Sim, mesmo que você ganhe um processo na primeira instância, ainda é possível perder na segunda instância. O sistema judiciário brasileiro é organizado em diferentes graus de jurisdição, o que significa que a decisão de um juiz de primeira instância pode ser revista e alterada por um tribunal de segunda instância, caso a parte perdedora apresente um recurso. Esse recurso, chamado de apelação (no processo civil e criminal) ou recurso inominado (nos Juizados Especiais), permite que a matéria seja reexaminada por um colegiado de desembargadores ou juízes, que podem ter um entendimento diferente sobre os fatos ou o direito aplicável ao caso.
O Sistema Judiciário Brasileiro em Graus de Jurisdição
Para entender por que uma vitória na primeira instância não é definitiva, é essencial compreender como o sistema judiciário brasileiro está estruturado em diferentes níveis, ou “graus de jurisdição”. Essa organização visa garantir que as decisões judiciais sejam justas e revisadas, caso haja erros de fato ou de direito.
Primeira Instância (Primeiro Grau):
A primeira instância é onde o processo judicial se inicia e é julgado inicialmente. Aqui, a análise do caso é feita por um juiz singular (apenas um juiz).
- Onde Atua: A primeira instância é composta por varas judiciais, que podem ser cíveis, criminais, de família, da fazenda pública, do trabalho, Juizados Especiais Cíveis e Criminais, entre outras. Cada vara tem um juiz titular.
- Papel do Juiz: O juiz de primeira instância é responsável por conduzir o processo, coletar provas (ouvir testemunhas, analisar documentos, determinar perícias), interpretar as leis aplicáveis ao caso e, finalmente, proferir uma sentença. A sentença é a decisão final do juiz na primeira instância, resolvendo o conflito.
- Natureza da Decisão: A sentença é a primeira manifestação do Poder Judiciário sobre o mérito da causa. Se uma das partes não concordar com essa sentença, ela tem o direito de recorrer para uma instância superior.
- Exemplo: Um processo de indenização por acidente de trânsito é iniciado em uma Vara Cível. O juiz daquela vara analisa todas as provas e, ao final, decide que a parte ré deve pagar uma indenização ao autor. Essa é a sentença de primeira instância.
Segunda Instância (Segundo Grau):
A segunda instância é responsável por rever as decisões da primeira instância quando uma das partes apresenta um recurso. Aqui, a análise do caso é feita por um órgão colegiado, ou seja, um grupo de juízes (geralmente três, chamados desembargadores ou, nos Juizados, juízes de turmas recursais).
- Onde Atua: A segunda instância é composta pelos Tribunais de Justiça (TJs) nos estados e no Distrito Federal, pelos Tribunais Regionais Federais (TRFs) para causas federais, e pelos Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) para causas trabalhistas. Nos Juizados Especiais, as decisões são revistas pelas Turmas Recursais.
- Papel dos Desembargadores: Os desembargadores analisam o recurso, que é um pedido para que a decisão de primeira instância seja revista. Eles podem reavaliar os fatos, a aplicação das leis e a interpretação do direito feita pelo juiz de primeira instância.
- Natureza da Decisão: A decisão proferida pelos desembargadores é chamada de acórdão. O acórdão pode:
- Manter a sentença (negar provimento ao recurso): Concordar com a decisão da primeira instância.
- Reformar a sentença (dar provimento ao recurso): Mudar total ou parcialmente a decisão da primeira instância. Isso significa que a parte que ganhou na primeira instância pode perder na segunda, e vice-versa.
- Anular a sentença: Se houver um erro processual grave que impeça o julgamento do mérito, o tribunal pode anular a sentença e determinar que o processo volte para a primeira instância para ser corrigido.
- Exemplo: A parte ré, inconformada com a condenação na primeira instância (exemplo anterior), apresenta um recurso de apelação ao Tribunal de Justiça. Três desembargadores analisam o caso e, após votação, decidem que a parte ré não tinha culpa no acidente, reformando a sentença e absolvendo-a do pagamento da indenização. Essa é a decisão de segunda instância (acórdão).
Instâncias Superiores (Terceiro Grau e Superiores):
Acima da segunda instância, existem as instâncias superiores, como o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Supremo Tribunal Federal (STF). Esses tribunais não reavaliam fatos (geralmente), mas focam na aplicação uniforme da lei federal (STJ) e na guarda da Constituição Federal (STF). Suas decisões são para garantir que as leis sejam interpretadas de forma correta e igual em todo o país.
