Resumo: A temática acerca dos acidentes de trabalho tem provocado toda sorte de debates. De acordo com dados estatísticos emitidos pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) o Brasil é o quarto colocado mundial em número de acidentes fatais. Estamos num patamar nada honroso. Com o advento da lei 11.430/2006, que instituiu o Nexo Técnico Epidemiológico (NTEP), as estatísticas cresceram ainda mais, ressalvado o fato de que as estatísticas ainda não refletem a real conjuntura, já que há o fenômeno da “subnotificação”, ou seja, falta de comunicação à Previdência Social quando da ocorrência acidentária. Assim, as entidades sindicais, as unidades administrativas e de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego, o Ministério Público e a própria Previdência Social buscam a implementação de políticas públicas voltadas à prevenção acidentária. Uma das propostas é a intensificação do ajuizamento de ações regressivas acidentárias. A despeito da natureza jurídica de pessoa jurídica de direito privado – associação – a categoria econômica possui legitimidade para conscientização e esclarecimento de questões pontuais, tais como emissão de CAT, tempo de afastamento, efeitos na relação de trabalho, entre outros. Por outro lado, se faz necessária a análise das medidas a serem adotadas por parte da categoria profissional. Assim, o presente artigo tem por escopo o debate no que concerne às ações regressivas previdenciárias, instituto de grande relevância para o ressarcimento dos cofres públicos e prevenção de acidentes.
Palavras-chave: ação regressiva acidentária; gasto público; previdência social; acidente de trabalho.
Abstract: The research is about labour accidents. According to statistics issued by the International Labour Organization (ILO), Brazil is the world's fourth place in number of fatal accidents. We are at a no honor level. With the advent of 11.430/2006 Act, which established the Technical Epidemiological Nexus (NTEP), the statistics have grown even more, except for the fact that the statistics do not reflect the real situation, since there is the phenomenon of "underreporting," or that is, lack of communication to Social Security upon the occurrence related accidents. Thus, the unions, administrative units and supervision of the Ministry of Labor and Employment, the Public Ministry and the Social Security itself seek the implementation of public policies aimed at preventing related accidents. One proposal is to enhance prosecution of regressive actions. Despite the legal entity of private law – association – the economic category has standing to raise awareness and clarification of specific questions, such as issuing labour accident communication (CAT), withdrawal time, effects on the employment relationship, among others. On the other hand, it is necessary to analyze the measures to be taken by you pair the professional category.
Keywords: regressiveaction, public spending, welfare, labour accident.
Sumário: 1 Introdução; 2 O direito material nas ações regressivas acidentárias; 3 A responsabilidade civil do empregador nos acidentes de trabalho; 4 Nexo técnico epidemiológico; 5 O papel dos sindicatos na proteção ao meio ambiente do trabalho: fiscalização e ação civil pública; 6 O direito processual nas ações regressivas acidentárias; 7 Conclusão; Referências.
1 INTRODUÇÃO
De acordo com dados estatísticos emitidos pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) o Brasil é o quarto colocado mundial em número de acidentes fatais, perdendo apenas para China, Índia e Indonésia. As estatísticas oficiais humilham nosso país, já que estamos num patamar aviltante.[1]
Com o advento da lei 11.430/2006, que instituiu o Nexo Técnico Epidemiológico (NTEP), as estatísticas cresceram ainda mais, ressalvado o fato de que as estatísticas ainda não refletem a real conjuntura, já que há o fenômeno da “subnotificação”, ou seja, falta de comunicação à Previdência Social quando da ocorrência acidentária.
Em termos pecuniários, o site da Previdência Social[2] informa que o pagamento, pelo INSS, dos benefícios relacionados a acidentes e doenças do trabalho, bem como a aposentadorias especiais decorrentes de condições ambientais do trabalho, em 2010, chega a um valor superior a R$ 12 bilhões/ano. Assim, as entidades sindicais, as unidades administrativas e de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego, o Ministério Público e a própria Previdência Social buscam a implementação de políticas públicas voltadas à prevenção acidentária. Uma das propostas é a intensificação do ajuizamento de ações regressivas acidentárias (art. 120, lei 8.213/91).
Ora, e qual o papel dos sindicatos para a consecução de políticas públicas? A despeito da natureza jurídica de pessoa jurídica de direito privado – associação –, a categoria econômica possui legitimidade para conscientização e esclarecimento de questões pontuais, tais como emissão de CAT, tempo de afastamento, efeitos na relação de trabalho, entre outros.
