A concepção atual de entidade familiar e a possibilidade de reconhecimento de uma união estável concomitante

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Resumo: O presente trabalho tem por escopo debater sobre a possibilidade da existência de uma união estável paralela ao casamento ou a outra união estável. Para tanto, remete-se a um estudo histórico sobre a evolução do conceito de entidade familiar, das mudanças de paradigmas quanto às relações familiares desde a época em que o casamento era a única forma de se constituir família, naquele tempo instituição intangível, dotada de caráter econômico e reprodutivo, até a Constituição de 1988, que reconheceu outras entidades familiares e o despontamento do afeto como elemento chave na formação de uma entidade familiar. Indiscutível, então, a existência da união estável, passa-se a expor sobre a sua configuração de forma paralela, reconhecimento este que deve ser efetivado em determinados casos, visto que preenche todos os requisitos para a configuração de uma entidade familiar, sob a tutela principalmente dos princípios da dignidade da pessoa humana e o da afetividade.

Palavras-chave: União Estável. Entidades Familiares. Princípio da Afetividade. Reconhecimento União Estável Paralela. Direito de Família.

Abstract: This work is scope discuss about the possibility of existence a stable union parallel to marriage or other stable unions. Therefore, reference is made to a historical study about the evolution of the family entity concept of paradigm shifts as family relations from the time that marriage was the only way to have a family at that time intangible institution with economic and reproductive basis until the 1988 Constitution, which recognized other family entities and disappointment of affection as a key element in forming a family unit. Indisputable, then, the existence of stableunion, goes to expound on its in parallel configuration, recognition this that should be effected in certain cases, since meets all the requirements for configuration of a family unit, under guardianship especially the principles of human dignity and the affectivity.

Keywords: Stable Union. Family Entities. Principle of Affection. Union Recognition Stable Parallel. Family Law.

Sumário: Introdução. 1. Breve esboço da evolução histórica do Direito de Família. 1.1. A evolução do direito de família no Brasil. 1.1.1. Principais mudanças trazidas pela constituição de 1988 ao direito de família nacional. 1.1.2 O direito das famílias e o “novo” código civil: principais inovações. 2. Concepção atual de família. 3. Espécies de entidade familiar. 3.1. A família advinda do casamento. 3.2. Família monoparental. 3.3. Família anaparental. 3.4. Da família pluriparental 3.5 União entre pessoas do mesmo sexo: a homoafetividade. 3.6 A união estável. 3.6.1. Da caracterização da união estável. 4. União estável paralela – considerações iniciais. 4.1 As diferentes formas de concubinato, as uniões paralelas e seus efeitos jurídicos em face das diferentes óticas doutrinárias da atualidade. 4.1.1. Do viés legalista: a negativa de direitos à amante. 4.1.2. A valoração do afeto em sede obrigacional. 4.1.3 Poliamorismo: o múltiplo afeto. 4.1.4. As relações de afeto paralelas vistas sobre a ótica do direito de família. Conclusão.

Introdução

O presente estudo procura abranger de um modo objetivo um dos institutos de maior importância no ordenamento jurídico, fazendo uma análise da União Estável em face do atual ordenamento jurídico brasileiro, buscando compreender, principalmente, a possibilidade de reconhecimento de uma união paralela a outra preexistente.

Nesse prumo, tal estudo, apesar de trabalhoso e complexo, é de inequívoca importância, não só para entender sua essência, mas sim para compreender tudo que gira em torno do Direito de Família, tanto na vida acadêmica, quanto no dia a dia da prática forense. Além disso, é certo também que o tema em voga tem grande relevância social, especialmente porque grande parte da população brasileira já viveu ou conhece alguém que tenha vivido nessa condição.

Como não poderia ser diferente, a análise que será feita no estudo em tela será sempre guiada pelos princípios constitucionais afetos ao Direito de Família, especialmente pelo princípio da afetividade, que, nos dias atuais, dita os principais entendimentos referentes ao reconhecimento ou não de uma relação como sendo uma entidade familiar.

Nesse passo, impõe-se também realizar a abordagem dos aspectos morais e éticos que permeiam tema, sob o enfoque principal do chamado princípio da monogamia, que para muitos doutrinadores e aplicadores do direito faz parte do nosso ordenamento jurídico, e que se contrapõe diretamente ao princípio da afetividade.

Todavia, o presente estudo não tem o intuito de aprofundar no estudo do Direito de Família como um todo, atinando para todas as suas peculiaridades e discussões, mas, tão somente, mostrará suas generalidades através de um apanhado sobre sua origem, sua caracterização, seu conceito e algumas divergências sobre tais temas.

Assim, seu principal intuito é apresentar a discussão sobre a possibilidade ou não do reconhecimento de uma união paralela a outra preexistente, estando a amante de boa ou de má-fé, trazendo explanações das conceituadas posições doutrinárias que abrangem o tema, e, ao fim, chegar a um consenso para resolver questão de influência não só no mundo jurídico, mas também, como já mencionado, de grande importância e ocorrência na atual sociedade.

1 Breve esboço da evolução histórica do direito de família

Apesar de ser um instituto consolidado no sistema jurídico atual, o Direito de Família sofreu várias mudanças com o decorrer dos tempos, especialmente pelo fato de ser um dos ramos jurídicos com maior reflexo da sociedade.

Na antiguidade, principalmente nas sociedades grega e romana da época, se tinha a família como um elo mais poderoso que a própria sociedade, que através da influência religiosa da época, galgava a família com importância de algo sagrado e intocável. A família, desse modo, se sobrepunha a todos os demais bens jurídicos tutelados pelo direito e costume antigos, sendo tratada não como o esteio da sociedade, mas sim como a própria sociedade.

O que unia os membros da família antiga era algo mais poderoso que o nascimento, o sentimento ou a força física: e esse poder se encontra na religião do lar e dos antepassados. A religião fez com que a família formasse um só corpo nesta e na outra vida.

A família antiga seria, pois, uma associação religiosa, mais que associação natural.” (COULANGES, 2008, p. 45)

E essas famílias eram sistematizadas sobre a égide do pater famílias, que exercia amplos poderes em relação a seu cônjuge, descendentes e mulheres com eles casadas. O ascendente comum e mais velho era ao mesmo tempo administrador e juiz perante aquele âmbito familiar, podendo “vendê-los, impor-lhes castigos e penas corporais e até mesmo tirar-lhes a vida. A mulher era totalmente subordinada à autoridade marital e podia ser repudiada por ato unilateral do marido” (GONÇALVES, 2012, p. 31).

Outro importante aspecto se refere à união conjugal da antiguidade, era o fato de ela ser considerada sagrada e abençoada pela religião, motivo pelo qual era tida como indissolúvel, salvo no caso de esterilidade, oportunidade em que se permitia o divórcio – tendo em vista que o patriarca tinha o direito de ter filhos, para que, dessa forma, fosse mantida a tradição e ele tivesse descendentes para cultuá-lo depois de sua morte.

E, apesar da enorme importância que se tinha com a continuidade da tradição, especialmente do culto aos mortos, os demais membros da família não tinham nenhum poder ou influência sobre a mesma, senão apenas o patriarca.

E esse tipo de família com comando patriarcal arbitrário perdurou por séculos entre as sociedades romana e grega, tendo o patriarca como o centro de tudo e o casamento como seu princípio basilar e criador único.

Ocorre que, com o passar dos tempos e com a evolução da sociedade em busca da igualdade de direitos, cada vez mais foi mitigada essa arbitrariedade patriarcal, e os demais membros que compunham a família passaram a ter direitos e deveres para com os mesmos, fazendo com que a família começasse a trilhar seu caminho como uma entidade igualitária.

1.1 A evolução do direito de família no Brasil

No mesmo diapasão, é certo também que o Direito de Família teve como grandes influenciadores as famílias romana e canônica antigas, tanto é verdade que o primeiro sistema jurídico responsável por tutelar tal tema em nosso país foram as Ordenações Filipinas, que vigeram até a criação do Código Civil de 1916, legislação essa, que também tratava família como sendo sinônimo de casamento, ou seja, só se constituía família através do casamento.

Havia proibição para que as mulheres pudessem trabalhar sem o consentimento do marido, bem como o filho havido fora do casamento era considerado impuro e não podia sequer ter reconhecida sua filiação.

Com o decorrer dos tempos, conforme já advertido em linhas acima, refletindo a evolução da sociedade, várias mudanças ocorreram no ordenamento jurídico brasileiro sempre no intuito de expulsar da nossa legislação as normas discriminatórias ainda existentes. E, sem dúvida, os principais modificadores do Direito de Família nacional foram a Constituição de 1988 e o Código Civil de 2002.