A existência de múltiplos graus de jurisdição é uma garantia para as partes de que seus casos serão revisados por diferentes perspectivas e com maior rigor, caso haja discordância com a primeira decisão. É a materialização do direito ao “duplo grau de jurisdição”.
Por Que se Pode Perder na Segunda Instância Após Ganhar na Primeira
Ganhar um processo na primeira instância é, sem dúvida, uma vitória importante, mas não é o fim do jogo. A possibilidade de perder na segunda instância existe e é um cenário real no sistema judiciário brasileiro. Isso acontece por diversas razões:
-
Revisão do Entendimento de Fato e de Direito:
- O juiz de primeira instância, por ser apenas um, pode ter tido uma interpretação dos fatos ou da aplicação do direito que os desembargadores (colegiado de 3 ou mais) no tribunal de segunda instância não compartilham. O acórdão é resultado do voto de vários juízes, o que pode trazer uma perspectiva diferente.
- Exemplo: Em um caso de erro médico, o juiz de primeira instância pode ter dado mais peso a um depoimento de testemunha leiga. Na segunda instância, os desembargadores podem considerar que a prova pericial (laudo de um especialista) é mais relevante e que ela contraria o depoimento, levando à reforma da sentença.
-
Análise de Novas Provas ou Reavaliação das Provas Existentes:
- Embora a fase de produção de provas seja principalmente na primeira instância, no recurso de apelação, o tribunal de segunda instância pode reavaliar as provas que já foram produzidas. Eles podem dar um peso diferente a um documento, a um depoimento, ou a um laudo pericial do que o juiz de primeira instância deu.
- Exemplo: O juiz de primeira instância considerou uma prova documental como fundamental. Na segunda instância, os desembargadores podem decidir que aquela prova não tem validade legal ou não é tão relevante para o caso, mudando o resultado.
-
Argumentos Jurídicos Mais Robustos no Recurso:
- A parte que perdeu na primeira instância tem a oportunidade de, no recurso, apresentar argumentos jurídicos mais elaborados, com base em jurisprudência (decisões de outros tribunais) ou doutrina (estudos de juristas) que não foram explorados a fundo na primeira instância. O recurso é a chance de “aprimorar” a estratégia jurídica.
- Exemplo: O advogado da parte perdedora na primeira instância pode encontrar um precedente (uma decisão anterior) de um tribunal superior que seja muito semelhante ao caso e que tenha decidido de forma diferente, usando isso como base para convencer os desembargadores.
-
Erro de Julgamento na Primeira Instância:
- Juízes são humanos e podem cometer erros de julgamento, seja na interpretação de uma lei, na valoração de uma prova ou na aplicação de uma jurisprudência. A segunda instância existe justamente para corrigir esses possíveis erros.
- Exemplo: Um juiz de primeira instância pode ter aplicado uma lei de forma desatualizada, sem considerar uma alteração recente ou uma nova interpretação consolidada pelos tribunais superiores. Os desembargadores na segunda instância corrigirão esse erro.
-
Reexame Necessário (ou Remessa Oficial):
- Em alguns casos envolvendo a Fazenda Pública (Estado, União, Municípios) como parte perdedora, a sentença de primeira instância que é desfavorável ao ente público deve ser obrigatoriamente reexaminada pela segunda instância, mesmo que não haja recurso da Fazenda. Isso é uma garantia para o patrimônio público.
- Exemplo: Uma pessoa processa o Estado e ganha na primeira instância. Mesmo que o Estado não apele, o processo sobe para a segunda instância para reexame necessário, e o tribunal pode, nesse reexame, reverter a decisão.
-
Mudança de Voto entre os Julgadores:
- Na segunda instância, a decisão é colegiada, ou seja, depende do voto da maioria dos desembargadores. O relator do processo pode ter um voto, mas os outros dois podem votar de forma diferente, alterando o resultado.
- Exemplo: O desembargador relator vota para manter a sentença. Mas o segundo e o terceiro desembargadores votam para reformar a sentença, e a decisão final será pela reforma.
