Em linhas gerais, a síndrome do manguito rotador pode, sim, gerar direito à aposentadoria por invalidez quando o quadro clínico provoca incapacidade total e permanente para qualquer atividade laborativa e se mantêm preenchidos os requisitos previdenciários de carência e qualidade de segurado. Tudo dependerá da severidade das lesões, da resposta (ou ausência de resposta) ao tratamento, do nexo causal com o trabalho e, sobretudo, do laudo pericial do INSS. A seguir, você encontrará uma análise completa e didática sobre o assunto — da anatomia do ombro aos critérios legais, passando por provas periciais, cálculos de renda mensal e principais teses jurisprudenciais.
O que é a síndrome do manguito rotador
O manguito rotador é o conjunto de quatro tendões (supraespinhal, infraespinhal, subescapular e redondo menor) que estabiliza o ombro. A síndrome engloba inflamações, degenerações ou rupturas desses tendões, causando dor crônica, perda de força, limitação de movimentos e, em muitos casos, incapacidade funcional para atividades que exijam elevação ou rotação do braço. Trata-se de doença musculoesquelética comum em trabalhadores que realizam esforços repetitivos ou levantamento de peso acima da linha dos ombros.
Causas ocupacionais e fatores de risco
Além do envelhecimento natural dos tendões, fatores como movimentos repetitivos, uso de ferramentas vibratórias, posturas forçadas e sobrecarga mecânica favorecem microtraumas de repetição que culminam em tendinite ou rotura parcial/total. Empregados da construção civil, linha de produção, serviços de limpeza, enfermagem, açougue e caixas de supermercado estão entre os mais expostos. Estudo do Tribunal Regional Federal da 4ª Região reconheceu o nexo técnico epidemiológico entre essa patologia e atividades braçais, convertendo auxílio-doença em aposentadoria por invalidez .
Sintomas, diagnóstico clínico e exames complementares
Dor no ombro que piora à noite, fraqueza para levantar objetos, estalos articulares, perda de mobilidade e limitação funcional são sinais clássicos. O diagnóstico conjuga exame físico (testes de Jobe, Patte, Gerber, Neer, Hawkins) com ultrassonografia ou ressonância magnética, capazes de revelar tendinopatia, bursite subacromial ou rupturas. A avaliação ortopédica detalhada é essencial para subsidiar a perícia do INSS.
Tratamentos disponíveis e prognóstico
Protocolos iniciais incluem anti-inflamatórios, fisioterapia, fortalecimento muscular e infiltrações. Persistindo a dor ou a perda funcional, parte dos pacientes evolui para cirurgia (artroscopia ou reparo aberto dos tendões). Mesmo após intervenção, cerca de 20 % mantêm limitação significativa, sobretudo em roturas extensas de difícil cicatrização. Quando o prognóstico é desfavorável e impede atividades habituais — sobretudo braçais —, abre-se caminho para benefícios por incapacidade.
Conceito jurídico de incapacidade permanente
A aposentadoria por incapacidade permanente (antiga aposentadoria por invalidez) exige incapacidade total e definitiva para qualquer trabalho, não apenas para a ocupação habitual. O art. 43 da Lei 8.213/1991 define que o benefício é devido ao segurado que, após cumprir carência mínima (geralmente 12 contribuições), for considerado insuscetível de reabilitação para outra profissão.
Carência, qualidade de segurado e exceções
Regra-geral, o segurado precisa ter carência de 12 contribuições mensais. Contudo, a carência é dispensada se a incapacidade decorrer de acidente de trabalho, doença profissional ou doenças específicas listadas em regulamento (a síndrome do manguito rotador não faz parte da lista, mas pode ser enquadrada como doença do trabalho, caso comprovado o nexo). Manter a qualidade de segurado significa estar contribuindo ou dentro do chamado “período de graça”.
Doença ocupacional e adicional de 100 % no cálculo do benefício
Quando a síndrome tem origem ocupacional (doença do trabalho ou profissional) e ocasiona incapacidade permanente, a renda mensal inicial corresponde a 100 % da média salarial — sem aplicação do redutor de tempo de contribuição previsto para casos não acidentários. Essa previsão consta do §1º-A do art. 26 da Emenda Constitucional 103/2019, regulamentada pelo Decreto 10.410/2020.
Como funciona a perícia médica do INSS
O perito analisa prontuários, relatórios ortopédicos, exames de imagem e entrevista o segurado. Avalia, ainda, idade, escolaridade e experiência profissional, pois uma lesão que inviabiliza trabalho braçal pode permitir reabilitação para tarefa leve. Se entender que há incapacidade total e permanente, indicará a aposentadoria por incapacidade; se enxergar possibilidade de reabilitação, proporá auxílio-doença ou programa de reabilitação profissional. Jurisprudência do TRF-4 reconheceu que, em roturas maciças irrecuperáveis, a reabilitação é inviável.
Documentos indispensáveis ao requerimento
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Laudos ortopédicos recentes descrevendo a doença e incapacidade funcional.
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Ressonância magnética ou ultrassom demonstrando rotura ou tendinopatia grave.
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Prontuário de fisioterapia e relatórios cirúrgicos, quando houver.
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Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) para caracterizar nexo ocupacional.
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Comunicações de Acidente de Trabalho (CAT) e provas de atividades repetitivas ou ergometricamente nocivas.
Esses elementos reforçam a tese de doença do trabalho perante a autarquia previdenciária.
