A concretização do direito de ação por danos morais nas relações de consumo: novos paradigmas sob a ótica da banalização do direito na ideologia social

Resumo: O desafio deste artigo é expor uma visão hermenêutica constitucional contemporânea da inversão de valores identificada na ideologia social em face do exercício de dois direitos (o direito de ação e o de reparação em face do dano moral), partindo da análise do crescente ajuizamento de lides na relação consumerista com fins puramente pecuniários, bem como as consequências da falta de uniformidade de fixação do quantum indenizatório. Para tanto, far-se-ão breves considerações a respeito da fundamentação do dano moral elevado à plataforma jurídica do fenômeno da constitucionalização do direito civil, explorando, numa interpretação conexa, o direito fundamental de ação e o direito de proteção ao consumidor sob a égide da CR/88. Além de proporcionar a discussão de um tema bastante atual e de grande importância para o estudo de toda a comunidade jurídica, o artigo trará reflexões inovadoras sobre o assunto tendentes para a necessidade de construção de uma nova cultura jurídica no âmbito social acerca do uso e concretização do direito de ação nas indenizações por dano moral.

Palavras-chave: dano moral; banalização, consumo; responsabilidade civil; direito de ação.

Sumário: 1. Introdução. 2. A constitucionalização do direito civil e o dano moral. 3. Dos alicerces constitucionais do direito de ação e do direito ao ressarcimento pelo dano moral nas relações de consumo: breves notas. 3.1 Direito de ação e acesso à justiça. 3.2 Do dano moral nas relações consumeiras. 4. Quantum indenizatório e a cultura da mercantilização do dano moral. 5. Dano moral e uso abusivo do direito de ação nas relações de consumo: uma inversão de valores. 6. Considerações finais.

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1 INTRODUÇÃO

O direito é dinâmico, é fato social, é esteira e reflexo da sociedade. E, como tal, está imerso no quotidiano da vida, viabilizando-a, defrontando-se a todo o momento com a evolução de fatores culturais, sociais, políticos e econômicos que demandam uma nova interpretação[1] das relações jurídicas no campo material e processual.

Diante do avanço tecnológico do cenário globalizado e da consequente aceleração do desenvolvimento econômico, as relações jurídicas de consumo ampliaram-se de forma excepcional. Entretanto, aliado ao progresso e à produção sucessiva de situações, multiplicou-se também a diversidade de problemas dentro das relações consumeiras, criando uma avalanche de processos judiciais acerca do assunto.

O fato das pessoas[2] reagirem em busca de reparação do dano sofrido, dirigindo-se ao Judiciário, revela, certamente, um amadurecimento quanto ao (re)conhecimento de direitos e conscientização por parte da sociedade. Muitos pleitos afiguram-se como éticos e justificáveis dentro da ideologia a ser alcançada pelo instituto do dano moral.[3] Porém, atualmente, o instrumento é alvo de críticas, já que “quase tudo” é usado como premissa para sustentar pedidos de indenização por dano moral a cifras astronômicas, ainda que não se veja, dentro da esfera do acontecimento, lesão alguma a bem jurídico. Em alguns casos, as pretensões dos consumidores chegam a extremos e revelam claramente a existência de fins mercantilistas, culminando por banalizar e vulgarizar o instituto na concepção social. Na verdade, diversas lides instauradas pugnando por danos morais evidenciam apenas meros transtornos e aborrecimentos corriqueiros, desprovidos de quaisquer fundamentos aptos ao ajuizamento de ação indenizatória por danos morais.

Fato é que as lides forenses envolvendo dano moral ocupam uma posição de destaque nos julgamentos dos tribunais. Nos últimos anos, registrou-se abissal[4] crescimento do número de ações, mas, nem sempre os pedidos são julgados procedentes. E, para tanto, justifica-se que são pretensões absurdas, alheias à razoabilidade e proporcionalidade aferidas no mundo fático.

Mas, as críticas não se destinam apenas à pretensão do autor. Apontam ainda para o fato que o Judiciário pretende, com o indeferimento das pretensões ou com a fixação de baixo valor pecuniário para reparação do dano moral, reduzir o número de ações. Entretanto, em alguns casos, é tão insignificante o valor deferido que algumas empresas preferem arcar com a obrigação de indenizar do que evitar a lesão, fato este que gera como consequência negativa um aumento ainda maior do número de ações judiciais.

Em face desta problemática, a realidade social apresenta-se em situação preocupante, emergindo a necessidade de analisar e compreender os fundamentos da responsabilidade civil por danos morais dentro da atual ordem jurídica-constitucional, como também aferir factualmente sobre o uso do direito do amplo acesso à justiça e da atuação do Poder Público no sentido de se criar uma nova cultura jurídica acerca do papel do dano moral na sociedade contemporânea.

