Em linhas gerais, sim. A imensa maioria das pessoas com arritmia cardíaca pode continuar exercendo uma atividade remunerada, desde que a condição esteja controlada, que o acompanhamento médico seja regular e que o ambiente de trabalho ofereça segurança compatível com o quadro clínico. A legislação brasileira não impõe uma proibição automática; o que existe é um arcabouço de normas que equilibram o direito ao trabalho, a proteção da saúde e a prevenção de riscos tanto para o empregado quanto para terceiros. A seguir, você encontrará uma análise jurídica e médica completa sobre o tema, organizada em subtópicos de nível 2 para facilitar a leitura.
Conceito de arritmia cardíaca e suas classificações
Arritmia é a alteração do ritmo ou da frequência do coração. Pode manifestar-se como taquicardia (batimentos rápidos), bradicardia (batimentos lentos) ou irregularidade no compasso cardíaco. As causas variam de anomalias congênitas e doenças crônicas (hipertensão, insuficiência cardíaca, coronariopatias) a fatores pontuais, como distúrbios eletrolíticos ou uso de determinadas medicações. Clinicamente, as arritmias dividem-se em benignas (ex.: extrassístoles supraventriculares isoladas) e potencialmente letais (ex.: taquicardia ventricular sustentada). Essa classificação é decisiva ao se avaliar a aptidão laboral.
Aspectos médicos relevantes para a capacidade laboral
Para fins ocupacionais, o cardiologista considera intensidade dos sintomas (dispneia, síncope, palpitações), resposta ao tratamento, risco de eventos súbitos e existência de comorbidades. Dois trabalhadores com o mesmo diagnóstico podem receber recomendações distintas: quem apresenta episódios esporádicos e assintomáticos, controlados por betabloqueadores, tende a ser considerado apto; já o portador de arritmia instável pode demandar restrição de esforço físico, jornadas mais curtas ou até afastamento temporário.
Avaliação de aptidão no exame admissional e periódico
A Norma Regulamentadora 7 (NR 7) exige que todo empregador implemente o Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO). O médico encarregado deve realizar exame clínico admissional, periódico, de retorno ao trabalho, de mudança de função e demissional, emitindo um Atestado de Saúde Ocupacional (ASO) que declare o empregado apto ou inapto para a função específica. Se o exame físico, o eletrocardiograma ou outros testes indicarem risco adicional, o profissional pode sugerir restrições ou solicitar parecer cardiológico.
O papel do Atestado de Saúde Ocupacional (ASO)
O ASO é a peça-chave para legitimar, perante a fiscalização trabalhista, a presença do trabalhador com arritmia no posto de trabalho. Deve conter, no mínimo, identificação do empregado, nome do médico examinador, data, tipo de exame e conclusão (apto ou inapto). Incluir a expressão “apto com restrições” é permitido, desde que as limitações apareçam de forma clara e justificada tecnicamente.
Responsabilidades do empregador na prevenção e acompanhamento
Além de cumprir o PCMSO, cabe à empresa:
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adequar o posto de trabalho quando houver recomendação médica;
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permitir pausas para medicação e consultas;
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manter ambiente livre de exposição a agentes que agravem a arritmia, como calor extremo, vibração excessiva ou esforços extenuantes;
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respeitar a confidencialidade dos dados de saúde. O descumprimento pode gerar multas administrativas e indenização por danos morais ou materiais.
Direitos do trabalhador segundo a legislação brasileira
A Constituição Federal assegura o direito fundamental à saúde (art. 196) e à redução dos riscos inerentes ao trabalho (art. 7º, XXII). A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) impõe ao empregador o dever de garantir condições seguras (arts. 157 e 158). Discriminá-lo ou dispensá-lo unicamente por causa da arritmia configura despedida discriminatória, passível de reintegração ou indenização (Súmula 443 do TST).
Arritmia como deficiência ou doença grave nos benefícios do INSS
A arritmia cardíaca não é listada, por si só, como deficiência automática. Contudo, se provocar incapacidade parcial ou total, o segurado poderá requerer:
• auxílio-doença (benefício por incapacidade temporária);
• aposentadoria por incapacidade permanente;
• auxílio-acidente (quando restar redução definitiva da capacidade).
A concessão depende de perícia médica do INSS, análise de carência e qualidade de segurado, conforme Lei 8.213/1991 (arts. 42, 59, 86). Jurisprudência recente tem reconhecido incapacidade permanente em casos de arritmias graves refratárias ao tratamento.
Adaptação de função e trabalho remoto
Se a atividade exigir esforço físico intenso ou exposição a estresse, o médico do trabalho pode sugerir reabilitação interna: realocar o empregado para tarefas administrativas ou permitir home office. O art. 62 da CLT não isenta o controle de jornada quando a função é adaptada, salvo se realmente enquadrar-se nas exceções legais (ex.: gerentes com poderes de mando). A recusa injustificada do empregador em promover a adaptação pode caracterizar ato discriminatório.
