A Concepção Extremada de Ressocialização sob a Perspectiva de uma Teoria da Justiça Aristotélico-Tomista

Resumo: A ascenção do positivismo parece ter trazido consigo o declínio das justificações das instituições de direito baseadas em teorias da justiça. O que este texto busca é resgatar essa discussão (sem, porém, qualquer pretensão de ser um manifesto a favor desta ou daquela teoria) através da sua ilustração, na teoria geral do direito penal, sobre a (im)possibilidade da justificação da teoria extremada da ressocialização à luz da clássica concepção aristotélico-tomista de justiça.

Palavras-chave: teorias da justiça; direito penal; ressocialização; filosofia do direito; Aristóteles.

Abstract: The rise of positivism seems to have brought the decline of the justifications of legal institutions based on theories of justice. This essay aims to rescue this discussion (without any claim to be a manifesto in favor of this or that theory) through an illustration, in the theory of criminal law, about the (im)possibility of justification for the extreme theory of rehabilitation in light of the classical Aristotelian-Thomistic conception of justice.

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Keywords: theories of justice; criminal law; rehabilitation; philosophy of law; Aristotle.

Sumário: Introdução: A justiça como sentido do direito. 1. As concepções aristotélicas de justiça. 3. As críticas à teoria da retribuição. 4. A teoria da ressocialização, a justiça e o direito penal. 5. Conclusão.

Introdução: a justiça como sentido do direito[1]

A partir da ascensão do positivismo no campo do direito, a indagação sobre a justiça parece ter ficado à margem da produção jurídica, não se colocando como essencial nem mesmo para a própria definição de direito[2]. A justiça parece, muitas vezes, ter sido deixada para discutir-se “à parte”, em aulas de Filosofia do Direito que teriam pouca articulação com o direito positivo. De outro lado, vimos surgir, integradas com o direito, outras disciplinas que, a priori, teriam um sentido e racionalidade diversos deste. Assim, tornaram-se comuns, por exemplo, as análises econômicas dos institutos jurídicos, guiadas pelo ideal da eficiência – enquanto que suas análises sob a perspectiva de uma teoria da justiça parecem ter escasseado. Aqui, nossa proposta é diversa. Partimos do pressuposto de que a justiça é parte integrante da própria definição de direito. Em outras palavras, a concepção de direito que nos guiará na condução deste artigo é uma em que a justiça importa. Conceberemos o direito como prática social e, como prática social, dispõe de um sentido que deve ser buscado para que possa ser compreendido. Este sentido, para nós, é a justiça.

A teoria da justiça vem investigar, justamente, essa relação, entre justiça e direito e, por isso, é uma teoria moral, uma reflexão sobre os princípios e a natureza da vida moral. A essência do sentido da prática social a que chamamos direito tem, portanto, origem moral. Procederemos a partir da ideia clássica de justiça, desenvolvida por Aristóteles e complementada por Tomás de Aquino e é por isso que entendemos necessário, em primeiro lugar, explicitar suas percepções. Em seguida, analisaremos as críticas à teoria da retribuição, mostrando que não costumam levar em consideração a tradição clássica da teoria da justiça, para que então possamos, na seção seguinte, analisar a “concepção extremada de ressocialização”[3] como teoria da pena e se tal concepção harmoniza-se com a de direito que leva em consideração a formulação do conceito de justiça pela tradição aristotélica. Enfim, exporemos nossa conclusão.

As concepções aristotélicas de justiça

Aristóteles trata do tema da justiça, especialmente, no livro V de sua Ética a Nicômaco[4]. Ao indagar-se sobre o que é a justiça, Aristóteles chega à conclusão de que a justiça é uma virtude voltada para o outro[5]. Tomás de Aquino, neste sentido insistirá, também nisso ao afirmar, por exemplo, que “justiça implica igualdade, e a razão da justiça está no que diz respeito ao outro: nada é igual a si mesmo, mas ao outro”[6].

