O cálculo do INSS de obra – também chamado de aferição da contribuição previdenciária incidente sobre a construção civil – é obrigatório para que o proprietário, a construtora ou o incorporador regularize o empreendimento perante a Receita Federal do Brasil, obtenha a Certidão Negativa de Débitos e registre o imóvel no cartório. A seguir, você encontrará um guia completo que revela, passo a passo, como a base de cálculo é formada, quais documentos precisam ser apresentados, de que forma funcionam os sistemas Sero, DISO, CNO e GFIP, além de estratégias para reduzir riscos de autuação fiscal.
Conceito e fundamento legal do inss de obra
O INSS de obra é a contribuição previdenciária calculada sobre o valor total da construção e de suas devidas remunerações de mão de obra. A exigência decorre dos artigos 30, inciso VI, e 33, §10, da Lei 8.212 de 1991, regulamentados pelos artigos 146 a 155 da Instrução Normativa RFB 2.110 de 2022. O regime foi criado para combater a informalidade na construção civil, setor historicamente propenso a contratações sem carteira assinada.
Quem está obrigado ao recolhimento
O dever de recolher é atribuído ao responsável legal da obra: pessoa física que constrói ou reforma imóvel próprio, condomínio residencial, microempreendedor individual, empresa de construção, incorporador, consórcio ou órgão público. Mesmo quando a edificação é realizada por empreitada total, a Receita entende que o dono do empreendimento permanece solidariamente responsável, o que torna indispensável controlar notas fiscais e registros de empregados da construtora contratada.
Matrícula da obra: do CEI ao CNO
Até 2019 a obra era identificada pela matrícula CEI. Com a Instrução Normativa RFB 1.845 de 2018, surgiu o Cadastro Nacional de Obras – CNO – que passou a abrigar dados mais completos: endereço, alvará, licença, data de início, área em metros quadrados, responsável técnico, vinculação a pessoa jurídica ou física e se a construção é nova, reforma, ampliação ou demolição. A matrícula deve ser aberta antes do começo dos serviços, sob pena de multa que varia de 1 % a 20 % do valor da contribuição devida.
Aferição indireta x aferição direta
Existem dois caminhos para apurar a base de cálculo: aferição indireta (por metro quadrado) e aferição direta (pelo custo efetivo de mão de obra).
A aferição indireta é aplicada a obras de pessoas físicas, a construções residenciais unifamiliares de até 200 m² e a obras sem comprovação satisfatória de folha de pagamento. A base de cálculo resulta do produto entre área construída e o Custo Unitário Básico – CUB – do sindicato da construção do estado, multiplicado por 20 %, alíquota presumida para mão de obra.
Já a aferição direta exige a apresentação de documentos de utilização de mão de obra – GFIP, folhas de pagamento, notas fiscais de serviços contratados – comprovando salários recolhidos. Quando essa documentação demonstra que a mão de obra efetivamente remunerada corresponde a, no mínimo, 50 % da mão de obra presumida, aplica-se a contribuição sobre o valor efetivo. Caso contrário, a diferença é adicionalmente cobrada com multa e juros.
Passo a passo para o cálculo
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Definir a área total regularizada no habite-se, laudo de vistoria ou alvará de conclusão.
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Consultar o CUB referente ao mês de conclusão da obra, ou, na falta deste, o último CUB publicado.
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Verificar percentual de mão de obra presumida previsto na tabela da Receita (20 % a 30 % conforme padrão construtivo).
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Multiplicar área por CUB e pelo percentual de mão de obra, obtendo o custo presuntivo.
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Confrontar com o total de remunerações constantes das GFIP.
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Recolher 20 % a título de contribuição patronal sobre a base maior (presuntiva ou efetiva).
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Acrescentar 5 % de RAT e 0,8 % de terceiro se a obra for realizada por empresa; pessoa física recolhe apenas os 20 %.
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Incluir juros Selic e multa de mora se o recolhimento ocorrer após o dia 20 do mês subsequente ao fato gerador.
Sistema ero e a emissão da diso
A Declaração e Informações Sobre Obra – DISO – é transmitida pelo Sero, módulo do e-CAC que reúne CNO, dados do responsável, período de execução e detalhamento de notas fiscais e GFIP. A Receita cruza automaticamente valores declarados com as bases do eSocial e da EFD-Reinf, identificando inconsistências em tempo real. Concluído o processamento, o sistema gera o Documento de Arrecadação de Receitas Federais – DARF – com o saldo de INSS devido e, após o pagamento, libera a emissão de CND.
Documentos necessários para comprovação de mão de obra
– Contratos de empreitada ou subempreitada.
– Notas fiscais eletrônicas de serviços de construção.
– GFIP consolidadas por matrícula CNO.
– Guias de recolhimento do FGTS (se houver empregados).
– ART ou RRT do responsável técnico.
– Livro de inspeção de segurança do trabalho para obras acima de 20 trabalhadores.
Reflexos da reforma trabalhista e do eSocial
Com a Lei 13.467 de 2017 e a implantação do eSocial, a Receita passou a receber informações de vínculos, salários, RAT e terceiros praticamente em tempo real. Isso restringiu a prática de registrar empregados apenas no final da obra – expediente ainda comum em obras de pessoa física. Auditores fiscais agora acessam a linha do tempo de eventos S-1200 (remuneração) e S-1260 (aquisição de produção rural) e exigem justificativa para períodos sem movimentação.
Vínculo autônomo ou empregado na construção civil
A contratação de pedreiros, serventes e mestres de obra como autônomos é vista com desconfiança pela fiscalização, pois a habitualidade e subordinação são facilmente caracterizadas em canteiros. Quando o auditor reconhece vínculo, retroage contribuições ao início da obra, impõe multa de 75 % sobre a diferença apurada e lavra auto para FGTS e demais encargos.