1.1.1 Principais mudanças trazidas pela constituição de 1988 ao direito de família nacional

Com o decorrer dos tempos e com a nova ordem constitucional instituída em 1988, grandes paradigmas galgados em preconceitos foram derrubados no Brasil. O casamento deixou de ser sinônimo de Família, a mulher passou a gozar dos mesmos direitos dos homens, e o pátrio poder deu lugar ao poder familiar, que impõe direitos e deveres a todos que vivem no âmbito familiar, e não apenas ao patriarca.

Antes da promulgação da nossa Carta Magna de 1988, a família brasileira sofria e sentia os efeitos da então vigente relação Estado-Igreja. O Estado sofria grande influência da religião, em especial da Igreja Católica Apostólica Romana, que impunha várias restrições e punições para aqueles que não seguissem seus ditamos. “Culpas, penalidades e opressões para aqueles que desejavam manifestar suas idéias e opiniões ou viver, com liberdade, a sua própria sexualidade”[1].

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Além de quebrar tais paradigmas, a nova Constituição da República passou a trazer a possibilidade do Estado intervir nas privadas, oportunizando, dessa forma, uma maior proteção à família e alargando ainda mais sua relação com o direito Civil.

No mesmo sentido, a nova ordem constitucional, de maneira a atender os anseios da sociedade, estendeu ainda mais o conceito de família, dando proteção jurídica a outras relações de afeto diversas do casamento, o que, frisa-se, reforça ainda mais a quebra da influência canônica no direito nacional. Dessa forma, o casamento deixou de ser sinônimo e único criador da família, passando a existir outras entidades familiares juridicamente protegidas.

Em decorrência disso, o formalismo do casamento dá lugar ao informal, a família deixa para trás a obrigatoriedade e indissolubilidade do casamento dando lugar às relações igualitárias onde o que importa é o afeto. Criam-se, assim, os princípios da afetividade, pluralidade e solidariedade no âmbito do direito de família nacional. Desse modo, pode-se dizer que

“A singularidade dos sujeitos e a pluralidade das famílias passaram a ser o divisor de águas em Direito das Famílias. Nesse sentido, o afeto tornou-se valor jurídico e, em decorrência, são aceitas as uniões socioafetivas. Nesse leque foram incluídas as uniões estáveis e, por analogia, são reconhecidas as uniões homoafetivas. Filhos deixam de ser ilegítimos e o adultério cometido pelo cônjuge perdeu o valor da culpa, o peso do crime.” [2]

Nesse passo, tem-se que a Constituição de 1988 foi o maior e mais importante marco do Direito de Família atual, sendo a responsável por quebrar os arcaicos paradigmas que insistiam em permear nossa sociedade, vindo a tratar com igualdade todos os membros de uma entidade familiar, fazendo com que a família brasileira passasse a ter um novo ambiente, a ser um mini sistema de democracia. A família, desde então, passa a ser compreendida como sentimento de realização da pessoa humana, que tem como principal esteio a afetividade.

1.1.2 O direito das famílias e o “novo” código civil: principais inovações

O atual código civil brasileiro, com projeto original do ano de 1975, tramitou no Congresso por vários anos, vindo a ser publicado apenas no ano de 2003. Devido a esse interregno entre a data inicial de tramitação e sua publicação, várias mudanças foram necessárias para adequar seu defasado texto à atual sociedade.

Ademais, vale lembrar que, inclusive, durante o período em que o Novo Código era discutido, uma nova ordem constitucional foi instituída no Brasil, trazendo também significativas mudanças no direito privado, especialmente no âmbito das famílias, onde a dignidade da pessoa humana passou a ser fundamento do nosso Estado. Dessa forma, seu texto original teve que passar por inúmeras adequações antes de ser definitivamente aprovado.

No mesmo enfoque, é de suma importância ao se interpretar algumas disposições do citado diploma legal ter como parâmetro a Constituição da República, haja vista que, como bem ressaltado acima, devido à demora em se atingir o texto ideal para o novo código, várias temáticas nele contidas nasceram velhas, extremamente ultrapassadas. Dentre elas, pode-se destacar a absurda discussão de culpa no divórcio, que, apesar de não ter sido expressamente revogada, não mais existe nos dias atuais.

Noutro prumo, em que pese ter havido tais “contratempos”, o Código Civil de 2002 também trouxe várias e importantes inovações ao direito de família nacional, além de trazer dispositivos que reforçaram ainda mais as inovações constitucionais acima mencionadas, visando o bem da família e sua conservação.

Com isso, o novo código, apesar de guardar boa parte da estrutura existente no Código Civil de 1916, trouxe em seu bojo a maior parte das mudanças ocorridas na legislação extravagante, dentre as quais se destaca o Estatuto da Mulher Casada e a Lei do Divórcio. Por isso, alguns autores optam por chamar o Código Civil de 2002 de “um código antigo com um novo texto” (DIAS, 2014, p. 31).

Assim, o citado diploma legal expurgou do nosso ordenamento jurídico conceitos e expressões discriminatórios que a há anos incomodavam a sociedade – homem e mulher passaram a ter igualdade de direitos, os filhos passaram a ser apenas “filhos”, sem qualquer adjetivação referente à forma em que foram concebidos, etc. –, além de corrigir antigos equívocos existentes à época do antigo código baseando-se na consolidada jurisprudência dos tribunais.

Mas, sem dúvida, uma das mais importantes inovações trazidas pelo Código Civil de 2002 foi o reconhecimento de vários direitos aos conviventes em união estável, direitos estes que inexistiam na antiga lei civil, passando a tutelar tal tema de modo a ampliar as disposições já contidas no atual texto constitucional. Dessa forma, a família, depois das importantes mudanças trazidas pela nova ordem constitucional e pelo Código Civil de 2002, passou a ter uma nova e diferente concepção em nosso ordenamento jurídico.

2 Concepção atual de família

Trata-se de tarefa complexa estabelecer conceitos, mais ainda quando se fala de família. Tal complexidade é clara, haja vista que a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 226[3], estabelece ser a família a base da sociedade e esta, por sua vez, modifica-se com o desenrolar da história, alterando seus paradigmas, seus valores e conceitos. A definição de família varia não só com o tempo, mas também no espaço, de país pra país, devido às diversidades culturais.

Em se tratando da família tal como ela é vista na sociedade brasileira atual, o marco divisório de transição, como já enfatizado alhures, foi sem dúvida a nova Constituição da República. E sobre esse importante marco, assim expõe Sílvio de Salvo Venosa:

“Em nosso país, a Constituição de 1988 representou, sem dúvida, o grande divisor de águas do direito privado, especialmente, mas não exclusivamente, nas normas de direito de família. O reconhecimento da união estável como entidade familiar (art. 226, § 7°) representou um grande passo jurídico em nosso meio (2006, p. 7).”

É importante ressaltar ainda que tal diploma reconheceu a existência de outras uniões e não propriamente criou outros tipos de família, eis que há muito já se convivia em união estável, e já fazia tempo que no âmbito familiar não se encontrava apenas marido, esposa e filhos, visto como modelo ideal e exclusivo de família. A Carta Maior fez unicamente retirar da margem da sociedade outros modelos de família e dar-lhes validade, direitos e acima de tudo respeito.

Diante de toda a evolução da sociedade, era difícil de se imaginar as transformações que ocorreriam no âmbito familiar, criando um conceito moderno de família antes impensável para aqueles que viveram em uma época em que a família se pautava no tradicionalismo. Nessa toada, são os ensinamentos de Caio Mário da Silva Pereira:

“Há uma nova concepção de família, que se constrói em nossos dias. Fala-se na sua desagregação e no seu desprestígio. Fala-se na crise da família. Não há tal. Um mundo diferente imprime feição moderna à família. Não obstante certas resistências e embora se extingam os privilégios nobiliárquicos, a família ainda concede prestígio social e econômico, cultivando os seus membros certo orgulho por integrá-la.” (2002, p. 19)

Emblemático na concepção moderna de família é o seu caráter instrumental, que substituiu o caráter institucional. A família passa a ser vista como instrumento de busca da felicidade, que é a essência do ser humano. Não como antes, onde a família era vista como uma instituição imaculada, com objetivos que passavam longe do prazer de quem a constituía, e se aproximavam do interesse econômico e reprodutivo.

A palavra da vez no que tange a formação de família é o afeto. As relações humanas se norteiam pelos seus afetos. A família passou a ser uma união socioafetiva e isso faz com que as possibilidades de entidades familiares sejam plúrimas, pois o afeto não se impõe, o afeto se sente, seja ele por pessoa do sexo oposto ou do mesmo sexo.

Dentre tantos conceitos que se pode dar à família, o que demonstra o maior alcance do seu caráter instrumental e socioafetivo atual é a definição trazida pela Lei 11.340/06, conhecida como lei Maria da Penha, que conceitua família como sendo “a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa” [4]. À luz de tal conceito, a família pode ser entendida no sentido mais amplo possível.

Assim, a entidade familiar pode se basear em consanguinidade, afetividade ou por simples vontade de dividirem o mesmo lar. Não há um conceito jurídico definidor dos limites da constituição de uma entidade familiar. O entendimento de família passa por uma visão subjetiva, pois irá se formar pela vontade daqueles que se escolhem para viver juntos, que se consideram como família.