2 A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL E O DANO MORAL

A Constituição de 1988 deixou para trás o retrato de mera carta política e inaugurou no ordenamento um status centralizador, em torno do qual todo o direito deve se pautar. Emergiu, então, um novo modelo de interesse a ser tutelado pelo ordenamento jurídico sob o viés constitucional: o dano moral, causador de uma verdadeira reviravolta no âmbito do direito civil.

Essa conquista manifestou-se, após um longo percurso histórico, como um dos frutos da chamada “Constitucionalização do Direito Civil”, que teve como nascedouro hermenêutico a imperatividade de observância dos preceitos e postulados da CR/88 em face da aplicação do direito positivado no caso concreto.

Em termos práticos, a técnica civilista consistente no exercício de “constitucionalizar o direito civil” significa elevar toda a interpretação do Código Civil e regramentos civis ao patamar e procedência constitucional, de forma que obedeça fielmente e a todo custo a cada enunciação normativa da CR/88. É ver o código e leis civis com os olhos da Constituição Federal e não o inverso. É a força da Constituição que deve imperar[5].

Ao estabelecer proteção aos danos morais, o texto constitucional prestigia a tutela da dignidade da pessoa humana – eixo axiológico de todo o ordenamento – dentro de um novo modelo jurídico de relações que eleva a pessoa humana ao centro de proteção. A hermenêutica a ser seguida passa a basear-se na condição ontológica da pessoa humana e não mais debruça-se sobre a ideia-eixo de natureza patrimonial.

Os anseios histórico-constitucionais no Brasil prosseguiram no sentido humanizar o direito. O exclusivo fato de “ser pessoa” é o fator que norteia o fundamento da tutela constitucional e não mais o fato de “ser proprietário”.

A nova ideologia jurídica veio primar pelo homem enquanto sujeito de direitos pelo simples e exclusivo fato de ser pessoa, rompendo com velhos paradigmas do mundo liberal. Antes disso, a pessoa humana era qualificada como sujeito de direitos sob o fundamento da propriedade privada, ligando-se a esta. Ou seja, moldando este raciocínio à ideologia capitalista é possível dizer que seria a propriedade a característica definidora do real sujeito de direitos, vigorando a lógica: se proprietário, será também sujeito de direitos. Assim, a partir da promulgação da CR/88, a ordem jurídica fora profundamente alterada. A pessoa humana passou a ocupar o vértice do ordenamento, deslocou-se para o centro de gravidade das relações privadas. Como fundamento de validade das demais normas, a CR/88 trouxe determinações imperativas acerca de um conjunto amplo de direitos e garantias fundamentais, buscando proteger a dignidade da pessoa humana e todos os bens jurídicos ligados a ela, ainda que inseridos no campo do sentimento íntimo dos indivíduos, como é o caso do dano exclusivamente moral.

Antes da CR/88, pairava no mundo jurídico a dúvida se o dano exclusivamente moral deveria ou não ser indenizado e de que maneira poderia ser quantificado financeiramente. Enquanto isso, as vítimas ficavam impedidas de pleitear reparação por danos morais. A doutrina nacional majoritária, adepta do direito comparado, defendia essa possibilidade, ao passo que, o Supremo Tribunal Federal negava a sua concessão. (VENOSA, 2009, p.01)

Em época ainda bastante recente, os danos suscetíveis de reparação ainda consistiam basicamente nos patrimoniais e individuais. Mas, “a necessidade sentida pela sociedade de não deixar dano nenhum sem reparação é que mudou as coisas”. Num primeiro momento, surgiu um avassalador movimento em prol da reparação dos danos extrapatrimoniais ou morais. Em segundo lugar, levou ao reconhecimento da necessidade de tutelar também os danos transindividuais – também chamados de supraindividuais ou metaindividuais-, resultantes da violação de interesses difusos e coletivos, definidos pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei n° 8.078/90), art. 81, parágrafo único, incs. I e II e que dizem respeito a bens do interesse da generalidade das pessoas integrantes de uma comunidade. (NORONHA, 1998, p. 07)

Essa controvérsia então se resolveu no momento em que a CR/88 trouxe uma verdadeira inovação no que tange à obrigação civil de indenizar ao prever[6], de forma expressa, a possibilidade de se obter reparação por dano sofrido em razão de detrimento e ofensa a bens jurídicos ligados ao campo da abstração humana: o chamado dano moral. E, posteriormente, da mesma maneira, o Código Civil de 2002[7] também passou a disciplinar que a conduta de lesar alguém moralmente impõe o dever de indenizar.

