A ação monitória, instituto novo do nosso Direito Processual Civil, foi criada pela Lei 9.079/95 e incorporada no Código de Processo Civil, no Livro IV, Dos Procedimentos Especiais, do Capítulo XV.
Um dos motivos de sua criação foi à preocupação dos processualistas com um valor fundamental, ínsito à tutela dos direitos, imprescindível à efetividade do processo.[1] Tomando-se assim, consciência da verdadeira função, que é destinada ao Estado, através do Judiciário, para desempenhar de maneira efetiva o seu papel de pacificar os conflitos, excluindo a morosidade processual, que atualmente é causa de descrédito da Justiça.
Por outro lado, o nomem iuris, ou seja, a natureza terminológica do citado instituto merece algumas considerações. Mantendo a terminologia do CPC, ao tratar dos procedimentos especiais, no Livro IV, o novo texto legal fala, incorretamente, segundo concepção moderna da ciência do direito processual, em ação monitória, no lugar de procedimento monitório. O Código sempre se refere, ao disciplinar os procedimentos especiais, em “ação de consignação em pagamento” (art. 890), “ação de depósito” (art. 901), “ação de anulação e substituição de títulos ao portador” (art. 907), “ação monitória” (art. 1102a), rotulando impropriamente as consideradas “ações especiais”, misturando os conceitos de ação e de pretensão, quando especial é o procedimento e não a ação (leia-se, pois, procedimento de consignação em pagamento, procedimento de depósito, procedimento de anulação e substituição de títulos ao portador, procedimento monitório, etc). Ação é sempre o direito de se exigir do Estado um pronunciamento de mérito, o que não pode ser confundido ou atrelado ao direito subjetivo material alegado pelo autor como sustentáculo da pretensão colocada à apreciação jurisdicional, retratada no pedido formulado na petição inicial.[2]
Nesse prisma a lúcida observação doutrinária de ERNANE FIDÉLIS DOS SANTOS, merece ser transcrita, in verbis:
“Ainda se usa nas petições iniciais apelidarem-se as ações. Ação ordinária de cobrança, ação reivindicatória, ação confessória, ação pauliana, ação revocatória, ação de depósito, ação de usucapião, etc. A técnica, contudo, é condenável, porque, na moderna concepção de processo, ação é simplesmente direito de solicitar prestação jurisdicional”.[3]
Não há necessidade alguma de se dar nome à ação. É Irrelevante a referida prática, pois, ainda que se use este ou aquele apelido, o julgamento vai se limitar exclusivamente ao pedido formulado.
A importância de qualquer qualificativo revela-se no pedido, através do qual a pretensão é formulada. Por ele, não apenas se orienta a prestação jurisdicional, o julgamento da lide, mas também a forma procedimental a se adotar, dentro dos critérios estabelecidos de fungibilidade e infungibilidade dos procedimentos.
Entretanto, nosso Código, ao tratar dos procedimentos especiais, manteve a tradição romanística, dando nome às ações, quando deveria se manter como procedimentos.
Dessa forma, cumpre mencionar que a ação monitória possui um procedimento especial e célere de natureza condenatória, para a formação do título executivo. [4]
Portanto, neste artigo se utilizará ambas as formas.
O tema do presente trabalho, trás alguns aspectos polêmicos, e antes de adentrar aos estudos da ação monitoria propriamente dita, faremos um breve apanhado da parte histórica, buscando um maior entendimento ao tema.
Por sua vez, o procedimento monitório possui uma tutela diferenciada, que é a inversão do contraditório, que no caso de inércia do réu, se constitui de pleno direito o mandado injuntivo, em título executivo.