Responsabilidade solidária entre dono e construtora
Mesmo que a empresa contratada tenha recolhido integralmente os encargos, o proprietário do imóvel continua responsável caso faltem documentos comprobatórios. Para afastar risco, recomenda-se reter cópias das GFIP da construtora, comprovar pagamento das notas fiscais e exigir certidões negativas de débitos previdenciários a cada medição.
Incentivos e desonerações específicas
Obras de programa habitacional de interesse social, financiadas pelo Minha Casa Minha Vida (atual Minha Casa Verde e Amarela), podem ter redução de alíquota a 1 % sobre a receita bruta (CPRB) ou isenção conforme Decreto 9.451 de 2018. Para obtenção do benefício, o responsável deve optar formalmente pela desoneração antes do início e manter separação contábil dos contratos enquadrados.
Fiscalização eletrônica e malha fina
A Receita utiliza geoprocessamento, imagens de satélite e integrações com prefeituras para cruzar alvarás e habite-se com lançamentos de CNO. Construções sem matrícula aparecem em malha fina e recebem notificação automática. O prazo para regularização é de 30 dias, sob pena de lançamento de ofício com multa de ofício de 75 % a 225 %.
Exemplo prático de cálculo
Um proprietário pessoa física constrói residência de 250 m², padrão médio. CUB da região: R$ 2.300 por m². Percentual de mão de obra: 25 %.
Custo presumido = 250 × 2.300 × 25 % = R$ 143.750.
Contribuição devida = 20 % sobre 143.750 = R$ 28.750.
Se o proprietário comprovar, via GFIP, que remunerou R$ 120.000 de salários, ainda será necessário recolher sobre o presumido, pois ele é maior que o efetivo.
Estratégias para economizar sem fraudar
Contratar por empreitada total com construtora regular, exigir CND mensal, utilizar MEIs apenas para serviços não contínuos e registrar empregados do canteiro por meio do eSocial desde o primeiro dia. Também é recomendável acompanhar mensalmente o CUB para planejar aditivos de contrato que não inflacionem a base presumida.
Consequências da não regularização
Sem comprovar quitação de INSS de obra, o responsável não obtém averbação da construção na matrícula do imóvel, não consegue financiamento habitacional e pode ser inscrito em dívida ativa da União. Débitos superiores a R$ 15.000 permitem arrolamento de bens; valores acima de R$ 1 milhão motivam representação fiscal para fins penais com base no artigo 337-A do Código Penal.
Retroatividade e decadência
A Fazenda pode lançar contribuições dentro do prazo decadencial de cinco anos contados do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado. Obras concluídas há mais de cinco anos sem regularização não estão livres: se a fiscalização provar que houve fraude (omissão dolosa de informação), o prazo passa a ser de dez anos.
Responsabilidade do engenheiro e do arquiteto
Embora não recolham INSS em seu nome, os profissionais signatários da ART ou RRT podem ser responsabilizados solidariamente por conivência em fraudes, se a Receita comprovar que atestaram metragem ou cronograma falso. O CREA e o CAU podem ainda abrir processo ético-disciplinar.
Tendências e mudanças esperadas
A minuta do novo Regulamento da Previdência Social propõe automatizar a geração do DARF após a liberação do habite-se, integrando sistemas municipais e Receita. Também estuda-se reduzir o percentual de mão de obra presumida para obras que utilizam construção modular ou tecnologia de baixo consumo de trabalhadores, estimulando inovação e produtividade.
Perguntas e respostas
Qual o prazo para abrir CNO
Até o dia imediatamente anterior ao início da obra.
Posso recolher INSS de obra parcelado
Sim, pelo e-CAC, em até sessenta prestações mensais, desde que haja garantia ou inscrição em dívida ativa.
Reforma interna em apartamento precisa de CNO
Se houver alteração estrutural ou aumento de área, sim; simples troca de piso dispensa.
Obra rural segue a mesma regra
Não. Construções em imóveis rurais seguem o cadastro do produtor e recolhem Funrural com alíquotas específicas.
Mão de obra de MEI entra no cálculo
Não. MEI recolhe pelo SIMEI; o valor da nota fiscal não integra remuneração da obra, mas a Receita pode desconsiderar se o serviço for típico de empregado.
Como calcular INSS em demolição
Incide sobre o valor da remuneração efetiva; não há percentual presuntivo de mão de obra.
Condomínio que constrói área de lazer deve recolher
Sim. O síndico é responsável legal e deve abrir CNO.
Posso usar o CUB estadual de outro mês
Somente se a obra terminou em mês sem publicação; caso contrário, usa-se o CUB vigente à conclusão.
Existe multa para quem falta GFIP mas recolhe guia única
Sim. A ausência de GFIP gera multa de R$ 500 a R$ 1.500 por competência, mesmo que a guia seja paga.
É possível compensar INSS de obra com créditos de restituição
Sim, via PER/DCOMP, desde que os créditos estejam habilitados e não sejam objeto de contestação.
Conclusão
O cálculo do INSS de obra exige planejamento prévio, domínio das normas previdenciárias e rigor documental. Ignorar o processo pode resultar em multas, atraso no registro do imóvel e até ações penais. Ao compreender a diferença entre aferição direta e indireta, manter registros de GFIP, contratar mão de obra formal e preencher corretamente o CNO e a DISO, o responsável pela construção garante segurança jurídica, economiza tempo e evita surpresas desagradáveis na entrega das chaves. Se restarem dúvidas específicas ou se a fiscalização já bateu à porta, vale procurar um contador ou advogado especializado em direito previdenciário da construção civil para elaborar defesa técnica e estratégias de regularização.