Contudo, o legislador não se ocupou de definir o dano moral, ficando esta tarefa para a doutrina e jurisprudência. Afirma Sérgio Cavalieri Filho (2008, p.79) que a questão agora “não é mais a de saber se ele é ou não indenizável, nem, ainda, se pode ou não ser cumulado com o dano material, mas, sim, o que venha a ser o próprio dano moral”.

Entende a jurisprudência que o dano moral engloba qualquer sofrimento humano não causado por perda pecuniária:

“INDENIZAÇÃO – SEGURO DE VEÍCULO – PERDA TOTAL – AUSÊNCIA DE TRANSFERÊNCIA DO VEÍCULO PARA A SEGURADORA NO PRAZO LEGAL – DANOS MORAIS – INOCORRÊNCIA.

– Dano moral é "qualquer sofrimento humano que não é causado por uma perda pecuniária", e "abrange todo atentado à reputação da vítima, à sua autoridade legítima, ao seu pudor, à sua segurança e tranqüilidade, ao seu amor-próprio estético, à integridade de sua inteligência, a suas afeições etc.".

– Não é qualquer dissabor, mágoa ou aborrecimento que configura o dano moral passível de indenização, mas apenas aquilo que priva o indivíduo de um bem jurídico objetivamente relevante, interferindo intensamente no seu comportamento psíquico.” (TJMG. A.C. nº 2.0000.00.440693-5/000(1). Rel.: Des. Osmando Almeida. Julg.15/03/2005. Public.: 09/04/2005).

Sérgio Cavalieri Filho (2008, p.83/84) traz as seguintes considerações:

“[…] só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia-a-dia, no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo. Se assim não se entender, acabaremos por banalizar o dano moral, ensejando ações judiciais em busca de indenizações pelos mais triviais aborrecimentos. Dor, vexame, sofrimento e humilhação são consequência, e não causa.”

Na lição de Venosa (2009, p.01), “dano moral consiste em lesão ao patrimônio psíquico ou ideal da pessoa, à sua dignidade, enfim, que se traduz nos modernos direitos da personalidade.”

Por fim, Inocêncio Galvão Telles[8] enfatiza:

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“Dano moral se trata de prejuízos que não atingem em si o patrimônio, não o fazendo diminuir nem frustrando o seu acréscimo. O patrimônio não é afetado: nem passa a valer menos nem deixa de valer mais". "Há a ofensa de bens de caráter imaterial – desprovidos de conteúdo econômico, insusceptíveis verdadeiramente de avaliação em dinheiro. São bens como a integridade física, a saúde, a correção estética, a liberdade, a reputação. A ofensa objetiva desses bens tem, em regra, um reflexo subjetivo na vítima, traduzido na dor ou sofrimento, de natureza física ou de natureza moral". "Violam-se direitos ou interesses materiais, como se se pratica uma lesão corporal ou um atentado à honra: em primeira linha causam-se danos não patrimoniais, v.g., os ferimentos ou a diminuição da reputação, mas em segunda linha podem também causar-se danos patrimoniais, v.g., as despesas de tratamento ou a perda de emprego.” (Direito das Obrigações, Coimbra Editora, 6ª edição, p. 375).

Com essas considerações preliminares, ainda é necessário entender que, inicialmente, a ideia de dano moral era estendida somente a pessoas naturais. Contudo, a evolução do pensamento jurídico alcançou também a pessoa jurídica[9]. A própria jurisprudência passou a admitir o dano moral em favor da pessoa jurídica, por extensão do conceito às pessoas naturais que dela participam. (VENOSA, 2009, p.01)

Embora pareça simples à primeira vista, saliente-se que o objetivo do ressarcimento pecuniário do dano moral não é gerar riqueza. Também, não pode o magistrado, no raciocínio de sua sentença, impor uma indenização em nível econômico insuportável para o ofensor, nem insignificante demais para o ofendido, pois o dano moral se assenta em duas finalidades básicas, quais sejam punitiva e compensatória, conforme ensina Caio Mário da Silva Pereira (1992, p.95):

“Quando se fala em dano moral o fulcro do conceito ressarcitório acha-se alocado para a convergência de duas forças: caráter punitivo para que o causador do dano, pelo fato da condenação, se veja castigado pela ofensa que praticou; e o caráter compensatório para a vítima, que receberá uma soma que lhe proporcione prazeres como contrapartida do mal sofrido”.

 

Feitas estas considerações preliminares sobre o dano moral, será abordado a seguir o direito de ação, assegurado constitucionalmente.

