre a doença que você tem, mas sobre o impacto que ela tem na sua vida e no seu trabalho.