A ação declaratória de nulidade do processo aplicada aos casos de ausência e nulidade de citação – querela nullitatis

Resumo: O artigo objetiva analisar a formação válida do processo a partir do direito de ação e citação do réu, assim, dispõe acerca dos princípios processuais constitucionais da isonomia, devido processo legal, contraditório e ampla defesa e segurança jurídica. Apontamos as formas de citação, os respectivos casos de nulidade e como argui-los no decorrer da tramitação processual e após o seu trânsito em julgado, nesse ponto explicamos a querela nullitatis e sua admissão no processo civil brasileiro.

Palavras chaves: Processo; Citação; Princípios; Nulidade.

Abstract: The Article aims to analyze the validates the process from right of action and citation of the accused, therefore, offers about the constitutional procedural principles of isonomy, due legal process, contradictory and extensive defense and legal security. Pointed the forms of citation, the respective cases of nullity and how that reproveth them during the course of the procedure and after your res judicata, at this point we explained the querela nullitatis and their admission into Brazilian civil process.

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Keywords: Process; Citation; Principles; Nullity.

Sumário: Introdução. 1. A trilogia estrutural do processo. 2. Princípios processuais constitucionais. 3. A relação jurídica processual. 4. A citação. 5. A ação declaratória de nulidade do processo aplicada aos casos de ausência e nulidade de citação – querela nullitatis. Considerações Finais. Referências.

Introdução   

Diante de um conflito de interesses, os litigantes podem depositar a solução do impasse em um processo judicial justo e célere, sendo o sujeito ativo a parte que exerce o direito de agir com a propositura da ação e o Estado-juiz, que julga o caso concreto, deverá citar o sujeito passivo para que este possa se defender e exercer o direito fundamental ao contraditório e à ampla defesa.  

Desse modo, a relação jurídica processual composta por autor, juiz e réu e em conformidade a um procedimento, deve oportunizar igualdade de direitos e deveres às partes, inclusive para a observância ao Princípio do Devido Processo Legal. Todavia, há casos em que, por falha dos mecanismos da justiça ou até por má-fé da parte autora, a citação, tida como o ato processual de comunicação do réu, é efetivada com vícios ou não é realizada, o que afronta indubitavelmente os princípios processuais constitucionais, pois não se pode admitir que o réu seja julgado em processo de que não teve conhecimento ou cuja citação apresenta nulidades.

Para tanto, a legislação processual civil dispõe os meios em que o réu pode alegar a falta ou nulidade de citação, tais como preliminar de contestação (art.301, I), impugnação ao cumprimento de sentença (art. 475-L) e embargos à execução contra a Fazenda Pública (art. 741, I). Contudo, pode ocorrer que o processo judicial haja transitado em julgado com proferimento de sentença de mérito em desfavor do réu, caso em que este não poderá se socorrer desses meios processuais dispostos no Código de Processo Civil.

Nesse contexto, o presente artigo analisa como o réu pode impugnar sentença proferida em seu desfavor, em processo judicial transitado em julgado que tramitou à sua revelia em razão de ausência ou nulidade do ato citatório, para tanto, o estudo também se pauta nos princípios da Isonomia processual, do Devido Processo Legal, do Contraditório, da Ampla defesa e da Segurança jurídica.

1. A Trilogia Estrutural do Processo.

A origem da sociedade pode ser analisada sob o enfoque da corrente naturalista, que acredita no homem como ser eminentemente social, que se reúne aos demais para satisfazer as respectivas necessidades e garantir a própria sobrevivência, em que teve Aristóteles[1] como um de seus precursores ao afirmar que “[…] o homem é naturalmente um animal político […]”.

De outro modo, a corrente contratualista defendida, por exemplo, por Hobbes, sustenta a formação da sociedade como um acordo de vontades, cuja convivência social é pautada em direitos e obrigações recíprocas entre os homens, sendo necessária a presença de um poder que administre esse convívio: o Estado.

Mas independentemente da corrente da origem da sociedade que se defende, o certo é que o homem não se satisfaz apenas com o convívio social, pois necessita de certos bens para garantir a sobrevivência, que para Carnelutti[2], “[…] bem é o ente capaz de satisfazer a uma necessidade do homem […]”, entretanto, por não estarem disponíveis a todos, estes precisam ser disputados com os demais, como ocorria nas primitivas civilizações, cujos conflitos eram solucionados pela via da força bruta.

Isto ocorria porque nem sempre existiu o Estado como um ente político soberano, com a finalidade de garantir a paz social e capaz de determinar a decisão aos conflitantes. De fato, ao menos havia lei para regular as relações entre os homens, pois a defesa do indivíduo ocorria pelo emprego de todos os meios de que dispunha em face da parte contrária, inclusive com a violência física.

Essa forma de solução de conflitos, em que cada indivíduo defendia seus interesses conforme a própria vontade se denomina de autotutela ou autodefesa, em que não há a presença de pessoa diversa dos litigantes para solucionar o conflito, que é dirimido com a imposição dos anseios de uma das partes sobre a outra.

Com a evolução da sociedade, se concluiu que o emprego da força bruta não consistia no meio justo para solucionar os conflitos e que as decisões deveriam ser motivadas na razão, o que fez surgir a forma autocompositiva de solução da lide desenvolvida com o acordo dos interesses dos litigantes.

A partir da autocomposição, os litígios passaram a ser submetidos a uma pessoa de confiança que geralmente era um sacerdote ou ancião, pois se acreditava que pela sabedoria e experiência de vida, estes eram capazes de intervir com soluções para o conflito.

Atualmente, a autocomposição se reflete na renúncia, submissão ou transação do direito pelos litigantes. A renúncia é o ato unilateral, em que o autor, litigante que afirma ser titular do direito lesado ou ameaçado de lesão, não deseja mais obter o objeto do litígio para si, deixando de reinvindicá-lo. A submissão também consiste em ato unilateral, em que um dos litigantes, autor ou réu, sem qualquer coação decide submeter-se à pretensão do outro. A transação trata-se de ato bilateral, em que os litigantes fazem concessões recíprocas, pois o autor renuncia parte de sua pretensão e o réu submete a sua resistência à parte não renunciada, resultando em um acordo.