Por outro lado, se faz necessária a análise das medidas a serem adotadas por parte da categoria profissional.
Assim, o presente artigo tem por escopo o debate no que concerne às ações regressivas previdenciárias, instituto de grande relevância para o ressarcimento dos cofres públicos e prevenção de acidentes.
2 O DIREITO MATERIAL NAS AÇÕES REGRESSIVAS ACIDENTÁRIAS
Acidente de trabalho pode ser conceituado como aquele que ocorre devido ao serviço prestado para uma empresa, e que provoca lesão corporal, perda ou redução da capacidade, ou morte. A doença ocupacional, qual seja, aquela desenvolvida ao longo do tempo, totalmente relacionada ao serviço realizado, equipara-se aos acidentes de trabalho.
Mozart Russomano conceitua os acidentes de trabalho da seguinte forma:
“O acidente de trabalho, pois, é um acontecimento em geral súbito, violento e fortuito, vinculado ao serviço prestado a outrem pela vítima que lhe determina lesão corporal, por aproximação, podemos dizer que é esse o pensamento de Rouast e Givord” (Traité sur Accidents du Travail, p. 98).[3]
Para que o acidente sofrido ou a doença desenvolvida sejam considerados decorrentes do trabalho, deverá ser demonstrado o nexo de causalidade entre o serviço prestado e o acidente ou a doença. Também poderá haver a concausa quando alguma limitação ou doença pré-existente é agravada em decorrência do serviço prestado.
Daniela Aparecida Flausino Negrini aduz que “o fato de acontecer um acidente do trabalho gera uma consequência não só para o obreiro acidentado ou para a empresa, como também para toda a sociedade”.[4]
Conforme as estatísticas de acidentes de trabalho divulgadas pelo Ministério da Previdência Social[5], tivemos, em Campinas, um total de 5.429 acidentes de trabalho em 2009, entre acidentes de trabalho típicos, acidentes de trajeto e doenças ocupacionais, das quais somente 3.992 tiverem CAT registrada e 18 resultaram em óbito. Os números são alarmantes e representam alta quantidade de benefícios concedidos e aposentadorias por invalidez decorrentes de acidente de trabalho.
Neste cenário, as ações regressivas acidentárias referem-se àquelas em que, diante da ocorrência de um acidente de trabalho por culpa da empresa, devido ao descumprimento de alguma norma de saúde e segurança que resultem em benefício previdenciário, poderá o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) regressar contra a empresa para cobrar os gastos que lhe recaíram.
O pagamento de auxílio por acidente de trabalho pelo INSS, portanto, não exclui a responsabilidade da empresa em que o acidente ocorreu.
O intuito real de tais ações vai além do simples ressarcimento de valores ao INSS, estando totalmente relacionado com a punição pelo descumprimento das normas de saúde e segurança do trabalho pelas empresas, além de prevenir a ocorrência de novos acidentes.
A ação regressiva acidentária fundamenta-se no artigo 120 da lei n. 8.213/91, que aduz que, nos casos de negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho que busquem a proteção individual e coletiva, a Previdência Social regressará contra os responsáveis.
Anteriormente à lei n. 8.213/91, contudo, já existia a possibilidade de regresso do INSS em face de empresas que descumprissem as normas de saúde e segurança do trabalho, podendo fundamentar-se nos artigos 159 e 1.524 do Código Civil de 1916. Vejamos:
“Art. 159. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano. A verificação da culpa e a avaliação da responsabilidade regulam-se pelo disposto neste Código, arts. 1.518 a 1.532 e 1.537 a 1.553.
Art. 1.529. Aquele que habitar uma casa, ou parte dela, responde pelo dano proveniente das coisas que dela caírem ou forem lançadas em lugar indevido.”[6]
Fernando Maciel ensina que o artigo 120 “não criou um direito ressarcitório em prol do INSS, ao contrário, instituiu um dever de a Previdência Social buscar o ressarcimento das despesas suportadas em face da conduta culposa de terceiros.”[7]
Sérgio Pinto Martins conceitua segurança e medicina do trabalho como “o segmento do Direito do Trabalho incumbido de oferecer condições de proteção à saúde do trabalhador no local de trabalho, e de sua recuperação quando não estiver em condições de prestar serviços ao empregador.” [8]
Para o autor, as empresas, além de cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho, deverão também instruir seus empregados acerca das precauções para se evitar acidentes de trabalho ou doenças ocupacionais e manter o material necessário à prestação de primeiros socorros.
