O texto aprovado pelo Senado Federal brasileiro tem objetivo de se introduzir, no ordenamento jurídico brasileiro pelo menos um dispositivo que admitisse expressamente a mediação e a celebração dos acordos de procedimento. Finalmente sancionado em 16 de março de 2015 pela Presidente Dilma Rousseff com poucos vetos.
É considerado por Luiz Fux como bem vinda a introdução de tais medidas que autoriza que as partes regulem a forma de exercícios de seus direitos e deveres processuais e até possa, dispor, em certas situações, sobre os ônus que contra si recaíram.
A ideia é favorecer e prestigiar sempre que possível, as soluções de controvérsias obtidas diretamente pelos próprios litigantes negocialmente[1].
Afinal, a solução consensual do litígio é sempre benéfica trazendo a autoconcretização da pacificação, podendo caso não seja possível a resolução da própria controvérsia em si, ao menos o poder de disciplinarem a forma de exercício de suas faculdades processuais ou até mesmo delas dispor, conforme o caso. Formatando uma técnica complementar de gestão de processo civil.
Ressalte-se que o pacto somente é possível quando se referir aos direitos passíveis de autocomposição o que permitem a transação e o afastamento da jurisdição estatal, com a opção da arbitragem quando as partes sejam capazes e estejam em situação de equilíbrio, não se permitindo o acordo de procedimento em contrato de adesão ou em situação de vulnerabilidade.
O chamado case management[2] presente no direito inglês onde se adota o modelo de gestão processual por meio do qual o juiz é dado a interferir no desenrolar do procedimento a fim de adequá-lo às especificidades do caso concreto está se aproximando da simpatia da doutrina pátria e da jurisprudência.
O dispositivo fora admitido inicialmente pelo NCPC mas após diversas críticas, fora finalmente retirado e não constou do substitutivo aprovado pelo Senado brasileiro.
É verdade que os acordos de procedimentos valorizam o diálogo entre o juiz e as partes, conferindo-lhes, quando necessário e nos limites traçados pelo próprio sistema, a condição de adaptar o procedimento para melhor adequá-lo às exigências específicas do litígio, afinal trata-se de valioso instrumento para a construção do processo civil democrático.
A cláusula geral do acordo de procedimento e o negócio jurídico processual. E, em alguns casos, até com certa restrição categorias muito peculiares do âmbito do direito privado mas que são adaptáveis ao direito público.
Na Ciência Processual, a temática é relativamente recente, cabendo à doutrina a doutrina alemã elaborar e desenvolver o conceito de negócio jurídico processual, a partir do século XIX.
Schönke[3] ainda no século passado, admitia francamente as convenções privadas sobre certas situações processuais, mas esses acordos não surtiriam efeitos de imediato de caráter processual, embora obrigassem aos interessados a proceder segundo eles.
Friedrich Lent[4] procurou identificar os negócios processuais no âmbito de atos processuais praticados pelas partes e seriam verificados quando os efeitos processuais se produziriam quando desejados pela parte.
Há quem admita ainda que excepcionalmente, a existência de contratos processuais, como por exemplo, o compromisso arbitral, segundo o ZPO.
Chiovenda admitiu abertamente a figura dos negócios processuais e os relaciona a produção de efeitos com a vontade das partes. Fazzalari recentemente admitiu a existência de negócios processuais que seriam melhor denominados de “atos processuais negociais”, como por exemplo, a renúncia e alguma faculdade processual.
Quanto à doutrina, quando não insiste em recusar valor à figura, simplesmente a coroa de silêncio, com o estigma de “salvo algumas exceções”.
Os acordos de procedimento são negócios jurídicos bilaterais. E, como é sabido, a escolha do procedimento é um negócio jurídico feito pelo autor ao ajuizar a demanda[5].
Ao discorrer sobre a mediação e analisá-la pelo enfoque constitucional e o procedimental. E, ainda, por conta da presença do referido instituto[6] em face do NCPC, enfatiza-se a busca de maior efetividade para se obter soluções para os conflitos intersubjetivos.