Diferenciam-se, em Aristóteles, duas formas ou concepções de justiça: a justiça universal ou geral e a justiça em particular[7].O sentido universal de justiça em Aristóteles (justiça geral) é aquele em que a justiça nos conduz a viver conforme a virtude, confundindo-se com ela, inclusive[8]. Esta forma de justiça leva o homem a seguir as leis que, segundo a lógica, direcionam-no para o bem comum. A lei, segundo essa tradição, funciona como medida e instrumento de articulação das atividades comuns[9]. O homem justo, aqui, confunde-se com o homem bom.  O sentido particular de justiça toma lugar nas situações específicas, de modo a equilibrar as relações que ocorrem na comunidade, os ganhos e as perdas que delas decorrem[10]. Aqui, o injusto é o que busca tirar, conscientemente, da parte que ao outro pertence; em outras palavras, conquista bens ou vantagens que não lhe pertencem[11].

Sob o gênero da justiça em particular, Aristóteles a especifica sob duas formas: a justiça distributiva e a justiça corretiva ou comutativa (ou, ainda, retributiva). Aquela que diz respeito às distribuições de honras e de bens entre os que têm parte na constituição e de acordo com seus méritos é a denominada justiça distributiva[12]. De modo complementar, à que diz respeito ao desempenho de um papel corretivo denomina-se justiça corretiva (ou comutativa)[13]. Nesta última espécie, Aristóteles faz uma nova distinção: (i) a justiça corretiva aplicada às trocas voluntárias (e.g. as compras e vendas, os empréstimos para consumos, as arras, o empréstimo para uso e as locações) e (ii) a justiça corretiva a ser aplicada às trocas involuntárias[14], entre estas, algumas seriam clandestinas (como o furto e o adultério) e outras seriam violentas (como a agressão, o sequestro e o homicídio)[15]. É ao segundo tipo de justiça que pertence o crime. O crime, como objeto do direito penal, é estabelecido como algo a ensejar uma pena se cometido. Em geral, as comunidades estabelecem como crimes as trocas involuntárias. No entanto, ainda que determinada troca voluntária tenha-se estabelecido como crime, aplicar-se-ia a justiça comutativa, de maneira a remover o que aquele que cometeu o crime[16] tirou de outro – aquele que o sofreu – e restituir esta parte de alguma forma. Aqui não importa, portanto, quem cometeu a injustiça, mas qual a injustiça cometida e o quantum do prejuízo. O papel do juiz é o de compensar o dano por uma pena, de forma a retomar o “lucro” obtido a partir do cometimento do delito. Busca-se, em outras palavras, a retribuição ou restituição[17].

Como se pôde demonstrar, de acordo com a concepção aristotélica, a justiça nos casos referidos seria feita através do que se passou a denominar em Direito Penal “teoria da retribuição”, que, mais recentemente tem sido criticada por destacados penalistas. A seguir, exporemos as principais críticas feitas à teoria da retribuição.

As críticas à teoria da retribuição

Coletaremos as críticas apresentadas à justificativa retributivista da pena, principalmente, a partir de Crítica da Pena I (2004) de Klaus Günter[18]. O referido ensaio de Günter faz um conciso e bastante completo sumário dessas críticas. Entendemos importante analisar os argumentos dessa crítica porque, como exposto, em primeiro lugar, eles parecem negligenciar ou abandonar conceitos desenvolvidos já na teoria da justiça aristotélica; em segundo lugar porque a retribuição parece ser essencial no atingimento da justiça, ao menos de acordo com a tradição aristotélico-tomista e, em terceiro, porque a ideia de ressocialização surgiu, em grande parte, como resposta aos “problemas” das justificativas tradicionais da pena – entre elas, a teoria retributivista.