Cumpre ressaltar que, ainda que observadas as normas de saúde e segurança do trabalho, existe a possibilidade de ocorrência de acidente de trabalho. Em tal situação, no entanto, se cumpridas todas as normas pela empresa, não há que se falar em ação regressiva acidentária, uma vez que seu objetivo é punir a empresa que as desrespeite e evitar novos acidentes causados por negligência do empregador, excetuando-se as empresas que realizam as chamadas “atividades de risco”, conforme veremos adiante.
A ação regressiva acidentária requer alguns pressupostos, quais sejam: o acidente de trabalho em si, que é aquele sofrido em decorrência do trabalho exercido e que provoque lesão corporal; morte, com perda ou redução da capacidade laborativa, incluindo as doenças ocupacionais desencadeadas em razão da atividade exercida; prestação social pelo INSS em razão do acidente ou doença do trabalho, seja auxílio-doença, auxílio-acidente ou até mesmo aposentadoria por invalidez, e culpa do empregador no cumprimento e/ou fiscalização das normas de saúde e segurança do trabalho, com fundamento no artigo 7º, XXII, da Constituição Federal:
“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
XXII – redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança.”[9]
Sebastião Geraldo de Oliveira ensina que, “no comportamento culposo, o empregador não deseja o resultado, mas adota conduta descuidada ou sem diligência, que pode provocar o acidente ou a doença ocupacional”[10], diferenciando-a do dolo, no qual há intenção de provocar ato ilícito.
Assim, se o empregador age com imprudência ou negligência deverá ser responsabilizado pelo acidente de trabalho ou doença ocupacional adquirida na empresa. Sendo o ato que deu causa ao acidente ou à doença profissional causado por terceiro, subordinado ao empregador, este também será responsabilizado, por meio da culpa in vigilando, eligendo ou contrahendo. Nesse sentido, Antonio Lopes Monteiro e Roberto Fleury de Souza Bertagni esclarecem que:
“Ação é fazer, omissão é o não fazer. A responsabilidade pode derivar de ato próprio ou de terceiros. O art. 932, III, do CC dispõe que o empregador ou comitente responde pelos atos de seus empregados, serviçais ou prepostos, praticados no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele. […] Essa responsabilidade decorre da subordinação hierárquica de empregado e serviçal em relação ao patrão, e do direito de o comitente dar ordens e instruções ao preposto”.[11]
Portanto, não basta que o empregador não dê causa ao acidente ou doença, mas deverá exercer fiscalização sobre todos os seus empregados para que não sofram o acidente ou não causem o acidente de outro empregado, uma vez que a omissão é punível.
O direito à proteção à vida e à integridade física é um direito fundamental do trabalhador. Conforme Amaury Mascaro Nascimento, tal direito se inicia com a preservação do meio ambiente do trabalho:
“A proteção ao meio ambiente do trabalho tem por suporte um conceito: para que o trabalhador atue em local apropriado, o Direito deve fixar condições mínimas a serem observadas pelas empresas, quer quanto às instalações onde as oficinas e demais dependências se situam, quer quanto às condições de contágio com agentes nocivos à saúde ou de perigo que a atividade possa oferecer”.[12]
A proteção do trabalhador é uma obrigação do empregador, que deve oferecer aos seus empregados um ambiente de trabalho saudável e seguro, o que inclui equipamentos de proteção individual, prevenção à fadiga, iluminação adequada e salubridade, cumprindo as determinações das normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho e da CLT.
Entre as obrigatoriedades da empresa, estão o exame médico admissional, o qual deve ser renovado anualmente ou, no caso de atividades insalubres, semestralmente, conforme fundamenta o artigo 168, CLT; o fornecimento gratuito de equipamentos de proteção e segurança adequados e que protejam completamente o empregado; a disponibilidade de material necessário aos primeiros socorros; a notificação das doenças profissionais; a criação de Comissões Internas de Prevenção de Acidentes quando a empresa tiver mais de 50 empregados e a criação de um Programa de Prevenção de Riscos Ambientais e de Controle Médico de Saúde Ocupacional.