É de se notar que o NCPC se encontra em sintonia com recentes mudanças ocorridas no Direito da União Europeia, tanto que o Parlamento Europeu e o Conselho Europeu aprovaram a Diretiva 2008/52/CE, de 21/05/2008, a qual procurou garantir uma relação equilibrada entre a mediação e o processo judicial. Trata-se de dispositivo vinculativo em vinte e sete países que integram a União Europeia, numa perspectiva de promoção de direitos do acesso ao devido processo legal e acesso à justiça.
A novidade legislativa procura contribuir com novas técnicas e práticas para a condução dos litígios num cenário democrático e processual perante o Judiciário brasileiro.
A Teoria da Mediação Processual fundada na autonomia da vontade privada (legal e responsável) aponta que as pessoas têm forte grau de autonomia para resolver seus próprios conflitos, confirmando o direito fundamental de acesso a justiça e de participação procedimental de forma irrestrita e igualitária, fundada na ordem jurídica e no conhecimento do contexto multifactual.
Mas, uma indagação intriga-nos: a valorização dos meios autocompositivos significa a perda de prestígio do julgamento (como meio de composição da lide)? (grifo meu)
Há muito tempo já se verifica o intenso desgaste da função pública estatal de conhecer, processar e julgar os litígios expostos ao Estado-juiz.
Ou seja, o exercício da jurisdição brasileira nos remete ao questionamento se o método de resolução de controvérsias não seria demasiadamente burocrático, lento, pesado e complexo. Dotado de exagerado decisionismo e envolvendo os sujeitos do conflito, revelando grande insatisfação e de frustração dos jurisdicionados e a ensejar a utilização indiscriminada de recursos.
Resta indisfarçavelmente instalada a crise do Estado-Nação[7] em vários lugares do mundo e cujos reflexos recaem sobre as instituições públicas e privadas e se traduzem numa formal legitimação do direito e da jurisdição pautada na lógica da subordinação e não da cooperação.
Prossegue Ricardo Hermany em apontar que vivemos num sistema fechado recursivamente, onde as decisões públicas se legitimam tão somente pela adequação aos requisitos do processo legislativo ou pela natureza representativa do poder, atitude que não mais se coaduna com a sociedade que vivencia uma proliferação de outros espaços de poder, afetando diretamente o monopólio estatal e propiciador de uma autorregulação reflexiva fundamentada em valores já consagrados constitucionalmente calcados na preservação da dignidade humana e na responsabilidade social.
O aumento da litigiosidade contida tão peculiar da era dos direitos e que se apresenta logo após a instituição do Estado Democrático de Direito[8] dos anos 70, e engrossada diante de nossos direitos de quarta e quinta dimensões, como meio ambiente hígido, direito à informação, à privacidade, à proteção ao genoma genético humano.
A derivação oitocentista do monopólio tradicional da jurisdição vai se chocando com duas firmes tendências da atualidade: o nascimento de le droit sans L’Etat[9] e a erosão da cidadania estatal fruto das profundas mudanças verificadas nos derradeiros anos, onde de um lado, se observa a crescente publicização dos direitos e, de uma integração internacional e, de outro lado, por uma forte expansão da intersecção judiciária no terreno econômico e social, no qual confluem componentes heterogêneos e contrastantes.
Também se pode frisar que a desarticulação do conceito de soberania estatal tida como fonte e fundamento principal da função jurisdicional do Direito é também responsável pela ênfase aos meios alternativos de solução de conflitos.
Afinal grande parte desses conflitos, ocorrentes entre particulares ou mesmo, entre o cidadão e a Administração Pública têm natureza de direitos disponíveis e que devem ser geridos por cidadãos autolegisladores e esclarecidos de suas possibilidades e de capacidade de pacificação social.
Enfim, a proposta de mediação se apresenta como solução para a crise existente na relação entre democracia e jurisdição e a consequente anômala hipertrofia do judiciário que é chamado a decidir tudo e sobretudo, com poderes muitas vezes discricionários e, incidente nos fatos pouco controláveis. Encontra-se diante de um melancólico esvaziamento da jurisdição.
A antiga mistificação do Estado reconhecido como grande guardião de promessas e, ainda, a atual estrutura dos direitos processuais produziram a continuidade dos litígios pelas veias recursais congestionadas dos tribunais superiores, frustrando a justa expectativa do cidadão em face dos deletérios da longa tramitação[10] processual das demandas expostas e propostas perante o Estado-Juiz, sendo muitas vezes causadora de uma típica legitimação de dominação como salientou Max Weber[11].