3 DOS ALICERCES CONSTITUCIONAIS DO DIREITO DE AÇÃO E DO DIREITO AO RESSARCIMENTO PELO DANO MORAL NAS RELAÇÕES DE CONSUMO: BREVES NOTAS

3.1 Direito de ação e acesso à justiça

A ordem constitucional de 1988 consagrou o Brasil como um Estado Democrático de Direito, exigindo do jurista uma interpretação abalizada no direito constitucional contemporâneo e nas técnicas hermenêuticas processuais adequáveis à norma constitucional.

O direito de ação é um instrumento do Estado Democrático constitucionalizado. Através dele invoca-se a tutela jurisdicional para que o Estado decida acerca da existência ou não de um direito reclamado:

“Tutela jurisdicional é o amparo que, por obra dos juízes, o Estado ministra a quem tem razão num processo. Tutela é ajuda, proteção. É jurisdicional a proteção outorgada mediante o exercício da jurisdição, para que o sujeito beneficiado por ela obtenha na realidade da vida e das relações com as coisas ou com outras pessoas, uma situação mais favorável do que aquela em que antes se encontrava. Sabido que o escopo magno do processo civil é a pacificação de pessoas e eliminação de conflitos segundo critérios de justiça, consistindo nisso a função estatal a que tradicionalmente se chama jurisdição, segue-se que compete aos órgãos jurisdicionais outorgar essa proteção àquele cuja pretensão seja merecedora dela”. (DINAMARCO, 2001, p.104)

Deste modo, o processo é via que concretiza direitos fundamentais. Pode-se dizer melhor: “O direito sem processo não poderia alcançar sua finalidade; numa palavra, não seria direito. Sem o processo, pois, o direito não poderia alcançar seus fins; mas o processo também não os poderia alcançar sem o direito. A relação entre os dois termos é circular”. (CARNELUTTI apud CICCO, 2006, p.01)

A Carta Magna previu o direito de acesso à justiça para a defesa de direitos individuais violados em seu artigo 5º, inciso XXXV, ao determinar: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;”. (BRASIL, 2010) Logo, estabelece-se como garantia constitucional o direito de ter dirimido, mediante a atuação do Poder Judiciário, um litígio do qual faça parte. Deste modo, a efetividade do direito da defesa do consumidor em face de um dano moral ocorrerá, por diversas vezes[10], através do acesso ao Poder Judiciário, obrigando o ofensor a reparar o dano.

O exercício do direito de ação constitui base essencial de concretização do direito. Se o consumidor não consegue resolver um problema com o fornecedor, poderá ele, se tiver lesado um direito seu, buscar o provimento jurisdicional através do processo a fim de pleitear uma restituição que permita o retorno ao status quo ante e, se impossível esta hipótese, poderá exigir que lhe seja arbitrado uma indenização correspondente, conforme preceitua o art.2° do CPC: “Nenhum juiz prestará a tutela jurisdicional senão quando a parte ou o interessado a requerer, nos casos e forma legais.” (BRASIL, 2010).

Ainda, três importantes dispositivos normativos do CDC protegem o consumidor quanto ao exercício do direito de ação, reconhecendo sua vulnerabilidade, no intuito de facilitar o ingresso da ação e tornar efetivos os direitos fundamentais. Primeiro, diferentemente do que ocorre no processo civil, no qual a ação, em regra, deve ser movida no domicílio do réu, o Código de Defesa do Consumidor determinou que a ação a ação pode ser proposta no domicílio do autor[11]. Segundo, é a inversão do ônus da prova[12] em favor do consumidor. E, terceiro, é a possibilidade do consumidor ingressar com a ação no Juizado Especial Cível, nas causas cujo valor seja inferior a quarenta salários mínimos, ou se maior, caso renuncie ao valor excedente, e sendo, ainda desnecessária a contratação de advogado nas causas com valor inferior a 20 salários mínimos neste mesmo órgão.

3.2 Do dano moral nas relações consumeiras

A proteção ao consumidor, enquanto classe mais vulnerável no mercado do consumo, foi erigida ao status de direito fundamental do indivíduo na Constituição da República de 1988, com vistas ao desenvolvimento do país e à proteção da dignidade humana nas relações de consumo[13]. Desse modo, à aplicação da tutela consumerista também se aplica o exercício de interpretá-la aos moldes da Constituição, constitucionalizando-a, pois sobre as relações de consumo, assim como em todo o direito, incide a observância obrigatória dos princípios e enunciados constitucionais, envolvendo uma análise mais abrangente das repercussões geradas entre os sujeitos.

Destaque-se, mais uma vez, que o expressivo número de ações judiciais pleiteando danos morais nas relações de consumo reflete uma manifestação da conscientização popular, bem como um amadurecimento da sociedade quanto à necessidade de ver satisfeitos os seus direitos. Obviamente, tudo isso só pode ser alcançável através do exercício interpretativo da constitucionalização do direito civil.