Fernando Maciel explica que a culpabilidade dos empregadores possui caráter ilícito, sendo resultado da inobservância de um dever de conduta expresso em lei, ou em acordos e convenções coletivas. O autor ainda cita a lei n. 8.213/91, em seu artigo 19, § 2º, pelo qual haverá contravenção penal quando a empresa deixar de cumprir as normas de segurança e higiene do trabalho, hoje tratadas como normas de segurança e saúde do trabalho, puníveis com multa.[13]
Conforme já citado, o INSS não busca tão somente o ressarcimento pelos gastos advindos de acidente causado por culpa da empresa, mas busca a prevenção de novos acidentes, bem como uma punição à empresa que descumprir as normas de saúde e segurança do trabalho.
O ressarcimento é o objetivo imediato e compreende despesas advindas das prestações sociais pagas pelo INSS, devolvendo aos cofres públicos gastos que poderiam ser evitados.
A reparação de um dano causado pela empresa, no entanto, traduz-se em uma forma de puni-la por causar dano a outrem, que atinge a vida ou a integridade física de trabalhadores.
Como terceiro objetivo das ações regressivas acidentárias, está a prevenção de ocorrência de novos acidentes, buscando pressionar as sociedades empresariais para que adotem medidas com a finalidade essencial de proteger o trabalhador.
Sérgio Luís R. Marques ensina:
“A ação de regresso que o INSS começará a propor visa, não só, reaver do responsável pelo infortúnio do trabalho o que efetivamente se despendeu, mas objetiva, precipuamente, forçar as empresas a tomar medidas profiláticas de higiene e segurança do trabalho. A fim de que a médio e curto espaço de tempo o número de acidentes de trabalho diminua”.[14]
O interesse do INSS, portanto, surgirá a partir do momento em que o meio ambiente do trabalho apresentar-se insalubre, passando a oferecer riscos ao trabalhador. Se o meio ambiente do trabalho estiver desequilibrado, criará o risco social de incapacidade ou morte de trabalhadores.
A partir da ocorrência do acidente, cujo resultado seja incapacidade total ou parcial, ou morte de um trabalhador, o próprio trabalhador ou seus dependentes poderão exercer seu direito a um benefício previdenciário, seja auxílio doença, auxílio doença por acidente de trabalho, auxílio doença acidentário, aposentadoria por invalidez ou até mesmo pensão por morte, gerando o interesse do INSS em diminuir a imensa despesa que tem com as prestações.
Márcia Gomes de Oliveira, Marcelle Dias, Fábio Roberto de Oliveira e Thiago Raoni Tieppo esclarecem:
“[…] o controle dos riscos inerente à sociedade moderna, principalmente, o controle dos danos ambientais, só será possível com uma atuação efetiva das instituições sociais [acrescente-se: e estatais]. Neste caso, quebrar o ciclo de desestímulo, através das reestruturações propostas, ocasionará maior participação da sociedade civil, aperfeiçoando a democracia em nosso país. Entretanto, a manutenção dessa situação, em que os direitos mínimos não são respeitados, intensificará o sentimento de injustiça que trará graves problemas de legitimidade ao constituinte e do próprio regime democrático.”[15]
3 A RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR NOS ACIDENTES DE TRABALHO
A responsabilidade civil do empregador fundamenta-se na Constituição Federal, artigo 7º, XXVIII. Hodiernamente, é aplicável a teoria do risco, pela qual é devida a reparação do dano pela simples criação de um risco.
O jurista Caio Mário da Silva Pereira esclarece acerca da responsabilidade objetiva:
“No campo objetivista situa-se a teoria do risco, proclamando ser de melhor justiça que todo aquele que disponha de um conforto oferecido pelo progresso, ou que realize um empreendimento portador de utilidade ou prazer, deve suportar os riscos a que exponha os outros. Cada um deve sofrer o risco de seus atos, sem cogitação da ideia de culpa, e, portanto, o fundamento da responsabilidade civil desloca-se da noção de culpa para a ideia de risco […]. Onde encontrou mais sólido supedâneo entre nós foi na legislação quanto a acidentes de trabalho, cujo raciocínio básico está neste princípio: todo aquele que se serve da atividade alheia, e dela aufere benefícios, responde pelos riscos a que expõe quem lhe presta aquela atividade”.[16]
Concluímos, portanto, que a responsabilidade objetiva não pode ser aplicada indiscriminadamente aos acidentes de trabalho, mas tão somente aos decorrentes das “atividades de risco”. Ou seja, não havendo risco concomitante à atividade exercida, não há que se falar em responsabilidade objetiva, casos em que será exigível a culpa da empresa, quando caberá ação regressiva acidentária pelo INSS.