As mudanças referentes à concepção de família foram importantes não apenas no sentido de reconhecer como família outras entidades que não se pautavam no modelo tradicional, a Constituição Federal de 1988 estabeleceu também modificações quanto ao papel dos indivíduos no seio familiar.

Mais uma vez, as inovações foram no intuito de superar preconceitos que já não se compactuavam com a sociedade atual. Como já foi dito, o mundo está em constante evolução, a cultura de hoje não é a mesma de alguns anos atrás e paradigmas antes soberanos encontram-se atualmente ultrapassados.

No mesmo prumo, pode-se dizer que “foi essa Carta Magna que também alçou o princípio constitucional da igualdade jurídica dos cônjuges e dos companheiros (art. 226, § 5°) e igualdade jurídica absoluta dos filhos, não importando sua origem ou a modalidade de vínculo” (VENOSA, 2006, p.8).

Diante de tais normas não há o que se falar mais em pátrio poder na forma de organização em que o marido exercia comando sobre toda a família irrestritamente, sem que os demais membros tivessem qualquer poder em participar das decisões e ações que iriam refletir diretamente no âmbito familiar.

Desse modo, com as constantes evoluções que a sociedade passou, era flagrante a necessidade de se por fim a esse regime ditatorial familiar. Sobre o tema, faz-se mister trazer à baila os ensinamentos de Caio Mário, que assim dispõe sobre quebra desse paradigma:

 “Desapareceu a organização patriarcal, que vigorou no Brasil por todo o século passado, não apenas no direito, mas sobretudo nos costumes. O pai, como um pater romano, exercia autoridade plena sobre os filhos, que nada faziam sem a sua permissão. Escolhia-lhes a profissão, elegia o noivo da filha, estava presente em toda a vida de uns e de outros, a cada momento.” (2002, p. 20)

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Pelo advento constitucional, ambos os cônjuges ou companheiros têm os mesmos poderes decisórios em relação aos filhos e no que se relacionar à sociedade conjugal. Passa-se a falar em poder familiar e não mais em pátrio poder. Tamanhas foram as conquistas das mulheres no decorrer dos anos que não era mais concebível que as decisões do homem fossem as únicas que prevalecessem, a mulher passa, dessa forma, a ter voz e vez no âmbito familiar, em pé de igualdade com o homem.

Ora, se todos os membros da família passaram a ter iguais poderes e deveres entre si, não há mais de se cogitar a figura do patriarca. O pátrio poder então se extingue, passando a existir a figura do poder familiar, que traz para o cerne da família os ditames da igualdade e solidariedade mútua.

No mesmo prumo, vale ressaltar ainda que, com as mudanças de paradigma, há também igualdade entre os filhos, não importando a sua origem, se havidos ou não pelo casamento, sejam biológicos ou adotados, todos possuindo os mesmos direitos, constantes no art. 227, §6º[5] da Constituição. Tal expressão constitucional deve ser entendida como um fato importante na mudança de pensamento sobre a família também, eis que extingue a discriminação contra os filhos havidos fora do casamento, “responsáveis” por conturbar o casamento, por causar transtornos à entidade familiar, segundo se pensava em outros tempos. Estes filhos não possuíam direitos, preferia-se resguardar a instituição família em detrimento da criança que de nada tinha culpa.

Dessa forma, a partir do momento em que vários preconceitos foram deixando de existir, dando lugar a uma forma mais humana de ver o mundo, de respeitar o próximo, de valorizar as opiniões alheias, de permitir que cada um busque a felicidade. Ou seja, “cada vez mais a ideia de família afasta-se da estrutura do casamento. A família de hoje não se condiciona aos paradigmas originários: casamento, sexo e procriação” (DIAS, 2014, p. 40).

 Nesse sentido, assim como já dito anteriormente, o princípio da afetividade passa a ser o principal filtro para se chegar a uma possível entidade familiar, e, diga-se de passagem, para que esse “afeto” tenha relevância jurídica faz-se mister a existência de publicidade na convivência familiar, eis que a sociedade só reconhece aquilo que ela conhece.

Desse novo aspecto, qual seja, do novo conceito de família trazido especialmente pela Constituição da República e pelo Código Civil de 2002, novas entidades familiares passaram a ter guarida no ordenamento jurídico nacional, merecendo o devido destaque no presente estudo, como se observará a seguir. Lado outro, a união estável será abordada com Maior afinco por se tratar do cerne do presente estudo, merecendo maior destaque e aprofundamento na temática.

3 Espécies de entidade familiar

Conforme exposto anteriormente, a Constituição de 1988 passou a reconhecer outras formas de entidades familiares que não àquelas decorrentes do casamento. Expressamente na Carta Magna, encontram-se três espécies de entidades familiares. São elas a Família Matrimonial, que decorre do casamento, a União Estável, explícita em seu art. 226, § 3º[6], e a Família Monoparental, decorrente de seu art. 226, § 4º[7].

Ocorre que, conforme defende Maria Berenice Dias, prevalece o entendimento de que tais disposições constitucionais não se tratam de numerus clausus, existindo assim várias outras possibilidades de entidades familiares, logo que o critério maior para estabelecer uma entidade familiar é o afeto, seja ele entre pessoas de sexo diferentes ou não.

Não obstante, a doutrina majoritária – entre eles, os professores Carlos Roberto Gonçalves e Rodrigo da Cunha Pereira – coaduna com esse entendimento, afirmando que a Carta Magna apenas exemplificou espécies de entidades familiares, eis que seria impossível, na sociedade atual, que está em constante mudança, pensar o contrário. Paulo Lôbo, ao discorrer sobre o caráter exemplificativo do texto constitucional, assim pontua:

“A questão que se impõe diz respeito à inclusão ou exclusão dos demais tipos de entidades familiares. A análise detida da dimensão e do alcance das normas e princípios contidos no art. 226 da Constituição, em face dos critérios de interpretação constitucional – notadamente do princípio da concretização constitucional-, leva ao convencimento da superação do numerus clausus das entidades familiares. A exclusão não está na constituição, mas na interpretação que se lhe dá.” (Lôbo, 2011, p.81-82).

Desse modo, é certo a nossa Lei Maior não faz qualquer discriminação ou impeditivo à possibilidade de surgimento de novas entidades familiares, sendo pioneira nesse sentido, pois em poucos países no mundo há um conceito tão alargado de família. Sobre a nova nuance atribuída ao direito de Família nacional, vale mais uma vez trazer à baila os ensinamentos de Paulo Lôbo:

“Somente com a constituição de 1988, cujo capítulo dedicado às relações familiares pode ser considerado um dos mais avançados dentre as constituições de todos os países, consumou-se o término da longa história da desigualdade jurídica na família brasileira. Em normas concisas e verdadeiramente revolucionárias, proclamou-se em definitivo o fim da discriminação das entidades familiares não matrimoniais, que passaram a receber tutela idêntica às constituídas pelo casamento.” (2011, p.43).

Nesse diapasão, é de suma importância para o presente estudo fazer um apanhado geral – ainda que de forma superficial – sobre algumas das principais entidades familiares hoje reconhecidas, pontuando de forma objetiva suas características mais importantes, com o enfoque principal à união estável por se tratar do cerne da presente discussão.

3.1 A família advinda do casamento

Como maciçamente já exposto acima, o casamento por muito tempo era sinônimo único de família, e, dessa forma, foi por muitos anos a única espécie de entidade familiar reconhecida no Brasil. Ou seja, “ou se casava ou não se constituía família” (ALMEIDA, 2010, p. 73).

A Família Matrimonial ou Casamento é a entidade familiar mais tradicional. É a formação clássica de marido e mulher, com ou sem filhos. Decorre de um negócio jurídico formal, que de acordo com o art. 1511 do Código Civil de 2002, “estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges”.

Com essa nova concepção de família, não havia mais como o casamento continuar como aquele visto pelo Direito Canônico, galgado de imperatividade decorrente do pátrio poder. Dessa forma, em que pese o instituto do casamento continuar presente no nosso ordenamento jurídico – continuando a ser a entidade familiar com maior incidência na sociedade atual –, ele evoluiu juntamente com o Direito de Família no todo. Do mesmo modo são os ensinamentos de Renata Barbosa de Almeida, como se observa a seguir:

“Alterada e ampliada a concepção de família, a compreensão do casamento requer revisão. Passando a família a ser entendida como uma comunhão de afeto que incentiva e garante a livre e plena formação pessoal dos seus membros, e passando o casamento a ser considerado como apenas uma das espécies familiares, faz necessário reformular sua definição. O matrimônio passa a carregar novas qualidades, enquanto família contemporânea.” (2010, p.73)

Noutro prumo, vale destacar também que, apesar de serem reconhecidas várias outras entidades familiares atualmente no Brasil, continua o casamento a ser uma forma mais privilegiada de família, haja vista que o próprio legislador, ao reconhecer direitos à união estável no art. 226, § 3º, da Constituição da República, estabelece que a lei deve facilitar a conversão da união estável em casamento, dando-lhe, desse modo, maior importância e relevância frente às demais entidades familiares.