A ação monitória complementa a reforma do Código de Processo Civil, no que diz respeito aos artigos 461 (obrigação de fazer e não fazer) e art 461-A (obrigação de entregar coisa certa), imprimindo desde o início, rito especial às pretensões de pagar soma em dinheiro, entregar coisa fungível ou determinado bem móvel, que, em face da prova escrita, fazem supor que o devedor não irá se opor ao cumprimento da ordem.[5]
ESBOÇO HISTÓRICO DA AÇÃO MONITÓRIA
Direito Romano
Divide-se em o processo civil romano em três períodos: “o da legis actiones, o per formular e do extraordinário cognitio”.[6]
O da legis actiones esteve em vigor desde a fundação de Roma até os fins da República.[7]
O per formulas introduzido pela Lex Aebutia e foi oficializado pela Lex Julia privatorum, sendo aplicado de modo esporádico até a época do imperador Diocleciano.[8]
E o extraordinário cognitio que nasceu com o advento do principado e vigorou até o final do império romano do ocidente.[9]
Das três fases a mais importante para o nosso estudo é a da per formulas, pois a partir dessa efetivou-se os poderes do pretor, como o de proibir e ordenar certos atos. Assim com a evolução e as novas e exigências sociais ao pretor foi autorizado a instituir meios processuais de tutela pela observância da norma, ou até mesmo preencher lacunas desta.[10] Essa evolução resultou nos interditos, “procedimento interdital diante do pretor fosse semelhante ao ordinário, concluindo-se com a pronuncia do interdito; e que diversamente da actio, nem sempre exauria a questão, podendo, em momento subseqüente, converter-se em procedimento ordinário”. [11]
Em outras linhas o procedimento do interdito era um processo onde não se realizava a cognição da existência ou inexistência de um direito, mas sim um processo onde se mantinha o estado atual das coisas.[12]
Nota-se que no direito romano, somente a sentença de natureza condenatória, em processo de conhecimento, possui eficácia executiva.[13] Por esse prima denota-se que o direito romano não teve a sorte de possuir institutos similares como o da ação monitória.[14]
Direito Italiano
Na Itália a ação monitoria recebeu o nome de procedimento d´ingiunzione, e como no Brasil está recepcionado no Código de Processo Civil daquele País.
Por sua vez o procedimento monitório italiano, tutela determinados direitos de crédito, caracterizando como procedimento monitório documental, haja vista que se exige do autor a comprovação do crédito alegado, limitando o procedimento somente aos “créditos de importância determinada em dinheiro ou coisas fungíveis, e entrega de bem móvel determinado”, excluindo-se os que tutelam obrigações de fazer ou não fazer, prestações de bens infungíveis ou imóveis.[15]
Nesse sentido a ação monitória é caracterizada como uma via alternativa da ação condenatória.[16]
O procedimento se resume, frente ao regular pedido, da expedição da ordem de pagamento da soma em dinheiro ou entrega do bem móvel ou a quantidade de coisa fungível requerida, autorizando neste último caso a alternativa de pagamento do valor, tudo no prazo de 20 (vinte) dias, opondo-se contra o mandado ou submetendo a execução forçada.[17]
No direito italiano, há a possibilidade, antes da oposição do réu contra a ordem de pagamento ou entrega do bem, de se realizar a execução provisória.
Uma vem descrita pela verossimilhança do fato alegado ao direito de crédito, a outra vem estampada no perigo de dano decorrente da demora. Salienta-se que essa execução provisória depende de requerimento expresso do requerente.[18]
Existe uma terceira hipótese, que se configura na ausência de credibilidade da defesa.[19]
“A oposição aqui tratada é um juízo de cognição plenária, que se processa perante o mesmo órgão que emanou a ordem de pagamento.” [20]
A oposição se processa de acordo com o procedimento ordinário, podendo versar sobre matéria de fato ou processual, e uma vez interposta suspende a ordem de pagamento. Entretanto a oposição por possuir um juízo de conhecimento não impede a composição das partes. Não existindo pagamento e nem oposição o mandado executivo se confirma.[21]
Pelo discorrido, verifica-se que o nosso processo civil, em especial a ação monitória, teve sua origens baseadas no direito italiano, face às características semelhantes.