Assim sendo, o Código Processual Civil dispõe no art. 269, incisos II, III e V, sobre a extinção do processo com resolução de mérito, nos casos de renúncia do autor, de reconhecimento jurídico do pedido (submissão) ou de transação das partes[3]. Vale destacar que a lei federal nº 9.307/1996, regula a arbitragem permitindo que as partes também possam transigir o conflito de interesses com o intermédio do juiz arbitral.

De todo o modo, após o surgimento da autocomposição o Estado passou a intervir ainda mais na solução dos litígios, adquirindo o poder de nomear o árbitro, momento em que a arbitragem que até então era facultativa, passou a ser obrigatória a partir do século III d.C e assim a justiça se tornou “pública”, surgindo o poder jurisdicional do Estado. Diante disso, Theodoro Jr.[4] explica que “[…] Com o fortalecimento do Estado e com o aperfeiçoamento do verdadeiro Estado de Direito, a justiça privada, já desacreditada por sua impotência, foi substituída pela Justiça Pública ou Justiça Oficial”.

Jurisdição, do latim ius (direito) e dicere (dizer), entendida como “dizer o direito”, corresponde ao poder do Estado de aplicar o direito objetivo de forma imparcial diante de um litígio. Desse modo, Alvim[5] explica que:

“[…] A jurisdição é uma função do Estado, pela qual este atua o direito objetivo na composição dos conflitos de interesses, com o fim de resguardar a paz social e o império da norma de direito.”

Nesse sentido, o Estado veda aos particulares o emprego da força bruta para a defesa de suas pretensões, cabendo ao ente político, através do seu poder jurisdicional, promover a solução dos conflitos por meio da aplicação do direito objetivo.

Entretanto nem sempre a jurisdição atua para a solução de conflito de interesses, é o que se observa na jurisdição voluntária ou graciosa, em que não há lide, nem atuação substitutiva do magistrado à vontade das partes, mas atividade administrativa, conforme estabelece o art. 1º do Código Processual Civil[6]. Ademais, na jurisdição voluntária não existem partes, mas interessados e caso surja litígio, a jurisdição passará a ser contenciosa[7].

Assim, o Estado-juiz permanece inerte enquanto não for provocado para solucionar o litígio, razão pela qual a Constituição da República estabelece o direito fundamental de ação no seu art. 5º, XXXV[8], em que o indivíduo exerce o direito de agir expondo os fundamentos fáticos e jurídicos e requerendo a atuação do direito objetivo no caso concreto.

A ação poderá ser de conhecimento, de execução ou cautelar e para todas estas devem ser observados o interesse de agir, a legitimidade ad causam e a possibilidade jurídica do pedido, bem como os respectivos requisitos, sem os quais serão indeferidas, como ocorre nas ações cautelares em que se exige a demonstração do fumus boni iuris e do periculum in mora.

Portanto, a prestação jurisdicional é provocada por meio da ação, mas o seu trâmite não é livre, devendo seguir o método estabelecido na lei – o processo, sendo o meio pelo qual o Estado aplica o direito objetivo, para atender ao direito fundamental de ação exercido pelo autor.

O processo é o instrumento que une ação e jurisdição para a realização da justiça, por meio dele também se estabelece uma relação jurídica de direito público entre o juiz e as partes. Assim, Rodrigues[9] afirma que o processo deve ser entendido como “[…] o único caminho idôneo que permite o exercício efetivo do direito de ação e, no âmbito do juiz, o julgamento da lide”.

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Nesse sentido, o processo consiste no meio e método de aplicar o ordenamento jurídico nos Estados Democráticos de Direito, pois garante o equilíbrio e a participação dos interessados para que ao final seja proferida a decisão de mérito, julgando procedente ou improcedente o objeto pleiteado pelo autor.

Desse modo, uma sequência de atos haverão de ser praticados por meio do processo para que o Estado-juiz possa atuar o direito objetivo, como afirma Dinamarco[10] “O processo existe acima de tudo para o exercício da jurisdição e esse é o fator de sua legitimidade social entre as instituições jurídicas do país”.

Assim, o Estado com o poder de aplicar o direito – poder jurisdicional, tem a sua atuação impulsionada pelo particular por meio da ação e através do processo, deve seguir um procedimento em conformidade com os princípios processuais que velam pelo tratamento igualitário e imparcial aos litigantes eis então, a trilogia estrutural do processo: Jurisdição, Ação e Processo.

2. Os Princípios Processuais Constitucionais

Os princípios são fontes do direito e fundamentos das normas jurídicas, razão pela qual violar um princípio implica ofensa a todo o sistema que ele pertence. Com efeito, correspondem a normas de alicerce do ordenamento jurídico, de modo que todas as disposições legais precisam estar em consonância com eles. Dworkin[11] destaca a importância dos princípios ao afirmar que “[…] São pautas genéricas, não aplicáveis à maneira de ‘tudo ou nada’, que estabelecem verdadeiros programas de ação para o legislador e o intérprete”.

Em linhas gerais, se entende que a partir da segunda metade do século XX, os princípios gerais que constavam nos Códigos como fontes subsidiárias das regras, foram inseridos nas Constituições e passaram a ser considerados como valores supremos de uma ordem jurídica.

Nesse sentido, os princípios, por comportarem valores, poderão colidir nos casos concretos e esta colisão deverá ser solucionada por meio do sopesamento, preponderando o princípio de maior valor. Conforme explica Alexy[12]:

“Nos casos concretos, os princípios têm pesos diferentes e que os princípios com o maior peso tem precedência […]. O objetivo desse sopesamento é definir qual dos interesses – que abstratamente estão no mesmo nível – tem maior peso no caso concreto”.

Os princípios processuais constitucionais são considerados como fundamento do Estado Democrático de Direito e devem ser aplicados de forma imediata, pois estão fundamentados na Constituição da República que está acima de todas as normas do ordenamento jurídico brasileiro. Diante disso, cabe analisar os princípios constitucionais processuais que se referem à isonomia das partes, ao devido processo legal e à segurança das relações jurídicas.

O princípio da isonomia, também conhecido como princípio da paridade ou igualdade das armas, guarda previsão constitucional no caput do seu art. 5º, de modo que independentemente de raça, sexo, cor e religião, a todos deve ser conferido tratamento igualitário na tramitação processual. Assim sendo, eventual procedimento desigual às  partes pode ocorrer apenas para garantir o equilíbrio das mesmas no processo, como a prioridade conferida ao julgamento das ações de pessoas que contam com idade igual ou superior à 60 (sessenta) anos, conforme dispõe o art. 1.211-A do CPC.