A possibilidade de perder na segunda instância é uma característica do sistema de justiça que busca aprimorar a qualidade das decisões judiciais, garantindo que elas passem por um crivo mais rigoroso antes de se tornarem definitivas. Por isso, a atuação do advogado é crucial em todas as instâncias.
O Papel do Recurso de Apelação (e Outros) na Segunda Instância
O recurso é o instrumento processual que permite à parte insatisfeita com a decisão de primeira instância levar o caso para reexame na segunda instância. O mais comum em grande parte dos processos é o recurso de apelação.
Recurso de Apelação (Processo Civil e Criminal):
- Finalidade: A apelação é utilizada para impugnar a sentença proferida pelo juiz de primeira instância, seja ela uma sentença que julga o mérito da causa ou que extingue o processo sem resolução do mérito.
- Prazo: Geralmente, o prazo para interpor a apelação é de 15 (quinze) dias úteis a partir da data em que a sentença é publicada ou da intimação da parte. No caso da Fazenda Pública e do Ministério Público, o prazo é em dobro (30 dias úteis).
- Efeito Devolutivo: A apelação sempre tem efeito devolutivo, o que significa que ela “devolve” a matéria impugnada (aquilo que a parte quer que seja revisto) para a segunda instância. O tribunal, ao julgar a apelação, vai reexaminar os pontos específicos que a parte recorrente apontou como errados na sentença.
- Efeito Suspensivo (Regra e Exceções):
- No processo civil, a regra geral é que a apelação tem efeito suspensivo (Art. 1.012 do Código de Processo Civil – CPC). Isso significa que a sentença de primeira instância não produz seus efeitos imediatos enquanto o recurso de apelação não for julgado. A parte que ganhou na primeira instância não pode, por exemplo, começar a executar a condenação.
- Exceções: Há casos em que a lei retira o efeito suspensivo da apelação (ex: sentenças que confirmam a concessão de tutela provisória, ou que julgam improcedente a ação de alimentos). Nessas situações, a sentença começa a produzir efeitos imediatamente, mesmo antes do julgamento do recurso.
- No processo criminal, a regra é que a apelação não tem efeito suspensivo (Art. 597 do Código de Processo Penal – CPP). Isso significa que, se o réu foi condenado na primeira instância, ele pode já começar a cumprir a pena (se for caso de prisão) mesmo enquanto a apelação está pendente de julgamento.
Outros Recursos na Segunda Instância (Exemplos):
-
Recurso Inominado (Juizados Especiais Cíveis e Criminais):
- Utilizado para impugnar a sentença proferida nos Juizados Especiais (onde não há desembargadores, mas sim um colegiado de juízes de primeira instância chamado Turma Recursal).
- Prazo: 10 (dez) dias úteis.
- Efeito Suspensivo: A regra geral é que o recurso inominado não tem efeito suspensivo, mas pode ser concedido pelo juiz se houver risco de dano irreparável e plausibilidade do direito.
-
Agravo de Instrumento:
- Utilizado para impugnar decisões interlocutórias (decisões tomadas pelo juiz no meio do processo, que não são a sentença final).
- Prazo: 15 (quinze) dias úteis.
- Efeito Suspensivo: Geralmente, não tem efeito suspensivo automático, mas a parte pode pedir ao relator do recurso que o conceda se houver risco de dano grave ou de difícil reparação.
O recurso é o caminho legal para a parte que se sente lesada pela decisão de primeira instância buscar uma revisão e, eventualmente, a mudança do resultado do processo.
O Que é Preciso Para Reverter uma Decisão na Segunda Instância
Reverter uma decisão de primeira instância na segunda instância exige uma estratégia jurídica bem elaborada, baseada em argumentos consistentes e, quando possível, em novas interpretações ou valoração de provas.
1. Argumentação Jurídica Robusta:
- Apontar os Erros da Sentença: O recurso deve, de forma clara e específica, demonstrar onde o juiz de primeira instância errou. Isso pode ser um erro de fato (o juiz interpretou mal uma prova) ou um erro de direito (o juiz aplicou uma lei incorreta, ou interpretou a lei de forma equivocada).
- Base Legal Sólida: O advogado deve fundamentar seus argumentos em artigos de lei, súmulas (orientações dos tribunais superiores), jurisprudência (decisões anteriores de tribunais sobre casos semelhantes) e doutrina (estudos de juristas).