Direito Alemão
O direito alemão consagra o procedimento monitório, em um procedimento simples destinado a criar um título executivo para créditos irrefragáveis. Esse modelo de procedimento é reconhecido como procedimento monitório puro, que é o documental, originado do direito italiano.[22]
Possui as mesmas características do procedimento italiano, podendo inclusive instaurada oralmente. A diferença paira no caso de não existir oposição, uma vez que a ordem de pagamento não adquire a eficácia de título executivo, aguardando-se nova manifestação do autor para tornar a ordem executável, dessa maneira passa a execução a ter natureza provisória, garantindo ao devedor o oferecimento de exceção.[23]
Direito Português
Foi introduzido no direito português a partir das Ordenações Manoelinas com o nome de ação de assinação de dez dias.[24]
A ação de assinação de dez dias poderia ser proposta no caso do credor requerer o pagamento de quantia certa ou coisa determinada, através dos seguintes requisitos: escritura publica ou alvará feito e assinando. [25]
Assim presentes os requisitos acima mencionados, o réu era citado para em dez dias, efetuar o pagamento ou provar a quitação do débito, por meio dos embargos. O prazo de dez dias contava-se a partir da audiência, momento este em que o réu comparecia e confirmava que a assinatura colocada no documento provinha de seu próprio punho. O seu não comparecimento à audiência, era tido como o reconhecimento da assinatura no documento.[26]
É evidente que com o comparecimento do devedor à audiência e o posterior pagamento do débito, extingue o feito. Caso contrário haveria condenação do pagamento por sentença.[27]
Importante falar que a ação de assinação de dez dias, taxativamente, tinha efeito somente entre as partes contratantes e o prazo era contínuo e peremptório, podendo ser suspenso ou interrompido somente no caso de oferecimento dos embargos.[28]
Uma vez oferecido os embargos, seu eventual recebimento convertia o procedimento monitório em ordinário, dando lugar à réplica e à tréplica.[29]
Recebidos os embargos o autor seria condenado a devolver o que por ventura havia recebido provisoriamente, acrescentando as custas e as despesas processuais. Parcialmente recebidos, o credor seria condenado na proporção de sua sucumbência. Rejeitados os embargos à execução provisória, converter-se-ia em definitiva, condenando-se o devedor às custas e despesas processuais.[30]
Direito Brasileiro
O direito brasileiro, mesmo após a sua independência, continuou, tanto na área cível tanto na comercial, a ser regulado pelas Ordenações Filipinas. Com nossa evolução política e legislativa em 1850, conseguimos nos desvincular dos procedimentos portugueses, somente em relação à área comercial, que passou a ter tratamento próprio, com a edição do Regulamento 737 de 25 de novembro. [31]
Com advento da República, foi editado o Decreto 763, de 19 de setembro de 1890, que determinou a aplicação do Regulamento 737, nos procedimentos cíveis.[32]
Entretanto o primeiro modelo de ação monitória que o Brasil teve em seu ordenamento jurídico, foi o advindo da ação decendiária, herdada do direito português, assemelhando-se aos monitórios documentais e tendo por finalidade prestações de dar dinheiro ou coisa certa, desde que demonstrada a obrigação por prova escrita.[33]
Menciona-se que a estrutura do procedimento estipulado pela ação decendiária, aproximava-se de nosso modelo atual, instituído pela Lei 9.079/95. Com a chegada do Código de Processo Civil de 1939, a monitória foi exterminada, nem tampouco contemplada pela reforma de 1973, o que foi um retrocesso no direito brasileiro, haja vista o vazio deixado em relação às obrigações de dar.[34]
Na vigência do Código de Processo Civil Brasileiro de 1939 a ação monitória foi “substituída” pela cominatória, que apesar de possuir algumas características do procedimento injuncional, cominava uma pena caso não fosse cumprida a obrigação[35], coagindo assim o devedor ao pagamento ou a entrega da coisa certa e determinada.
Já com a instituição do Código de Processo Civil em 1973, não restou qualquer tipo de procedimento monitório, tampouco a previsão da ação cominatória.[36]
DA AÇÃO MONITÓRIA
Noção
A busca da efetividade do processo, principalmente com a redescoberta do Poder Judiciário pela sociedade brasileira a partir desta década, representa um desafio para o Poder Judiciário e para nos operadores do direito e juristas.
Cientificamente, o processo civil é examinado em face de suas fórmulas e de sua celeridade, ou seja, de seus procedimentos, somados a sua utilidade obtendo uma tutela jurisdicional, com a finalidade de ter sua pretensão satisfeita. Sob o ângulo da celeridade e do resultado útil, a finalidade passa a ser debatida como algo ineficiente.
Alias esperamos que a procedimento ordinário seja superado, em face de sua morosidade e complexidade, que o tornam inadequado em uma sociedade como a nossa.[37]
Desta forma, o legislador brasileiro identificando os princípios matrizes da celeridade e efetividade, introduziu recentemente na sistemática processual civil a ação monitória, com a promulgação da L. 9.070/95, acrescentando o Cap. XV, sob a rubrica “Da ação monitória”, com a inclusão do art. 1.102, a, b e c[38], no Livro IV, Título I do CPC.