O próprio Código de Defesa ao Consumidor prescreve como direitos básicos do consumidor a proteção vida, saúde e segurança, bem como à efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos e o acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção Jurídica, administrativa e técnica aos necessitados[14].

Quer-se, assim, demonstrar que o direito consumerista é de importância universal e um dos temas mais complexos nesta seara é a aplicação da justiça no que tange à reparação do dano moral. Assim, também na esfera consumerista, o dano moral está intimamente ligado à esfera extrapatrimonial de bens da pessoa que foi lesionada na qualidade de consumidora, contanto que suficientemente atinja a sua dignidade enquanto pessoa.

A criação do Código do Consumidor é uma emanação direta da Constituição República: “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;” (art. 5º, inciso XXXII, CF/88) e consagra normas de ordem pública e interesse social[15].

Em razão da situação da vulnerabilidade do consumidor em face do fornecedor, o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) inseriu no ordenamento normas de natureza processual, com o objetivo de possibilitar o exercício do direito de ação e acesso à Justiça em defesa de seus direitos.

A jurisprudência do TJMG afirma que o conceito de direitos básicos do consumidor abrange o conjunto de preceitos que tutelam os interesses de toda a pessoa, física ou jurídica, que adquire ou utiliza produtos ou serviços na condição de destinatário final, no plano material e instrumental[16].

Segundo Humberto Theodoro Júnior (1997, p.16), “não há dúvida de que, nas relações de consumo, o fornecedor responde pelos danos materiais como morais acarretados ao consumidor (artigo 6°, inciso I do CDC).”

Mas, para a configuração do dano moral é necessária a existência de prova minuciosa de ofensa à moral da vítima, bem como as suas consequências no âmbito da vida pessoal do indivíduo, em especial aquele que ocasione sofrimento humano, conforme revela o entendimento jurisprudencial:

“INDENIZATÓRIA. DO DANO MORAL. MERO ABORRECIMENTO. IMPROCEDÊNCIA. O inadimplemento de obrigação contratual, por si só, não acarreta dano moral, o qual pressupõe ofensa anormal à personalidade. Meros aborrecimentos, chateações, desacertos comerciais não configuram dano de cunho moral, sendo indevido o pagamento de indenização a tal título decorrente de tais fatos. A indenização de cunho material somente é devida caso haja a comprovação do prejuízo causado pelo agente. Aborrecimentos e chateações não configuram dano de cunho moral, sendo indevido o pagamento de indenização a tal título decorrente de tais fatos. Para que se possa falar em indenização por dano moral, é preciso que a pessoa seja atingida em sua honra, sua reputação, sua personalidade, seu sentimento de dignidade, se sujeitando a dor, humilhação, constrangimentos, isto é, tenha os seus sentimentos violados. Simples aborrecimentos e chateações não podem ensejar indenização por danos morais. A dor moral, que decorre da ofensa aos direitos da personalidade, apesar de ser deveras subjetiva, deve ser diferenciada do mero aborrecimento, a qual todos estamos sujeitos e que pode acarretar, no máximo, a reparação por danos materiais, sob pena de ampliarmos excessivamente a abrangência do dano moral, a ponto de desmerecermos o instituto do valor e da atenção devidos. O inadimplemento contratual implica a obrigação de indenizar os danos patrimoniais; não, danos morais, cujo reconhecimento implica mais do que os dissabores de um negócio frustrado. Recurso não provido.” (TJMG. AC nº: 0129884-52.2010.8.13.0145. Rel: Cabral da Silva. Julgado em: 07/12/2010. Publicado em: 14/01/2011)

Na prática, outra questão bastante tormentosa no assunto em tela é a fixação do valor pecuniário. A Constituição Federal não estabeleceu limites sob este aspecto, existindo um vácuo legislativo a este respeito. Para se chegar a uma determinação justa, o trabalho de mensuração ficou a cargo da jurisprudência, mediante ato subjetivo:

No que se refere ao quantum da indenização, é cediço que o seu arbitramento é subjetivo, mas há de levar em conta as circunstâncias particulares de cada caso.

O montante da reparação deve ser razoavelmente expressivo para satisfazer ou compensar o dano e a injustiça que a vítima sofreu, proporcionando-lhe uma vantagem, com a qual poderá atenuar parcialmente seu sofrimento.

Não obstante, a condenação tem um componente punitivo e pedagógico, refletindo, no patrimônio do ofensor, como um fator de desestímulo à prática de novas ofensas.