- Novas Teses (se aplicável): Embora o recurso seja contra a sentença, o advogado pode apresentar novas teses jurídicas ou abordagens que não foram suficientemente exploradas na primeira instância, buscando convencer os desembargadores.
- Exemplo: O juiz de primeira instância negou um pedido de indenização porque considerou que não havia prova de dano moral. No recurso, o advogado argumenta que o dano moral é “in re ipsa” (presumido) em casos semelhantes, conforme jurisprudência consolidada, e que o sofrimento é evidente pela natureza do ato.
2. Valoração das Provas:
- Reavaliar as Provas: A segunda instância pode reavaliar as provas que já foram produzidas no processo. O advogado deve demonstrar como o juiz de primeira instância valorou incorretamente uma prova ou ignorou uma prova relevante.
- Contradições: Apontar contradições em depoimentos, laudos ou documentos.
- Requerimento de Nova Perícia (Excepcional): Em casos muito específicos, o tribunal pode determinar a produção de uma nova perícia, se considerar que a anterior foi falha ou insuficiente. Isso não é comum, pois a fase de produção de provas é na primeira instância.
- Exemplo: O juiz de primeira instância deu grande peso a um depoimento de testemunha que se contradizia com um documento. No recurso, o advogado destaca a contradição e pede que o documento prevaleça sobre o depoimento falho.
3. Obediência ao Princípio da Dialeticidade Recursal:
- O recurso não pode ser uma mera repetição do que já foi dito na primeira instância. Ele deve ser “dialético”, ou seja, deve confrontar a decisão recorrida, apontando especificamente os fundamentos da sentença que estão sendo impugnados e os motivos pelos quais eles devem ser reformados.
- A falta de dialeticidade pode levar ao não conhecimento do recurso (o tribunal sequer o analisa).
4. Conhecimento da Jurisprudência do Tribunal:
- Advogados experientes conhecem a linha de pensamento (a jurisprudência) do Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal onde o recurso será julgado. Adaptar a argumentação a esse entendimento pode aumentar as chances de sucesso.
Reverter uma decisão na segunda instância é um desafio que exige não apenas conhecimento jurídico, mas também uma estratégia processual e argumentativa de alto nível.
Prazos e Custos Envolvidos na Segunda Instância
Recorrer para a segunda instância envolve prazos rigorosos e custos processuais que devem ser levados em consideração.
Prazos Processuais:
- Prazo para Recurso: O prazo mais comum para interpor o recurso de apelação é de 15 (quinze) dias úteis, contados a partir da data da publicação da sentença ou da intimação da parte. Para a Fazenda Pública e o Ministério Público, o prazo é em dobro (30 dias úteis).
- Prazo para Contrarrazões: A parte que ganhou na primeira instância e que agora é a recorrida (aquela contra quem o recurso foi apresentado) tem o mesmo prazo do recurso (geralmente 15 dias úteis) para apresentar as contrarrazões, que são os argumentos para que o tribunal mantenha a sentença.
- Prazos de Julgamento: Não há um prazo fixo para o julgamento dos recursos na segunda instância. Pode levar de alguns meses a vários anos, dependendo da complexidade do caso, da pauta do tribunal e da quantidade de recursos pendentes de julgamento. Tribunais mais sobrecarregados demoram mais.
Custos Envolvidos:
-
Custas Recursais (Preparo Recursal):
- Ao interpor o recurso de apelação, a parte recorrente (que está perdendo na primeira instância e quer reverter) deve pagar as custas recursais, também conhecidas como preparo recursal. São taxas cobradas pelo tribunal para processar o recurso.
- O valor das custas recursais varia de estado para estado e é calculado com base no valor da causa. Pode ser um percentual (ex: 4% do valor da causa) ou um valor fixo.
- Consequência da Não Pagamento: A falta ou o pagamento insuficiente do preparo recursal no prazo legal (geralmente junto com o recurso) resulta na deserção do recurso, ou seja, ele não será conhecido pelo tribunal e a sentença de primeira instância se tornará definitiva.
- Exceção: Pessoas que possuem gratuidade de justiça (benefício concedido a quem não tem condições de arcar com as custas sem prejuízo do próprio sustento) estão isentas do pagamento das custas recursais.
-
Honorários Advocatícios:
- A contratação de um advogado é obrigatória para atuar em segunda instância. O valor dos honorários varia de acordo com a complexidade do caso, a experiência do advogado e o tipo de contratação (valor fixo, percentual sobre o êxito ou misto).
- Atenção: Se você ganhou na primeira instância, mas o outro lado recorreu, você também precisará do seu advogado para apresentar as contrarrazões e defender a sentença favorável.
-
Honorários de Sucumbência:
- Ao final do processo, a parte que perde (sucumbe) é condenada a pagar os honorários de sucumbência ao advogado da parte vencedora. O valor é fixado pelo juiz, geralmente entre 10% e 20% do valor da condenação ou do valor da causa.
- Risco: Se você ganhou na primeira instância, mas perder na segunda instância, você pode ser condenado a pagar os honorários de sucumbência ao advogado da parte que ganhou em segunda instância.
-
Despesas Adicionais:
- Com cópias de documentos, autenticações, viagens (se o advogado ou o cliente estiverem em cidade diferente da sede do tribunal), etc.
Os custos da segunda instância podem ser significativos, por isso, é fundamental fazer uma análise de custo-benefício com seu advogado antes de decidir recorrer ou se preparar para defender um recurso.
Cenários Comuns Onde a Decisão Pode Ser Revertida
A reversão de uma decisão de primeira instância na segunda instância é um evento que pode acontecer em diversos tipos de processo, especialmente naqueles em que a prova ou a interpretação do direito não são unânimes.
1. Casos de Indenização (Danos Morais e Materiais):
- Situação: Processos que envolvem pedidos de indenização por danos morais (sofrimento, abalo psicológico), danos materiais (prejuízos financeiros) ou danos estéticos.
- Motivo da Reversão:
- Valoração da Prova: O tribunal pode dar peso diferente às provas (depoimentos de testemunhas, laudos médicos, perícias, documentos) do que o juiz de primeira instância.
- Arbitramento do Dano Moral: O juiz de primeira instância pode ter arbitrado um valor de dano moral muito alto ou muito baixo, e o tribunal o considera desproporcional.
- Exclusão de Responsabilidade: O tribunal pode entender que a culpa não foi da parte condenada, ou que houve culpa concorrente da vítima, ou que existe uma excludente de responsabilidade (caso fortuito, força maior).
- Exemplo: O juiz de primeira instância condena uma empresa a pagar R$ 50.000,00 por dano moral. No recurso, a empresa alega que o valor é excessivo. O tribunal reexamina o caso e reduz o valor para R$ 10.000,00, reformando parcialmente a sentença. Ou, o tribunal pode decidir que não houve dano moral algum.
2. Contratos e Relações de Consumo:
- Situação: Disputas sobre cláusulas contratuais, rescisão de contrato, cobranças indevidas, defeitos em produtos ou serviços.
- Motivo da Reversão:
- Interpretação Contratual: O tribunal pode ter uma interpretação diferente das cláusulas do contrato.
- Aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC): O juiz de primeira instância pode ter aplicado o CDC de forma que o tribunal entenda como equivocada (ex: inversão do ônus da prova).
- Exemplo: Um consumidor ganha na primeira instância um processo contra uma empresa de telefonia por cobrança indevida. A empresa recorre e, na segunda instância, o tribunal entende que a cobrança era devida, reformando a sentença e condenando o consumidor a pagar.
3. Processos Trabalhistas:
- Situação: Reclamações sobre verbas rescisórias, horas extras, justa causa, dano moral trabalhista.
- Motivo da Reversão:
- Análise de Provas: O TRT (Tribunal Regional do Trabalho) pode reavaliar as provas produzidas, como depoimentos de testemunhas ou documentos.
- Aplicação da Legislação Trabalhista: Interpretações diferentes de artigos da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) ou de súmulas.
- Exemplo: Um empregado ganha na primeira instância o direito a horas extras. A empresa recorre e, no TRT, os desembargadores entendem que a prova documental apresentada pela empresa (cartões de ponto) é mais forte que o depoimento da testemunha do empregado, reformando a sentença.
4. Processos Criminais:
- Situação: Acusações de crimes (furtos, roubos, estelionatos, lesões corporais, etc.).