No ensaio de Günter, consideramos que se possam dividir as críticas à retribuição em três espécies de problemas nela encontrados: (i) o problema da medida da pena; (ii) o problema da perpetuação de costumes arraigados e confortáveis; e (iii) a possível inadequação do mal pena como meio de comunicação à sociedade e ao apenado de que a contranorma afirmada pelo autor do ilícito não tem validade nem pode ser praticado. Quanto à primeira linha de críticas, os argumentos apresentados são, principalmente, o de que (i) por nenhuma retribuição corresponder àquilo que deve compensar, cria uma nova injustiça e, com isso a demanda por uma nova retribuição[19]; (ii) “a simples reparação de, por exemplo, o valor do bem atingido, não é capaz de compensar os “danos psicológicos e à honra” que a vítima e sua família sofreram”[20]; (iii) “uma punição muito ultrajante provocaria uma injustiça no autor” [21].

Essas críticas deixam claro o abandono à discussão clássica da teoria da justiça. Não se percebe a lei como justa porque ordenadora da sociedade para o bem comum e como medida para o atingimento dos fins da comunidade política. Ora, se a lei é medida, régua, e, justa, a aplicação da pena nela definida será também justa, porque nela definida. É a lei quem deve definir como se dará a reparação do bem atingido e, com isso, deve levar em conta todos os danos sofridos pela vítima e a necessidade de uma punição não ultrajante. Essa, aliás, é sua função. Quanto à segunda linha de críticas, que considera que devemos questionar a aplicação das penas como uma mera perpetuação de costumes arraigados[22] e se se toma a perspectiva aqui adotada, faz-se necessário questionar se, na realidade, não se tem na forma de aplicação das penas uma justificativa moral fundada numa teoria da justiça considera-se-lhe “costumes arraigados e confortáveis” porque nos esquecemos de colocar a discussão nesse âmbito. A terceira linha de críticas nos interessa menos por fugir um pouco à retribuição como justiça, tema-objeto de análise deste ensaio. Deve-se ter em conta, porém, que, não necessariamente, para a função comunicativa dispõe-se dos meios mais adequados.

A teoria da ressocialização, a justiça e o direito penal

O direito penal é direito, essencialmente, sancionatório. Essa necessidade de lidar com as penas – e aqui não nos referimos necessariamente às de privação de liberdade, mas a quaisquer umas definidas como resposta de um ente legítimo (atualmente entendido, em geral, como o Estado) ao cometimento do que se considera crime –fez surgir teorias legitimadoras e “deslegitimadoras” da pena. A mais clássica delas é a teoria da retribuição, que, de modo muito geral, entende que o mal feito deve ser “pago” com outro mal, de forma que se retribua a injustiça cometida. Como resposta, principalmente, a essa concepção retributivista, surgiu, entre outras, a “teoria extremada da ressocialização”, que entende a ressocialização como finalidade principal ou, até como finalidade única da pena. Esta teoria tem ganhado muitos adeptos na atualidade, que não veem mais sentido na aplicação retributivista da sanção penal e fez, inclusive, com que Klaus Günter, por exemplo, escrevesse que “[d]e todas as opções que uma sociedade tem para reagir à criminalidade, a ressocialização bem-sucedida é na verdade a única que se pode justificar racionalmente”[23].

A teoria da ressocialização que temos em conta neste ensaio – nomeadamente a “teoria extremada da ressocialização” – é a que parte da premissa de que basta que o autor do delito – e, portanto do injusto – tenha sido ressocializado para que possa voltar a conviver em sua comunidade política. Afinal, ressocializado, ele não mais representaria, em tese, riscos à sociedade, ao menos no que diz respeito à possibilidade de cometimento de outros crimes. Esta a essência da ideia de ressocialização como função fundamental da pena. Muda-se, assim, o foco do fato para o autor[24]. Essas justificativas dirigem-se para o futuro, podendo-se argumentar que tenham base sociológica ou eficientista. Não constituem, porém, justificativas de ordem moral. Ora, a justiça tem natureza moral.