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Examinando a questão, o insigne professor Caio Mário da Silva Pereira proclama:

"Na determinação do prejuízo de afeição cumpre ter em vista o limite do razoável, a fim de que não se enverede pelo rumo das pretensões absurdas [haja vista que] na ausência de um padrão ou uma contraprestação que dê o correspectivo da mágoa, o que prevalece é o critério de atribuir ao juiz o arbitramento de uma indenização." (Responsabilidade Civil, Rio de Janeiro, Forense, p. 317/318).

É imprescindível que se faça um juízo de valoração da gravidade do dano, dentro das circunstâncias do caso concreto, de modo que não se arbitre uma indenização exorbitante nem insignificante, mas dentro de limites razoáveis, jamais podendo converter-se em fonte de enriquecimento sem causa.” (TJMG. A.C.nº 1.0024.08.238288-8/001(1). Rel: Des. Tibúrcio Marques. Julg. 30/09/2010. Public.: 21/10/2010)

 À quantificação do valor a ser ressarcido em face do dano moral provocado relacionam-se dois princípios básicos de interpretação: razoabilidade e proporcionalidade. Um mero aborrecimento[17], dissabor, mágoa ou irritação do cotidiano não é capaz de configurar dano moral, pois o deve ser claro e efetivo. Em caso de restar configurada a existência do dano moral no caso concreto, “o valor deve ser proporcional à dor causada, não podendo de maneira nenhuma gerar enriquecimento ilícito, o que é expressamente vedado pelo ordenamento jurídico brasileiro.” (SANTOS, 2011, p. 01)

Nesse aspecto, é importante a compreensão de que o valor atribuído ao dano moral busca atingir uma dupla função: reparar o dano buscando minimizar a dor da vítima e punir o ofensor para que não volte a rescindir a conduta ofensiva. Humberto Theodoro Jr. (1997, p.17) afirma que como a dor não se mede monetariamente, a importância a ser paga terá que se submeter a “um poder discricionário”, mas segundo “um prudente arbítrio dos juízes na fixação do quantum da condenação”. Desta forma, conclui o autor que é necessário fazer uma rigorosa observância dos padrões adotados pela doutrina e jurisprudência, para evitar-se que as ações de dano moral se transformem em expedientes de extorsão ou de espertezas maliciosas e injustificáveis.

Gustavo Tepedino preleciona (2004, p.2-3):

Torna-se indispensável a busca de balizas que, fundadas no princípios e valores constitucionais, sirvam para unificar o sistema de responsabilidade, discriminando-se os chamados danos ressarcíveis e reconhecendo a irreparabilidade de inúmeros danos do cotidiano. Em segundo lugar, por mais louvável que seja a ampliação do dever de reparar, protegendo-se as vítimas de uma sociedade cada vez mais sujeita a riscos – decorrentes das novas tecnologias, dos bancos de dados pessoais, dos aparatos industriais, da engenharia genética, e assim por diante –, não se pode desnaturar a finalidade e os elementos da responsabilidade civil. O dever de reparar não há de ser admitido sem a presença do dano e do nexo de causalidade entre a atividade e evento danoso, tendo por escopo o ressarcimento da vítima.

E nem mesmo a caótica intervenção do Estado em áreas sociais críticas – como saúde, transporte, segurança pública – autoriza o super dimensionamento do dever de reparar para a promoção de justiça retributiva entre particulares. Tão grave quanto a ausência de reparação por um dano injusto mostra-se a imputação do dever de reparar sem a configuração de seus elementos essenciais, fazendo-se do agente uma nova vítima.

A indenização imposta sem a observância dos seus pressupostos representa, a médio prazo, o colapso do sistema, uma violência contra a atividade econômica e um estímulo ao locupletamento.”

4 QUANTUM INDENIZATÓRIO E A CULTURA DA MERCANTILIZAÇÃO DO DANO MORAL

Dois importantes desafios devem ser expostos neste trabalho a respeito dos pleitos por danos morais. O primeiro, direcionado ao Poder Judiciário, consiste na dificuldade de se aferir o que configura ou não dano moral e a sua quantificação. O segundo, direcionado à sociedade, consiste na difusão da ideologia social de que o dano moral poderia ser utilizado como instrumento de mercantilização.

Quanto ao primeiro, percebe-se que fixar o quantum a ser restituído à vítima em caso de danos materiais, em regra, não suscita dúvidas. Porém, o mesmo não ocorre quando se trata de dano moral. E, sob este aspecto o instituto enfrenta sérias polêmicas.