3.2 Família monoparental

A Família Monoparental, por sua vez, nada mais é do que “a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”[8]. Caracteriza-se de fato pela ausência de um dos pais, podendo tal situação existir por vários motivos, como por morte de um dos cônjuges, por divórcio, dissolução de união estável ou por opção de vida do homem ou da mulher, através de adoção ou de produção independente da mulher.

Tal modalidade de entidade familiar é frequente atualmente, devido à facilidade atual de desconstituir um relacionamento, representando a realidade de grande parte das famílias brasileiras.

Noutro lado, apesar da importância que essa entidade familiar representa para a atual comunidade brasileira, a lei não regulou quaisquer direitos específicos a seu respeito, limitando-se apenas em reconhecer sua existência.

3.3 Família anaparental

Nesse passo, tendo em vista que a Constituição não enumerou todas as formas de família existentes na sociedade, doutrina e jurisprudência trataram de reconhecer outras espécies não positivas.

Uma delas, a chamada Família Anaparental, caracteriza-se especialmente pela ausência de pais. A família, nesse caso, passa a ser especialmente validada pelo afeto, eis que sua composição independe, inclusive, de haver ou não laços sanguíneos entre seus membros.

Nesse sentido, pode-se conceituá-la como sendo “a convivência entre parentes ou entre pessoas, ainda que não parentes, dentro de uma estruturação com identidade de propósito, impõe o reconhecimento da existência de entidade familiar batizada com o nome de família anaparental” (BARROS apud DIAS, 2014, p.55). Assim, entende-se não ser necessário o parentesco entre os componentes dessa família, requer-se tão somente uma convivência com propósitos, que não tenha cunho sexual.

3.4 Da família pluriparental

A Família Pluriparental, também chamada de família recomposta ou reconstruída ou ainda mosaico, é a entidade familiar que se cria pela união de outras famílias desfeitas através da dissolução de união estável ou do casamento, por exemplo, no caso em que pelo menos um dos contraentes tenham filhos havidos da primeira relação. Pode-se ter, nesse caso, uma família com filhos do marido ou companheiro originados do primeiro relacionamento dele, filhos da esposa ou companheira fruto do primeiro relacionamento dela e ainda filhos em comum, frutos deste novo relacionamento.

Dessa forma, pode-se dizer que a família recomposta nada mais é do que a união de núcleos monoparentais. “Tal tipo de família se apresenta, assim, como resultado do somatório de uma já realidade familiar unilinear a uma nova relação afetiva do ascendente, de conotação sexual, com animus familie.” (ALMEIDA, 2010, p. 77)

3.5 União entre pessoas do mesmo sexo: a homoafetividade

Tradicionalmente, ao se falar em família forma-se em nosso pensamento a união entre homem e mulher. E isso vem desde os primórdios da humanidade, sendo, inclusive, doutrina pregada em praticamente todas as religiões da terra.

Com a evolução da sociedade e a quebra de vários paradigmas, esse conceito habitual de família está gradativamente dando espaço a uma nova espécie de família formada por pessoas do mesmo sexo.

A família Homoafetiva, como já dito, é aquela formada por indivíduos do mesmo sexo. Hoje, apesar das posições contrárias, tendo em vista que a Constituição Federal traz em seu texto a expressão união “entre homem e mulher”, não há como negar que essa união, hoje, constitui entidade familiar. Não há como não abarcar uma união que é cada vez mais frequente e comum, sob pena de cometimento de grave ato discriminatório.

Seguindo toda a explanação feita até aqui, não é possível distinguir essa união das outras, já que também é baseada no afeto. Negá-las validade, como já dito, nada mais é do que validar ato discriminatório à sociedade.

Por oportuno, o próprio Supremo Tribunal Federal ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 4277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 132, afirmou ser possível o reconhecimento de união estável homoafetiva em face do nosso atual ordenamento jurídico nacional. No mesmo sentido, o Conselho Nacional de Justiça, pouco tempo depois de publicada a citada decisão da Corte Suprema, mais precisamente aos 14 de maio de 2.013, editou a resolução de nº 175[9], que trouxe a possibilidade do casamento civil homoafetivo, e, consequentemente, da conversão da união estável entre pessoas do mesmo sexo em casamento.

Assim, especialmente diante da interpretação constitucional do tema, é inegável hoje a existência da uma entidade familiar formada por pessoas do mesmo sexo, a denominada união homoafetiva.

3.6 A união estável

Por derradeiro, tem-se a União Estável, que se pode chamar de união informal, que decorre de expressão contida no em seu art. 226, § 3°[10] do atual texto constitucional. Desse modo, tem-se a união estável como uma das espécies de entidades familiares explícitas na Constituição da República de 1988.

No mesmo diapasão, o Código Civil de 2002 optou por expressamente definir a união estável, em ser art. 1723[11], como a união “configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”. Assim, a união estável é como o casamento, porém não foi levada às formalidades do matrimônio.

Por ser “informal”, a união estável constitui uma das mais importantes formas de entidade familiar nos dias atuais, tendo o legislador, inclusive, para evitar o mau uso desse instituto, estabelecido no Código Civil restrições a essa união, como os impedimentos concernentes ao casamento, insculpidos no art.1521 CC/02[12], com exceção do inciso VI, que se trata do caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente, situação em que pode haver uma união estável.

Vale destacar ainda que, apesar da grande presença desse tipo de entidade familiar atualmente, a união estável não era bem vista pela sociedade há algumas décadas, muito por influência da igreja católica que impunha o casamento como única forma de se constituir família. Porém, diante dos novos tempos, fez muito bem a Constituição de 1988 quando concedeu proteção legal a essa união, haja vista que, sendo união semelhante ao casamento, vários direitos hão de surgir dessa relação, não podendo ser colocados à margem da lei. Sendo assim, hoje, além de essa união poder resultar direito à sucessão quanto ao companheiro, traz grandes consequências patrimoniais, a depender de seu fim.

Desse modo, duas pessoas que viveram por anos uma relação de convivência e mútua assistência moral e econômica, não podem ficar desprotegidas no caso de uma dissolução. Não é razoável que, mesmo depois de anos juntos, dois indivíduos que conviveram com o intuito de constituir família, mas que, por qualquer que seja o motivo não quiseram levar a relação aos procedimentos do casamento, e construíram patrimônio através do esforço comum, compartilharam afeto, não tenham direitos equiparados às pessoas casadas.

3.6.1 Da caracterização da união estável

Para efeitos de se considerar união estável, e por se tratar de entidade de cunho “informal” e pela ausência de contornos precisos dados pela lei, doutrina e jurisprudência logo traçaram alguns requisitos imprescindíveis para seu reconhecimento, através de interpretação dos dispositivos existentes no Código Civil que tratam do tema.

E nesse prumo, a doutrina majoritária expõe tais elementos determinantes para a sua configuração, quais sejam a estabilidade, continuidade, publicidade, objetivo de constituir família e a diversidade de sexos, decorrentes da interpretação do já citado art. 1723 do Código Civil de 2002. Entretanto, vale frisar que, não se exige que os conviventes em união estável coabitem sob o mesmo teto, ou seja, isso não é um requisito para a configuração da entidade familiar em voga. Assim, o que distingue um simples namoro de uma união estável é o intuito de constituir família.

E esse é o posicionamento praticamente unânime dos juristas nacionais, tal como se constata pelos ensinamentos abaixo colacionados:

“A experiência social demonstra que há uniões sólidas, duradouras e notórias sem que o casal resida sob o mesmo teto. O próprio casamento pode conter uma separação material dos cônjuges por motivos de saúde, trabalho, estudo etc. Não se trata, portanto, de elemento conclusivo.” (VENOSA, 2006, p. 46)

Já no que tange ao elemento diversidade de sexos, depois da divisora decisão Supremo Tribunal Federal, já citada, a expressão “homem e mulher” ainda existente no texto constitucional, passou a ser entendida como união entre pessoas, independentemente do sexo. Ou seja, a diversidade de sexos não e mais um requisito para eventual caracterização de uma união estável.

E em decorrência do acima exposto, fica evidente que, devido à ausência de critérios precisos trazidos pela lei, cabe aos magistrados a tarefa de, depois de analisado o caso concreto, decidir se a relação em tela se trata ou não de uma união estável. Apesar de parecer simples, tal incumbência é de extrema complexidade, especialmente porque o liame entre a caracterização de um simples namoro, sem o intuito de constituir família, e a configuração de uma união estável é muito estreito.