De qualquer forma, o conflito se revela num mecanismo complexo derivado de multiplicidade de fatores e que subsiste nos microconflitos interindividuais e nos macroconflitos sociais (sejam bélicos, inter-étnicos, culturais e econômicos) regulados ou não regulados, e representa essencialmente a ruptura; mas também simultaneamente a reafirmação do vínculo social e de um lugar autônomo de regulação e decisão.
A mediação atende ao ideal de normatividade democraticamente construída, do direito em si mesmo, onde a reciprocidade simétrica esquadrinha nova rede de obrigações e direitos consubstanciados na eticidade e na função social do Estado de Direito.
Reafirma-se a mediação como solução cosmopolita dentro da reconstrução do espaço temporal da deliberação democrática, de um novo contrato social, atendendo melhor os conflitos peculiares do século XXI e que extrapolam ao mero contexto estatal e as distinções rígidas entre o Estado e a sociedade cível, entre o público e o privado.
Os analistas da autonomia privada conduziram questionamentos referentes o significado do ser humano, sobre sua natureza na esteira da filosofia de Heidegger, Foucault, Kierkegaard, Nietzsche e Proust e, ainda, sobre a influência de teorias sobre o papel da esfera pública[12], na ideia de substituição da verdade pela liberdade, resultando numa comunidade humana mais justa e livre e que conduz a um habitar uma sociedade mais crítica e democrática do século XX e, analisa detidamente qual o papel do homem.
Há de se ter o desenvolvimento que permita a autocriação da justiça, conciliando a perfeição privada e a solidariedade humana na visão que finalmente funde o público e o privado e consolida o ideal preconizado por Platão “porque é que ser justo é do interesse de cada um”.
A partir do constitucionalismo do pós-guerra criou-se maior espaço para a atuação de homens e mulheres viverem no espaço público, onde o Estado convive lado-a-lado com organizações não-estatais e surgem soluções autônomas apresentadas pelos próprios indivíduos, na tentativa de reconstrução da democracia e da ordem jurídica assentada no capitalismo de feição redistributiva e participativa[13].
A elevação da consciência de direitos e garantias constitucionais e a efetiva aplicação do princípio da dignidade humana e da solidariedade traçam nova estrutura da autonomia privada dotando-a de caráter fiscalizatório e participativo.
Verifica-se, portanto, a íntima ligação entre a responsabilidade e autonomia privada afinal ser autônomo significa reconhecer ser responsável por seus atos.
A mediação processual[14] repousa nos princípios constitucionais da liberdade com dignidade humana pautada no contraditório com isonomia e participação, na ampla defesa, no acesso e exercício ao direito e à justiça, do direito à assistência jurídica e à duração razoável do processo.
A mediação é procedimento adaptado às necessidades das partes resultando em acordos voluntariamente cumpridos e que preservam uma relação amigável e estável entre as partes conforme já afirmado pela Diretiva 2008/52/CE do Parlamento Europeu.
Ademais, a mediação pode significar grande economia de tempo e de dispêndio da máquina pública judiciária, representando uma significativa alternativa à jurisdição, acarretando o aumento do grau de esclarecimento dos indivíduos atuantes na esfera pública e privada. Havendo o contraditório e trazendo a responsabilidade de exercitar direitos e a ter direitos[15].
Não existe uniformidade conceitual quando se cogita em mediação e nem mesmo sobre as soluções autocompositivas de controvérsias. Apesar de que no Brasil, já existe lei específica que é a Lei 9.307/96 que trouxe regulação sobre conciliação[16], a negociação e a arbitragem e, atualmente ainda temos as novas disposições do NCPC.
O NCPC foi arquitetado pelo núcleo principiológico-constitucional onde se constata o mandamento do Estado no sentido de promover autocomposição como meio preferencial para a solução dos conflitos e como corolário lógico do direito fundamental de as partes obterem em prazo razoável a solução integral do mérito.
A mediação é procedimentalmente estruturada em nível cooperativo entre as partes, rumo à solução satisfativa do litígio através da transação.
Os mediadores e conciliadores serão integrantes dos agentes auxiliares do juízo[17], além de serem classificados no Livro III, entre os sujeitos do processo.