Aponta a jurisprudência que os critérios de valoração pecuniária do dano moral não são uniformes, cabendo ao magistrado defini-lo conforme cada caso concreto:

EMENTA: AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – AQUISIÇÃO DE PRODUTO VIA INTERNET – FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO – CONFIGURAÇÃO – DEVER DE INDENIZAR RECONHECIDO – DANO MORAL – QUANTUM INDENIZATÓRIO – CRITÉRIO – MODERAÇÃO. O fornecedor responde, independente da comprovação de culpa, pelos danos causados aos consumidores em razão dos defeitos relativos aos serviços prestados. O cancelamento prematuro do cadastro de consumidor pelo fornecedor de serviços que intermedeia transação de compra e venda via internet, bem como a ausência de devolução dos valores depositados por aquele, configura defeito na prestação do serviço, sendo devida a indenização por danos materiais e morais. À falta de critérios objetivos, deve o juiz agir com prudência ao fixar o quantum indenizatório, atendendo às peculiaridades do caso sob julgamento e à repercussão econômica da indenização, de modo que o valor não deve ser nem tão grande que se converta em fonte de enriquecimento, nem tão pequeno que se torne inexpressivo.

(…)Sendo assim, é necessário estabelecer parâmetros objetivos ao arbitramento do valor da indenização, tais como, as circunstâncias do caso concreto, o grau da culpa do agente, sua condição econômica e a extensão do prejuízo suportado pelo ofendido. Ademais, não se deve esquecer que a indenização consiste, ao mesmo tempo, em uma reprimenda pelo ato ilícito do ofensor e uma compensação pelo sofrimento do ofendido. Tendo, portanto, caráter pedagógico e reparatório.” (TJMG. AC n° 1.0024.06.199230-1/001. Rel: Des.(a) Viçoso Rodrigues. Julg: 04/09/2007. Public.: 15/09/2007)

Como resultado, muitas das sentenças revelam discrepância de atribuição aos valores indenizatórios, fixando indenizações maiores para danos morais menores, como denotam os exemplos abaixo:

A dor de uma advogada que teve seu nome relacionado ao da ex-garota de programa Bruna Surfistinha no Google vale muito mais que a dos pais que perderam a filha de três anos assassinada durante uma briga familiar. A conclusão pode ser tirada da etiqueta de preço colocada pela primeira instância nos dois processos de indenização por danos morais.

Enquanto a advogada conseguiu uma indenização de R$ 4,3 milhões, a quantia fixada para os pais da menina foi de R$ 30 mil. A falta de parâmetros em processos de danos morais dá margem à subjetividade dos juízes de primeira instância na hora de arbitrar indenizações e as discrepâncias correm soltas em casos concretos semelhantes.

O valor do sofrimento de uma mãe que teve sua filha assassinada por outra criança no Rio Grande do Sul foi fixado em R$ 20 mil na primeira instância. Os pais da criança que atirou foram condenados a indenizar porque, segundo os juízes, foram negligentes ao deixar a arma ao alcance da criança. Os pais da vítima recorreram ao Tribunal de Justiça gaúcho. O valor foi aumentado apenas em R$ 10 mil. Passou de R$ 20 mil para R$ 30 mil.

Em outro caso, a Justiça entendeu que difamar uma namorada por e-mail custa R$ 30 mil. O ex-namorado da moça foi condenado por enviar mensagens eletrônicas afirmando que a ex era “garota de programa”. A ex-namorada ajuizou ação na Comarca de Porto Alegre. Alegou que recebeu diversas ligações telefônicas de pessoas que queriam contratá-la para programas sexuais.

Valor muito mais alto foi dado a uma cliente do Itaú confundida com uma ladra de banco. A juíza Lucilia Ferreira Lammertz, da 33ª Vara Cível do Rio de Janeiro, avaliou o abalo em R$ 200 mil. Para a juíza, é preciso ter mais respeito à honra alheia.

Já a família da servidora Sebastiana Monteiro dos Santos, que morreu em conseqüência de erro médico num hospital público do Distrito Federal, deve receber apenas R$ 40 mil do estado. Isso se não recorrer às instâncias superiores para aumentar o valor. A servidora morreu depois que um auxiliar de enfermagem, em vez de aplicar 0,3 mililitros de adrenalina por via subcutânea, injetou 3 mililitros de remédio na veia da paciente. Detalhe: a servidora deu entrada no hospital reclamando somente de coceira no pescoço.