Contestação, recurso administrativo e ação judicial
Se o INSS negar ou conceder apenas auxílio-doença, o segurado pode:
1 – Apresentar recurso administrativo à Junta de Recursos no prazo de 30 dias.
2 – Ingressar com ação previdenciária, podendo solicitar tutela antecipada.
Os juízes costumam nomear perito ortopedista; é crucial que o advogado formule quesitos técnicos e compareça à perícia judicial.
Impacto da reforma da Previdência no cálculo da renda mensal
Para eventos a partir de 13/11/2019, aplica-se a média aritmética simples de todos os salários sobre os quais houve contribuição, multiplicada por 60 % + 2 pontos percentuais a cada ano que exceder 20 anos de contribuição (homem) ou 15 anos (mulher). Se a incapacidade decorrer de doença ocupacional, a RMI será de 100 % da média, como visto. Caso contrário, incide o redutor, podendo gerar benefícios menores que o salário-mínimo, situação rechaçada pelo STF em 2022.
Possibilidade de acréscimo de 25 %
O art. 45 da Lei 8.213/1991 prevê adicional de 25 % quando o aposentado necessita de assistência permanente de outra pessoa para atos da vida diária (banho, alimentação, locomoção). Pacientes com rotura extensa bilateral que não conseguem vestir-se ou alimentar-se sem ajuda já obtiveram esse acréscimo judicialmente.
Jurisprudência favorável e tendências dos tribunais
Diversos acórdãos do TRF-4, TRF-3 e Turmas Recursais da Justiça Federal reconhecem a síndrome do manguito rotador como causa de incapacidade permanente — sobretudo quando há rotura completa e falha terapêutica. O site Previdenciarista reúne decisões que detalham a importância da prova pericial e do nexo técnico epidemiológico. O TST, por sua vez, vem condenando empregadores por danos morais e materiais quando a doença decorre de condições ergonômicas inadequadas .
Reabilitação profissional: quando é possível?
Se o segurado tem escolaridade compatível com funções administrativas e apresenta capacidade remanescente no membro contralateral, a perícia pode sugerir reabilitação. A Lei 8.213 impõe ao INSS o dever de oferecer cursos ou recolocação. A recusa injustificada do segurado em participar pode ensejar cessação do benefício.
Relação com auxílio-acidente e estabilidade provisória
Caso o segurado retorne ao trabalho com sequela que reduza sua capacidade, pode requerer auxílio-acidente (art. 86), pago até a aposentadoria. Empregados vítimas de acidente do trabalho têm estabilidade de 12 meses após alta previdenciária (art. 118). Se posteriormente evoluírem para incapacidade permanente, o benefício poderá ser convertido em aposentadoria.
Estratégias probatórias e boas práticas advocatícias
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Requisitar cópia integral do prontuário hospitalar e fichas de fisioterapia.
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Solicitar laudo ergonômico da empresa e registros de CIPA.
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Colher depoimentos de colegas sobre esforços repetitivos.
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Agendar segunda opinião ortopédica antes da perícia.
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Anexar fotos ou vídeos que ilustrem as limitações funcionais.
Essas medidas aumentam a chance de êxito administrativo ou judicial.
Perguntas e respostas
A síndrome do manguito rotador sempre gera aposentadoria por invalidez?
Não. Apenas quando o quadro provoca incapacidade total e permanente, atestada por perícia.
É preciso ter contribuído quantos meses?
Regra-geral, 12 contribuições, salvo se ficar comprovado vínculo ocupacional com a lesão.
Posso continuar recebendo salário da empresa durante o processo?
Até a concessão do benefício, o contrato de trabalho permanece suspenso se houver auxílio-doença. Após a aposentadoria, o vínculo é rescindido.
O INSS negou meu pedido. O que faço?
Recorra administrativamente e, se mantida a negativa, ajuíze ação com laudo ortopédico robusto.
Há prazo para pedir revisão se o benefício veio menor?
Sim. O prazo decadencial é de dez anos a contar do primeiro pagamento.
Posso acumular aposentadoria por invalidez e pensão por morte?
Sim, mas aplica-se a regra de cumulação com redutores introduzida pela Emenda 103.
Tenho direito ao FGTS após me aposentar?
Se o vínculo for encerrado por aposentadoria, você pode sacar o saldo do FGTS.
Qual o valor mínimo do benefício em 2025?
Não pode ser inferior ao salário-mínimo nacional de R$ 1.502,00.
O adicional de 25 % integra a pensão por morte dos dependentes?
Não. O adicional cessa com o falecimento do segurado.
Doença degenerativa sem relação com o trabalho também dá direito?
Sim, desde que reste comprovada incapacidade total e cumpridos os requisitos de carência e qualidade de segurado.
Conclusão
A síndrome do manguito rotador, embora bastante comum, pode evoluir para cenários de dor crônica, perda de força e limitação definitiva dos movimentos, inviabilizando o desempenho de qualquer atividade profissional. Nesses casos, a aposentadoria por incapacidade permanente é o instrumento jurídico que garante subsistência digna ao trabalhador, desde que demonstrados incapacidade total, carência, qualidade de segurado e, quando cabível, nexo causal ocupacional. Conhecer os critérios legais, reunir documentação médica robusta e compreender o cálculo do benefício pós-reforma são passos essenciais para quem busca a proteção previdenciária. Ao advogado, cabe orientar o cliente ao longo de todo o processo — do requerimento administrativo à eventual demanda judicial —, maximizando as chances de sucesso e assegurando o respeito aos direitos sociais previstos na Constituição e na Lei 8.213/1991.