Ainda sobre tais agentes o CNJ publicará tabelas de remuneração e as diretrizes capazes de auxiliar, orientar e estimular a autocomposição.
Também regulará a atividade como trabalho voluntário e, ainda poderá excluir do cadastro os conciliadores e mediadores[18] que atuarem em descordo com as regras deontológicas definidas pelo NCPC.
Tanto a mediação quanto a conciliação são entendidas como um processo de resolução de conflitos através do qual uma ou ambas as partes modificam as suas exigências até alcançarem um compromisso aceitável para elas.
Trata-se de negociação advinda do diálogo é componente de qualquer meio de resolução alternativa de conflitos, inclusive a mediação, mas difere desta, pois pode não haver a presença de um terceiro.
A mediação pode surgir no contexto familiar, de direitos, de vizinhança, penal e mesmo no processo administrativo. Sendo informada pelos mesmos princípios aplicáveis à jurisdição, o da independência, da imparcialidade, da autonomia da vontade, da confidencialidade, da oralidade, da informalidade e da decisão informada.
A mediação é uma atitude racionalista ou da razoabilidade, e segundo o Popper significa uma disposição de ouvir argumentos críticos e aprender através da experiência, significa um esforço para aproximar-se mais da verdade.
A busca do consenso passa necessariamente pela atitude dos sujeitos em conflito de se alcançar alguma espécie de acordo sobre muitos problemas de importância, e que, mesmo onde as exigências e os interesses se chocam, é muitas vezes possível discutir a respeito das diversas exigências e propostas e enfim, alcançar um entendimento, em consequência de sua equidade, seja aceitável para a maioria, senão para todos.
Firma-se na crença que na busca da verdade precisamos de cooperação e com a ajuda da argumentação se pode atingir com objetividade a boa solução de conflitos.
Mas adverte Karl Popper[19] que é importante analisar cuidadosamente as consequências correspondentes às diversas alternativas principalmente diante das vicissitudes da vivência intersubjetiva, que tanto nos exige a lúcida consciência das próprias limitações.
É curial enumerar as principais características da mediação processual:
a) está fora do controle dos órgãos judiciários e só é aplicável sobre os chamados direitos disponíveis (bens e direitos que admitem transação) e que se situam na esfera patrimonial de seu titular.
Inova o NCPC[20] por admitir a possibilidade de solução consensual de conflitos também no âmbito administrativo. Tanto a mediação como a conciliação majora em muito as hipóteses de solvência de quaisquer conflitos, a exigir, entretanto novos instrumentos normativos em face dos interesses da coletividade.
b) mediação tem caráter confidencial, não podendo ultrapassar da controvérsia e dos interesses privados dos envolvidos, estando o mediador e demais membros de sua equipe jungida ao dever do sigilo e da confidencialidade;
c) é procedimento voluntário[21] e sendo adotada a forma livre.
d) a mediação se reveste de roupagem não adversarial, portanto os envolvidos estão desarmados do chamado “espírito guerreiro” tão peculiar das lides forenses.
Também estão presentes para serem cumpridos os princípios constitucionais como o contraditório e ampla defesa e argumentação. Devendo existir a garantia da realização de um diálogo em bases de isonomia e dignidade da pessoa humana.
e) conta com a participação ativa e direta das partes. Reafirmando o viés colaborativo dos sujeitos do processo que é notável no NCPC.
f) propicia o restabelecimento do diálogo entre as partes.
Devem ser observadas ainda algumas técnicas negociais que podem resultar num elevado grau de satisfação com franca solvabilidade de conflitos sem ofender o dever de imparcialidade e nem aos princípios constitucionais atinentes ao processo e a cidadania.