- Motivo da Reversão:
- Reavaliação das Provas: O tribunal pode entender que a prova da autoria ou da materialidade do crime não foi suficiente para a condenação ou que há dúvida razoável.
- Aplicação da Pena: O tribunal pode reduzir ou aumentar a pena aplicada na primeira instância, ou mudar o regime inicial de cumprimento da pena.
- Exemplo: Um réu é condenado a 5 anos de prisão na primeira instância por furto. A defesa apela, alegando que a prova era fraca. No Tribunal de Justiça, os desembargadores entendem que não há provas suficientes para a condenação e o absolvem, reformando a sentença.
A possibilidade de reversão é uma característica do sistema de justiça que busca aprimorar a qualidade das decisões, o que significa que tanto a parte que ganhou quanto a que perdeu na primeira instância devem estar preparadas para a próxima fase.
O Que Fazer ao Ganhar na Primeira Instância e Ter Recurso Apresentado
Parabéns pela vitória na primeira instância! No entanto, como vimos, o processo ainda não acabou. Se a parte perdedora apresentou um recurso (geralmente uma apelação), você agora é a parte recorrida e precisa agir para defender sua vitória.
1. Mantenha Contato Constante com Seu Advogado:
- Seu advogado será o primeiro a ser intimado sobre a interposição do recurso pela outra parte. Ele te informará sobre a situação e os próximos passos.
- Mantenha um canal de comunicação aberto com seu advogado para tirar dúvidas e acompanhar o processo.
2. Prepare as Contrarrazões ao Recurso:
- As contrarrazões são a sua resposta ao recurso da parte contrária. Nelas, seu advogado apresentará os argumentos para que o tribunal de segunda instância mantenha a sentença de primeira instância que foi favorável a você.
- Prazo: Geralmente, você terá o mesmo prazo do recurso (15 dias úteis para apelação, 10 dias úteis para recurso inominado) para apresentar as contrarrazões.
- Foco: Seu advogado deve refutar os argumentos da parte contrária, demonstrar que a sentença de primeira instância está correta (seja nos fatos, nas provas ou na aplicação do direito), e reforçar a validade da sua tese.
3. Acompanhe o Andamento do Processo no Tribunal:
- Pergunte ao seu advogado como acompanhar o processo. Hoje em dia, a maioria dos tribunais tem sistemas online de consulta processual.
- Você poderá ver a movimentação do processo, a data em que o recurso e as contrarrazões foram enviados, e quando o processo for “concluso para julgamento”.
4. Prepare-se para o Julgamento no Tribunal:
- O julgamento na segunda instância é feito por um colegiado de desembargadores (ou juízes de Turma Recursal).
- Sustentação Oral (se aplicável): Em alguns tipos de recurso (especialmente apelações em casos mais complexos), o advogado pode ter o direito de fazer uma sustentação oral perante os desembargadores. É uma oportunidade de apresentar os principais pontos do caso e defender a sentença. Converse com seu advogado sobre essa possibilidade.
5. Esteja Preparado Para a Possibilidade de Reversão:
- Embora você tenha ganhado na primeira instância, a possibilidade de reversão existe. É importante ter essa consciência e estar preparado emocionalmente para um resultado desfavorável em segunda instância.
- Se a decisão da segunda instância for desfavorável a você, seu advogado poderá analisar a possibilidade de apresentar novos recursos (recursos especiais ao STJ ou recursos extraordinários ao STF), dependendo da matéria e das violações legais.
Manter-se informado e ativo na defesa da sua vitória é essencial para garantir a melhor conclusão possível do seu processo. O papel do seu advogado é crucial nessa etapa.
Perguntas e Respostas Frequentes (FAQ)
1. Ganhei na primeira instância. Posso perder na segunda instância?
Sim, é possível. O sistema judiciário brasileiro permite que a parte perdedora na primeira instância apresente recursos (como a apelação) para que a decisão seja revista por um tribunal de segunda instância (um grupo de desembargadores). Eles podem ter um entendimento diferente e reformar a sentença, ou seja, mudar o resultado.
2. Qual o nome do recurso que leva o processo para a segunda instância?
No processo civil e criminal, o recurso mais comum contra uma sentença de primeira instância é a apelação. Nos Juizados Especiais, é o recurso inominado.