As críticas a essa teoria, porém, costumam fundamentar-se nas dificuldades dessa avaliação sobre a ressocialização mesma do indivíduo que cometeu o delito[25] – e, por isso, preocupam-se com a consequência, com uma visão prospectiva e não dirigida especificamente ao delito que, obviamente, foi cometido no passado. Uma teoria que não se volta ao injusto cometido e nem a nenhuma forma de restituição do injusto cometido não pode ser contemplada por uma teoria da justiça e, portanto, tampouco pode harmonizar-se com a tradição aristotélico-tomista. As justificativas para a adoção da teoria da ressocialização como única forma de justificar-se a “pena” são prospectivas, visam a uma sociedade futura mais segura. O injusto cometido, porém, não se retribui, não se recompensa, em outras palavras, não se faz justiça comutativa, mediadora entre a perda e o ganho, entre o que um tem demais porque tirou de outro que, como consequência, passou a ter de menos. Ainda que se argumentasse que a ressocialização visaria a uma sociedade futura mais justa, estar-se-ia utilizando o termo “justiça” em seu sentido universal e ao direito – e, aqui, mais especificamente, o direito penal -, entendido como prática restabelecedora da justiça-equilíbrio, importa a justiça particular, pautada na igualdade.

Conclusão

Neste trabalho, o que se pretendeu foi mudar o foco da discussão sobre as teorias da pena, especialmente a da ressocialização. Isso porque entendemos que as justificativas normalmente apresentadas nesse sentido passam à margem do entendimento da justiça como bem do direito. Não se quis, aqui, fazer um elogio da retribuição penal, nem, tampouco, sugerir que ela seja a única forma de justificação da pena.

A conclusão a que chegamos, porém, é a de que, se se parte de uma teoria da justiça fundada nas concepções aristotélicas, não se pode justificar a pena sem que, nesta justificativa, utilize-se a retribuição. É por isso que entendemos, a partir de nossa análise, que a teoria ressocializadora que visa a afastar qualquer forma de retribuição não se possa coadunar com uma teoria de ordem moral que leve em conta a concepção clássica e formal de justiça.

Das teorias da pena apresentadas, a que se justificaria de acordo com a tradição aristotélico-tomista seria a teoria retributivista, porquanto removeria o excesso de quem obteve o que não lhe era de direito: far-se-ia, portanto, a justiça devida, comutativa (corretiva ou retributiva). A lei, entendida, nesta tradição, como medida, estabelece os critérios de aplicação da pena de acordo com o injusto cometido. Ela, aqui, não é vista como um mecanismo de coerção emanado da vontade da autoridade e por isso válida. Segundo essa tradição, a lei, por definição lógica, é justa, porque ordenadora da comunidade política para o bem comum, porque medida, régua a ordenar a cooperação dos cidadãos. O abandono da ideia de justiça para a própria concepção do direito pode ser observado, em geral, tanto nas justificativas quanto nas críticas à teoria da ressocialização. O debate tem-se pautado em outras “virtudes”, desconsiderando, na maioria das vezes, a relação entre quem comete a injustiça, quem sofre a injustiça e a injustiça em si mesma.

Se se entende, portanto, o direito como prática social cujo sentido é a justiça e se analisa o conceito clássico formal de justiça, temos como conclusão que a teoria da ressocialização não cabe no direito porque não promotora da justiça, sentido do direito.

Referências
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ARISTÓTELES, Ética a Nicômaco.
GÜNTER, Klaus. Crítica da Pena I (2004), in: Revista Direito GV. São Paulo, v. 2, n 2, p. 187-204, jul.-dez. 2006.
HÖFFE, Otfried, O que é justiça?, Porto Alegre: EDIPUCRS, 2003, pp. 24-25 (tr. al. por Peter Naumann).
KRAUT, Richard et al, Aristóteles: a Ética a Nicômaco, 1ª Ed., Porto Alegre: Artmed, 2009, (Trad. ingl. por Alfredo Storck et al).
LOPES, José Reinaldo de Lima, As palavras e a lei: direito, ordem e justiça na história do pensamento jurídico moderno, 1ª Ed., São Paulo: Ed. 34 / Edesp, 2004.
MACHADO, Maíra Rocha. A pessoa-objeto da intervenção penal: primeiras notas sobre a recepção da criminologia positivista no Brasil. Revista Direito GV, São Paulo, v.1, n. 1, pp. 79-90, maio de 2005. Este artigo encontra-se disponível online em: <http://direitogv.fgv.br/sites/direitogv.fgv.br/files/rdgv_01_p079_090.pdf>. Último acesso em 30.out.2013.
MÁYNEZ, Eduardo García, Doctrina Aristotélica de la Justicia: estudio selección e traducción de textos, 1ª Ed., [Ciudad de México]: Universidad Autónoma de México, 1973.
OLIVEIRA, Andréa C. P. de. A virtude da justiça no pensamento aristotélico, 2009, 104 f., Dissertação – Centro de Humanidades, Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza, 2009.
QUEIROZ, Paulo de Souza. Funções do Direito Penal. São Paulo: RT.
SERRA, António Truyol Y, Compêndio de História da Filosofia do Direito, Lisboa: Tipografia da Empresa Nacional de Publicidade, 1954.
SILVEIRA, Denis Coitinho, Os Sentidos da Justiça em Aristóteles, 1ª ed., Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001.
 
Notas:
[1] Gostaria de agradecer, desde o princípio, o auxílio e os valorosos comentários do Professor Doutor José Reinaldo de Lima Lopes.

[2] Neste sentido, José Reinaldo de Lima Lopes em As palavras e a lei: “A discussão da justiça, como elemento racional fundante da ordem jurídica ou das leis em particular, perdeu progressivamente importância. No que diz respeito ao uso da linguagem da justiça, trata-se de uma das mais evidentes transformações pelas quais passou o direito moderno.” (LOPES, José Reinaldo de Lima, As palavras e a lei: direito, ordem e justiça na história do pensamento jurídico moderno, 1ª Ed., São Paulo: Ed. 34 / Edesp, 2004, p. 265).

[3] Esta expressão é utilizada por ANJOS, Fernando V., Análise crítica da finalidade da pena na execução penal: ressocialização e o direito penal brasileiro, 2009, 175 f, Dissertação – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009.

[4] “El libro quinto de la Ética nicomaquea, que Aristóteles consagra por entero la discusión de la justicia y la injusticia, pertenece, como certeramente lo observa H. H. Joachim, a la parte de dicha obra en que El Estagirita describe los principales tipos o formas de la excelencia humana o, para expresarlo de otra manera, las virtudes cuya práctica condiciona no solo la eudemonía de los particulares, sino la de la comunidad política”. (MÁYNEZ, Eduardo García, Doctrina Aristotélica de la Justicia: estudio selección e traducción de textos, 1ª Ed., [Ciudad de México]: Universidad Autónoma de México, 1973, p. 59).

[5] “Num sentido amplo, a justiça é o exercício de todas as virtudes referidas ao outro: é-lhe pois essencial a nota de alteridade.” (SERRA, António Truyol Y, Compêndio de História da Filosofia do Direito, Lisboa: Tipografia da Empresa Nacional de Publicidade, 1954, p. 30).  “La justicia, en el primero de los dos sentidos que Aristóteles distingue, es la realización, respecto de otro (πρòς έτερον), de cualquier conducta normativamente prescrita”. (MÁYNEZ, Eduardo García, op. cit., p. 64).

[6] Suma Teológica, IIa, IIae, q. 58.

[7]“A justiça poderia ser equiparada à própria bondade e nesses termos dizer que alguém é justo equivaleria a dizer que alguém é moralmente bom. Nesse sentido, a justiça era a virtude geral, ou a virtude por antonomásia. A esse uso da palavra, Aristóteles dava o nome de justiça geral. Analisada mais de perto, porém, a justiça seria apenas uma das virtudes morais. Nesse segundo sentido a justiça era virtude particular. E olhando-a como virtude particular, seria a virtude das igualdades, das relações de igualdade e do conhecimento, descoberta, definição e aplicação das regras de igualdade. Ora, a igualdade se estabelece tanto nas trocas quanto nas partilhas. A igualdade das trocas é aritmética, e a respectiva virtude se chamaria justiça retributiva. A igualdade das partilhas é proporcional (geométrica) e a respectiva virtude se chamaria justiça distributiva. Pode-se ser justo nas comutações ou nas distribuições”. (LOPES, José Reinaldo de Lima, op. cit., p. 205). Cf. EN 1130 a 35 – 1130 b 5.

[8] Cf. EN, 1130 a, 9-14. Neste sentido: “A justiça, como virtude completa, denominada justiça universal (iustitia universalis) por Santo Tomás de Aquino, significa, para Aristóteles, com vistas ao outro, a virtude perfeita, ainda mais reluzente do que a estrela vespertina e matutina. Consiste na atitude de cumprir voluntariamente tudo o que a lei e os costumes exigem. A justiça universal denota uma integridade abrangente. Dela fazem parte, e.g., também as obras de coragem e da prudência, a que Aristóteles, no entanto alude modestamente apenas, com interdições: a coragem proíbe o soldado de abandonar seu posto, a prudência proíbe cometer o adultério e tornar-se violento”. (HÖFFE, Otfried, O que é justiça?, Porto Alegre: EDIPUCRS, 2003, pp. 24-25 (tr. al. por Peter Naumann)).

[9] “Com efeito, a justiça existe apenas entre homens cujas relações mútuas são governadas por lei; e a lei existe para os homens entre os quais há injustiça, pois a justiça legal é a discriminação do justo e do injusto”. (EN, 1134 a 30). Tomás de Aquino escreve que “a lei é uma regra ou medida dos atos, pela qual somos levados à ação dela ou dela impedidos” (Suma Teológica: Ia IIae, q. 90, a. 1, c). Sobre Aristóteles, também neste sentido: “A identidade da justiça universal com a legal traz consigo, segundo Aristóteles, uma certa identidade da justiça universal com a virtude do caráter. […] Isso é assim porque a lei objetiva promover a felicidade dos cidadãos e a atividade virtuosa promove a felicidade. A lei exige as mesmas formas de conduta requeridas pelas virtudes do caráter. A identidade entre justiça universal, legal e virtude como um todo carrega consigo dois dos principais temas da filosofia moral e política de Aristóteles: a idéia moral segundo a qual o agir virtuoso promove a felicidade e a concepção política segundo a qual a comunidade política existe para promover a felicidade dos cidadãos.” (YOUNG, Charles M. A justiça em Aristóteles, in: KRAUT, Richard et al, Aristóteles: a Ética a Nicômaco, 1ª Ed., Porto Alegre: Artmed, 2009, p. 172 (Trad. ingl. por Alfredo Storck et al)).

[10] Neste sentido, António Tuyol y Serra leciona que “… em sentido estrito, [a justiça] é a aplicação e realização do princípio da igualdade como fundamento da coesão harmônica da vida social” (SERRA, António Truyol Y. op. cit., p. 30).

[11]Cf. OLIVEIRA, Andréa C. P. de. A virtude da justiça no pensamento aristotélico, 2009, 104 f., Dissertação – Centro de Humanidades, Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza, 2009, p. 51.

[12] “A primeira, a justiça distributiva, é a que regula as ações da sociedade política em relação ao cidadão e tem por objetivo a justa distribuição dos bens públicos, pautando-se pelo critério de igualdade proporcional.” (SILVEIRA, Denis Coitinho, Os Sentidos da Justiça em Aristóteles, 1ª ed., Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001, p. 75); “La [justicia] distributiva presupone, según la sumaria caracterización que de Ella hace El filósofo en El mismo pasaje: a) La existencia de lo repartible entre los miembros de la comunidad. b) La de la instancia encargada de hacer la repartición. c) La del criterio que, de ser observado, determinará la rectitud Del acto distributivo. (MÁYNEZ, Eduardo García. op. cit., p. 75).

[13] António Tuyol y Serra escreve, neste sentido, que a justiça corretiva ou sinalagmática olha mais às coisas que às pessoas. Aqui, avaliar-se-iam de modo impessoal a ganância e o dano ou, em outras palavras, as coisas e as ações em seu valor efetivo, de modo que a medida a aplicar-se é a da proporção aritmética. (Cf. SERRA, António Truyol Y, op. cit., 1954, p. 31); “La segunda especie de la iustitia particularis regula las relaciones interpersonales, y se llama rectificadora porque su fin consiste en rectificar o corregir lo que en tales relaciones debe ser, por contrario a la igualdad, rectificado o corregido.” (MÁYNEZ, Eduardo García, op. cit., p. 75).

[14] Note-se aqui que quando Aristóteles refere-se a “involuntárias” quer dizer involuntárias  a partir do ponto de vista da vítima: “Cuando Aristóteles llama ακούσια las relaciones de la segunda especie, en realidad se refiere AL aspecto pasivo de las mismas. E ello se explica así: el hurto, el envenenamiento, la mutilación, etc., son todos αδικήματα , es decir, actos injustos. Mas para ellos vale, según Aristóteles, el principio, varias veces enunciado por él, de que nadie sufre voluntariamente una injusticia. Sufrirla es, pues, para la víctima, involuntario siempre. Y es en la víctima, no en el autor del acto injusto, en quien el Estagirita piensa cuando alude a las relaciones del segundo grupo.” (MÁYNEZ, Eduardo García, op. cit., p. 78).

[15] EN, 1131 a, 1-9.

[16] Utilizamos aqui a expressão “aquele que cometeu o crime” para que se afaste toda a possível carga determinista que vem com o vocábulo criminoso. Neste sentido, convidamos o leitor à leitura de MACHADO, Maíra Rocha. A pessoa-objeto da intervenção penal: primeiras notas sobre a recepção da criminologia positivista no Brasil. Revista Direito GV, São Paulo, v.1, n. 1, pp. 79-90, maio de 2005. Este artigo encontra-se disponível online em: <http://direitogv.fgv.br/sites/direitogv.fgv.br/files/rdgv_01_p079_090.pdf>. Último acesso em 30.out.2013.

[17] “A outra justiça, ordenadora, regulamenta o intercâmbio. Enquanto justiça da troca (iustitia commutativa), ela tem competência para o intercâmbio voluntário, para as operações comerciais ou o direito civil, quer dizer, para as ocorrências como compra, venda, empréstimos e fiança. Mas, enquanto justiça compensatória ou corretiva (iustitia correctiva), ela regulamenta no direito penal o intercâmbio involuntário. O rol aristotélico de duas vezes sete delitos contém uma medida digna de menção pela validade intercultural. Pertencem à categoria de delitos “ocultos” o furto, o adultério, o envenenamento, o lenocínio, o aliciamento de escravos, o assassinato por traição e o falso testemunho; por outro lado, pertencem à categoria dos delitos “violentos” os maus-tratos, a privação da liberdade, o homicídio, o roubo, a mutilação, a difamação e o insulto. Ao passo que a justiça distributiva admite desigualdades, a igualdade domina na justiça ordenadora. Assim, não importa se um homem honrado rouba um homem mau, mas tão-somente que ele roubou e quão elevado foi o prejuízo. E o juiz compensa o dano por uma pena, à medida que ele retoma – conforme afirma Aristóteles – o “lucro” auferido do delito”. (HÖFFE, Otfried. O que é justiça?. Trad. al. por Peter Naumann. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2003, pp. 25-26); “A outra espécie de justiça particular, analisada por Aristóteles, é a justiça corretiva, que tem lugar dentro das transações sociais, tanto voluntárias como involuntárias. A justiça corretiva se apresenta sob uma forma diferente, pois a justiça distributiva tem como critério de justo a proporcionalidade e de injusto o que viola a proporcionalidade. O critério continua sendo o de igualdade, só que ela não segue a proporção geométrica, e sim a proporção aritmética, porque, por exemplo, pouco importa que tenha sido um homem de notoriedade a ser despojado de uma parte de seus bens ou um cidadão das mais baixas classes do povo, ou mesmo que tenha sido este a prejudicar aquele […] A lei, em tal caso, só tem em conta a diferença de delitos, considerando como iguais aos seus olhos aquele que comete a injustiça e aquele que a sofre, aquele que causou o dano e aquele que sofreu o dano, de modo que o juiz se esforça por restabelecer a igualdade alterada por essa injustiça. Com efeito, quando um homem foi ferido ou perdeu a vida e houve outro que o golpeou ou o matou, a ação de um e outro dividem-se, por assim dizer, em duas partes desiguais; e o juiz, através da multa ou da pena que inflige, procura, diminuindo a vantagem de uma das partes, restabelecer a igualdade entre elas. Sendo uma espécie de desigualdade a injustiça, o juiz tenta restabelecer a igualdade por meio da penalidade, tirando do ofensor o excesso de ganho. O igual é, então, o meio termo entre o maior e o menor, mas o ganho e a perda são respectivamente maiores e menores de modos contrários; maior parte de um bem e menor parte de um mal são um ganho, e o contrário é uma perda. Sendo assim, o meio termo entre eles é o igual, e isso se constitui no justo.” (SILVEIRA, Denis Coitinho, op. cit., pp. 78-79).