Diante disso, é salutar destacar parte do voto do Desembargador Eduardo Andrade, do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, que evidencia o cuidado que os julgadores devem ter em apreciar causas que versem sobre o reconhecimento de uma união estável, e, com isso, a grande responsabilidade que eles têm nesse tipo de ação:

Nessa orientação, cabe ao julgador, em difícil tarefa, identificar na relação concreta dos autos a presença dos elementos de ordem objetiva e subjetiva elencados pela lei, com o olhar voltado para o contexto global do relacionamento, para que não se perca na valoração de um ou outro aspecto, que, isoladamente considerado, possa resultar numa caracterização jurídica em descompasso com a realidade dos fatos.

Nesse exercício, a preocupação maior do magistrado deve ser a de procurar distinguir a união estável de relacionamentos que não ultrapassam o status de mero namoro. Isso porque, como novamente ressalta a doutrina, "a união estável a merecer a proteção do Estado é aquela moldada à semelhança do casamento, na qual os conviventes têm a indubitável intenção de constituir família.” [13]

No mesmo passo, cabe ainda esclarecer que o atual Código Civil, mais precisamente em seu art. 1723, §1º, optou por não aplicar como impedimento à constituição de união estável o fato de a pessoa ser separada de fato ou judicialmente[14], ao contrário do que ocorre no casamento, nos moldes do art. 1.521[15] do mesmo diploma legal. Assim, para a lei, ainda que uma pessoa esteja casada ela poderá constituir união estável, desde que separada de fato ou judicialmente.

Nesse mesmo contexto, uma vez devidamente caracterizados todos os elementos da união estável, alhures citados, destaca-se que o atual Código Civil, em seu art. 1725[16], estabelece, como regra, a aplicação do regime de comunhão parcial de bens às relações patrimoniais provenientes de união estável. Desse modo, será outro regime apenas se os companheiros assim pactuarem em contrato escrito, e, de preferência registrado em cartório.

Ocorre que, cada vez mais nos dias de hoje existem casos de famílias paralelas, uniões concomitantes. E, tendo em vista que esse tipo de situação é tratada pela lei como simples concubinato, não merecendo qualquer proteção ou direitos, mostra-se por demais importante se entender melhor e tema. Uma pessoa casada, ou que já matem outra união estável, pode manter vínculo afetivo com terceira pessoa? Tenha ela conhecimento ou não desta situação? Assim, cumpre se aprofundar no tema para melhorar compreendê-lo, para que, desse modo, possa se alcançar solução plausível para a controvérsia.

4 A união estável paralela

Conforme foi discorrido em linhas acima, o conceito de família passou por enorme reformulação no decorrer da história deixando de ser unicamente as uniões matrimonializadas para abranger outras situações de convivência que, embora não formalizadas sobre o rótulo de matrimônio, gozam de estabilidade, ostensividade e, sobretudo, afetividade. Dadas peculiaridades merecem dispor de guarida pelo ordenamento jurídico que nos termos da nossa Lei Maior deve conceder especial proteção às entidades familiares[17], verdadeiros centros de desenvolvimento da personalidade com escopo último de conferir efetivação ao cânone da Dignidade da Pessoa humana, tido como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito[18].

O intuito do legislador original foi garantir a inclusão e maximizar a proteção às entidades familiares, independente da forma que esta assuma. Qualquer interpretação que tenda a exclusão, para a maioria da doutrina – dentre os quais se destaca a professora Maria Berenice Dias -, desatende ao proclamo do texto constitucional, maculando-se de forma a inviabilizar a sua subsistência no mundo jurídico. 

Diante dessa nova modulação atribuída ao conceito de entidade familiar que se abstraindo de um caráter eminentemente formalista e institucionalista passou a deter um viés instrumentalista, tornando-se centro de convivência, afetividade e desenvolvimento humanístico, é por demais importante proceder ao enfrentamento de uma questão emblemática, que permeia a possibilidade de reconhecimento da existência de famílias paralelas e os possíveis efeitos decorrentes de dadas uniões.

Em termos conceituais, a denominada entidade paralela pode ser definida como a situação em que um dos cônjuges constitui de uma união de forma paralela ao fato de estar casado ou em união estável com outra pessoa. Assim, haverá uma única pessoa como membro de duas famílias, uma formada pelo casamento e a outra pela união estável ou dependendo da situação, a existência de duas uniões estáveis, uma guardando certa precedência temporal com relação à outra.

Ora, se o afeto é o princípio basilar para que haja o reconhecimento de uma entidade familiar, o seguinte questionamento se impõe ao presente estudo: é possível se ter afeto – diga-se, ter amor – por duas pessoas ao mesmo tempo? (FIGUEIREDO, 2011, p 16).

O amor é, com certeza, o sentimento humano mais complexo e instável. Ora se odeia uma pessoa. Poucos segundos depois a mesma pessoa odiada pode ser vista como a cara-metade, amada incondicionalmente. Diante da dificuldade de se entender o afeto humano e de sua instabilidade, o estudo em tela deve ser encarado de forma mais delicada possível. Sobre o tema, colaciona-se importante e esclarecedores ensinamentos de Luciano Figueiredo:

“O amor não é exato. Não é sabido o seu fato gerador. Não há segurança jurídica ou certeza quanto a sua durabilidade, constância e nível de correspondência. O ser humano é feito de predominâncias, o que torna as escolhas extremamente complexas. Uma única escolha não é dos atos mais simples.” (2011, p. 16)

No mesmo diapasão, em que pese a estranheza que tal questionamento pode trazer – se se é possível amar suas pessoas ao mesmo tempo -, é certo que desde os primórdios a infidelidade e amores paralelos são parte da própria história humana, desse modo, apesar disso ser um tanto quanto “imoral” – o fato de se ter duas famílias -, é certo que isso ocorre desde o início dos tempos, não sendo, assim, “problema” apenas da atual sociedade. E nesse prumo, a presente discussão jurídica sobre eventuais direitos que possa ter a/o amante, não é afronta aos preceitos morais e éticos existentes na atual sociedade, eis que, como já dito antes, a infidelidade é assunto existente desde os primórdios da humanidade.

Ocorre que, apesar de ser um tema que acompanha a raça humana desde seu nascedouro, apenas nos dias atuais os juristas passaram a enfrentar o tema, especialmente porque, antes da constituição de 1988, só o casamento era reconhecido como entidade familiar, e qualquer outra relação de afeto entre pessoas era desconsiderada pela Lei e pela sociedade, impossibilitando, dessa forma, qualquer discussão sobre o presente tema.

Vale lembrar ainda que, até mesmo pela forte influência que a Igreja Católica exercia sobre o Estado, há poucos anos ainda era tipificado como crime o adultério, ou seja, se uma pessoa casada – que, como já dito antes, somente quem se casava constituía família – viesse a ter outra relação extraconjugal, ou seja, uma relação de afeto paralela ao casamento, isso era considerado crime para o Código Penal Brasileiro.

Hoje, apesar de ter havida a descriminalização do adultério, ao se realizar uma interpretação literal da Lei civil, têm-se a impossibilidade de se reconhecer essa espécie de união em face do ordenamento jurídico atual, pois, como já dito anteriormente, o Código Civil de 2002 trata tal situação como sendo concubinato[19], ou seja, esse tipo de relação não gera qualquer tipo de efeito ou direito no âmbito do direito de família. Assim, tem-se que a relação antes criminalizada é tida, nos dias atuais, como um ilícito civil.

Antes da atual Carta Magna, não existia a figura da união estável, mas sim os concubinatos puro e impuro. O primeiro se referia a pessoas que podiam se casar, o segundo, noutro passo, às pessoas que eram impedidas de se casar. Hoje, a união estável tomou o lugar do antigo concubinato puro, e o chamado concubinato impuro, passou a ser apenas concubinato.

A tradição histórica do direito brasileiro, fundada em preceitos que atendem ao postulado da monogamia[20] marcadamente presente nas civilizações ocidentais, ecoa no sentido de negar todo e qualquer efeito às referidas uniões paralelas, condenando-as a invisibilidade. Ditas situações, à luz do nosso Código Civil, devem ser tidas como concubinato, o que, como acima exposto, tem significado distinto de união estável[21], não dispondo do mesmo tratamento legal dispensado a estas, sobretudo, nos seus efeitos. O princípio da monogamia e legal ao cuncubinato, para parte da jurisprudência – especialmente para o STJ[22] –, é o que fundamenta a ausência de direitos positivados para os conviventes em uniões paralelas.

Outra parte da doutrina, da qual se pode destacar Pablo Stolze e Carlos Roberto Gonçalves, diz ser fundamento do não reconhecimento de direitos às relações paralelas a questão patrimonial, dogma esse inserido e defendido pelo direito canônico. Ou seja, a vedação legal de se constituir nova família concomitante não seria no sentido apenas de dignificar e preservar a família, mas sim de proteger os bens adquiridos durante o convívio.

De certo, tanto o chamado princípio da monogamia quanto o viés patrimonialista que imperou por muitos anos no Brasil foram motivos determinantes para a exclusão das uniões paralelas das guaridas do ordenamento jurídico nacional da atualidade. E, considerando que tais dogmas vêm se alterando diante da atual sociedade, forçoso se mostra um estudo mais dinâmico sobre o tema.

Ainda no mesmo sentido, importante se faz ressaltar que, na atual sociedade brasileira, é muito grande o número de relações paralelas de afeto, motivo pelo qual o presente estudo se mostra não apenas de relevância jurídica, mas também de grande impacto social.

A maioria da população brasileira tem conhecimento de algum parente ou amigo que já tenha vivido ou ainda vive em concomitância de relações afetivas, em concubinato. Esse tipo de relação atinge todos os sexos, todas as idades, independentemente de raça ou classe social, ou seja, atinge literalmente toda a sociedade (GALIANO, 2008, p. 31).

Evidente, diante de tais dados que chegar a uma conclusão sobre o tema em debate é de suma importância, eis que se trata de realidade de milhares de brasileiros, que, muitas vezes, podem vir a sofrer injustiças devido ao desamparo legal que esse tipo de relação sofre.

4.1 As diferentes formas de concubinato, as uniões paralelas e seus efeitos jurídicos em face das diferentes óticas doutrinárias da atualidade

Inicialmente, cumpre esclarecer que as uniões paralelas ou concubinatos podem se manifestar de várias formas. Digo, as pessoas envolvidas podem ou não ter ciência da condição impeditiva de um deles em contrair nova família, seja ele casado ou convivente em outra união estável. Pode, do mesmo modo, a pessoa ter ciência dessa condição estando de má-fé ou de boa-fé.

Por isso, é salutar ao presente debate se discutir em separado cada uma dessas possibilidades, através de uma análise minuciosa de cada situação, para que assim se possa analisar com maior atenção e percepção tema tão delicado.

4.1.1 Do viés legalista: a negativa de direitos à amante

Como bem exposto em linhas acima, a Lei civil exclui da proteção no âmbito do direito de família os concubinos. O Direito de Família optou por deixar à margem da sociedade esse tipo de relação, que para muitos nunca pode vir a ser considerada uma entidade familiar. Com grande influência católica, tal vertente doutrinária é fundada especialmente no princípio da monogamia, aliado ao já citado texto do art. 1.727 do Código Civil.

Dessa forma, para essa linha legalista o direito nacional nega qualquer tipo de direito ao concubino que conheça dessa condição. Ou seja, considera-se de má-fé aquele que, sabendo da condição impeditiva da outra pessoa, vem a constituir relacionamento com ela.

Nesse passo, pode-se afirmar que essa vertente, indiretamente, alega ser impossível se ter afeto por duas pessoas ao mesmo tempo. Lembra-se que, como já exposto, que o principal ponto para se aferir a existência de uma entidade familiar é o afeto, o chamado princípio da afetividade.

4.1.2 A valoração do afeto em sede obrigacional

Parte da doutrina, da qual se enquadra o entendimento de Carlos Roberto Gonçalves, apesar de negar proteção às relações paralelas pelo direito de família, lhes dão guarida através do direito obrigacional. É a chamada monetarização do afeto. Foi a primeira vertente a conferir direitos tais relações.

Assim, para essa linha doutrinária, o concubinato não se reflete como entidade familiar, mas sim como sociedade de fato. O máximo que poderá ocorrer será o reconhecimento da existência de sociedade de fato, nos termos da Súmula 380 do Supremo Tribunal Federal[23]. Nesse sentido “é importante ter em mente a possibilidade de produção de efeitos jurídicos entre os concubinos. Tais conseqüências se projetam no campo obrigacional, afastadas do Direito de Família”. (Farias, Rosenvald, 2010, p. 443). De tal entendimento comunga Carlos Roberto Gonçalves que, em seu clássico Curso de Direito Civil Brasileiro, assim pontifica:

“Como também ocorre nas uniões conjugais, o vínculo entre companheiros deve ser único, em face do caráter monogâmico da relação. Não se admite que pessoa casada, não separada de fato, venha a constituir união estável, nem que aquela que convive com um companheiro venha a constituir união estável, nem que aquela que convive com um companheiro venha a constituir outra união estável.” (2012, p.623).

Além dos respeitados doutrinadores que coadunam com esse entendimento, boa parte da jurisprudência assinala na total impossibilidade de reconhecimento de dadas uniões, devendo as questões provenientes de tais situações serem resolvidas no campo do direito das obrigações, afastando-se qualquer aplicação das normas que circundam o direito de família. Mais uma vez, também, fundam-se no chamado princípio da monogamia. No mesmo sentido, essa divisão do patrimônio adquirido durante o concubinato, pelo esforço comum, se fundamenta também na vedação do enriquecimento ilícito.

Em clara atribuição monetária ao afeto, em conformidade com os princípios acima mencionados, sustentam os juristas defensores dessa teoria a possibilidade de se indenizar a concubina pelos seus serviços prestados ao concubino, especialmente quando não se encontram bens adquiridos durante a relação para serem divididos, nos moldes do direito obrigacional.

Não obstante isso, Luciano Figueiredo faz duras críticas ao tratamento extremamente patrimonialista que essa corrente dá às relações afetivas, dividindo-se o amor em cotas e desconsiderando-se por completo os momentos de carinho, dignidade e harmonia vivenciados pelos consortes. (2011, p. 26)

4.1.3 Poliamorismo: o múltiplo afeto

Noutro passo, em contraponto ao entendimento alhures, cresce teoria psicológica que começa a refletir no mundo jurídico contemporâneo, conforme alerta em sua obra jurídica o professor Pablo Stolze. O poliamorismo – ou poliamor – admite a possibilidade de se co-existirem duas ou mais relações de afeto paralelas, ainda que essas pessoas tenham conhecimento dessa situação. É, assim, uma relação aberta. Sobre o tema, faz-se importante colacionar os seguintes ensinamentos do mencionado jurista:

“Segundo a psicóloga Noely Montes Moraes, professora da PUC-SP, a etologia (estudo do comportamento animal), a biologia e a genética não confirmam a monogamia como padrão dominante nas espécies, incluindo a humana. E, apesar de não ser uma realidade bem recebida por grande parte da sociedade ocidental, as pessoas podem amar mais de uma pessoa ao mesmo tempo.” (STOLZE, 2008, p. 34)

Por mais entranho que possa parecer, diante dos fatos acima, tem-se que é plenamente possível se amar mais de uma pessoa, sendo mitigado o dever de fidelidade pela atuação de vontade dos próprios integrantes da relação. Dessa forma, em que pese o dever de fidelidade se consagrado no mundo jurídico atual, não se trata, portanto, de um aspecto absoluto do ponto de vista da ciência.

Em tendo como parâmetro o acima exposto, para tal vertente doutrinária, evidencia-se, portanto, a necessidade se mitigar os dogmas oriundos do dever de fidelidade em alguns casos específicos, sobretudo naqueles em que comprovadamente se houver afeto recíproco entre mais de duas pessoas e elas comungarem vida em comum com o intuito de constituírem família. Apesar de ser esse um entendimento minoritário, há decisão nesse sentido num dos mais respeitados tribunais do Brasil, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul[24].

4.1.4 As relações de afeto paralelas vistas sobre a ótica constitucional do direito de família

Em primeiro lugar, vale lembrar mais uma vez que o princípio basilar do direito de família é o da afetividade. Só se reconhece como entendida familiar aquela entidade que é permeada por afeto.

Nesse sentido, parte da doutrina, ainda que pequena, defende a geração de efeitos jurídicos familiares às relações concubinatárias, tendo como fundamento principal o princípio da dignidade da pessoa humana e o da afetividade, maciçamente citado em situações acima. A principal defensora de tais garantias, atualmente, é a já citada doutrinadora Maria Berenice Dias.

Assim, para os adeptos dessa corrente, é imprescindível reconhecer a existência de tais relações paralelas como entidades familiares, desde que, obviamente, se preencha todos os requisitos necessários para tanto, sob pena de violação de preceitos éticos e de conceder prestígio ao enriquecimento sem causa. Principal defensora dessa corrente, a insigne Maria Berenice Dias, em sua obra Direito das Famílias, defende com veemência a necessidade de se reconhecer a possibilidade de existência de uniões estáveis paralelas aduzindo que a repulsa aos vínculos afetivos concomitantes não os faz desaparecer, e a invisibilidade a que são condenados só privilegia o bígamo (Dias, 2014, p.54).

Importante dizer que, na maioria dos casos, essas relações se estabelecem entre um homem e duas mulheres, pois, nos dizeres de Maria Berenice, as mulheres são as vítimas dessas uniões, pois mesmo depois de despenderem anos de suas vidas em proveito de seus companheiros, ao fim do relacionamento, se vêem sem receber os alimentos, herdar ou ter participação sobre os bens adquiridos durante a união (2014, p.54).

