Desde 2018 o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) permite que todo o procedimento para requerer o auxílio-doença — rebatizado pela Lei 13.846/2019 como auxílio-por-incapacidade temporária — seja feito exclusivamente pela internet, sem necessidade de ir a uma agência da Previdência até que o segurado seja chamado para exame médico, caso a perícia presencial ainda seja exigida. Ao combinar a plataforma Meu INSS, o aplicativo para celular e o Gov.br, o trabalhador pode reunir documentos, escolher a data da perícia, acompanhar exigências e interpor recurso administrativo do conforto de casa. Este guia jurídico detalha cada passo, os fundamentos legais, os documentos exigidos, os prazos e as cautelas necessárias para transformar um atestado médico em renda protegida sem enfrentar filas.
Fundamento legal do auxílio-doença digital
O artigo 60 da Lei 8.213/1991 garante auxílio-doença ao segurado que ficar incapacitado para o trabalho por mais de 15 dias. O Decreto 10.410/2020 e a Portaria PRES/INSS n.º 1.382/2021 disciplinam o requerimento remoto: todo pedido deve ser protocolado pelo Meu INSS (web ou app) ou pelo telefone 135, com autenticação via conta Gov.br. Durante a pandemia, a Lei 14.131/2021 autorizou a concessão sem perícia presencial mediante análise documental; a prática foi incorporada em caráter permanente para casos em que o atestado ou laudo contenha todas as informações obrigatórias.
Quem tem direito a solicitar online
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Empregado urbano ou rural, inclusive doméstico
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Contribuinte individual (autônomo, MEI)
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Trabalhador avulso
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Segurado especial (rural sem vínculo formal)
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Facultativo
É preciso manter qualidade de segurado e, em regra, cumprir 12 contribuições de carência, salvo acidentes, doenças profissionais e patologias da lista do art. 151 da Lei 8.213 (câncer, aids, hepatopatia grave etc.), que dispensam carência.
Criação e validação da conta Gov.br
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Acesse www.gov.br e clique em Criar Conta.
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Informe CPF.
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Faça validação facial no app Gov.br ou use internet banking parceiro.
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Eleve o nível de segurança para Prata ou Ouro: necessário para enviar documentos sensíveis e assinar procurações eletrônicas.
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Memorize senha forte; ela será usada em todos os serviços do INSS.
Passo a passo no portal Meu INSS
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Entre em meu.inss.gov.br ou abra o aplicativo.
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Clique em “Novo Pedido”.
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Digite “auxílio-doença” ou “benefício por incapacidade temporária” na barra de busca.
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Selecione “Auxílio-doença” (código 31 se comum, 91 se acidentário).
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Leia o aviso de documentos e clique em “Avançar”.
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Responda ao questionário de dados de saúde e atividade profissional.
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Escolha se pretende anexar atestado médico para análise documental ou agendar perícia presencial.
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Se optar por atestado, envie PDF ou foto legível.
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Confirme telefone e e-mail para receber notificações.
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Finalize e anote o número do protocolo.
Requisitos do atestado médico para análise documental
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Emitido há menos de 90 dias
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Nome completo, CRM e assinatura do médico (digital ou manuscrita)
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Diagnóstico codificado em CID-10
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Data de início e prazo estimado de afastamento
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Identificação do paciente
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Sem rasuras ou abreviações ilegíveis
Laudos hospitalares, exames de imagem e relatórios complementares fortalecem o pedido, mas não dispensam o atestado principal.
Agendamento da perícia médica presencial
Se o segurado preferir perícia ou o INSS entender que o atestado é insuficiente, o sistema apresentará agenda disponível:
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Escolha agência e data entre as opções.
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Grave o comprovante.
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Compareça com 15 minutos de antecedência, portando identidade original.
Em caso de impossibilidade de locomoção, solicite perícia hospitalar ou domiciliar pelo 135.
Documentos a levar à perícia
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Identidade com foto e CPF
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Carteira de trabalho ou CNIS impresso
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Atestados, receituários, exames, prontuário
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CAT (se acidente de trabalho)
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Declaração de último dia trabalhado para empregado
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Formulário de atividades rurais, se segurado especial
A apresentação organizada e cronológica aumenta a credibilidade do laudo pericial.
Acompanhamento do pedido
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Abra o Meu INSS.
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Clique em “Consultar Pedidos”.
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Selecione o protocolo.
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Veja status: Recebido, Em Análise, Exigência, Deferido ou Indeferido.
Se surgir exigência, clique em “Cumprir Exigência” e anexe o documento solicitado em até 30 dias corridos para não arquivar o processo.
Decisão: deferimento, alta programada ou prorrogação
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Deferido: o INSS calcula DIB (data de início), DCB (data de cessação) e DIP (primeiro pagamento).
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Alta Programada: perito fixa duração do afastamento; se a doença persistir, faça “Pedido de Prorrogação” no Meu INSS até 15 dias antes da DCB.
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Indeferido: cabe recurso à Junta de Recursos em até 30 dias. Use opção “Interposição de Recurso”.
Recurso e perícia de reconsideração
O segurado pode escolher entre:
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Perícia de Reconsideração (pente-fino): novo exame por perito diferente, solicitado em até 30 dias.
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Recurso Ordinário: peça fundamentada dirigida à Junta de Recursos; não há nova perícia, mas colegiado pode determinar.
Decisões podem ser acompanhadas no Meu INSS.
Pagamento do benefício digital
Crédito é depositado em conta corrente ou poupança do titular. Se não tiver, a Caixa ou o Banco do Brasil abre Poupança Social Digital automaticamente. O extrato fica disponível no Meu INSS, aba “Extrato de Pagamento”.
Regularização de contribuições em atraso
Contribuinte individual que atrasou guias pode gerar DARF no e-Cac e pagar antes do pedido. O recolhimento posterior à incapacidade não garante carência, mas pode restaurar qualidade se o fato gerador se deu antes da perda.
Segurado empregado: quais obrigações da empresa
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Pagar salário integral nos primeiros 15 dias de afastamento.
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Emitir declaração de último dia trabalhado no sistema EmpregadorWeb.
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Manter depósitos de FGTS se o benefício for acidentário (B-91).
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Não exigir retorno antes da alta médica.
Retorno ao trabalho e exame de volta
Após cessação do benefício, empregado deve realizar exame de retorno ao trabalho (NR 7). Se o médico do trabalho não o considerar apto, a empresa deverá encaminhá-lo novamente ao INSS para reativar o auxílio ou converter em aposentadoria.
Crimes e fraudes: cautelas
Enviar atestado falso configura estelionato previdenciário (art. 171, § 3.º, CP). O médico que emitir laudo inidôneo responde a sindicância no CRM. Use assinatura digital padrão ICP-Brasil ou QR Code gerado por sistemas hospitalares para prevenir suspeitas.
Exemplos práticos
Caso 1 – Empregado com lombalgia
9 dias de afastamento com CAT. No 10.º dia ainda sente dor; empresa paga até o 15.º e orienta requerimento digital. Segurado anexa ressonância e atestado de 30 dias. INSS concede 45 dias com alta programada.
Caso 2 – Autônoma MEI grávida
Complicação gestacional. Cumpriu 12 guias. Solicita auxílio-doença pelo app; INSS exige laudo obstétrico. Após anexar, recebe deferimento de 60 dias.
Caso 3 – Segurado especial rural
Cai de cavalo, fratura fêmur. Anexa atestado, notas de produtor e declaração de sindicato. INSS agenda perícia presencial; benefício acidentário concedido.
Perguntas e respostas
Posso pedir auxílio-doença e continuar contribuindo?
Não. Contribuir durante o recebimento caracteriza fraude porque demonstra capacidade laborativa.
A empresa pode protocolar o pedido por mim?
Não. O requerimento é pessoal, mas você pode dar procuração eletrônica para contador ou RH.
Fiquei sem internet. Posso ligar para o 135?
Sim. O atendente cadastra o pedido e informa protocolo; depois você deve anexar documentos no Meu INSS ou na agência.
Quanto tempo o INSS tem para decidir?
Legalmente 45 dias, prorrogáveis por mais 45. Se ultrapassar, cabe mandado de segurança.
A perícia documental sempre dispensa exame físico?
Não. Se o perito julgar necessário, convocará para avaliação presencial.
Auxílio-doença gera FGTS?
Apenas se acidentário (B-91); o comum (B-31) suspende depósitos.
Receberei décimo terceiro?
Sim. O abono anual é pago proporcionalmente ao tempo em benefício.
Posso transformar em aposentadoria sem novo pedido?
Sim, o INSS converte automaticamente se a incapacidade tornar-se permanente; você será convocado para avaliação.
Preciso pagar advogado?
O processo administrativo é gratuito. Advogado é opcional, mas recomendado em casos complexos.
Qual valor mínimo do benefício?
Nunca inferior ao salário-mínimo vigente.
Conclusão
Dar entrada no auxílio-doença pela internet elimina barreiras geográficas, reduz filas e coloca a tecnologia a serviço da proteção social. Com uma conta Gov.br, documentos médicos claros e atenção aos prazos, o segurado garante manutenção da renda sem sair de casa. Ainda assim, cada clique carrega responsabilidade jurídica: atestados falsos geram crime, prazos perdidos acarretam indeferimentos, e omissão de dados trabalhistas impede a concessão. Seguir o passo a passo, guardar protocolos e, se necessário, buscar apoio profissional transforma um simples procedimento eletrônico em verdadeira salvaguarda da dignidade humana prevista na Constituição Federal.