Com relação ao ônus da prova, deve-se considerar que existe uma relação jurídica, de contrato de trabalho, com direitos e deveres recíprocos, da qual resulta um acidente. Devido à responsabilidade contratual do empregador com relação aos seus empregados, advém a conseqüência apontada pela Ministra Nancy Andrighi, em Recurso Especial de n. 1067738:
“Ocorre que, nos termos do art. 389 do CC/02 (que manteve a essência do art. 1.056 do CC/16), na responsabilidade contratual, para obter reparação por perdas e danos, o contratante não precisa demonstrar a culpa do inadimplente, bastando a prova de descumprimento do contrato. Em outras palavras, recai sobre o devedor o ônus da prova quanto à existência de alguma causa excludente do dever de indenizar. Dessa forma, nos acidentes de trabalho, cabe ao empregador provar que cumpriu seu dever contratual de preservação da integridade física do empregado, respeitando as normas de segurança e medicina do trabalho. Em outras palavras, fica estabelecida a presunção relativa de culpa do empregador”.[17]
Portanto, o que temos como fundamental para o ingresso dessa espécie de ação é a culpa, como uma presunção relativa, e não a imposição da responsabilidade objetiva ao empregador na ocorrência de acidente de trabalho.
4 NEXO TÉCNICO EPIDEMIOLÓGICO
A lei n. 11.340/2006 instituiu o Nexo Técnico Epidemiológico (NTEP), pelo qual determinadas doenças ou acidentes estão totalmente relacionadas com o trabalho exercido, exemplificando-se por lesões por esforços repetitivos, silicose pulmonar e perdas auditivas induzidas por ruído, fazendo necessária a confirmação da conduta culposa do empregador.
O NTEP foi acrescentado à lei n. 8.213/91, com o artigo 21-A, pela lei n. 11.430/2006:
“Art. 21-A. A perícia médica do INSS considerará caracterizada a natureza acidentária da incapacidade quando constatar ocorrência de nexo técnico epidemiológico entre o trabalho e o agravo, decorrente da relação entre a atividade da empresa e a entidade mórbida motivadora da incapacidade elencada na Classificação Internacional de Doenças – CID, em conformidade com o que dispuser o regulamento.”[18]
O reconhecimento do nexo causal entre acidente e trabalho prestado na empresa assegura a estabilidade ao trabalhador e possibilita indenização advinda da responsabilidade civil da empresa.
Fabio Zambitte Ibrahim explica que:
“Estes novos instrumentos buscam alguma coordenação entre as áreas envolvidas, além de impor ônus maior para as empresas que geram mais acidentes e, por consequência, ampliam a concessão de benefícios acidentários para os segurados”.[19]
A empresa pode recorrer de tal enquadramento. No entanto, se mantida e desenvolvida doença profissional, será cabível a ação de regresso, pois, nesses casos, o risco já é comprovado e evidente.
5 O PAPEL DOS SINDICATOS NA PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE DO TRABALHO: FISCALIZAÇÃO E AÇÃO CIVIL PÚBLICA
Amaury Mascaro Nascimento explica sobre as funções dos sindicatos que:
“A função de representação, perante as autoridades administrativas e judiciais, dos interesses coletivos da categoria ou individuais de seus integrantes, o que leva à atuação do sindicato como parte nos processos judiciais em dissídios coletivos destinados a resolver os conflitos jurídicos ou de interesses, e nos dissídios individuais de pessoas que fazem parte da categoria, exercendo a substituição processual, caso em que agirá em nome próprio na defesa do direito alheio, ou a representação processual, caso em que agirá em nome do representado e na defesa do interesse deste”.[20]
Ao falar sobre os poderes dos sindicatos, Orlando Gomes e Élson Gottschalk ensinam ainda que a representação seria dos interesses gerais da profissão, dos interesses individuais dos seus associados e do empregador ou associação que o representa na celebração da convenção coletiva.[21]
Desse modo, os sindicatos podem dispor sobre a medicina e a segurança no trabalho em acordos coletivos com as empresas, observando as garantias mínimas fundamentadas em lei. Podem também, na qualidade de substituto processual e representando seus associados, propor ação civil pública visando à observância das normas de saúde e segurança do trabalho.