O princípio do Devido Processo Legal advindo da Carta Magna inglesa em 1215 (due process of Law)[13], pode ser considerado como direito fundamental e gênero de todos os princípios processuais, como o do Contraditório, da Ampla defesa, do Juiz natural, da Participação, dentre outros, guardando previsão constitucional no art.5º, LIV[14].

O referido princípio também pode ser compreendido como o trinômio vida-liberdade-propriedade, conforme Nery Junior[15] ressalta “[…] Tudo o que disser respeito à tutela da vida, liberdade ou propriedade está sob a proteção da due process clause”.

O ordenamento jurídico brasileiro confere garantias processuais que estão fundamentadas nesse princípio, como o direito do réu de conhecimento do teor da acusação, ao Contraditório; à Ampla defesa; ao arrolamento de testemunhas e à assistência judiciária gratuita.

Portanto, o réu também não poderá ser julgado sem que haja um processo justo, conduzido com imparcialidade e que tenha lhe garantido o direito de defesa. Como afirma Canotilho[16], processo devido em direito significa “[…] a obrigatoriedade de um tipo de processo legalmente previsto antes de alguém ser privado da vida, da liberdade e da propriedade”.

Assim, o processo será justo quando cumprir a disposição constitucional do contraditório, seguir o trâmite processual disposto em lei e conferir tratamento isonômico às partes. Sendo possível afirmar que o princípio do Devido Processo Legal somado ao direito de Ação e ao Contraditório e à Ampla defesa, constitui a base das garantias processuais.

O Estado no desempenho de sua função jurisdicional deve conferir participação igualitária no processo e solucionar o conflito com imparcialidade, sem privilegiar uma das partes em detrimento da outra, de modo que as mesmas devem ter ciência de todos os atos que surgirem no decorrer do processo, para que possam se manifestar.

Diante disso, os princípios do Contraditório e da Ampla defesa visam permitir a participação das partes na tramitação processual, em que é permitido o direito de agir (ação), bem como deve ser garantida a participação do réu no processo (reação) e o faz através dos meios processuais de defesa que a lei permite como a contestação (art.300 do CPC), a exceção de incompetência, de impedimento ou de suspeição (arts. 307 à 314 do CPC), impugnação ao valor da causa (art. 261 do CPC) e a reconvenção (art. 315 do CPC).

O fato é que a ação não se resume apenas ao ajuizamento da petição inicial, mas apresenta a forma dinâmica, para que o juiz tenha todos os elementos necessários para julgar a lide de modo que o Contraditório seja um princípio que se aplique ao réu e ao autor.

Assim, o direito fundamental do Contraditório não revela apenas a participação dos litigantes no processo, mas também o poder de influência, que as partes possam apresentar fatos e argumentos ao processo, com o intuito de influenciar a decisão do juiz, conforme Didier Jr[17] destaca:

“O contraditório se perfaz com a informação e o oferecimento de oportunidade para influenciar no conteúdo da decisão; participação e poder de influência são as palavras-chave para a compreensão desse princípio constitucional.”

Como consectários do Princípio do Devido Processo Legal, o Contraditório e a Ampla defesa não admitem exceções, eles devem ser observados no trâmite processual, do contrário, não há igualdade de direitos e deveres às partes, o que ocasiona a nulidade do processo. Nesse sentido, Theodoro Jr.[18] leciona que:

“[…] Quando se afirma o caráter absoluto do contraditório, o que se pretende dizer é que nenhum processo ou procedimento pode ser disciplinado sem assegurar às partes a regra de isonomia no exercício das faculdades processuais.”

O direito, enquanto instrumento assegurador da ordem jurídica e social deve acompanhar a evolução social e ser adaptado aos novos costumes, daí a razão para a observância ao princípio da Segurança jurídica que tem por escopo assegurar a pacificação social e constitui um direito fundamental previsto no art. 5º, XXXVI[19], guardando previsão legal também na Lei de Introdução ao Código Civil em seu art. 6º[20], correspondendo ao direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.

O princípio da Segurança jurídica confere certeza às relações sociais e às decisões judiciais que solucionam os conflitos de interesse de modo que o referido princípio tutela o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, para impedir que os atos consumados e as decisões judiciais sejam passíveis de modificação diante de leis e questionamentos que possam ocasionar a vulnerabilidade das relações jurídicas e comprometer a pacificação social.

A Constituição da República assegura o direito adquirido, vedando que a criação de uma lei “nova” retroaja para prejudicar o cidadão que auferiu um direito à época da vigência de lei remota, exceto nos casos em que a referida lei beneficia o cidadão. Enquanto o ato jurídico é considerado perfeito quando satisfez todos os requisitos exigidos para a sua existência, conforme a lei vigente ao tempo em que foi realizado.

A coisa julgada (res judicata) se trata de instituto processual que torna imutável a sentença transitada em julgado, não sendo possível a interposição de recursos. A sua aplicação advém do direito romano, época em que também foi garantida sob os preceitos do jusnaturalismo. De acordo com Greco Filho[21], “[…] veio da tradição romana a idéia de que a sentença era a própria coisa julgada ou a coisa julgada era o próprio objeto litigioso definitivamente decidido”.

A coisa julgada guarda previsão legal no Código Processual Civil em seu art. 467 e pode ser classificada em material e formal, na primeira hipótese, a sentença resolve o mérito da lide, em que o magistrado fundamenta a decisão no art. 269 do CPC, extinguindo o processo com resolução de mérito.

De outra parte, quando a sentença não resolve o mérito da ação, é terminativa do feito, extinguindo o processo com fundamento no art. 267 do CPC, caso em que se os litigantes não interpuserem recurso, esta decisão restará sujeita à coisa julgada formal.

Desse modo, Dinamarco[22] explica que a coisa julgada consiste numa “[…] capa protetora da sentença”, impedindo, por exemplo, que o legislador venha a “[…] reger de modo diferente as relações jurídico-materiais entre os sujeitos que litigaram, fazendo cair do nada o que o juiz decidira”.