Procedimento
Segundo o art. 1.102 a, a ação monitória é cabível nos casos em que o autor reclama pagamento de soma em dinheiro, entrega de coisa fungível ou bem móvel determinado, tendo como base prova escrita sem eficácia de título executivo.
Como exemplos de casos de ação monitória podemos citar o título de crédito prescrito, cartas, fac-símiles, telegramas, bem como guias de internação, prontuário hospitalar, requisição de serviço protético, que apontam de alguma forma a relação obrigacional.[39]
Por sua vez, pode-se ampliar o rol de casos ao se elencar vales assinados pelo devedor, cartas ou bilhetes que confessem dívida, documentos desprovidos de duas testemunhas, fotocópias de títulos de crédito, contrato de consórcio, cheque pós-datado e despesas de condomínio quando cobradas pelo síndico. [40]
O requisito indispensável para a ação monitória é a prova escrita da relação de crédito que o autor possui perante o devedor, acrescentando-se os estipulados nos artigos 282 e 283[41], do Código de Processo Civil.
Assim Sendo apta a petição, o juiz deferirá de plano a expedição do mandado de pagamento ou de entrega da coisa no prazo de quinze dias (art. 1.102 b).
Embora equiparado a uma sentença condenatória, o efeito do mandado monitório é provisório. Tanto que será revisto na ocasião da sentença de procedência dos embargos, eventualmente opostos.
Citado o réu, a lei faculta o cumprimento espontâneo do mandado, isentando-o de custas e honorários advocatícios (art. 1.102 c, § 1º). Contudo, preferindo discutir a demanda, o réu deverá opor embargos, que suspenderão a eficácia da ordem de pagamento, sem necessidade de prévia garantia do juízo, obedecendo ao rito ordinário (art. 1.102 c, caput e § 2º).
Caso não sejam opostos embargos ou sejam julgados improcedentes, o mandado monitório será convertido em mandado executivo, prosseguindo na forma prevista do Livro I, Título VIII, Capítulo X, do CPC (art. 1.102 c, caput e § 3º), de acordo com a alteração introduzida pela Lei 11.232/2005 de 22 de dezembro de 2.005.
O dispositivo acima remete o mandado executivo, às normas que regulam o cumprimento de sentença.
Natureza jurídica
Percebe-se que a técnica monitória permite a sumarização do conhecimento da demanda, resultando na agilidade do provimento jurisdicional e na sua rápida satisfação.
Desta forma, a ação monitória é uma das espécies do processo de conhecimento, de cunho condenatório, sem confundir com a ação condenatória. Difere desta porque há um mandado inicial, “mandado monitório”, que produz um efeito imediato e provisório. Na ação condenatória, inexiste qualquer provimento judicial de efeito imediato. Também o procedimento diferencia uma ação da outra, sendo a monitória regida pelo rito especial e a condenatória pelo rito ordinário ou sumário.[42]
Sua finalidade é constituir da forma mais rápida possível o título executivo judicial.
DO DIREITO DE DEFESA
Apesar da ação monitória ser uma evolução no direito brasileiro, o legislador pela falta de técnica cometeu um erro ao denominar “embargos” a defesa do réu. [43] Criando-se assim um instituto diferente dos outros, por isso também alguns autores fazem menção em relação à ação monitória como sendo uma tutela diferenciada.
Ao denominar como sendo embargos a defesa do réu na ação monitória, com o rito ordinário, o legislador permitiu algumas concepções sobre a sua natureza jurídica.[44] Vejamos:
a. revela o instituto “da resposta do réu”, típica do processo de conhecimento. Baseando-se nas seguintes premissas:
a.1. a ação monitória é uma ação de conhecimento, sob o rito especial monitório;
a.2. a terminologia utilizada é autor e réu, próprios da ação de conhecimento;
a.3. o rito dos embargos é o ordinário, típico das ações de conhecimento,
a.4. a finalidade da ação monitória é constituir título executivo judicial (art. 1.102 c, § 3º).
Nessa linha de interpretação, os embargos ganharão feição de contestação, reconvenção, exceção de incompetência, ação declaratória incidental e os demais incidentes próprios do rito ordinário.
A segunda posição é interpretar os embargos como contestação, deduzindo toda exceção e objeção processual e material cabíveis nesse expediente.
A última orientação poderá apegar-se à literalidade da lei e interpretar a palavra embargos como sendo instituto semelhante aos embargos à execução, embora dispensado de garantir o juízo (art. 1.102 c, § 2º).
O fundamento reside no fato de que, caso os embargos não sejam opostos, ficará constituído título executivo judicial com a conversão do feito em processo de execução (art. 1.102 c, caput).
Nesse sentido, os embargos teriam inquestionável característica de ação, devendo haver prova contra a força executiva alcançada pelo documento. [45]
Da natureza jurídica dos embargos
Os embargos à ação monitória é uma fusão de vários institutos jurídicos, com aspecto e contornos próprios, que, por fim, representou na criação de uma figura típica.
Opostos os embargos, tem início o contraditório.[46] Omisso o réu citado, o mandado monitório transforma-se em título executivo, expedindo-se de pronto o mandado de execução. (Art. 1.102 c, caput)
Deve-se afastar de plano a qualificação do s embargos a execução como sendo o mesmo do processo de execução, pois, “o exame do art. 1.102 c, do CPC, revela, porém, cuidar-se de embargos ao mandado de pagamento e não de embargos à execução, que ainda não começou, tanto que a lei se refere a réu e não a executado”.[47]
Tanto é verdade que na ação condenatória o réu contesta e não embarga.
Ademais, a técnica legislativa determina que os embargos deverão ser processados nos próprios autos da ação monitória, dispensada a distribuição do feito.
Uma outra corrente prevê nos embargos, o expediente da contestação, mas não como contestação pura, como acontece nos processos ordinários ou sumários, podendo nessa mesma peça conter além de matéria de fato material processual. Se assim não fosse, estar-se-ia limitando ao réu, por exemplo, o direito de excepcionar juiz relativamente incompetente, em afronte a princípio constitucional (CF, art. 5º, LIII). Sem falar de outras faculdades processuais, como a ação declaratória incidental, nomeação à autoria, dentre outras.
A última corrente, por sua vez, identifica os embargos à ação monitória como do instituto da resposta do réu, aduzindo que os embargos contêm a contestação, em cuja via o réu pode deduzir toda exceção e objeção de ordem processual e material.
Importante frisar ser inadmissível a reconvenção, porque é incompatível com o procedimento da ação monitória, mas não com o procedimento dos embargos.[48]
Por todo o exposto conclui-se que os embargos, à ação monitória, constituem um instituto autônomo, diretamente influenciado pelo instituto da resposta do réu, descabendo, portanto, ao réu se assistido, denunciar à lide ou reconvir.
DA SENTENÇA NA AÇÃO MONITÓRIA
Finalidade
A ação monitória tem por finalidade constituir título executivo judicial, tendo como prova documento escrito que comprove relação obrigacional. Se o documento reunir os requisitos indispensáveis à execução, não há que se falar em ação monitória, mas em ação executiva.
Contudo é concebível ajuizar ação monitória utilizando-se título executivo como prova da relação obrigacional. É o caso do sujeito que contrata serviços de funilaria no seu automóvel, assina a ordem de serviço e, depois, o comprovante de recebimento do veículo no rodapé da nota fiscal. Para pagamento, apresenta e é aceito cheque de terceiro ao portador, que futuramente se descobre sem fundos e com emitente insolvente. Nada adianta ajuizar ação executiva contra o emitente. O credor vai se frustrar, com certeza. Mas ajuizando ação monitória em face do tomador do serviço, com a reunião dos documentos assinados por ele, inclusive o cheque, pode-se criar título executivo judicial contra o réu-proprietário do veículo. Indiscutível, nesse caso, a vantagem da via monitória sobre o processo de conhecimento.
Percebe-se, que a sentença na ação monitória tem a mesma finalidade que a de uma ação condenatória, ou seja, constituir um título executivo judicial.
Da necessidade da sentença e as Impropriedades da Lei 9079/95.
Opostos os embargos a monitória haverá julgamento por sentença, ficando constituído título executivo judicial no caso da improcedência dos embargos. (art. 1.102 c, § 3º).
Todavia, caso não haja oposição de embargos, o caput do art. 1.102 c, dispensa a prolação da sentença, transformando de pleno direito o mandado monitório em mandado executivo.
É sabido caso o réu não oponha embargos, há a dispensa da sentença, transformando o mandado monitório em mandado de execução. O que a primeira vista beneficia o autor da ação. Entretanto caso haja a oposição de embargos à execução, há uma verdadeira protelação na efetividade do processo.
Não se nega ao devedor a oportunidade de opor embargos à execução embora não tenha embargado durante a ação monitória.[49]
Assim, a rapidez a qual se buscava no provimento monitório, pode esbarrar na procrastinação dos embargos à execução. Com uma agravante, haja vista que na ação monitória não houve sentença e conseqüentemente a coisa julgada material, nesse plano os embargos teriam a amplitude prevista no art. 745 do CPC, versando, inclusive, sobre questões de fato e veracidade da prova escrita, que embasaram o mandado monitório.
Os embargos podem se insurgir contra a decisão inicial caso não tenha havido recurso de agravo de instrumento, que pouco sustentaria os pressupostos da exigibilidade, necessidade e certeza, necessários para a ação de execução.
No sistema processual vigente, somente pode ser considerado título executivo judicial a sentença ou o formal e a certidão de partilha. Não há qualquer menção ou possibilidade de se acolher um despacho inicial como título executivo. Desta forma, estaria a lei da ação monitória ampliando as hipóteses de títulos executivos judiciais.
Ainda que se aceite o mandado de pagamento não atendido pelo réu, como título executivo, não se concebe a idéia de que, no mesmo processo, seja iniciada uma ação de conhecimento que termine como processo de execução, sem a presença de uma sentença que encerre a primeira e de uma ação que instaure o segundo.
Transformado o mandado monitório em mandado executivo por mera ficção legal, estaríamos diante de um caso de alteração do pedido, sem a necessária provocação da parte ou concordância do réu.
De todas as formas e pela maneira que se está estruturado o nosso processo civil não há outra possibilidade senão a do juiz sentenciar a ação monitória nos casos de contumácia do réu, com fundamento no art. 330, II, do CPC. Uma vez prolatada a sentença, o devedor somente pode opor embargos à execução e deduzir a matéria discriminada no art. 741 do CPC.
Desta forma, data vênia, é de suam importância que os juízes profiram sentença de mérito nos casos em que o réu é contumaz na ação monitória, visando preservar a efetividade do processo.
DA AÇÃO MONITÓRIA EM FACE DA FAZENDA PÚBLICA
O tema é polêmico e existe uma corrente que aceita a monitória em face da Fazenda Pública e outra que discorda.
Em concordância com a primeira corrente, cumpre salientar que ao estatuir o art. 1.102, c e § 3º do CPC que “a execução prosseguirá na forma do Livro I, Título VIII, Capítulo X, excluiu-se expressamente da abrangência da ação monitória tão-somente a execução dos créditos alimentícios (prevista no Capítulo V, do Título II), não havendo qualquer restrição quanto à aplicação do procedimento injuncional contra a Fazenda Pública, cuja execução é prevista no art. 730, do CPC.
“Inexiste qualquer impossibilidade entre a ação monitória e as pretensões de pagamento de soma de dinheiro contra o Poder Público (federal, estadual e municipal), compreendidas as autarquias, nos mesmos moldes em que podem ser demandados na via ordinária, para a satisfação das suas obrigações”[50].
Nesse sentido “para quem a pronúncia de um decreto de injunção é seguramente admissível em face da Administração Pública, nos mesmos limites em que se permite ao credor de uma soma em dinheiro exercer contra ela uma ação de condenação no âmbito de um processo ordinário de conhecimento” [51]
“O procedimento monitório, tanto quanto o ordinário, possibilita a cognição plena, desde que a Fazenda ofereça embargos. Assim se o credor dispõe de um cheque emitido pela Fazenda Pública, que tenha perdido a eficácia de título executivo, nada impede se valha da ação monitória para receber seu crédito. Identicamente, aquele que dispõe de um empenho ou qualquer documento de crédito que atenda os requisitos legais, dispõe de documento idôneo para instruir o pedido monitório.” [52]
Caso não haja oferecimento de embargos, “forma-se o título executivo judicial” [53], convertendo-se o mandado inicial em mandado executivo, prosseguindo-se na forma do Livro I, Título VIII, Capítulo X, cumprindo distinguir se se trata de execução para entrega de coisa ou por quantia certa.” [54]
Nesse sentido, mostra-se interessante destacar a observação de ADA PELEGRINI GRIONVER:
“Não vejo nenhuma incompatibilidade entre um procedimento que visa exclusivamente a abreviar o caminho para a formação de um título executivo e a execução deste título executivo contra a Fazenda Pública, que virá depois. O que se consegue, através do procedimento monitório, nada mais é do que o título executivo. Se posso fazer valer um título contra a Fazenda Pública, pelas formas próprias, adequadas a execução contra a Fazenda Pública, também posso constituí-lo de forma abreviada contra a mesma Fazenda Pública. Sem dúvida nenhuma há documentos escritos que podem ser utilizados e que não tem força de título executivo contra a Fazenda Pública, como, v.g., o empenho. Tratar-se-á somente de observar as prerrogativas da Fazenda Pública no procedimento monitório, benefício de prazo para embargar (contestar) e talvez, a garantia do duplo grau quando a sentença condicional se consolidar. Apenas em caso de não oposição de embargos, a Fazenda Pública poderá embargar a execução de maneira ampla, mas essa visão não se aplica só a ela, mas a qualquer devedor que não tenha impugnado o mandado inicial. É o que se passa a ver analisando a amplitude maior ou menor, da matéria levantada nos embargos à execução. Trata-se, agora, dos embargos em sentido estrito, dos embargos do executado. Constitui-se o título executivo, porque foram rejeitados os embargos – contestação – ou porque não foram opostos e, agora, começa o processo de execução, através do título necessário, possibilitando a oposição de embargos como ação incidente dentro do processo de execução (…). E, com isso, também a Fazenda Pública, quando revel, terá assegurada a garantia do contraditório nos embargos à execução”.[55]
A divergência quanto à inviabilidade do ajuizamento da ação monitória em face da Fazenda Pública, “verifica-se que no procedimento traçado para a execução por quantia certa contra a Fazenda Pública não se amolda, de modo algum, às particularidades que conotam o da ação ora examinada.” [56]
Realmente seria impraticável admitir-se a emissão de uma ordem de pagamento, exarada no bojo do procedimento monitório, dirigida à Fazenda Pública. Para tanto basta somente analisar a regra do inciso II do art. 730 do CPC, impositiva do ”pagamento na ordem de apresentação do precatório”, para concluir-se pela inadmissibilidade da ação monitória em face da Fazenda Pública. “A inadequação desse meio processual, no caso de crédito de quantia certa, resulta flagrante”.[57]
A questão revela-se complexa e controvertida. As decisões contrárias a aplicação da ação monitória contra a Fazenda Pública têm seu lastro na incompatibilidade entre os procedimentos injuncional e executivo específico, buscando-se argumentos do tipo, inalienabilidade dos bens públicos, impossibilidade de expedição de mandado de pagamento initio litis contra a Fazenda Pública, casos de não oferecimento de embargos, duplo grau de jurisdição obrigatório, entre outros.
A principio e com a data maxima vênia, nenhum dos argumentos convence. Porque a ação monitória nada mais é do que uma ação de conhecimento, numa primeira fase, diferindo-se apenas o momento e a iniciativa do contraditório.
Ademais, não há expressa vedação em lei, não exsurgindo nenhum óbice procedimental, pois, o mero oferecimento de embargos a ampla discussão dos fatos, pela conversão do rito em ordinário, ampliando o âmbito cognitivo do magistrado, de inicialmente sumário, para pleno e exauriente. E, mesmo não oferecidos embargos, a execução, tendo a Fazenda Pública no pólo passivo, há de ser sempre pelo procedimento estatuído nos artigos 730 e seguintes do CPC, protraindo-se o pagamento pelo precatório.
A questão que pode surgir quando do não oferecimento de embargos, onde não existiu uma sentença condenatória, mas sim a conversão do mandado inicial em mandado de pagamento, formando-se de pleno direito o título executivo judicial. Mesmo assim a Fazenda Pública esta sujeita a execução por título executivo extrajudicial, que equivale à sentença condenatória (art. 584, I, do CPC).
O reexame obrigatório deve dar-se somente em face de sentenças e não de outros atos judiciais. Assim, se fulcrada a ação em títulos executivos extrajudiciais, onde o exercício se dá por intermédio dos embargos previstos pelo art. 730, do CPC, não há que se exigir o reexame necessário, pois nesse sentido a Fazenda é chamada a manifestar-se na qualidade de parte estando sujeita aos mesmos ônus processuais. Se desinteressar pelo oferecimento de embargos, prevalecem os efeitos de título executivo judicial emanados da expedição do mandado inicial da ação monitória.