O meio ambiente do trabalho, consubstanciado na Constituição Federal, artigos 7º, XXII, e 200, VIII, pode ser conceituado como o conjunto de condições ou regras existentes no local de trabalho, que estejam relacionados à qualidade de vida do trabalhador.
O equilíbrio do local de trabalho é baseado em sua salubridade, que pode ser traduzida em um ambiente saudável, no qual a integridade física e psíquica dos trabalhadores seja preservada.
A proteção a esse ambiente pode ser alcançada tanto pela prevenção, extrajudicial ou judicialmente – por exemplo, pela denúncia dos sindicatos ao Ministério do Trabalho, fiscalização realizada por auditores fiscais, elaboração de termos de ajustamento de conduta, instauração de inquéritos pelo Ministério Público –, como mediante a reparação depois de consumado o dano.
Vele ressaltar que a ação civil pública pode ser proposta pelos próprios trabalhadores quando organizados em associações ou sindicatos, que buscarão a tutela de seus interesses se houver ameaça ou violação de sua incolumidade física ou mental.
Na qualidade de substituto processual e representando seus associados, o sindicato, portanto, poderá propor ação civil pública visando à observância das normas de saúde e segurança do trabalho.
Para prevenir a ocorrência de um ilícito, há a possibilidade de tutela inibitória, com intuito de prevenir a violação de direitos, sejam patrimoniais ou não patrimoniais. Nesse ponto, não há direito a ser reparado, mas uma prevenção para que não haja necessidade de reparação. A culpabilidade não importa nesse momento, uma vez que ainda não há direito a ser reparado ou valores a serem ressarcidos.
A tutela inibitória também pode dividir-se em negativa, com escopo de obter uma obrigação de não fazer, ou positiva, para estabelecer uma obrigação de fazer, podendo ser requeridas mediante ação civil pública.
Renato Saraiva dispõe, acerca da ação civil pública, que haverá direito tutelável por interesses: 1) difusos: greves em atividades essenciais, com o não-atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade; contratação sem concurso público; discriminação de trabalhadores em razão de sexo, idade, raça, deficiência etc.; exigência pela empresa, aos candidatos a emprego, de certidão negativa de ações propostas na Justiça do Trabalho; 2) coletivos: ofensa à liberdade sindical, com a prática de condutas antissindicais ou dispensa arbitrária de dirigentes sindicais; agressão ao meio ambiente de trabalho, com a não-adoção das medidas de medicina e higiene previstas na lei vigente; dispensa coletiva de trabalhadores durante uma greve, como forma de retaliação ao movimento paredista; 3) individuais homogêneos: empregador que não paga as verbas rescisórias dos seus empregados; não-pagamento de adicional de insalubridade ou periculosidade aos empregados; não-concessão de férias aos obreiros; não-concessão de intervalo inter e intrajornada aos empregados.[22]
Resta claro que a agressão ao meio ambiente do trabalho e não adoção das medidas de medicina e higiene expressas em lei podem dar causa aos acidentes de trabalho.
Assim, os sindicatos, no papel de associações civis, têm legitimidade para propor ação civil pública, saindo em defesa dos interesses coletivos da classe trabalhadora, bem como os direitos individuais homogêneos de cada trabalhador, o que, inclusive, está expresso na Constituição Federal, nos artigos 8º, III, e 129, III, § 1º.
Com relação aos interesses difusos, estes podem ser defendidos por uma entidade sindical, desde que haja previsão estatutária que a legitime. Todos que ameacem interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos podem ser legitimados passivos das ações civis públicas.
