Resumo: Desponta como elemento nuclear condicionador do deferimento da antecipação de tutela a questão da verossimilhança do direito alegado. A verossimilhança a ser exigida pelo juiz, contudo, deve considerar o valor do bem jurídica ameaçado; a dificuldade do autor provar a sua alegação; a credibilidade, de acordo com as regras de experiência, da alegação e a própria urgência descrita. Sendo assim, a constatação da verossimilhança e demais condições que autorizam a antecipação da tutela dependerá, sempre, de um juízo de delibação, nos moldes análogos ao formulado para fins de verificação dos pressupostos da medida liminar em feitos cautelares ou mandamentais. Juridicamente falando, a verossimilhança pode ser considerada, no direito processual civil, a preponderância ou inclinação, no sentido de se tomar por críveis, fatos circunstanciais específicos. No entanto, tal requisito não é único para a concessão da antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional, devendo o mesmo ser analisado diante das demais condições previstas em lei.
Palavras-chave: tutela; antecipada; verossimilhança; convencimento; juiz.
Abstract: Emerges as a core element conditioner approval of the legal protection the question of likelihood of the alleged entitlement. The likelihood to be required by the judge, however, should consider the value of the legal threat, the difficulty of the author prove his claim, the credibility, according to the rules of experience, and the very urgency of the claim described. Thus, the finding of likelihood and other conditions which authorize the advance of supervision will depend on where in a court of delibação, in the manner analogous to made for the purposes of verifying the assumptions made in the interim injunction or commandment. Legally speaking, the likelihood can be considered in the civil procedural law, the preponderance or inclination, in order to make a credible, specific circumstantial facts. However, that requirement is not unique to the granting of anticipating the effects of judicial review, which must be analyzed before the other conditions provided by law.
Keywords: guardianship; advance; likelihood; conviction, Judge.
Sumário: 1. A verossimilhança do direito alegado; 2. Fundado receito de dano irreparável ou de difícil reparação; 3. Abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu; 4. O convencimento motivado do juiz; 5. Referências.
1. A verossimilhança do direito alegado
Desponta como elemento nuclear condicionador do deferimento da antecipação de tutela a questão da verossimilhança do direito alegado.
Comentando o art. 273 do CPC, Joel Dias Figueira Júnior (2001, p. 186-188) apresenta um quadro analítico que denomina graduações de veracidades probantes, apontando quatro estágios positivos da cognição da realidade, senão vejamos:
a) Em grau mínimo encontra-se a improbabilidade (dúvida ou incerteza) que, fatalmente, importará na rejeição da tutela antecipada, e, se perdurar até o final do interprocedimental, resultará na improcedência do pedido. Abaixo da improbabilidade vamos encontrar somente a inverdade (mentira).
b) Em grau médio-baixo, reside a probabilidade que indica a aparência tênue de “verdade”. É decorrência de um elenco probatório incerto, porém crível e suficientemente capaz de apontar para a existência de um provável e factível direito, que a doutrina clássica denomina através da máxima fumus boni iuris, requisito específico que se confunde com o mérito da ação cautelar ao lado do periculum in mora.
c) Em grau médio-auto, vamos encontrar a verossimilhança que, no espectro probatório voltado ao convencimento motivado do juiz, significa muito mais do que a simples probabilidade e um pouco menos que a verdade, à medida que não se faz suficiente para definir a certeza que dará ensejo à decisão cabal definitiva de acolhimento do pedido; todavia, esse estado subjetivo serve perfeitamente para viabilizar a concessão de tutela antecipatória genérica (interinal satisfativa), porquanto fundada em prova inequívoca.
d) Finalmente, em grau máximo, está situada a verdade (jurídica ou verdade hermenêutica), decorrente de vários afluente, tais como probatórios, argumentativos, persuasivos, hermenêuticos, retóricos e etc, que irão desaguar no estado de espírito do julgador de maneira a causar-lhe a certeza jurídica que, por sua vez, nada mais significa, para fins processuais, do que o seu convencimento final e motivado, fundado no amplo espectro cognitivo probatório colhido no decurso procedimental.
A verossimilhança a ser exigida pelo juiz, contudo, deve considerar o valor do bem jurídica ameaçado; a dificuldade do autor provar a sua alegação; a credibilidade, de acordo com as regras de experiência, da alegação e a própria urgência descrita. (MARINONI, 1996, p. 213)
Sendo assim, a constatação da verossimilhança e demais condições que autorizam a antecipação da tutela dependerá, sempre, de um juízo de delibação, nos moldes análogos ao formulado para fins de verificação dos pressupostos da medida liminar em feitos cautelares ou mandamentais. Esse juízo consiste em valorar os fatos e o direito, certificando-se da probabilidade de êxito na causa, no que pode influir a natureza do fato, a espécie de prova (prova anteriormente constituída) e a própria orientação jurisprudencial. (BENASSE, 2001, p. 102-103)
Juridicamente falando, a verossimilhança pode ser considerada, no direito processual civil, a preponderância ou inclinação, no sentido de se tomar por críveis, fatos circunstanciais específicos.
Fazendo um análise combinada entre as locuções prova inequívoca e convencer-se da verossimilhança, Cândido Rangel Dinamarco (1995, p. 143) assim se manifestou:
“Aproximadas as duas locuções formalmente contraditórias contidas no art. 273 do Código de Processo Civil (prova inequívoca e convencer-se da verossimilhança), chega-se ao conceito de probabilidade, portador de maior segurança do que a mera verossimilhança. Probabilidade é a situação decorrente da preponderância dos motivos convergentes à aceitação de determinada proposição, sobre os motivos divergentes. As afirmativas pesando mais sobre o espírito da pessoa, o fato é provável; pesando mais as negativas, ele é improvável (Malatesta). A probabilidade, assim conceituada, é menos que a certeza, porque lá os motivos divergentes não ficam afastados, mas somente suplantados; e é mais que a credibilidade, ou verossimilhança, pela qual na mente do observador os motivos convergentes e os divergentes comparecem em situação de equivalência e, se o espírito não se anima a afirmar, também não ousa negar.”
Refletindo ainda sobre as duas locuções constantes no caput do art. 273 do CPC, Ernane Fidelis dos Santos (1999, p. 36) salienta que, quanto ao aspecto lógico, parece haver contradição porque, se verossimilhança não é o que é verdadeiro, mas o que parecesse ser verdadeiro (vero=verdade, similhança=semelhante, parecido), não há como se considerar em tal conseqüência a inequivocidade da prova. Em outras palavras, prova inequívoca deveria conduzir-se não à verossimilhança, mas à certeza da própria verdade. Acontece, porém, que todo conhecimento é relativo. Não se pode dizer que o homem chegue ao conhecimento absoluto da verdade, senão a um juízo de máxima probabilidade.
Tendo em vista as considerações acima, há de se concluir que, diante de uma alegação, a verossimilhança se assenta num juízo de probabilidade, que resulta, por seu turno, da análise dos motivos que lhes são favoráveis (convergentes) e dos que lhes são contrários (divergentes). No exame do pedido de antecipação de tutela, o juiz não foge a um juízo crítico dos fatos e do direito, do qual resultará, ou não, o convencimento da verossimilhança para fins da concessão ou denegação do provimento antecipado.
2. Fundado receito de dano irreparável ou de difícil reparação
O inciso I do art. 273 do CPC traz como primeiro requisito específico para a concessão da tutela antecipada o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, que deverá ser somado aos requisitos gerais constantes do caput do artigo supracitado.
O receio a que a lei faz menção representa a apreensão de um dano que ainda não ocorreu, mas prestes a acontecer, por isso, para que seja fundado, deve vir acompanhado de circunstâncias fáticas objetivas, que demonstrem que a falta de tutela possibilitará a ocorrência do dano e que este dano será irreparável ou de difícil reparação. (SANTORO, 2000, p. 13)
O denominado “receio de dano” há, pois, que ser objetivamente fundado e calculado, de forma a mais precisa possível, pelo exame das causas já postas em existência, capazes de realizar ou operar o efeito indesejado que deve ser, por conseqüência, afastado. A comprovação de seu fundamento, não obstante não omitir, por sua própria natureza, a certeza, deve permitir, no mínimo, a plausividade (justificação), sem que o juízo restritivo de probabilidade acabaria, no exercício prático, transmutando-se no genérico e amplo juízo de possibilidade. (FRIEDE, 1999, p. 84)
O fundado receio de sofrer dano futuro, por sua vez, não se confunde com mera possibilidade, especulação ou ilação do autor. Haverá de resultar da demonstração de circunstâncias inequívocas, atuais e factíveis no tocante ao dano futuro. (FIGUEIRA JÚNIOR, 2001, p. 195)
Na ótica de Sydney Sanches, fundado receio significa o temor justificado que possa ser objetivamente demonstrado com fatos e circunstâncias e não apenas uma preocupação subjetiva. (1978, p. 106)
Vale frisar que a fundamentação desse receio de dano irreparável ou de difícil reparação há de ser, por uma questão de óbvio bom-senso, de origem racional, não podendo orbitar em torno de meras suposições ou palpites, ou, do contrário, cometer-se-á uma injustiça antecipada.
Há irreparabilidade quando os efeitos do dano não são irreversíveis. É preciso notar que a irreparabilidade pode atingir direitos não-patrimoniais, direitos patrimoniais com função não patrimonial e simplesmente direitos patrimoniais. Cumpre ressaltar que o dano é de “difícil reparação” se as condições econômicas do réu não autorizam supor que o dano será efetivamente reparado. O dano também é de “difícil reparação” se dificilmente poderá ser individualizado ou quantificado com precisão. (MARINONI, 1996, p. 184)
Reis Friede (1999, p. 87) cita Antônio Jeová da Silva Santos para explicar a irreparabilidade do dano, vejamos:
“A irreparabilidade do dano decorrerá da ameaça de um grave dano jurídico, caso não exista a satisfatividade do direito. Similar do periculum in mora, o receio de a parte vir a padecer dano irreparável caso o Poder Judiciário não intervenha para antecipar o direito, fará exsurgir um dos requisitos para a outorga da tutela antecipada. (…) O direito estará exposto a uma situação que pode indicar irreparabilidade de prejuízo, diante das seguintes situações: “a) quando houver impossibilidade de ocorrer restituição ou repristinação à situação anterior; b) quando o ato ou fato danoso implique a destruição de uma coisa infungível, seja por haver a mesma cessado de existir, seja por haver ela perdido uma qualidade que lhe era essencial”.
3. Abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu
O inciso II do art. 273 do CPC traz como segundo requisito específico para a concessão da tutela antecipada, alternativo ao primeiro, o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.
A antecipação da tutela fundada em abuso de direito de defesa somente é possível, em princípio, quando a defesa ou recurso do réu deixam entrever a grande probabilidade de o autor resultar vitorioso e, conseqüentemente, a injusta espera para a realização do direito. Um direito é evidenciado de pronto quando é demonstrado desde logo. Para a tutela antecipada no direito brasileiro, contudo, são necessárias a evidência do direito do autor e a fragilidade da defesa do réu, não bastando apenas a caracterização da primeira. (MARINONI, 1996, p. 193-194)
Não há que se confundir abuso de direito de defesa com litigância de má-fé. No entanto, é possível extrair do art. 17[1] do Código de Processo Civil alguns elementos que podem colaborar para a caracterização do abuso do direito de defesa. O que não pode ocorrer é utilizar o artigo supra como guia para compreensão da tutela antecipada fundada no inciso II do art. 273 do mesmo Codex.
O segundo requisito específico para a concessão da tutela antecipada, ora em estudo, denomina defesa temerária na lição de Joel Dias Figueira Júnior (2001, p. 273), subdividindo-se em duas espécies: abusiva ou protelatória. Assim, a concessão da tutela antecipada apresenta caráter essencialmente punitivo, em homenagem ao princípio da lealdade processual orientador da presunção de boa-fé.
Calmon de Passo (1995, p. 45) conceitua o abuso no direito de defesa da seguinte forma:
“Talvez a melhor maneira de definir o abuso de direito seja dizer-se que ele ocorre quando se exercita, além do limite necessário, o direito que se tem, ou quando esse exercício objetiva não alcançar a tutela que a ele se associa e é devida a seu titular, mas sim a outro fim, mesmo que seja lícito ou moralmente justificável. (…) A defesa carece de consistência quando são inconsistentes as alegações de fato ou de direito, isto é, incapazes de tornar o fato controvertido (objeto de prova) ou representativo, em matéria de direito, daquele erro inescusável a que nos referimos.”
Para Carreira Alvim (1999, p. 20-21), haverá abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu sempre que a jurisprudência se firmar em determinado sentido, nas Cortes Superiores de Justiça, mormente através de orientação sumulada, e o demandante insista em negar através de contestações estereotipadas, o direito do autor, com o único propósito de retardar a prolação da sentença de mérito. Doravante, em tais casos, o processo deixa de servir à parte que não tem razão (no caso, o réu), pondera-se a serviço do verdadeiro titular do direito (no caso, o autor), ao possibilitar-lhe a obtenção da tutela jurisdicional por antecipação.