 Assim, fechar os olhos diante dessas relações que estão presentes de forma significativa em nossa sociedade significa deixar ao desamparo mulheres que se dedicaram muitas das vezes a vida toda a um relacionamento, deixando de trabalhar fora e serem independentes para satisfazer as necessidades de seu companheiro e dos filhos provenientes desse relacionamento. Decisões que negam a existência de ditas relações acabam, em última instância, por ferir o princípio da igualdade e da dignidade da pessoa humana.

Um ponto de importante reflexão situa-se na distinção entre o concubinato supostamente adulterino de boa-fé – a chamada união estável putativa – daquelas situações em que a própria “companheira” tem total ciência do fato do “companheiro” ser casado ou viver em união estável com outra pessoa.

Tem-se como união estável putativa aquela situação onde a concubina não tem ciência do fato impeditivo de seu convivente: por exemplo, uma pessoa se acha vivendo em união estável com outra pessoa casada em data anterior, sem que, para tanto, tenha conhecimento dessa situação.

Em aplicação analógica da situação do casamento putativo é conferido a tais relações os efeitos afetos a união estável, privilegiando a boa-fé, princípio dos mais importantes no âmbito do direito privado brasileiro. Então, boa parte da doutrina contemporânea reconhece a união estável putativa como passível de gerar efeitos no âmbito do direito de família. No mesmo sentido são os ensinamentos do professor Rolf Madaleno:

“Desconhecendo a deslealdade do parceiro casado, instaura-se uma nítida situação de união estável putativa, devendo ser reconhecidos os direitos do companheiro inocente, o qual ignorava o estado civil de seu companheiro, e tampouco a coexistência fática e jurídica do precedente matrimônio, fazendo jus, salvo contrato escrito, à meação dos bens amealhados onerosamente na constância da união estável putativa em nome do parceiro infiel, sem prejuízo de outra reivindicações judiciais, como uma pensão alimentícia, se provar a dependência financeira do companheiro casado, e se porventura o seu parceiro vier a falecer na constância da união estável putativa, poderá se habilitar à herança do de cujus, em relação aos bens comuns, se concorrer com filhos próprios, ou toda a herança, se concorrer com outros parentes.” (2008, p.819).

Já nos casos em que a concubina tem conhecimento da situação impeditiva de seu convivente, por conclusão lógica, veda-se atribuir qualquer efeito a estas relações sob o argumento de que ambos sabiam da situação de adultério que advinha do relacionamento. Assim, se no primeiro caso privilegia-se a boa-fé da companheira que tinha desconhecimento quanto ao fato do parceiro já manter um relacionamento com outra pessoa, no segundo é punido aquela que, não obstante saber da situação de adultério em que está envolvida insiste em continuar a se relacionar, evidenciando a sua má-fé.

Contudo, apesar do esforço em se estabelecer uma distinção entre as duas situações, tal vertente encontra óbice no já mencionado poliamorismo e no princípio da afetividade. Ora, se há afeto e os demais requisitos – dentre os quais, destaca-se o objetivo de constituir família – para se configurar uma união estável, ainda que ambas as partes tenham conhecimento da situação impeditiva, não parece razoável sobre a ótica constitucional o não reconhecimento dessa relação como família.

Seguinte esse reaciocínio, tem-se que tais situações merecem guarida pelo Direito de Família, especialmente porque as disposições constitucionais sobre o tema não permitem qualquer critério tendente à exclusão. No mesmo prumo, o art. 226 da CR/88 possui um conteúdo que privilegia a inclusão, a eliminação de velhas posturas preconceituosas e rançosas ainda existentes na atual sociedade. Conferir ao texto constitucional por meio de atividade legislativa derivada ou através de interpretações um sentido restritivo consiste em desafiar a própria supremacia da constituição que expressamente prevê a possibilidade de compatibilização de outros direitos e garantias com as normas constitucionais[25].  

Ainda segundo esse entendimento, não existe para a Constituição o termo “concubinato”, que se revela pejorativo e vexatório, e que, em última instância, acabaria por discriminar os filhos provenientes dessas relações, o que implicaria em agressão ao preceito constitucional da igualdade entre os filhos[26] e da dignidade da pessoa humana. Frente ao texto constitucional, o que existe são uniões estáveis que merecem guarida pelo ordenamento jurídico sob pena de assumir-se um caminho completamente oposto à linha de evolução de todo ordenamento jurídico, marcadamente ampliativa dos direitos e garantias dos indivíduos.   

Ademais, ao discriminar e desconsiderar determinadas situações, acaba-se por premiar e incentivar a postura do infrator – que na maioria das vezes é o homem, como já lembrado em linhas acima –, o varão que infringindo o preceito monogâmico mantém vínculo concomitante com duas mulheres, para ao final não necessitar dividir aquilo que juntos obtiveram durante os longos anos de convivência. Maria Berenice Dias, dispõe com propriedade sobre essa intrigante situação:

“Negar sua existência de vínculos afetivos paralelos, rotulando-os de concubinato adulterino e alijando-os do direito das famílias, nada mais significa do que premiar quem infringe o preceito monogâmico. E, ao se abandonar o ideal de justiça, é autorizado o enriquecimento sem causa, olvidando-se valor maior: a ética.” (Dias, 2014, p.78).  

Além disso, importante atentar-se para o princípio da pluralidade de entidades familiares, haja vista que, a concepção de que a entidade familiar seria exclusivamente proveniente de relações formalizadas, decorrentes do matrimônio não mais prevalece em nosso ordenamento. A afetividade, aliada ao comprometimento mútuo passaram a ser os elementos primordiais para a configuração de um núcleo familiar.

Desse modo, não obstante o repúdio pela doutrina e jurisprudência majoritárias, essas relações “adulterinas” guardam em sua essência todos os elementos aptos à configuração de entidade familiar, deixando nossos tribunais de convalidá-las sob o simples fundamento da vedação da bigamia por parte do nosso ordenamento jurídico.

Taxar essas relações diante das peculiaridades que se revestem como simples sociedade de pessoas que, unindo esforços estabelecem uma barraca de verduras na feira ou optam por abrir um boteco de esquina, é monetarizar o afeto, o que, sobre o aspecto cidadão que permeia nossa constituição é inadmissível.

É nítido, portanto, que as relações paralelas são marcadas por elementos que afastam a caracterização de sociedade de fato, tornando esta solução flagrantemente desarrazoada e aviltante. É inconcebível que o Poder Judiciário, parte do Estado Democrático Brasileiro, cheque para essas pessoas que mantiveram um relacionamento paralelo a outro preexistente e construíram um vinculo de afeto, companheirismo e partilha de vida, não passa de uma relação mercantilista às escuras.

No mesmo passo, para essa linha de pensamento, descabe situar a monogamia ao status de princípio constitucional, tendo em vista a ausência de disposição nesse sentido no texto constitucional. A ilustre doutrinadora gaúcha Maria Berenice ao refletir sobre o tema, assim pondera:

“Ainda que a lei recrimine de diversas formas quem descumpre o dever de fidelidade, não há como considerar a monogamia como principio constitucional, até porque a Constituição não a contempla. Ao contrário, tanto tolera a traição, que não permite que os filhos se sujeitem a qualquer discriminação, mesmo quando se trata de prole nascida de relações adulterinas ou incestuosas.” (Dias, 2014, p.63).

Diante disso, cabe ressaltar que inexiste qualquer impedimento constitucional para o reconhecimento dessas relações ditas “adulterinas”. O texto Constitucional manteve-se silente quanto a essas relações, sendo que, em casos assim, frisa-se, em atendimento aos princípios constitucionais descabe uma interpretação tendente à exclusão. Se de um lado a monogamia não pode ser considerada principio constitucional, cabe atentar para o fato da afetividade e da dignidade da pessoa humana serem princípios que regem o direito de família.

Como em tudo no direito, há também parte da doutrina alerta sobre os perigos que se reconhecer essa espécie de relacionamento como entidade familiar, sob o aspecto ético e moral:

“A tese, malgrado sedutora, encontra graves obstáculos de ordem moral e jurídica: aquela é abalada quando o Estado chancela relações extraconjugais; e esta ao ir de encontro à estabilidade das relações afetivas legitimadas pelo Direito.Além disso, o ideal de que tal reconhecimento promoveria dignidade e proteção ao afeto é ao menos dúbio, pois poderia se perguntar dignidade e afeto de quem? Do concubino ou do esposo ou companheiro cuja relação é tutelada pelo Direito do Estado?” (FIGUEIREDO, 2008, p. 28)

Diante disso, ressalta-se apenas que, como a família é a base do Estado, permitir ou incentivar uniões afetivas paralelas, em contraponto à corrente ora debatida, pode trazer prejuízos para a sociedade no que se refere à desvalorização dos preceitos morais por ela instituídos ao longo dos anos.