Essas técnicas negociais são as seguintes:
a) plenos poderes das partes como consequência da autonomia privada da vontade. Os envolvidos mantêm poder decisório, estando aptos a definirem as regras procedimentais norteadoras, e igualmente quanto ao fundo das questões objeto do diálogo resolutivo;
b) a solução da controvérsia é sempre consensual o que preserva o respeito mútuo e a cooperação atual e no futuro;
c) informação completa e total de todos os fatos que envolvem as situações conflituosas, de modo que as partes percebam com exatidão e realidade o que se passa, e ainda e que estejam acompanhadas de advogados (o que é sempre recomendável);
d) mediador corresponde a um terceiro independente e que não decide, mas vem apresentar sugestões de resolução de conflito, sendo extraídas das próprias partes.
e) confiança e confidencialidade que é uma derivação natural da mediação provocadora de solução “ganha-ganha”[22] e revela preocupação com a convivência futura (ou seja, a solução vai para além do acordo).
f) conhecimento dos elementos componentes dos conflitos, utilizando-se da técnica:
1. Saber comunicar (o diálogo é essencial para a solução racional dos problemas;
2. Saber ouvir (metas e intenções);
3. Saber perguntar (quem pergunta conduz a conversa).
Apesar da informalidade característica da mediação, é possível fixar um procedimento expresso em etapas para se galgar resultado satisfatório para as partes, são estas, a saber:
1ª etapa ou preliminar ou introdutória: caracterizada pelos contatos iniciais entre o mediador e as partes nos quais se estabelecem certas premissas como: a) direito de cancelar ou interromper o procedimento e de fazer quaisquer questionamentos;
O compromisso dos interessados com o próprio procedimento da mediação e sua natureza consensual e voluntária. A duração das sessões de mediações dependerá do exame das situações em contraste.
2ª etapa: o ingresso do mediador no conflito e estabelecimento de regras entre as quais, a obediência aos princípios informadores da mediação; ressaltando o papel histórico de atuação do mediador e seu compromisso com a neutralidade e a imparcialidade. Outra regra importante: uma pessoa fala de cada vez;
3ª etapa: a identificação dos temas a serem resolvidos de modo a prover a separação de problemas, com concentração nos interesses, e, não nas posições individuais de cada participante e, ao final, a construção conjunta de uma agenda;
4ª etapa: o estabelecimento de padrões objetivos procurando-se excluir preconceitos de ordem subjetiva;
5ª etapa: a criação colaborativa de alternativas, opções e critérios hipotéticos que possam produzir benéficos mútuos.
6ª etapa: a evolução e comparação de alternativas;
7ª etapa: a conclusão do acordo total ou parcial sobre a substância do conflito com o oferecimento de um plano de implementação do acordo e monitoramento de seu cumprimento. Configurando assim decisão conforme prevista no NCPC.
A transação quando efetuada põe fim ao litígio (das emoções e relações) e do próprio conflito, reveste-se ainda de elevado grau de legitimidade à vista da participação direta e ativa das partes.
O procedimento da mediação é guiado pelo princípio da autonomia privada responsável e funda-se num diálogo com bases isonomicamente democráticas pautadas no contraditório e pela ampla defesa dos argumentos e, em respeito à dignidade da pessoa humana.
A mediação[23] atende com maior facilidade a complexidade do conflito e consegue captar a real dimensão do litígio. Contudo, a novidade trazida pelo NCPC traz também preocupação com o desenvolvimento de programas para capacitar mediadores e, orientar adequadamente todo o procedimento a fim de promover a autocomposição dos conflitos e garantir efetivo acesso a justiça.
É de suma importância o incentivo do cidadão na participação do processo de busca de real e efetiva democracia. A valorização do consenso pode resultar na concretização de vivências que propiciem enfim o despertar de nova mentalidade de caráter menos formalista, menos burocrática e mais atenta à cidadania.
A partir da contribuição de Morton Deutsch[24] ao comentar os processos construtivos de resolução de disputas, pode-se afirmar que ocorreu alguma recontextualização acerca do conceito de conflito, na medida em que inevitavelmente permeia todas as relações humanas e contém potencial de contribuir positivamente nessas relações.
A mediação permite vivenciar e harmonizar a justiça com a democracia. E, assumindo o conceito do “agir comunicativo” desenvolvido por Habermas como pressuposto básico de uma relação entre sujeitos iguais no diálogo.
Assim, a prática da mediação[25] estimula este agir construtivo numa sociedade marcada pelo individualismo, pelo conflito pela relação adversarial e competitiva. Assim há o predomínio de agir instrumental.
Aliás, nos EUA o acesso à justiça não é mais visto como direito social, mas antes, como um sério problema social. Tanto assim que os meios alternativos de resolução de conflitos passaram a ser objeto de cursos básicos em Faculdade de Direito[26].
