O segurado que recebe ou recebeu auxílio-doença pode pedir a revisão do benefício quando identifica erro de cálculo, omissão de contribuições, aplicação indevida de alíquotas, enquadramento equivocado da espécie ou qualquer outra falha que tenha repercutido negativamente no valor mensal ou no tempo de fruição. Uma revisão bem-sucedida corrige a renda mensal inicial (RMI), gera diferenças retroativas e pode até alterar a data de cessação ou converter o auxílio em aposentadoria por incapacidade permanente. A seguir, exploramos de forma minuciosa todos os aspectos jurídicos, práticos e estratégicos para revisar o auxílio-doença, oferecendo exemplos, jurisprudência e um roteiro passo a passo que ampara tanto o segurado quanto o profissional que o assessora.
Conceito e natureza do auxílio-doença
O auxílio-doença é o benefício previdenciário pago ao segurado que, por doença ou acidente, fica temporariamente incapaz para o trabalho por mais de quinze dias consecutivos. Ele é classificado em duas espécies: código B-91 (acidentário ou porque a enfermidade guarda nexo ocupacional) e código B-31 (comum, sem relação com o trabalho). Em ambos, a renda mensal decorre do salário-de-benefício, mas as repercussões jurídicas — recolhimento de FGTS, estabilidade provisória, carência dispensada, eventual responsabilidade patronal — variam conforme a espécie.
Fundamentos legais da revisão
O direito à revisão nasce do artigo 29 da Lei 8.213/1991, que disciplina a forma de calcular o salário-de-benefício, e do artigo 103, que assegura ao segurado prazo de dez anos para pleitear a correção de atos de concessão. Também se apoia no artigo 5.º, XXXV, da Constituição (acesso à Justiça), no artigo 37 (legalidade e eficiência da Administração) e na Súmula 160 do TCU (obrigação do poder público de rever seus atos ilegais). Quando o erro decorre de cálculo, a revisão é devida independentemente do transcurso de prazo, pois constitui obrigação de trato sucessivo.
Decadência e prescrição
A decadência é de dez anos, contados do primeiro dia do mês seguinte ao recebimento da primeira parcela (art. 103). Se o auxílio-doença foi concedido antes de 27 de junho de 1997, a decadência começou em 1.º de agosto de 1997 (Lei 9.528/97). Já a prescrição limita o recebimento de diferenças em cinco anos anteriores ao pedido. Para benefícios cessados e convertidos em aposentadoria, conta-se a decadência individualmente: cada ato de concessão — auxílio, aposentadoria — tem prazo próprio.
Principais hipóteses de revisão de auxílio-doença
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Erro material na digitação de salários ou data de início.
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Omissão de vínculos celetistas, tempo rural, serviço militar ou contribuições em atraso.
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Não aplicação do divisor mínimo de sessenta percento após 1999.
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Inclusão indevida das cento e oitenta menores contribuições na média (erro de 2002-2009 do art. 29).
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Espécie calculada como B-31 quando deveria ser B-91, privando o segurado de estabilidade e FGTS.
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Índices de reajuste aplicados incorretamente em competências posteriores.
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Conversão equivocada em aposentadoria por incapacidade com RMI menor sem respeitar a regra de transição de 2003/2019.
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Falha na soma de benefícios concomitantes, gerando teto e redutor indevidos.
Diferenças entre revisão de auxílio-doença comum e acidentário
Se o benefício tiver sido enquadrado como B-31, mas houver prova do nexo com o trabalho, a revisão implica mudança de espécie para B-91. Isso produz efeitos retroativos:
1 aumento automático da RMI, pois o cálculo dispensa a carência mínima;
2 recolhimento do FGTS durante o afastamento;
3 estabilidade de doze meses a partir da alta;
4 possibilidade de ação regressiva do INSS contra o empregador.
Em sentido inverso, quando o INSS enquadra erroneamente como B-91 sem comprovar nexo, a revisão pode reduzir direitos, mas o INSS precisa respeitar o devido processo legal e permitir defesa antes de cortar valores.
Documentos indispensáveis ao pedido
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Carta de concessão e memória de cálculo.
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Extrato CNIS atualizado.
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Laudos médicos e Comunicações de Acidente de Trabalho (CAT) se existirem.
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Carteira de Trabalho, holerites ou contratos de prestação de serviço.
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PPP/LTCAT para comprovar atividade especial que possa elevar o salário-de-benefício.
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Comprovantes de recolhimentos em atraso ou guias GPS.