Theotonio Negrão cita, acerca da ação civil pública:
“A ação civil pública pode ser ajuizada tanto pelas associações exclusivamente constituídas para defesa do meio ambiente, quanto por aquelas que, formadas por moradores de bairro, visam ao bem-estar coletivo, incluída, evidentemente, nessa clausula a qualidade de vida, só preservada enquanto favorecida pelo meio ambiente (STJ-2ª Turma, Resp 31.150-SP, rel. Min. Ari Pargendler, j. 20.5.96, não conheceram, v.u., DJU 10.6.96, p. 20.304).”[23]
Quando propõe ação coletiva, o sindicato atua protegendo e defendendo os direitos supraindividuais. Nelson Nery e Rosa Maria de Andrade Nery afirmam:
“Sindicatos. Para a propositura de ação civil pública na defesa de direitos difusos ou coletivos (v.g. dissídio coletivo: CF 114 § 2º), têm os sindicatos legitimidade autônoma para a condução do processo, já que possuem natureza jurídica de associação civil (LACP 5º, CDC 82 IV) (Nery, CDC Coment. 635/363). Na defesa dos direitos individuais dos associados e integrantes da categoria, em ações relativas à atividade laboral e ações de cumprimento (CF 5º XXI e 8o III; CLT 872 par. ún.), age o sindicato como substituto processual. Carrion, CLT, 404/405 e 652/655. Quando o sindicato age, nos dissídios individuais e nas reclamatórias plúrimas, em nome dos associados, o faz na condição de representante (CLT 513 a e 843). O sindicato pode agir na defesa dos direitos dos membros da categoria, sejam ou não sindicalizados, na esfera administrativa e na judicial, trabalhista ou não (Barbosa Moreira, RP 61/191). V.L 8073/90 3º; TST 180, 255, 271,286 e 310. V. casuística, abaixo, verbete “sindicatos”.”[24]
6 O DIREITO PROCESSUAL NAS AÇÕES REGRESSIVAS ACIDENTÁRIAS
A pesquisa de julgados evidenciou controvérsias, trazendo competência da Justiça Estadual, Justiça Federal e Justiça do Trabalho, estando esta última sob o enfoque acadêmico do presente artigo. Assim, questões atinentes ao processamento de ações regressivas acidentárias devem ser fixadas a partir da natureza jurídica da lide. Isso significa verificar os elementos da ação (partes, causa de pedir e pedido).
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem decidido conforme o entendimento aqui exposto. É o que se extrai no MS 9315, 3ª Seção, Rel. Min. Arnaldo Esteve Lima: “[…] A decisão judicial não está limitada apenas pelo pedido formulado pela parte, mas também pela causa de pedir deduzida, sendo esta elemento delimitador da atividade jurisdicional da ação”.[25]
Outrora, a competência da Justiça do Trabalho era definida em função dos sujeitos – empregador e trabalhador. Porém, com o advento da EC 45/2004 e a chamada reforma do judiciário, a relação de trabalho é o novo modelo conceitual para delimitação de competência. O art. 114 da Carta Magna torna incontroversa a natureza delimitadora da competência em razão da matéria – e não mais dos sujeitos da relação jurídica. A regra incluída no 114, VI, especificamente, permite inclusão de pedidos indenizatórios de terceiros estranhos à relação laboral, como é o caso da legitimidade ativa do INSS para ajuizar ações regressivas acidentárias. Logo, as pretensões do trabalhador e do INSS nascem da mesma causa de pedir: o acidente do trabalho ocorrido por culpa do empregador.
As normas de saúde e segurança do trabalho estão, basicamente, na CLT, entre os arts. 154 a 201, e em decretos e portarias, como as Normas regulamentadoras (NRs) emitidas pelo Ministério do Trabalho e Emprego. Considerando que a ação regressiva acidentária visa ao ressarcimento decorrente do descumprimento das normas supracitadas, não resta dúvida sobre o foro competente para julgamento. O art. 108 do CPC reza que a ação acessória será proposta perante o juiz competente para a ação principal. Ora, é este o princípio da unidade de convicção.[26]
Feitas as considerações sobre a competência, observemos o foro competente. Para isso, é conditio sine qua non a leitura dos arts. 109 da CF e 94 do CPC infra:
“Art. 109: (…) p. 1º. As causas em que a União for autora serão aforadas na seção judiciária onde tiver domicílio a outra parte.[27]
Art. 94: A ação fundada em direito pessoal e a ação fundada em direito real sobre bens móveis serão propostas, em regra, no foro do domicílio do réu (grifo nosso).”[28]
Havendo pluralidade de domicílios de um réu, ou pluralidade de réus com domicílios distintos, a solução é dada pelo art. 100, V, a, CPC, ou seja, é competente o foro do lugar do ato ou fato para a ação de reparação do dano.