[18] GÜNTER, Klaus. Crítica da Pena I (2004), in: Revista Direito GV. São Paulo, v. 2, n 2, p. 187-204, jul.-dez. 2006.

[19] “Como nenhuma retribuição corresponde exatamente àquilo que deve compensar, ela cria uma nova injustiça e com isso a demanda por uma nova retribuição” (GÜNTER, Klaus. Crítica da Pena I (2004), in: op. cit., p. 191).

[20]Ibidem.

[21]Ibidem.

[22] “No entanto, um exame racional da pena precisa questionar se as sociedades modernas não poderiam pensar em nada melhor do que se render a meros costumes arraigados e confortáveis”. (GÜNTER, Klaus. Crítica da Pena I (2004), in: op. cit., p. 193).

[23] Cf. GÜNTER, Klaus. Crítica da Pena I (2004), in: op. cit.

[24] Neste sentido, as críticas apresentadas pelos autores brasileiros do direito penal costumam entender ao ressocialização como teoria que violaria o princípio do fato. Para Paulo de Souza Queiroz, por exemplo, este ideal ressocializador “viola o princípio do fato (direito penal do fato), visto que ao pretender privilegiar, em nome da periculosidade do infrator, o tratamento criminal, em detrimento do comportamento delituoso praticado, necessariamente conduzirá a soluções as mais díspares e injustas, porquanto, independentemente da danosidade ou gravidade do fato cometido, a pena ou a medida de segurança poderá ser mais longa para os ‘mais perigosos’ e mais curta para os ‘menos perigosos’ (direito penal do autor)”. (QUEIROZ, Paulo de Souza. Funções do Direito Penal. São Paulo: RT, p. 58). Fernando V. Anjos, neste sentido, leciona que “o próprio crime se torna, para esse ideal ressocializador, um mero pretexto para aplicar a pena para o delinqüente carente de ressocialização, pois, conforme já afirmado, o que realmente importa é a pessoa que cometeu o crime e não o crime em si”. (ANJOS, Fernando V., op. cit., p. 58).

[25] Um exemplo desse tipo de crítica pode ser encontrado em Fernando V. Anjos: “as bases do juízo de periculosidade são, ademais, muito imprecisas, e, conforme nossos atuais conhecimentos empíricos, carecemos de informação para pronunciar o referido diagnóstico (…)” (ANJOS, Fernando V., op. cit., pp. 55-56).


Informações Sobre o Autor

Rafael Parisi Abdouch

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Advogado e bacharel em direito pela Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas FGV Direito SP tendo sido intercambista para estudo de um semestre de Direito na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa


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