Profissões de risco e restrições específicas
Pessoas com arritmia potencialmente instável devem evitar funções em altura, direção profissional, operação de máquinas pesadas ou qualquer atividade em que um mal-súbito possa causar acidentes graves. O Código de Trânsito Brasileiro (CTB) prevê exame de aptidão física e mental para CNH categoria C, D ou E; o médico perito do DETRAN pode restringir ou negar renovação caso a arritmia ofereça risco ao trânsito. Aviadores, mergulhadores e vigilantes armados seguem regulamentações setoriais mais rígidas.
Jurisprudência brasileira sobre arritmia e capacidade de trabalho
Tribunais do Trabalho têm entendido que, comprovado por laudo cardiológico o controle clínico da arritmia, o empregado não pode ser considerado inapto em definitivo. Em contrapartida, ações indenizatórias têm sido julgadas procedentes quando a empresa insistiu na manutenção de trabalhador sintomático em ambiente de alto risco.
Programas de saúde ocupacional e monitoramento contínuo
Além do PCMSO, é recomendável implementar campanhas de triagem cardiovascular, orientação sobre fatores de risco (tabagismo, sedentarismo, obesidade) e parceria com plano de saúde para consultas periódicas. Estatísticas do HCor indicam que mais de 20 milhões de brasileiros convivem com arritmia, gerando cerca de 300 mil mortes súbitas anuais; prevenção no ambiente laboral é, portanto, medida de saúde pública.
Condições para afastamento temporário ou aposentadoria por invalidez
Quando a arritmia passa a provocar síncope, dispneia acentuada ou risco de parada cardíaca, o cardiologista deve emitir relatório recomendando afastamento. Com base no art. 60 da Lei 8.213/1991, os primeiros 15 dias ficam a cargo do empregador; a partir do 16º, o INSS assume o pagamento do benefício. A aposentadoria por incapacidade permanente requer laudo que demonstre impossibilidade de reabilitação profissional.
Boas práticas de gestão para evitar discriminação
Empresas que desejam minimizar passivos devem:
• incluir políticas antidiscriminatórias explícitas;
• capacitar gestores a lidar com doenças crônicas;
• oferecer programas de qualidade de vida;
• respeitar sigilo médico;
• registrar em atas da CIPA as medidas adotadas para casos de saúde cardiovascular.
Como o empregado deve proceder ao identificar sintomas
O trabalhador que sentir palpitações, tontura ou dor torácica deve:
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comunicar imediatamente ao superior;
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procurar atendimento médico;
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levar o diagnóstico ao médico do trabalho;
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guardar cópias de laudos e receitas;
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solicitar a abertura de Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT) se a arritmia se agravar por fatores ocupacionais (ex.: exposição a solventes neurotóxicos).
Perguntas e respostas
Quem decide se posso trabalhar?
O médico do trabalho, com base em exames clínicos e laudo do cardiologista, emite o ASO declarando aptidão para a função.
Arritmia me dá direito automático a aposentadoria?
Não. É necessário comprovar incapacidade total e permanente perante o INSS.
Posso ser demitido por estar com arritmia?
Demissão sem justa causa é possível, mas despedida discriminatória por motivo de doença pode gerar reintegração ou indenização.
A empresa deve reduzir minha jornada?
Somente se houver recomendação médica ou se a função envolver riscos elevados que exijam pausa ou menor carga de trabalho.
Preciso revelar meu diagnóstico na entrevista de emprego?
A Lei Geral de Proteção de Dados garante sigilo; porém, ocultar condição que possa comprometer a segurança do trabalho pode gerar responsabilização futura.
Arritmia controlada impede carteira de motorista profissional?
Depende do parecer do médico perito do DETRAN e da estabilidade clínica comprovada.
Quem paga meus exames periódicos?
O empregador, conforme NR 7.
Posso trabalhar em turnos noturnos?
Trabalhos por turnos podem aumentar estresse cardíaco. O cardiologista deve avaliar caso a caso.
Tenho direito a teletrabalho?
Não é um direito automático, mas pode ser negociado como adaptação razoável.
Qual o papel do sindicato?
O sindicato pode fiscalizar condições de trabalho, intermediar negociações e acompanhar homologações de afastamento.
Conclusão
Ter arritmia cardíaca não implica, por si só, incapacidade para o trabalho. A decisão sobre aptidão envolve avaliação médica individualizada, observância das normas de saúde ocupacional e respeito aos direitos fundamentais do empregado. Quando controlada e acompanhada adequadamente, a condição permite vida profissional plena. Já nos casos graves ou instáveis, a legislação previdenciária garante afastamento e benefícios, enquanto o Direito do Trabalho protege contra discriminação. Para trabalhadores e empregadores, o caminho mais seguro é a cooperação: exames regulares, transparência responsável e adaptações que conciliem produtividade com saúde. Assim, preserva-se a dignidade humana, a segurança coletiva e a sustentabilidade das relações laborais.