Questões atinentes à pluralidade de réus em forma de litisconsórcio passivo, a responsabilidade é solidária na reparação do dano, preconizado pelo Código Civil, em seu art. 942:
“Art. 942: Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação do dano.”[29]
Esta pretensão ressarcitória tem fundamento na responsabilidade subjetiva. Isso porque a procedência da ação regressiva acidentária traz a culpa do empregador como argumento. Ao empregador, em contrapartida, cabe provar o cumprimento da obrigação legal e contratual da relação jurídica.
A função dos sindicatos, insistimos, é a difusão informacional a respeito das mazelas de determinadas práticas por parte do empregador. A presunção relativa quanto à culpa do empregador requer atuação da categoria econômica na prevenção de acidentes de trabalho e os efeitos propagados negativamente, na medida em que o empregador deverá ressarcir envolvidos e terceiros, tais como Previdência Social, herdeiros da vítima falecida por acidente laboral, entre outros.
7 CONCLUSÃO
O conceito de ações regressivas acidentárias não deve ser restrito ao seu viés ressarcitório, mas, também, ao seu cunho concretizador da política pública de prevenção dos acidentes de trabalho. O art. 120 da lei 8213/91 traz a Previdência Social enquanto detentora de um dever, qual seja, exercer a pretensão ressarcitória em face dos empregadores. Estes, por sua vez, têm culpa lato sensu (dolo e culpa em sentido estrito).
Não obstante, as ações em análise pressupõem requisitos fáticos: ocorrência de um acidente de trabalho em que a vítima é um segurado do INSS; recebimento de benefício previdenciário em razão do acidente e culpa lato sensu do empregador. Nesta última circunstância, o INSS ajuíza ação visando ao ressarcimento dos gastos suportados por culpa do empregador, bem como puni-lo pelo descumprimento de norma vigente e/ou ausência de fiscalização no que tange à saúde e segurança do trabalho. Sabe-se que este caráter punitivo é uma medida cujo fim é a conscientização e prevenção de futuros acidentes.
A competência para julgamento das ações ora estudadas é da Justiça do Trabalho, haja vista a ampliação de competência em 2004, com a EC 45. O princípio da unidade de convicção pressupõe que ações indenizatórias por acidentes do trabalho são gênero e ações regressivas acidentárias são espécies.
O foro competente para julgar é o do domicílio do réu e, havendo pluralidade de domicílios, a ação deverá ser ajuizada no foro com jurisdição sobre o local do acidente.
A legitimidade ativa para propositura da ação é do INSS, representado pelos órgãos de execução da Procuradoria Geral Federal. No pólo passivo figura o responsável pelo descumprimento de normas cujo dano advindo de sua conduta deve suportar. Insta consignar que na hipótese de litisconsórcio passivo, a responsabilidade é solidária. A presunção de culpa do empregador é juris tantum, motivo pelo qual deve ser observada a inversão do ônus da prova.
Por fim, precipuamente o sindicato tem a prerrogativa de dispor sobre a medicina e segurança no trabalho em acordos coletivos com as empresas, observando as garantias mínimas fundamentadas em lei. Na qualidade de substituto processual, e representando seus associados, podem propor ação civil pública a fim de serem cumpridas as normas de saúde e segurança do trabalho. Categorias econômica e profissional têm a função de alastrar o conhecimento sobre as mazelas provenientes das práticas contrárias à prevenção acidentária.
Dirimir conflitos resultantes da luta de classes – conflitos esses que desde há muito dão ensejo a obras nos ditames de cunho tanto liberais quanto marxistas – é uma das razões pelas quais o Direito tutela as relações laborais. A preocupação em reduzir os indicadores de infortunística é um dos pilares sobre os quais buscamos nos escorar, na medida em que, hodiernamente, nos pautamos pelo princípio do não retrocesso. O aviltamento das condições de trabalho está na contramão do que o Brasil almeja: o patamar mínimo civilizatório nas condições laborais
Informações Sobre os Autores
Camila Andrade Mesanelli
Pós graduada em Direito do Trabalho pela PUC-Campinas. Advogada da Calsa Toledo e Bergstrm Advogados Associados em Limeira/SP
Natália Paranhos Mastropaschoa
advogada, bacharel em Direito pela PUC de Campinas, com pós graduação lato sensu em Direito do Trabalho, mestranda em Políticas Públicas Educacionais (Ensino Jurídico) pela mesma instituição. Bolsista CAPES/Prosup