No Poder Judiciário norte-americano fora criado um sistema de multiportas, ou seja, onde aos litigantes são oferecidas diferentes alternativas de resolução de suas disputas. É realizado um diagnóstico prévio do litígio, posteriormente encaminhado para o canal mais adequado a cada situação.
Vale a pena diferenciar a conciliação da mediação. Normalmente a conciliação se dá dentro de um processo judicial é o caso dos Juizados Especiais Cíveis, onde primeiramente é marcada uma audiência de conciliação com a atuação de conciliador indicado pelo Judiciário.
Havendo o acordo entre as partes, este será prontamente homologado pelo juiz togado. Em caso negativo, é então marcada a audiência de instrução e julgamento (AIJ).
Ressalte-se que antes de se iniciar a AIJ propriamente dita, o juiz possibilitará novamente aos litigantes a faculdade a resolução do conflito.
Observa-se que a atuação do conciliador é mais direta e objetiva. E, apesar de ser direta na decisão das partes, visto que pode dar aconselhamentos e sugestões.
A conciliação[27] visa resolver soluções, onde normalmente as partes não possuem vínculos de relacionamento, ou seja, o único vínculo é o litigio. Já a mediação se preocupa com a preservação dos vínculos existentes entre as partes envolvidas no conflito. Neste método, o mediador é neutro e imparcial, não pode prover aconselhamentos e nem sugestões.
A função do mediador[28] é basicamente levar as partes se desarmarem das mágoas provenientes do conflito, e permitir o diálogo e chegarem até uma solução aceitável.
Roberto Portugal Bacellar[29] aduz a respeito dessa diferenciação:
“A conciliação é opção mais adequada para resolver situações circunstanciais, como indenização por acidente de veículo, em que as pessoas não se conhecem (o único é o objeto do incidente) e, solucionada a controvérsia, lavra-se o acordo entre as partes que não mais vão manter qualquer outro relacionamento. Já a mediação afigura-se recomendável em situações de múltiplos vínculos, sejam estes familiares, de amizade, de vizinhança, decorrentes de relações contratuais, comerciais, trabalhistas entre outros”.
O processo mediacional se devidamente conduzido permite a manutenção dos demais vínculos, que continuam a se desenvolver com naturalidade durante a discussão da causa.
A função precípua do mediador é tentar pacificar os ânimos das partes, facilitando a comunicação entre ambas, para que possam chegar a uma decisão onde participaram efetivamente de sua construção, pode-se inferir que essa pessoa (o mediador) pode ter formação diversa do Direito, ou inclusive não possuir formação superior.
Habermas é quem melhor atenta para o relevante papel da linguagem na interação humana e, portanto, na mediação. No caso da ação comunicativa, a linguagem se constitui num meio capaz de possibilitar inteiramente o entendimento mútuo. A linguagem se apresenta, então, como motor da integração social, tendo a comunicação como o veículo de uma identidade comum entre os indivíduos.
A dignidade da pessoa humana é ponto fundamental da tábua axiológica trazida pela Constituição Federal brasileira de 1988, é tida como relevante para a mediação, na media em que oferece ao indivíduo a possibilidade real de promoção do poder social.
A mediação não é apenas chamada à reflexão e intervenção em casos de conflitualidade existente, esta pode ser ainda encarada numa perspectiva preventiva.
Numa análise conceitual da mediação é permitido a identificação de duas abordagens distintas mas que são complementares; um modo alternativo de resolução de conflitos e de regulação social, é um modelo de intervenção psicossocial e educativo.
A engenharia da mediação explicita um paradigma relacional, mas sua dimensão simultaneamente técnica e estratégica de gestão de recursos e de planejamento associada ao desenvolvimento social.
Enfim, para mediar não basta contudo, saber gerir as palavras e as emoções (mediação do processo terapêutico), mas também dominar as técnicas[30] e procedimentos metodológicos específicos e adequados à resolução de conflitos de forma neutra, imparcial e confidencial fora do “império do juiz” e de forma extrajudicial.
Informações Sobre o Autor
Gisele Leite
Professora universitária, Mestre em Direito, Mestre em Filosofia, pedagoga, advogada, conselheira do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas.