Sim. Você pode negociar o imóvel mesmo sem tê-lo registrado, mas o que venderá serão apenas direitos e expectativas, não a propriedade em si. A transferência da titularidade só acontece depois que a escritura pública é levada ao Cartório de Registro de Imóveis competente e averbada na matrícula. Enquanto isso não ocorre, o vendedor continua figurando como dono perante terceiros e o comprador assume riscos relevantes. A seguir, entenda em detalhes cada implicação, os cuidados indispensáveis e o caminho mais seguro para concretizar a venda.
O que significa ter escritura sem registro
A escritura pública é o documento formal que materializa a vontade das partes de transferir o imóvel. Ela é lavrada em cartório de notas, garante autenticidade e torna o contrato público, mas não é suficiente para transmitir a propriedade. Segundo o artigo 1.245 do Código Civil, a transferência só se perfectibiliza “com o registro do título translativo no Cartório de Imóveis”. Portanto, quem possui apenas a escritura tem um título hábil, mas ainda detém “direitos aquisitivos”, não o domínio pleno.
A função do registro de imóveis na transferência de propriedade
O registro imobiliário cumpre duas funções essenciais: publicidade e segurança jurídica. Ao ingressar na matrícula, o título se torna oponível erga omnes, criando uma espécie de “fotografia jurídica” do imóvel. Isso impede transmissões paralelas, facilita a obtenção de financiamento, reduz litígios e permite a rastreabilidade da cadeia dominial. Sem registro, o bem fica fora desse sistema de controle e exposto a conflitos de posse, penhoras e fraudes.
Consequências jurídicas de não registrar a escritura
Sem registro
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O vendedor ainda é o proprietário oficial e continua sujeito a execuções fiscais, ações de cobrança e gravames contra ele.
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O comprador não pode usar o imóvel como garantia hipotecária ou alienar fiduciariamente.
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O adquirente corre o risco de o vendedor revender o imóvel para terceiro que registre primeiro (princípio da prioridade).
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Tributos como IPTU e taxas de condomínio continuam em nome do antigo dono até que haja comunicação formal.
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A posse pode ser contestada em inventários e divórcios envolvendo o vendedor, gerando sobreposição de direitos.
Posso vender o imóvel mesmo sem registro? Aspectos contratuais
O Código Civil permite a alienação de direitos (art. 286), inclusive os “direitos aquisitivos” decorrentes da escritura. Na prática, o vendedor celebra nova escritura de cessão desses direitos ou um instrumento particular de promessa de compra e venda. Contudo, o comprador final só se tornará proprietário quando providenciar o registro. Por isso, bancos, corretoras e investidores costumam exigir a regularização prévia ou estipular cláusulas de retenção de pagamento até o registro.
Cessão de direitos aquisitivos: como funciona
A cessão de direitos:
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Título Os cedentes outorgam escritura pública de cessão, citando a escritura original e a matrícula do imóvel.
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Preço Pode coincidir com o valor do imóvel ou refletir apenas sinal e parcelas já pagas ao titular da escritura original.
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Impostos Incide ITBI no momento em que se registra a transferência de propriedade; durante a cessão, prefeituras divergem sobre cobrar ou não.
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Registro A certidão da matrícula deve ser atualizada e, se constar averbada a promessa original, a cessão é averbada a seguir.
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Quitação Se houver financiamento, o banco precisa anuência ou substituição do devedor.
Riscos para o vendedor
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Responsabilidade solidária Se o comprador atrasar IPTU ou Condomínio antes de registrar, credores podem acionar o vendedor oficialmente constante na matrícula.
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Penhora do bem Dívidas pessoais do vendedor podem recair sobre o imóvel até o registro ser feito.
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Anulação do negócio Herdeiros podem questionar venda feita sem outorga em caso de regime de bens que exija consentimento.
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Multas contratuais Cláusulas de promessa de compra e venda costumam prever penalidades se o vendedor não regularizar em prazo acordado.
Riscos para o comprador
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Dupla venda Outro adquirente pode registrar antes e se tornar proprietário legítimo.
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Penhoras preexistentes Gravames contra o vendedor podem ser averbados depois da assinatura da escritura e antes do registro.
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Impossibilidade de crédito Sem título registrado, instituições financeiras recusam hipoteca e alienação fiduciária.
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Sucessão Se o vendedor morrer antes do registro, o imóvel entra no espólio e o comprador terá de habilitar crédito no inventário.