3. O que é um “acórdão”?
Acórdão é o nome da decisão proferida por um órgão colegiado (um grupo de juízes, como os desembargadores) em um tribunal de segunda instância. Ele pode manter, reformar (mudar) ou anular a sentença de primeira instância.
4. Qual o prazo para recorrer da sentença de primeira instância?
O prazo mais comum para apresentar o recurso de apelação é de 15 (quinze) dias úteis, contado da data da publicação da sentença. Nos Juizados Especiais, o recurso inominado tem prazo de 10 dias úteis.
5. A apelação suspende os efeitos da sentença de primeira instância?
No processo civil, a regra geral é que a apelação tem efeito suspensivo, o que significa que a sentença não produz seus efeitos (ex: a condenação não pode ser executada) enquanto o recurso não for julgado. No processo criminal, a apelação, via de regra, não tem efeito suspensivo, e a pena pode começar a ser cumprida mesmo antes do julgamento do recurso.
6. Se eu ganhar na primeira instância e o outro lado recorrer, o que devo fazer?
Você (através do seu advogado) deverá apresentar as contrarrazões ao recurso. As contrarrazões são os argumentos que você apresenta para convencer o tribunal de segunda instância a manter a sentença que lhe foi favorável.
7. Preciso pagar para recorrer para a segunda instância?
Sim. A parte que recorre (o apelante) geralmente precisa pagar as custas recursais (também chamadas de preparo recursal), que são taxas cobradas pelo tribunal. O valor varia com o valor da causa. Pessoas com gratuidade de justiça são isentas.
8. O que são “honorários de sucumbência”?
São os honorários que a parte que perde (sucumbe) no processo é condenada a pagar ao advogado da parte vencedora. Se você ganhar na primeira, mas perder na segunda instância, você pode ser condenado a pagar os honorários de sucumbência ao advogado da parte que ganhou em segunda instância.
9. O que acontece se o tribunal de segunda instância reformar a sentença?
Se a sentença for reformada, a decisão de primeira instância é alterada total ou parcialmente. Isso significa que o que foi decidido a seu favor na primeira instância pode ser revertido ou modificado, e a decisão do tribunal será a que prevalecerá.
10. Depois da segunda instância, o processo ainda pode ir para outras instâncias?
Sim. Dependendo da matéria, ainda podem caber recursos para instâncias superiores, como o Superior Tribunal de Justiça (STJ) (para questões de lei federal) e o Supremo Tribunal Federal (STF) (para questões constitucionais). Nesses tribunais, geralmente não se rediscutem fatos, mas sim a aplicação do direito.
Conclusão
Ganhar um processo na primeira instância é um marco importante e uma validação da sua tese, mas, no sistema judiciário brasileiro, essa vitória não é definitiva. A possibilidade de perder na segunda instância é real, uma vez que a parte que se sentiu prejudicada pela sentença de primeiro grau tem o direito de apresentar um recurso (como a apelação) para que a decisão seja revista por um colegiado de desembargadores ou juízes em um Tribunal de Justiça (TJ) ou Tribunal Regional Federal (TRF).
Essa revisão em segundo grau pode levar à reforma da sentença por diversos motivos: uma interpretação diferente dos fatos ou do direito, uma nova valoração das provas, ou a apresentação de argumentos jurídicos mais robustos que não foram suficientemente explorados na primeira instância. O acórdão, que é a decisão da segunda instância, pode manter, reformar (mudar) ou anular a sentença inicial.
Para a parte que ganhou na primeira instância, é fundamental manter a vigilância e a comunicação com seu advogado. É preciso preparar as contrarrazões ao recurso da parte contrária, defendendo a sentença favorável com argumentos consistentes e, se for o caso, estar pronto para uma possível sustentação oral no tribunal. Recorrer para a segunda instância implica em custos processuais (custas recursais) e em despesas com honorários advocatícios, além de exigir o cumprimento de prazos processuais rigorosos.
A existência de múltiplos graus de jurisdição é uma garantia para as partes de que suas demandas serão submetidas a diferentes análises, buscando aprimorar a qualidade das decisões judiciais. Por isso, mesmo ao obter uma vitória inicial, a atuação de um advogado especialista é crucial em todas as fases do processo, garantindo que os direitos sejam defendidos com a devida estratégia e expertise até que o processo transite em julgado e a decisão se torne, de fato, definitiva e irrecorrível.