Como sustentado já no início deste trabalho, a ação monitória é um instrumento de tutela jurisdicional diferenciada, devendo assim ser utilizada sob pena de sua descaracterização, ferindo assim a efetividade processual que é seu escopo fundamental.
Assim sendo, possuindo à parte passiva o pleno exercício do contraditório, não há que se falar em impropriedade da ação monitória em face da Fazenda Pública na medida em que a sua execução, ex lege, sempre se dará nos termos do art. 730, do Código de Processo Civil.
TUTELA ANTECIPADA NA AÇÃO MONITÓRIA
Pergunta freqüente que se faz é a respeito do cabimento da tutela antecipada na ação monitória.
“Se no processo de conhecimento, a prova inequívoca autoriza a antecipação da tutela, nos termos do art. 273 do CPC, permitindo também a tutela específica mesmo com fundamento em obrigação legal, não haveria por que não se admitir a eficácia do provimento antecipatório na ação monitória, também fundada em prova escrita, imbuída de forte dose de probabilidade” [58], ou seja, em um juízo de verossimilhança.
Deferindo-se o juiz, de plano, a expedição da ordem de pagamento ou de entrega, não deixa de estar já antecipando a tutela, o que poderia parecer dispensar a aplicação subsidiária do art. 273 do CPC.[59]
A antecipação da tutela, por sua vez, em face do “fundado receito de dano irreparável ou de difícil reparação” (art. 273, I), “importa na imediata efetivação do provimento antecipatório, o que não vem atendido pela só aplicação do art. 1.102b do CPC, pois este assegura ao réu o prazo de 15 (quinze) dias para cumprir o mandado de pagamento ou de entrega, prazo este que ao seu término já pode ter determinado a lesão do direito ou, no mínimo, o seu agravamento“.[60]
Nesse sentido haveria um choque entre os institutos da ação monitória e da antecipação da tutela, visto que, em um há a expedição do mandado de pagamento ou de entrega, para cumprimento em 15 (quinze) dias (art. 1.102b), e o outro que determinaria o cumprimento imediato da obrigação.[61]
Entretanto esse choque de institutos é afastado “pela conjugação dos dois preceitos legais (art. 1.102b e art. 273), o primeiro disciplinando denominado monitório simples (sem tutela antecipada) e o segundo o monitório qualificado (com tutela antecipada).” [62]
No procedimento monitório, já há previsão de uma antecipação de tutela art. 1.102b, não existindo lugar para a aplicação subsidiária do art. 273 do CPC. Pois, apesar da regra da tutela antecipada ser de índole especial essa só tem aplicação no bojo do procedimento ordinário para garantir o cumprimento de sua finalidade.[63]
Assim conclui-se que não há possibilidade de antecipação de tutela na ação monitoria, pois, uma vez interposto o embargo à ação monitória, este suspenderá a eficácia do título.
CONSIDERAÇÕES FINAIS SOBRE A AÇÃO MONITÓRIA
Diante do exposto, conclui-se que:
a) a natureza jurídica da ação monitória se enquadra como uma das espécies da ação de conhecimento;
b) a finalidade da ação monitória é constituir título executivo judicial, tendo por base prova escrita inequívoca da relação obrigacional;
c) a defesa a ser exercida pelo réu, denominada “embargos”, possui feição e contornos próprios, mas tem por fonte o instituto “da resposta do réu”, típico do processo de conhecimento;
d) nos “embargos à ação monitória”, o réu poderá deduzir toda e qualquer execução e objeção de ordem processual e material, salvo reconvenção, assistência e denunciação da lide;
e) é recomendável que haja sentença de mérito quando o réu é contumaz, porquanto são inúmeras as vantagens.
f) há possibilidades de aplicação do instituto da ação monitória em face da Fazenda Pública, haja vista que não há previsão legal impedindo tal procedimento em relação à Fazenda.
g) não há possibilidades de aplicação do instituto da antecipação da tutela, uma vez que esta colide com o instituto da ação monitória, pois, uma vez interposto o embargo à ação monitória, este suspenderá a eficácia do título, impedindo assim o cumprimento da tutela antecipatória.
Informações Sobre o Autor
Emmanuel Gustavo Haddad
Advogado, Especialista em Direito Processual Civil – UNIVEM. Professor Substituto da Faculdade de Direito das Faculdades Integradas de Ourinhos, Presidente da Comissão de Ética e Disciplina da 58ª Subseção da OAB – Ourinhos/SP