Conclusão

Diante do estudo realizado é evidente que o presente tema trata-se de assunto por demais delicado, estando ainda longe de haver um entendimento unânime e pacífico a seu respeito, seja no âmbito doutrinário como também no jurisprudencial.

Entretanto, ao menos uma constatação é gritante e clara: o conceito de entidade familiar vem passando por uma constante reconstrução, buscando a sua adequação a uma nova sociedade, tendo como pilares os princípios constitucionais da afetividade, dignidade da pessoa humana, solidariedade entre os membros de um mesmo seio familiar e erradicação dos preconceitos e exclusões.

Nesse prumo, é certo também que é impossível chegar a um consenso sobre a discussão em tela analisando apenas o Direito em seu plano abstrato. É necessário, portanto, a análise minuciosa de cada caso concreto, e, mesmo assim, corre-se o risco de se cometer graves injustiças.

Em primeiro lugar, faz-se mister estabelecer com base na ordem constitucional vigente os principais critérios necessários para o reconhecimento de uma entidade familiar, que, pelo estudado acima, trata-se do intuito de constituir família e principalmente do princípio da afetividade. Se de uma união pública entre duas pessoas – sejam elas de sexos opostos ou não – exista o ânimo de constituir família e o afeto entre eles, impõe-se reconhecê-la como entidade familiar.

Ocorre que, de encontro ao acima exposto vem o chamado princípio da monogamia, que veda a uma mesma pessoa ser parte, ao mesmo tempo, de dois núcleos familiares. Mas não parece justo, diante do presente estudo, dizer que uma pessoa que tenha vivido em relação pública de afeto por vários anos, ainda que essa relação seja em concomitância com outra, não tenham constituído uma família.

Se há afeto, segundo nossa Carta Magna, há família, ainda que essa relação seja paralela a outra, e especialmente se houver boa-fé da concubina. Se uma mulher vive por vários anos em “união estável” com homem que é casado, sem saber dessa situação, e essa união preenche todos os requisitos necessários, é evidente que esse relacionamento deve ser reconhecido como uma entidade familiar, sob pena de se favorecer o homem – vale frisar que quase todos os casos de uniões paralelas é o homem quem contrai nova relação com outra mulher – que já era casado ou que já vivia em outra união estável.

Ou seja, em que pese o entendimento majoritário acima exposto, diante dos elementos colhidos durante o presente estudo, mostra-se mais plausível que, caso a concubina esteja de boa-fé, e essa relação for galgada de publicidade, intuito de constituir família e afeto, seu reconhecimento como sendo uma entidade familiar se impõe, com fundamento no próprio texto constitucional, que deve prevalecer sobre a vedação disposta no já mencionado art. 1727 do Código Civil.

Quanto ao dever de fidelidade existente, apesar de ser pilar de suma importância para a manutenção da família, em casos excepcionais, tal como no exemplo acima – ou seja, no caso de boa-fé por parte da concubina –, a proteção dessa família paralela por parte do Direito de Família deve prevalecer sobre o dever de fidelidade, sob pena de grave discriminação a essa outra família que em nada tem culpa da conduta infiel praticada pelo concubino. Assim, nesse caso, a “concubina” deve ter todos os direitos de uma companheira, inclusive os previdenciários.

Já no caso em que a (o) concubina (o) tenha ciência do fato impeditivo, qual seja, que seu “companheiro” possui outra família – seja oriundo do casamento ou de outra união estável –, tem-se como regra geral que não se deve haver a proteção do direito de família, mas, tão somente, direitos de caráter patrimonial oriundos daquela união, sob pena da concubina ser beneficiada da própria torpeza (eis que, nesse caso, possuía consciência plena da situação), bem como de gerar grande descrédito à instituição família, tornando-a frágil e desimportante, podendo vir a causar até mesmo um colapso social.

Não obstante, em casos especialíssimos, ainda que a concubina tenha ciência do impeditivo legal em face de seu “companheiro”, deve-se analisar o caso concreto com extrema cautela e tendo como parâmetro o texto constitucional, para se chegar a uma prudente solução, tendo em vista ainda assim se pode haver uma família – ainda que paralela a outra – a ser protegida pelo direito, sobretudo no caso de se constatar a existência de afeto em ambos os relacionamentos, como também a ciência de ambas as partes da existência das duas famílias, caracterizando o chamado poliamorismo.

Em suma, considerando todos os fundamentos analisados durante o presente estudo, é forçoso concluir que há sim possibilidade de reconhecimento de uma união estável paralela, com as devidas ressalvas apontadas acima. No caso específico da concubina de boa-fé – a chamada união estável putativa –, e desde que preenchidos os demais requisitos, é gritante a existência de uma família, merecendo a devida e adequada proteção jurídica.

Referências
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Boletim nº 61 do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, 2010.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da Republica Federativa do Brasil, 1988. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm> acesso em: 05/05/2015.
BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm> Acesso em: 05/05/2015.
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COULANGES, Fustel de. A cidade Antiga. 2ª ed. São Paulo: Martin Claret, 2008.
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.
FARIAS, Cristiano chaves; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 2.ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2010.
FIGUEIREDO, Luciano L. Monogamia: Princípio Jurídico? . Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões – IBDFAM. Porto Alegre: Magister; Belo Horizonte: IBDFAM, 2011.
GAGLIANO, Pablo Stolze. Direitos da (o) Amante na Teoria e na Prática dos Tribunais. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil. 26ª ed. Porto Alegre: Magister, 2008.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Direito de família. 9.ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
LÔBO, Paulo. Direito Civil: Famílias – 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. Rio de Janeiro: Forense, 2008.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil – Direito de Família. Rio de Janeiro: Editora Forense, 13ª ed., 2002, Vol. V.
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores do Direito de Família. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil – Direito de Família. São Paulo: Atlas S.A., 6ª ed., 2006, Vol. VI.

 

Notas:
 
 
[1] Boletim nº61 do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, 2010, p.1.

[2] Boletim nº 61 do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, 2010, p. 1.

[3] Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.(…)

[4] Art. 5º da Lei 11.340/06.

[5] Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.(…)
§6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio

[6] Art. 226. (…)
§ 3º – Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

[7] Art. 226. (…)
§ 4º – Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.(…)

[8] Art. 226. Da CRFB/88. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.(…)
§ 4º – Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

[9] Resolução nº 175 CNJ:(…)
Art. 1º É vedada às autoridades competentes a recusa de habilitação, celebração de casamento civil ou de conversão de união estável em casamento entre pessoas de mesmo sexo.
Art. 2º A recusa prevista no artigo 1º implicará a imediata comunicação ao respectivo juiz corregedor para as providências cabíveis.
Art. 3º Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação.

[10] Art. 226 da CR/88:(…)
§ 3º – Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.(…)

[11] Art. 1723. CC/02. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.

[12] Art. 1521. CC/02. Não podem casar:
I – os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil;
II – os afins em linha reta;
III – o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante;
IV – os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive;
V – o adotado com o filho do adotante;
VI – as pessoas casadas;
VII – o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte.

[13] Desembargador Eduardo Andrade. Apelação nº 1.0338.07.058617-1/001. Tribunal de Justiça de Minas Gerais.

[14] Ressalta-se que tal hipótese, para a maioria da doutrina, da qual se pode destacar Maria Berenice Dias e Paulo Lôbo, é praticamente inexistente nos dias atuais, diante da possibilidade de se realizar o divórcio sem prévia separação judicial, se aplicando, desse modo, basicamente àquelas pessoas que já eram separadas judicialmente à época da mudança legislativa.

[15] Art. 1.521. Não podem casar:
I – os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil;
II – os afins em linha reta;
III – o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante;
IV – os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive;
V – o adotado com o filho do adotante;
VI – as pessoas casadas;
(…)

[16] Art. 1.725. Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.

[17] Art. 226 da CR/88. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

[18] Art. 01. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (…)
III- a dignidade da pessoa humana;(…)

[19] O atual código civil optou por expressamente distinguir as relações de companheirismo e o concubinato, conforme se vê do texto do art. 1727 do CC/02: as relações não eventuais entre homem e mulher, impedidos de casa, constituem concubinato.

[20] Art. 1521 do CCB/02. Não podem casar:(…)
VI- as pessoas casadas.

[21] Art. 1723 do CCB/02. (…)
§1º A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente.

[22] Agravo Regimental no Recurso Especial de nº 1147046 (2009/0185672-7 – 26/05/2014).

[23] Súmula 380/STF. Comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum.

[24] A 8ª câmara cível do TJRS decidiu no sentido de dividir entre sua esposa e sua concubina, à razão de 50% para cada uma, patrimônio do imóvel adquirido durante o concubinato.

[25] Art. 5 da CF/88: (…)
§2º Os direitos e garantias expressos nesta constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

[26] Art. 227 (…)
§ 6º Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.


Informações Sobre o Autor

Danilo Melgaço de Lima

advogado pós-graduado em Direito do Trabalho pela Universidade Norte do Paraná


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