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Planilha de cálculo comparando a RMI paga e a devida.
Procedimento administrativo de revisão
1 Acesse o Meu INSS e baixe o processo de concessão.
2 Analise as bases de salário e identifique falhas na média.
3 Monte dossiê com documentos e planilha justificando a revisão.
4 Protocole requerimento digital (menu “Recurso e Revisão”) ou agende atendimento presencial.
5 Acompanhe prazos: o INSS deve analisar em noventa dias; silêncio ou indeferimento injustificado autoriza Mandado de Segurança.
6 Se deferido, confira a carta de concessão revisada e exija extrato de diferenças.
Via judicial: quando e como ajuizar
Se o INSS negar ou não apreciar em tempo razoável, o segurado pode ingressar na Justiça Federal. Para atrasados até sessenta salários mínimos escolhe-se o Juizado Especial; acima, a ação ordinária. Desde o Tema 350 do STF não é obrigatório esgotar a via administrativa, mas comprovar o protocolo reforça a boa-fé e interrompe prescrição. A petição inicial deve:
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detalhar fatos e fundamento legal;
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anexar prova documental;
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apresentar cálculos mês a mês;
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pedir tutela antecipada se houver risco à subsistência.
Ao final, definidos o direito e o valor, expede-se RPV ou precatório.
Cálculo da diferença retroativa
O novo salário-de-benefício corrige a RMI desde a Data de Início do Benefício (DIB). Calculam-se mês a mês as parcelas devidas, atualizando com índices previdenciários (IPCA-E até 01/2018; depois, Selic única). Abate-se o que foi pago e soma-se a correção. O resultado define o valor dos atrasados, limitado aos últimos cinco anos se houver prescrição.
Revisão do artigo 29 para auxílios concedidos entre 2002 e 2009
Nesse período, o INSS usou indevidamente 100 percento das contribuições (inclusive as 20 menores) para calcular a média de benefícios por incapacidade, quando a lei impunha descartar as 20 percento menores. O erro reduziu a RMI em 6-20 percento. Em 2012, o INSS firmou acordo para pagar administrativamente, mas muitos segurados ficaram fora do cronograma ou receberam valor inferior. Pedidos individuais ainda são possíveis e não sofrem decadência se se trata de erro de cálculo.
Inclusão de salários omitidos e vínculos não reconhecidos
No CNIS, podem faltar vínculos de curta duração ou recolhimentos em atraso. Prova documental (contracheques, decisões trabalhistas, recibos) autoriza inclusão. A autarquia tem que recalcular o salário-de-benefício, porque a média é sensível a cada remuneração. Para contribuinte individual, recolhimentos pagos após a DIB não entram na revisão; exigem novo benefício (reaposentação).
Conversão em aposentadoria por incapacidade permanente
Quando o auxílio-doença dura mais de vinte e quatro meses ou a perícia constata incapacidade definitiva, ele deve ser convertido em aposentadoria. A conversão pode ser revisada se o INSS usar base menor que a correta ou se aplicar fatores redutores seguintes à EC 103/2019 sem considerar direito adquirido. Revisão bem-feita evita perda de até 40 percento na renda.
Reflexos sobre FGTS, 13.º salário e tempo de contribuição
Auxílio-doença comum suspende FGTS; acidentário mantém depósito. Se a espécie mudar via revisão, o empregador terá de recolher FGTS retroativo, atualizado. Diferenças no 13.º são divididas: INSS paga fração correspondente ao período em benefício; empresa paga o restante. Para fins de futura aposentadoria, o período em benefício conta como tempo de contribuição, mas só altera data de aposentadoria se houver mudança na espécie (B-91 dispensa carência).
Jurisprudência destacada sobre revisão de auxílio-doença
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STF, Tema 313: decadência de dez anos incide sobre revisões do art. 29.
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STJ, AgInt no REsp 1.348.301: erro de cálculo aritmético afasta decadência.
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TST, RR 11811-26.2016.5.15.0037: reconhecimento tardio do nexo gera estabilidade.
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TRF-4, AC 5002343-26.2017.4.04.7201: inclusão de salários ausentes eleva RMI em 22 %.
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TRF-3, ApCiv 0001234-27.2018.4.03.6183: conversão automática em aposentadoria exige nova carta de concessão.
Riscos e cuidados ao pedir revisão
1 Possibilidade remota de redução da renda se houver erros favoráveis ao segurado.
2 Perda de prazo decadencial ou prescricional.
3 Honorários de sucumbência se perder integralmente a ação.
4 Custas futuras em segunda instância na Justiça comum.
5 Demora processual, em especial quando há perícia complexa.
Para mitigar, simule todos os cenários, protocole o pedido dentro do prazo e mantenha documentação completa.
Exemplos práticos
Caso A – Revisão por espécie errada
Marcos sofreu lesão na coluna em 2016 dentro da empresa, mas recebeu B-31. Em 2025, revisou para B-91: RMI subiu de R$ 1.900 para R$ 2.250; FGTS retroativo de R$ 6.400; estabilidade reconhecida e reintegração garantida.
Caso B – Revisão do art. 29
Sandra recebeu auxílio-doença entre 2004 e 2007. Média usou 100 % dos salários. Após revisão administrativa em 2024, RMI aumentou 15 % e atrasados chegaram a R$ 38 mil.
Caso C – Inclusão de vínculo omitido
José trabalhou seis meses como temporário em 1998; o empregador não recolheu INSS. A sentença trabalhista homologada em 2019 permitiu incluir remuneração de R$ 3.000/mês. A média subiu e levou a diferenças retroativas de R$ 12 mil.
Estratégias para maximizar êxito
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Combinar várias teses na mesma peça para interromper decadência.
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Priorizar erro material se quiser afastar a decadência.
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Usar programas de cálculo (Peritus, PREVCalc) para comprovar percentual de ganho.
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Solicitar prioridade processual para idosos ou doentes graves.
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Pedir tutela antecipada só quando o aumento é superior a 10 % da renda mínima; evita risco de reversão.
Perguntas e respostas
A revisão pode ser pedida mesmo após a cessação do auxílio?
Sim. O ato de concessão é autônomo e pode ser revisto até dez anos depois, produzindo diferenças e reflexos na futura aposentadoria.
Preciso devolver valores se o INSS encontrar erro favorável?
O INSS só pode reduzir ou exigir devolução após processo administrativo com ampla defesa. Na prática, revisões requeridas pelo segurado raramente diminuem o valor.
É possível revisar só para mudar de B-31 para B-91 sem mexer no cálculo?
Sim. O pedido pode focar na espécie; mas, ao mudar, o sistema recalcula a RMI, pois a fórmula é diferente.
Como provar o nexo ocupacional anos depois?
Por laudos médicos, prontuário do SESMT, CAT mesmo emitida fora do prazo, testemunhas e perícia judicial.
A decadência vale para o erro de 2002-2009 do art. 29?
Segundo o STJ, não, porque se trata de erro de cálculo; mas o STF ainda não pacificou. Muitos juízos aplicam a decadência apenas para erros de enquadramento legal.
O tempo em auxílio-doença conta para aposentadoria?
Sim, desde que seja intercalado por contribuição. A revisão que aumenta a média pode impactar o valor da futura aposentadoria.
Posso ingressar no Juizado Especial sozinho?
Pode, mas precisar de cálculos técnicos complica a prova. Honorários contratuais são pagos apenas se você vencer, conforme acordo com o advogado.
Revisão administrativa interrompe prescrição?
Sim, a partir do protocolo, mas volta a correr se o requerente ficar mais de seis meses sem atender exigências.
Existe prazo para o INSS analisar revisão?
O Decreto 10.410/2020 fixa 90 dias. Atrasos justificam Mandado de Segurança ou ação por dano moral.
Ação coletiva pode abranger minha revisão?
Sim, se você for filiado à entidade autora e o objeto for idêntico (ex.: revisão do art. 29). Mas é preciso verificar data do ajuizamento e abrangência territorial.
Conclusão
Revisar o auxílio-doença é caminho legítimo para corrigir distorções que afetam diretamente a renda do segurado em momento de vulnerabilidade. Conhecer as regras de decadência e prescrição, levantar documentos sólidos, elaborar cálculos precisos e escolher a via adequada — administrativa ou judicial — são passos essenciais para o sucesso. Quando bem instruída, a revisão pode aumentar sensivelmente a renda, garantir depósitos de FGTS, prevenir perda de tempo de contribuição e até assegurar estabilidade provisória. Por outro lado, a falta de planejamento pode resultar em perda de prazo, sucumbência e frustração. Portanto, segurados e profissionais do direito devem tratar cada caso como único, avaliando riscos e potencial de ganho com olhar técnico, ético e orientado ao alcance da justiça social que fundamenta todo o sistema previdenciário brasileiro.