Segundo o princípio da eventualidade, o réu, na contestação, deverá mencionar toda a matéria de defesa sob pena de ocorrer preclusão. Pelo exposto, nebuloso se torna, diante do caso concreto, a apreensão do momento em que houve o abuso do direito. Para ser capturado tal abuso, será necessário verificar até que ponto o réu resiste ao pedido do autor por mero capricho, com simples caráter de emulação, ou quando apresenta defesa inconsistente, porque a matéria vertida na petição inicial apresenta-se de tal forma inconcussa, prima facie, que não comporta aprofundada discussão.
Se o réu tende a abusar do seu direito de defesa, igual ou maior é o seu interesse em abusar do direito ao recurso, seja para conservar o bem disputado no seu patrimônio, seja ainda para tentar tirar do autor alguma vantagem econômica em troca do tempo necessário ao processamento e ao julgamento do recurso. (MARINONI, 1996, p. 201-208)
4. O convencimento motivado do juiz
O legislador, no § 1º do art. 273 do Código de Processo Civil, apenas reafirmou a norma já inserida no art. 165, que torna imperativo a fundamentação de todas as decisões. Além disso, devemos levar em consideração que o inciso IX do art. 93 da Constituição Federal dispõe que todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas as decisões, sob pena de nulidade.
Contudo, Carreira Alvim (1999, p. 27) justifica a inserção do § 1º no art. 273 do CPC pelo legislador da seguinte forma:
“Prescrevendo o § 1º do art. 273 que, “na decisão que antecipar a tutela, o juiz indicará, de modo claro e preciso, as razões do seu convencimento”, pode parecer que a lei tenha chovido no molhado. No entanto, a prática diuturna do foro revelou, apesar de todas as disposições, leais e constitucionais, uma despreocupação (senão omissão) da parte dos juizes, em fundamentar as suas decisões, limitadas muitas vezes a um singelo “concedo a liminar” ou “denego a liminar”, sem que a parte saiba as razões do convencimento, positivo ou negativo, do julgador. As decisões do órgão singular, nos tribunais (relator), não eram diferentes, apresentando-se muitas vezes, completamente despidas de fundamentação.”
Deixando o magistrado de fundamentar a sua decisão interlocutória ou fundamentando-a de maneira superficial, obscura, imprecisa, lacunosa ou contraditória, ensejará a interposição de embargos de declaração ou até mesmo o remédio constitucional do mandado de segurança. (FIGUEIRA JÚNIOR, 2001, p. 227)
O § 1º do art. 273 não determina expressamente qualquer nulidade, todavia, diante do mandamento constitucional inserido no art. 93, IX da CF, não resta dúvida de que a decisão sem fundamento é nula. Há quem, como Lopes da Costa (1954, p. 297), sustente que a motivação é de ordem pública. Da sua inobservância resultaria nulidade absoluta, cuja conseqüência é poder ser conhecida de ofício pelo juiz; há, todavia, aqueles que sustentam tratar de nulidade relativa, e a sua decretação dependeria de requerimento da parte.
Informações Sobre o Autor
Hálisson Rodrigo Lopes
Possui Graduação em de Direito pela Universidade Presidente Antônio Carlos (2000), Licenciatura em Filosofia pela Claretiano (2014), Pós-Graduação em Direito Público pela Faculdade de Direito do Vale do Rio Doce (2001), Pós-Graduação em Direito Administrativo pela Universidade Gama Filho (2010), Pós-Graduação em Direito Civil e Processual Civil pela Faculdade de Direito do Vale do Rio Doce (2011), Pós-Graduação em Filosofia pela Universidade Gama Filho (2011), Pós-Graduado em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Estácio de Sá (2014), Pós-Graduado em Gestão Pública pela Universidade Cândido Mendes (2014), Pós-Graduado em Direito Penal e Processo Penal pela Faculdade de Direito do Vale do Rio Doce (2014), Pós-Graduado em Direito Educacional pela Claretiano (2016), Mestrado em Direito pela Universidade Gama Filho (2005), Doutorando em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Atualmente é Professor Universitário da Faculdade de Direito do Vale do Rio Doce (FADIVALE) nos cursos de Graduação e Pós-Graduação e na Fundação Educacional Nordeste Mineiro (FENORD) no curso de Graduação em Direito; Coordenador do Curso de Pós-Graduação da Faculdade de Direito do Vale do Rio Doce (FADIVALE). Associado ao Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (CONPEDI); e Assessor de Juiz – Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais – Comarca de Governador Valadares