Assim, o trâmite processual deve observar os respectivos princípios por serem normas que fundamentam o ordenamento jurídico pátrio, bem como são considerados imprescindíveis para garantir um processo justo, équo e célere aos jurisdicionados.

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3. A Relação Jurídica Processual

A relação jurídica processual estabelece vínculos entre os sujeitos do processo, gerando deveres, ônus, faculdades e sujeições, este complexo também consiste no contraditório, pois confere aos litigantes a participação igualitária no processo. Tal relação pode ser compreendida sob o enfoque da teoria linear, angular e triangular.

A teoria linear desenvolvida por Köhler[23] acredita que a relação jurídica processual é composta apenas autor e réu podendo ser demonstrada em linha reta, na qual o autor permaneceria em uma das extremidades e o réu em outra, não havendo qualquer menção ao juiz. Contudo, sem a presença do Estado-juiz na relação jurídica processual, não há como impor as normas jurídicas aplicadas ao conflito de interesse, razão pela qual esta teoria não tem prosperado na seara processual.

A teoria angular pautada nas conclusões de Hellwig, sustenta que o autor e réu têm os deveres processuais voltados para o juiz e, portanto, não há uma relação direta entre as partes, mas um vínculo recíproco das mesmas com o juiz. Ocorre que, se faz necessário a presença de um vínculo entre as partes, para que possam manter deveres processuais, como o de agir com lealdade.

A teoria triangular formulada por Bülow e Wach[24], fundamenta que a relação jurídica processual se forma com as partes entre e si, e entre as mesmas e o juiz. Esta é teoria predominante na doutrina brasileira[25] e sustenta que além dos deveres das partes perante o juiz, estas precisam atentar às obrigações recíprocas, podendo inclusive, suspender o processo nos termos do art. 265, II do CPC[26].

Com a propositura da ação, o Estado vincula-se ao autor e este vínculo é ampliado com a citação válida do réu, sendo o ato processual em que este é chamado para se defender. Desse modo, a ação pode ser considerada ajuizada a partir do momento em que a petição inicial é distribuída, caso em que também gera seus efeitos para o autor e que surtirão para o réu a partir da citação válida, conforme entende Dinamarco[27]:

“[…] A citação não é requisito para a formação do processo, ele já existe antes dela, embora os efeitos dessa existência só possam atingir a esfera jurídica do demandado a partir de quando citado […]. Não confundir existência do processo e efeitos dessa existência em relação ao réu.”

Diante disso, é possível afirmar que o processo existe a partir do instante em que a petição inicial for protocolada no órgão jurisdicional, independentemente se a ação atendeu a todas as suas condições e se o processo preenche todos os pressupostos de existência e validade.

Os pressupostos processuais de validade são classificados em subjetivos e objetivos. Os primeiros estão relacionados aos sujeitos da relação processual, ou seja, ao autor, réu e juiz e correspondem à competência do juiz para apreciar o feito, tendo em vista que pode ser declarada a invalidade do processo nos casos de incompetência absoluta, sendo necessário também a capacidade da parte autora, que deve ser sujeito titular de direito, à capacidade processual, pois menores de 18 anos, precisam estar devidamente representados, seja pelos pais, tutores ou curadores, quando menor de 16 anos de idade, ou assistidos, se maior de 16 anos de idade.

Outrossim, também é necessário ter capacidade postulatória, pois a regra é que a parte para requerer a pretensão em juízo, deve estar patrocinada por um advogado, considerado essencial ao exercício da função jurisdicional nos termos do art. 133 da Constituição da República, cuja presença é dispensada nas ações que tramitam nos juizados especiais federais e estaduais.

Os pressupostos processuais de validade objetivos correspondem à petição inicial apta, ajuizada nas condições do art. 282 do CPC, aos atos processuais, como a citação e a intimação e a inexistência de litispendência, perempção e coisa julgada.

A petição inicial é o ato que impulsiona a ação judicial, conforme estabelece o art. 263 do CPC, mas seus efeitos apenas surtirão para o réu a partir da respectiva citação válida, sendo considerada apta, quando preencher todos os requisitos previstos no art. 282 do CPC.

Cabe destacar que o processo judicial será inválido se outro feito estiver em tramitação com as mesmas partes, objeto e causa de pedir, pois será considerado litispendente conforme dispõe o art. 301, §3º do CPC.

 A perempção ocorre quando o autor der causa à extinção do processo sem resolução de mérito, por não providenciar os atos e diligências que lhe competirem por três vezes, de acordo com o disposto no parágrafo único do art. 268 do CPC e a coisa julgada incide quando houver decisão definitiva do feito transitada em julgado, não sendo válida a propositura de ação com as mesmas partes, objeto e causa de pedir cujo mérito já foi julgado.

Diante disso, o processo precisa atender a todos esses pressupostos de existência e de validade para que possa servir de instrumento apto para o exercício do poder jurisdicional e para a formação da relação jurídica processual.

4. A Citação

A citação é pressuposto processual de validade previsto no art. 213 do Código Processual Civil[28], sendo o ato processual de cientificação do sujeito passivo da demanda ajuizada em seu desfavor e da oportunidade para se defender.

Desse modo, a citação válida garante o direito constitucional ao Devido Processo Legal, ao Contraditório e à Ampla defesa, na medida em que possibilita a participação igualitária das partes, através da inclusão do sujeito passivo na relação jurídica processual.

Para que haja formação válida do processo é indispensável que a citação seja realizada de acordo com as prescrições legais, conforme determina o código processual civil em seu art. 214[29]. De acordo com a lição de Fidélis[30]:

“A citação feita corretamente e nos moldes legais também é pressuposto de constituição válida do processo. Nesse caso, ela não apenas deverá ser feita no rigor da forma que a lei considera apta a atingir seus fins, como também deverá atender aos requisitos mínimos exigíveis pela forma com que foi feita”.

Nesse sentido, sem a efetivação deste ato processual, resta prejudicada a formação da relação jurídica processual e consequentemente são violados os princípios do Devido Processo Legal, do Contraditório e da Ampla defesa, motivo pelo qual Dinamarco[31] acredita que a participação igualitária das partes no processo ocorre através do binômio informação e reação, cuja efetividade depende da comunicação processual da parte que está sendo acusada, assim, o referido doutrinador deduz que a citação deve ser compreendida como “[…] a alma do processo e que é o ato com que o demandado fica ciente da demanda proposta, em todos os seus termos”.

Em que pese a validade do processo estar condicionada, também, à citação do réu, é necessário que este ato processual seja efetivado nos moldes legais, do contrário, o réu poderá arguir a nulidade do ato citatório, conforme será exposto adiante.

De modo que, dependendo de quem deve ser citado, se pessoa física ou jurídica e de outros fatores, como o lugar, o Código Processual Civil estabelece no art. 221, as formas de citação que são adotadas, podendo ser real, caso em que é efetivada por correio ou por oficial de justiça, ou ficta, quando realizada através de edital, com hora certa ou eletrônica.

A regra é que a citação seja feita pelo correio, em que o réu ou o interessado recebe correspondência do juízo, informando que fora ajuizada ação em seu desfavor, indicando a espécie da ação, número dos autos e nome do autor dentre outras informações pertinentes ao processo.

As exceções da citação por correio estão previstas nas alíneas do art. 222 do CPC, assim é cabível nas ações de estado; quando o réu for pessoa incapaz ou pessoa jurídica de direito público; nos processos de execução; quando o réu residir em local inacessível para entrega de correspondência ou mesmo quando for solicitado pelo autor na petição inicial, a citação deverá ser feita por oficial de justiça.

De acordo com o art. 224 do CPC, a citação será realizada por oficial de justiça quando a situação estiver relacionada aos casos dispostos no art. 222 do CPC ou quando não lograr êxito a comunicação processual pelo correio. Assim, o mandado de citação a ser entregue pelo oficial de justiça, deve cumprir as disposições constantes no art. 225 do CPC[32], sob pena de ser considerada nula.

Com o mandado citatório elaborado com todas as formalidades dispostas no art. 225 do CPC, o oficial de justiça deve encontrar o réu e citá-lo, seguindo o procedimento disposto no art. 226 do CPC, ou seja, deve ler o mandado e entregar a contrafé ao réu, que corresponde à cópia do mandado e a petição inicial.

Não raras vezes, o oficial de justiça não lê o texto do mandado para o sujeito passivo, tal formalidade costuma ser substituída por breves informações, Machado[33] acredita que “a falta da leitura pode, contudo, gerar nulidade”. Afinal, se o Código Processual Civil determina que isto deve ser realizado, o oficial de justiça não pode se omitir desse dever, pois o cumprimento da citação fora das prescrições legais, acarreta a sua nulidade nos termos do art. 247 do CPC[34].

Importante a ressalva de que, em razão do princípio da celeridade e da economia processual, se o réu está domiciliado ou reside em comarca contígua do juízo que despachou a citação, o oficial de justiça poderá efetuar a comunicação processual, desde que as comarcas sejam fronteiriças ou se forem localizadas na mesma região metropolitana, de acordo com o art. 230 do CPC.

A citação com hora certa é modalidade da citação ficta, em razão da falta de certeza absoluta quanto à validade da comunicação processual do réu. Prevista no art. 227 do CPC[35], ocorre quando o oficial de justiça realiza três tentativas para citar o réu em seu domicílio ou residência, sem que o encontre, cada uma das tentativas deve estar certificada com o local, o dia e a hora em que o sujeito passivo não foi encontrado. Diante da suspeita de ocultação, o oficial de justiça deverá intimar qualquer parente ou vizinho do réu, informado que no dia seguinte retornará em hora predeterminada, para efetivar a citação.

Assim, após a juntada do cumprimento da citação, o art. 229 do CPC determina que o escrivão enviará ao réu, sob pena de nulidade do ato citatório, carta, telegrama ou radiograma, informando todos os atos praticados pelo oficial de justiça, tal providência não altera o prazo para a resposta do réu, que começará a fluir a partir da juntada do mandado cumprido aos autos.

A citação por edital também é modalidade de citação ficta e é realizada quando ocorrer quaisquer das situações dispostas no art. 231 do CPC, a saber, quando desconhecido ou incerto o réu, quando ignorado, incerto ou inacessível o lugar em que ele se encontra ou nos casos expressos em lei.

A referida citação deve cumprir todas as formalidades previstas no art. 232 do CPC, do contrário, haverá a nulidade do ato e para que a mesma possa ser realizada é necessário que o autor na petição inicial ou o oficial de justiça por meio de certidão, afirmem que o réu é desconhecido ou incerto, ou que o lugar é ignorado, incerto ou inacessível.

O edital deve ser afixado na sede do juízo onde tramita ação, e permitindo o prazo máximo de 15 (quinze) dias entre cada publicação, a ser feita uma vez no Diário Oficial e pelo menos duas vezes em jornal local. Se tratando de pessoa beneficiária da assistência judiciária gratuita, a publicação do edital será feita apenas no Diário Oficial conforme os termos do art. 232, III e §2º do CPC.

O juiz também deve determinar o prazo de dilação do edital, que de acordo com o inciso IV do art. 232 do CPC, pode variar entre 20 (vinte) à 60 (sessenta) dias, portanto, com a publicação do edital, o juiz pode fixar 30 (trinta) dias de dilação do prazo, com o término deste, iniciará para o réu o prazo legal para a sua defesa, ou seja, para apresentar a sua contestação que é de 15 (quinze) dias.

Cabe ressalvar que, nas citações por edital e com hora certa, se o réu não refutar os argumentos levantadas pelo autor no prazo legal de 15 (quinze) dias será considerado revel, mas não será passível dos efeitos da revelia previstos no art. 319 do CPC, que considera como verdadeiros os fatos alegados pela parte autora, bem como a fluição dos prazos processuais independentemente da intimação do réu se este não estiver representado por advogado, haja vista que para estas duas formas de citação, o juiz procede à nomeação de curador especial, de acordo com o art.9º, II do CPC[36].

A lei federal nº 11.419/2006 que normatiza a informatização do processo judicial, permitindo o envio de petições, recursos e outros atos processuais por meio da transmissão eletrônica, dispõe ser necessário que as partes tenham o prévio credenciamento

no Poder Judiciário, nos termos do art. 2º da referida lei[37].

Há de se considerar que a citação eletrônica não pode dificultar a defesa do réu, que deverá ter acesso à íntegra dos autos, estejam digitalizados ou não, em razão do princípio do Contraditório e da Ampla defesa, respeitados obviamente, os casos que tramitam em segredo de justiça de acordo com o § 6º do art. 11 da lei em comento.

Diante disso, a existência do processo não depende do cumprimento da citação do réu, pois este existe desde o momento da propositura da ação, mas a sua validade está condicionada à citação do sujeito passivo, sendo o ato processual que completa a estrutura da relação jurídica processual triangular, que se não for cumprido ou se for efetivado com vícios, o processo deve ser considerado nulo.

A citação do réu confere validade ao processo, contudo, nada obsta que não sendo citado, o mesmo compareça espontaneamente em juízo para arguir a nulidade deste ato processual ou para intervir no processo na fase em que este se encontrar.

Desse modo, o réu poderá alegar preliminarmente a inexistência ou nulidade de citação nos termos do art. 301, I do CPC e se o juiz acolher tal argumento, o mesmo será considerado citado nos termos do §2º do art. 214 do CPC[38] sendo dispensada a realização de outro ato citatório.

A citação será nula, quando não for cumprida qualquer das condições legais necessárias para a sua efetivação, nos termos do art. 247 do CPC. Não se trata de mero formalismo, mas de obediência aos princípios constitucionais processuais da Isonomia, do Devido Processo Legal, do Contraditório e da Ampla defesa.

Desse modo, ocorre nulidade de citação, por exemplo, quando não constar a assinatura do réu no aviso de recebimento nos casos de citação pelos correios, quando o réu for citado no momento em que se enquadra em alguma das situações dispostas no art. 217 do CPC[39], exceto se for para evitar o perecimento do direito ou ainda, nas ações que versem sobre direito reais imobiliários, como a ação de reintegração de posse, que exige a citação de ambos os cônjuges conforme o previsto no art. 10, §1º do CPC.

Do exposto, deve ser entendido que se a citação não for cumprida ou realizada fora dos preceitos legais, o réu poderá alegar o vício em qualquer fase do processo e mesmo quando este já estiver transitado em julgado, pois este ato processual oportuniza a formação tríplice da relação jurídica processual e sobretudo, garante o cumprimento de um dos preceitos fundamentais do Estado Democrático de Direito que é o direito de defesa.

5. A Ação Declaratória de Nulidade do Processo – querela nullitatis

Surgiu na fase jusnaturalista a concepção de que ninguém deveria ser julgado sem a oportunidade de apresentar a defesa, por tal razão a citação foi considerada por muitos séculos como manifestação do direito divino, conforme Alexander Macedo[40] explica:

“[…] O primeiro fundamento da citação, dando-a como instância do direito divino, encontra-se segundo os autores, nas passagens constantes das sagradas escrituras, nas quais se verifica aquela preocupação no sentido de se fazer ouvir, sempre, e em qualquer hipótese, o acusado, antes de o submeter a julgamento.”

Portanto, a citação sempre foi ponderada como o ato processual mais relevante, e por isso a sua ausência ou qualquer vício na sua realização, pode ser impugnado com fundamento na querela nullitatis, do latim, nulidade do litígio. De acordo com Piero Calamandrei[41] essa forma de impugnação surgiu “[…] no direito intermédio sendo instituto desconhecido do direito romano […] relacionava-se basicamente aos errores in procedendo”.

A querela nullitatis se classifica em sanabilis e em insanabilis, a primeira visa impugnar erros de procedimento considerados menos graves; sanáveis, e se tornou extinta porque foi absorvida pelo recurso de Apelação. A insanabilis é aplicada para arguir os vícios inconvalidáveis, ainda que haja trânsito em julgado da sentença, como a ausência ou nulidade do ato citatório.

Portanto,  mesmo  que  o  processo haja transitado em  julgado  o  vício  no  ato

citatório nunca será convalidado se o réu foi prejudicado com os efeitos da revelia, previstos nos arts. 319 e 322 do CPC, por isso subiste a querela nullitatis insanabilis, mais conhecida como ação declaratória de nulidade do processo, para que o réu possa arguir tal nulidade insanável, resguardando o direito ao Devido Processo Legal e seus consectários.

Considerando o teor do princípio da Instrumentalidade das formas, existem atos processuais que se convalidam desde que atinjam a sua finalidade, conforme estabelecem

os arts. 154 e 244 do CPC[42]. Contudo, o  referido  princípio  não  se  aplica  com  relação  às

citações e intimações, pois o ato citatório é matéria de ordem pública e deve cumprir todas as formalidades necessárias para sua efetivação, tais como as indicadas nos arts. 223 e 225 do CPC, afinal, qualquer inobservância das prescrições legais acarretará a nulidade absoluta do processo nos termos do art. 247 do CPC.

Se o processo de conhecimento transitou em julgado e, sendo o caso, iniciada a fase executória, o réu que não foi validamente citado poderá alegar o vício em impugnação ao cumprimento de sentença, nos termos do art. 475-L do CPC, ou ainda, em se tratando de execução fiscal, poderá alegar a falta ou nulidade de citação por meio de embargos, conforme dispõe o art. 741, I do CPC.

Assim, conforme a demanda, como ações declaratórias de existência ou inexistência de relação jurídica ou, sendo inviável arguir a falta ou nulidade do ato citatório na fase de execução em virtude da preclusão temporal, o réu poderá ajuizar ação declaratória de nulidade do processo, perante o próprio juízo que proferiu a decisão de mérito em seu desfavor, pois se trata de vício que impede a formação válida do processo e que transcede os limites da coisa julgada.

Diante disso, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina[43] já uniformizou a sua jurisprudência, editando a Súmula 07, que dispõe: “A ação declaratória é meio processual hábil para se obter a declaração de nulidade do processo que tiver corrido à revelia do réu por ausência de citação ou por citação nulamente feita”.

A referida súmula foi aplicada em acórdão que julgou improcedente ação rescisória ajuizada para arguir nulidade de processo em virtude da falta de citação. Na referida ação, o réu alegou a impossibilidade de custear pensão alimentícia no valor de um salário mínimo mensal, bem como a ausência de sua citação, motivo pelo qual não poderia ser declarado revel.

Contudo, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina[44] não deu provimento ao pedido, por se tratar de ação rescisória, tida como inadequada para o caso, mantendo o entendimento de que a ação declaratória de nulidade processual é o meio viável para arguir a ausência da citação, aplicando o teor da respectiva Súmula 07, conforme se constata na seguinte ementa:

“AÇÃO RESCISÓRIA. NULIDADE DO PROCESSO POR FALTA DE CITAÇÃO. MEIO PROCESSUAL INADEQUADO. MATÉRIA A SER TRATADA EM AÇÃO DECLARATÓRIA. SÚMULA N. 7 DESTA CORTE. PRECEDENTES. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. "A ação declaratória é meio processual hábil para se obter a declaração de nulidade do processo que tiver corrido à revelia do réu por ausência de citação ou por citação nulamente feita" (Súmula n. 7 do Tribunal de Justiça de Santa Catarina).

Do mesmo modo, o Superior Tribunal de Justiça[45] decidiu ser cabível a ação declaratória para desconstituir sentença proferida sem a citação de todos os réus, quando se tratar de litisconsórcio unitário, ou seja, quando a sentença for idêntica para todos os litisconsortes.

O caso trata-se de ação rescisória ajuizada pela Fazenda Pública do Estado de São Paulo, em virtude de acordão que determinou o pagamento de adicionais para servidores públicos de forma cumulativa. Contudo, não foram citados todos os réus para compor a lide, mas apenas alguns que inclusive arguiram o vício do ato citatório em preliminar de contestação.

O Tribunal de Justiça de São Paulo extinguiu a ação rescisória sem resolução de mérito, em virtude da carência da ação, não apreciando a preliminar da ausência de citação nem o mérito da demanda. Contudo, a Fazenda Pública do Estado de São Paulo interpôs Recurso Especial, o qual foi provido.

Com o retorno dos autos ao Tribunal a quo, foi proferido o acórdão julgando o mérito da ação parcialmente procedente, mas sem qualquer manifestação quanto à ausência de citação de todos os réus. Diante disso, os recorridos ajuizaram ação declaratória de nulidade do processo (querela nullitatis), em virtude da falta de citação dos demais réus, o tribunal paulista entendeu ser incabível tal ação, sob o fundamento de que deveriam recorrer do acórdão da ação rescisória, para que pudessem arguir o vício.

Irresignados, os recorridos interpuseram Recurso Especial, em que o STJ julgou procedente o cabimento da querela nullitatis, em razão da ausência de citação de todos os réus na ação rescisória, conforme se observa na seguinte ementa:

“PROCESSO CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA. QUERELA NULLITATIS. CABIMENTO. LITISCONSÓRCIO UNITÁRIO. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO DE TODOS OS RÉUS. É cabível ação declaratória de nulidade (querela nullitatis), para se combater sentença proferida, sem a citação de todos os réus que, por se tratar, no caso, de litisconsórcio unitário, deveriam ter sido citados. Recurso conhecido e provido”.

Como analisado, a jurisprudência pátria se manifesta favorável à observância do princípio do Devido Processo Legal e o do Contraditório, conferindo ao réu o direito de arguir a ausência ou nulidade da citação no processo em que foi considerado revel, cuja sentença lhe seja desfavorável, por meio de embargos à execução contra a fazenda pública ou através de impugnação ao cumprimento de sentença, todavia, se o processo estiver transitado em julgado, ainda assim, poderá ser ajuizada a ação declaratória de nulidade do processo, para alegar tal vício insanável, independentemente de prazo prescricional ou decadencial.

Considerações finais

O artigo foi desenvolvido com o objetivo geral de analisar a aplicação da Ação Declaratória de Nulidade do Processo, diante da falta ou nulidade de citação. Para tanto, analisamos o surgimento do Estado e a evolução do processo civil romano, estudamos os princípios processuais constitucionais, a formação da relação jurídica processual, a citação, a ação declaratória de nulidade do processo, a coisa julgada e as suas implicações nos casos de rescindibilidade e nulidade da sentença.

A partir do instante que os litigantes decidiram que a solução do conflito de interesses pela via da força bruta e da parcialidade não revelava a forma mais viável para solucionar os litígios, conferiram ao Estado o poder jurisdicional de julgar e aplicar o direito objetivo de forma imparcial.

Esse poder jurisdicional é inerte e depende do impulso de quem tem o direito lesado ou ameaçado de lesão, para que possa aplicar o direito objetivo em resposta à ação ajuizada, consoante a garantia prevista no art. 5º, XXXV da CRFB/88. De modo que, após a propositura da ação, o Estado deve seguir um método e o faz através do processo, com o intuito de garantir a imparcialidade e a isonomia das partes no julgamento.

Assim sendo, a citação é o ato processual que confere validade ao processo e oportuniza o direito de defesa do réu, sendo imprescindível que ocorra de forma válida e em obediência aos princípios constitucionais processuais do Devido Processo Legal e seus consectários.

Portanto, é nula a citação quando não cumpriu qualquer das condições legais necessárias para a sua efetivação, conforme o disposto no art. 247 do CPC, pois não consiste em simples formalidade, mas de observância aos preceitos do Código Processual Civil e para a garantia do direito de defesa do réu, daí os fundamentos para ajuizar a ação declaratória de nulidade do processo – querela nullitatis, sendo cabível com o intuito de desconstituir a decisão de mérito transitada em julgado desfavorável ao réu considerado revel no processo em que não foi realizada a sua citação ou efetivada com nulidades.

 

Referências
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.0009607+&parametros.rowid=AAARykAAJAAAAX7AAA>.Acesso em: 09 de out. 2013.
 
Notas:
[1] ARISTÓTELES apud DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 10.

[2] CARNELUTTI apud ALVIM, José Eduardo Carreira. Teoria Geral do Processo. 13ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 2.

[3] BRASIL. Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2010. Art. 269. Haverá resolução de mérito: […] II – quando o réu reconhecer a procedência do pedido; III – quando as partes transigirem; […] V – quando o autor renunciar ao direito sobre que se funda a ação”.

[4] THEODORO JR, Humberto. Direito Processual Civil. V1. Rio de Janeiro: Forense 2009, p. 35.

[5] ALVIM, op. cit., p. 46.

[6] Art. 1º. A jurisdição civil, contenciosa e voluntária, é exercida pelos juízes, em todo o território nacional, conforme as disposições que este Código estabelece.

[7]  Nesse sentido, BUENO, Cássio Scapinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. V1. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 260. CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 25ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 171-172.

[8] Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: […] XXXV – A lei não excluirá da apreciação do poder judiciário lesão ou ameaça a direito.

[9] RODRIGUES, Marcelo Abelha. Elementos de Direito Processual Civil. V1. 3ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 267.

[10]  DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. V2. 5ª Ed. São Paulo: 2005, p. 299.

[11]  DWORKIN apud RODRIGUES, op. cit., p. 95.

[12]  ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 94.

[13] CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. V1. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 32.

[14]  Art. 5º. […] LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.

[15] NERY JR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 35.

[16] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª Ed. Coimbra: Almedina, 2000, p. 493.

[17]  DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. V1. Bahia: Jus Podivm, 2008,  p. 46.

[18]  THEODORO JR, op. cit., p. 29.

[19]  Art. 5º. […]. XXXVI – A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;

[20] BRASIL. Lei de introdução ao Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2010. Art. 6º. A lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, direito adquirido e a coisa julgada: […] § 1º. Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou.

[21] GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil Brasileiro. V 1. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 273.

[22]  DINAMARCO, op. cit., p. 302.

[23] KÖHLER apud SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil – Processo de Conhecimento. V1. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 331.

[24]  DINAMARCO, op. cit., p. 332.

[25]  CÂMARA, op. cit., p. 136.

[26]  Art. 265. Suspende-se o processo: II – pela convenção das partes;

[27]  DINAMARCO, op. cit., p. 53.

[28]  Art. 213. É o ato pelo qual se chama a juízo o réu ou o interessado a fim de se defender.

[29]  Art. 214. Para a validade do processo é indispensável a citação inicial do réu.

[30]  SANTOS, Ernane Fidélis, op. cit., p. 110.

[31]  DINAMARCO, op. cit., p.127.

[32] Art. 225. O mandado, que o oficial de justiça tiver de cumprir, deverá conter: I – os nomes do autor e do réu, bem como os respectivos domicílios ou residências; II – o fim da citação, com todas as especificações constantes da petição inicial, bem como a advertência a que se refere o art. 285, segunda parte, se o litígio versar sobre direitos disponíveis; III – a cominação, se houver; IV – o dia, hora e lugar do comparecimento; V – a cópia do despacho;  VI – o prazo para defesa; VII – a assinatura do escrivão e a declaração de que o subscreve por ordem do juiz.

[33] MACHADO, Antonio da Costa. Código Processo Civil Interpretado. São Paulo: Manole, 2009, p. 211.

[34]  Art. 247. As citações e as intimações serão nulas, quando feitas sem observância das prescrições legais.

[35]  Art. 227. Quando, por três vezes, o oficial de justiça houver procurado o réu em seu domicílio ou residência, sem o encontrar, deverá, havendo suspeita de ocultação, intimar a qualquer pessoa da família, ou em sua falta a qualquer vizinho, que, no dia imediato, voltará a fim de efetuar a citação, na hora que designar.

[36] Art. 9º. O juiz dará curador especial: II – ao réu preso, bem como ao revel citado por edital ou com hora certa.

[37]  BRASIL. Lei nº 11.419 de 19 de dezembro de 2006. São Paulo: Saraiva, 2010. Art. 2º. O envio de petições, de recursos e a prática de atos processuais em geral por meio eletrônico serão admitidos mediante uso de assinatura eletrônica, na forma do art. 1º desta Lei, sendo obrigatório o credenciamento prévio do Poder Judiciário, conforme disciplinado pelos orgãos respectivos.

[38] Art. 214. […]. §1º. O comparecimento espontâneo do réu supre, entretanto, a falta de citação. §2º. Comparecendo o réu apenas para arguir a nulidade e sendo esta decretada, considerar-se-á feita a citação na data em que ele ou seu advogado for intimado da decisão.

[39] Art. 217.  Não se fará, porém, a citação, salvo para evitar o perecimento do direito: I – a quem estiver assistindo a qualquer ato de culto religioso; II – ao cônjuge ou a qualquer parente do morto, consanguíneo ou afim, em linha reta, ou na linha colateral em segundo grau, no dia do falecimento  e nos 7 (sete) dias seguintes; III – aos noivos, nos 3 (três) primeiros dias de bodas; IV – aos doentes, enquanto grave o seu estado.

[40] MACEDO, Alexander dos Santos. Querela nullitatis – sua subsistência no processo civil. 3ªEd. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 44.

[41] CALAMANDREI, Piero apud DIDIER JR, Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil. Meios de impugnação às decisões judiciais e processos nos tribunais. V 3. 5ª ed. Salvador: Juspodivm, 2008, p. 422.

[42] Art. 154. Os atos e termos processuais não dependem de forma determinada senão quando a lei expressamente a exigir, reputando-se válidos, os que, realizados de outro modo, lhe preencham a finalidade essencial. Art. 244. Quando a lei prescrever determinada forma, sem cominação de nulidade, o juiz considerará válido o ato se, realizado de outro modo, lhe alcançar a finalidade.

[43] TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA. Súmula 07. Disponível em: < http://www.tjsc.jus.br/institucional/sumulas.htm#SUM7> . Acesso em: 09 de out. 2010.

[44] TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA. Ação Rescisória nº 2004.000960-7. 4ª Câmara de Direito Civil. Rel. Des. Victor Ferreira. Julgamento em 26.05.2009. Disponível em: <http://app.tjsc.jus.br/jurisprudencia/acnaintegra!html.action?parametros.todas=2004.0009607+&parametros.rowid=AAARykAAJAAAAX7AAA>.Acesso em: 09 de out. 2010.

[45] SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REsp 194029. 6ª Turma, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJ 02.04.2007, p. 552. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/webstj/processo/Justica/detalhe.
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Informações Sobre o Autor

Anina Di Fernando Santana

Advogada e Professora da Universidade Federal do Pará. Doutoranda em Ciências Jurídicas pela Pontificia Universidad Católica Argentina. Especialista em Direito Ambiental pela Universidade da Amazônia e em Direito Constitucional pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus. Bacharel em Direito pela Faculdade de Belém


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