Exigências de instituições financeiras e cartório
Cartórios de imóveis exigem:
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Certidão negativa de débitos fiscais territoriais
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Guia do ITBI paga
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CND de INSS para construções recentes
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Planta aprovada e habite-se, quando aplicável
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Comprovação de cadeia dominial clara
Bancos normalmente pedem:
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Matrícula atualizada
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Certidões forenses dos vendedores
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Certidões fiscais da prefeitura
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Avaliação do engenheiro credenciado
Tributação e custos envolvidos na regularização
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ITBI Alíquota municipal (geralmente 2% a 3%) sobre o valor venal ou da transação, o que for maior.
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Emolumentos de registro Variam por estado e valor do imóvel.
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Taxa de escritura Cobrança pelo cartório de notas de acordo com tabela estadual.
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Despesas acessórias Certidões negativas, despachante, cópias, selos.
Exemplo: Em São Paulo, a regularização de imóvel de R$ 500 mil pode chegar a R$ 22 mil, somando ITBI, escritura e registro.
Passo a passo para registrar a escritura antes ou depois da venda
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Solicitar certidão de matrícula atualizada.
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Reunir documentos pessoais e certidões dos vendedores.
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Pagar ITBI.
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Lavrar a escritura pública ou a escritura de cessão de direitos.
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Levar a escritura ao Cartório de Imóveis competente.
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Acompanhar a prenotação (protocolo) e corrigir exigências.
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Retirar a matrícula atualizada com o registro averbado.
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Comunicar prefeitura, concessionárias e condomínio.
Exemplos práticos e jurisprudência relevante
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STJ, REsp 1.433.068/SP Decidiu que a falta de registro impede a oponibilidade da compra a terceiros, prevalecendo quem registra primeiro.
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TJ-SP, Apelação 100XXXX-02.2023 Comprador sem registro só possui direito pessoal contra vendedor; penhora fiscal sobre o imóvel permaneceu válida.
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TJ-RS, Apelação Cível 700XXXX-48.2022 Reconheceu dano moral ao comprador que teve de ajuizar ação para compelir vendedor a registrar escritura prometida.
Como evitar fraudes e problemas futuros
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Exigir registro simultâneo ao pagamento do preço.
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Utilizar conta escrow ou cláusula de pagamento vinculado à efetivação do registro.
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Pedir certidão de ônus e ações reais atualizada.
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Incluir cláusula de imissão provisória na posse.
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Contratar profissional especializado (advogado ou despachante imobiliário).
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Conferir se o vendedor é casado e a necessidade de anuência do cônjuge.
Perguntas e respostas
Posso morar no imóvel mesmo sem registro?
Sim. A posse é transmitida pela tradição, mas não garante propriedade nem protege contra penhoras.
O ITBI deve ser pago na assinatura da escritura ou no registro?
Prefeituras exigem antes do registro. O comprovante é requisito para protocolar o título.
Se eu revender antes de registrar, preciso de nova escritura?
Sim. Você cede seus direitos por meio de nova escritura pública ou contrato particular com força de cessão.
É obrigatório registrar promessa de compra e venda?
Não, mas o registro garante preferência em caso de nova venda e consolida direitos reais à aquisição.
Existe prazo para registrar a escritura?
Não há prazo legal, mas cartórios recomendam registrar em até 30 dias para evitar exigências de atualização de certidões.
Posso financiar imóvel sem registro?
Geralmente não. Bancos exigem matrícula em nome do vendedor e garantem a alienação fiduciária somente após a escritura e registro.
O vendedor pode desistir após a escritura não registrada?
Não. Já existe obrigação contratual; a parte prejudicada pode exigir o registro via ação de adjudicação compulsória.
Herança e escritura não registrada: quem herda?
Enquanto não registrar, o imóvel pertence ao patrimônio do vendedor e integrará o inventário. O comprador terá de habilitar seu crédito.
Como funciona a usucapião quando há escritura sem registro?
A posse decorrente de escritura é considerada justa e pode ensejar usucapião extraordinária em 15 anos, dispensando boa-fé.
Que documentos o cartório pode exigir além da escritura?
Certidões de nascimento ou casamento, comprovante de pagamento de taxas, declaração de quitação de débitos condominiais, entre outros.
Conclusão
Ter a escritura pública sem efetuar o registro significa possuir apenas um passo do processo de transferência de propriedade. É possível vender, mas o negócio estará restrito à cessão de direitos aquisitivos, gerando riscos a ambas as partes. O registro no Cartório de Imóveis é o ato que confere segurança, publicidade e eficácia contra terceiros. Vendedores evitam responsabilidade solidária e compradores garantem domínio pleno somente após essa etapa. Portanto, a recomendação técnica é sempre vincular o pagamento do preço ao protocolo do título e concluir a regularização o mais rápido possível. Assim, todos desfrutam de tranquilidade jurídica e patrimônio protegido.