A dor de um advogado ferido numa corrida de kart foi mais valorizada na 1ª Vara Cível de Belo Horizonte. A primeira instância condenou a empresa a indenizar o advogado em R$ 41.281,88. A empresa foi considerada negligente e culpada pelo acidente que provocou graves ferimentos. Segundo os juízes, a empresa não orientou a forma como o kart deveria ser conduzido”. (PINHO; MILÍCIO, 2007, p.01)

Além disso, muitas das vezes, os valores fixados representam quantias ainda muito tímidas perante o poderio econômico das empresas, fazendo com que estas continuem a lesar os consumidores. Sob este aspecto, alguns estudiosos entendem necessário proceder a uma mudança de foco na responsabilidade civil pátria, de modo a deixar de analisar tão somente a figura da vítima e passar a ter olhos também para a conduta do agressor, alcançando um juízo mais abrangente. Ou seja, “a adoção do valor de desestímulo sobre a indenização imposta possibilita a conscientização do ofensor de que aquela conduta perpetrada é reprovada pelo ordenamento jurídico, de tal sorte que não volte a reincidir no ilícito”. E, deste modo, através da adoção desestimuladora seria possível estabelecer na prática não somente a função reparatória/compensatória, mas também a desestimuladora/preventiva, coibindo o ofensor a não mais repetir o ato ilícito. (OLIVEIRA, 2012, p.01)

Quando ao segundo, mais modernamente, percebe-se que, na ideologia social, é prática comum a existência de pedidos sem quaisquer embasamentos legais e, ainda, englobando somas pecuniárias[18] absurdas, ficando explícita a manifestação da tentativa de utilizar-se do dano moral como instrumento de mercantilização:

Hoje, praticamente quase tudo pode ser causa de dano moral: é o anúncio publicado em página diversa daquela que deveria ser; é a perda do embarque do passageiro por troca de terminal 30 minutos antes da hora do seu embarque; é a latinha de cerveja ou de refrigerante que contém uma quantidade inferior à indicada em sua embalagem; é o caso de inadimplentes com instituições que tiveram seus nomes negativados perante os órgãos de proteção ao crédito, sentindo-se ofendido pelo lançamento de seus nomes no rol de inadimplentes. Tais situações, feitas apenas a título de exemplo, espelham muito bem como é "visto" o dano moral no sistema jurídico do país.

Infelizmente, o Poder Judiciário tem utilizado de forma instigada a aplicação do dano moral para todo e qualquer fato, o que inexoravelmente vem causando verdadeira banalização desse instituto. Embora o termo seja pesado o fato é que a aplicação de forma reiterada tem trazido, sobretudo às empresas verdadeiros prejuízos. Esse ato de condenar por condenar, tornou-se, em muitos casos, verdadeira prática de comércio.

Portanto, é bom frisar que se a intenção do legislador era a de reparar de alguma forma a ofensa ou mácula causada no íntimo ou psique do ofendido, atualmente, com a aplicação inveterada desse instituto acabou gerando um certo oportunismo corroborando a ideia de existir hoje uma verdadeira indústria do dano moral.” (GALVANI, 2009, p.01)

O ético descaracteriza-se enquanto reparação de natureza moral para se traduzir em ressarcimento material. Em outras palavras, “o dano moral é significativo não para reparar a ofensa à honra e a outros valores éticos, sim para acrescer alguns trocados ao patrimônio do felizardo que foi moralmente (?) enxovalhado”. Torna-se necessário refletir sobre que relação traduzível em dinheiro existe entre a ofensa e as pessoas do ofensor e ofendido. No mundo capitalista, até a honra tem um valor de mercado. (PASSOS, p. 01, 2002)

Pode-se concluir que os dois problemas acima expostos desvirtuam a real finalidade do instituto do dano moral.

É inteiramente pertinente a afirmação do Desembargador Décio Antônio Erpen (apud Perin, 2002, p.11)

Sem uma definição científica do que seja, realmente, o dano moral, sem uma norma estabelecendo as áreas de abrangência e, sem parâmetros legais para a sua quantificação, permite-se o perigoso e imprevisível subjetivismo do pleito, colocando o juiz numa posição de desconforto. Ele que deve ser o executivo da norma, passou a personalizá-la.

A prevalecer o instituto sem critérios legais definidos, os profissionais, em especial os prestadores de serviço, exercerão seu mister com sobressalto; os produtores não resistirão às indenizações de valores imprevisíveis. Sequer as seguradoras assumirão a cobertura ante a ausência de um referencial para a elaboração dos cálculos. Enfim, toda a sociedade estará submetida ao subjetivismo, o que conspira contra um valor supremo do direito, a segurança jurídica.

A corrente belicosa, se vitoriosa, gerará uma sociedade intolerante, na qual se promoverá o ódio, a rivalidade, a busca de vantagens sobre outrem ou até a exaltação ao narcisismo. A promissora indústria do dano levará a esse triste quadro.(..)”

Para uns, além da discrepância na atribuição dos valores por parte dos juízes, na prática, há predominância de fixação de indenização em valores muito baixos e, em alguns casos, até mesmo “mesquinho”, considerando o porte da empresa e a intensidade do dolo corporativo. Por outra via, atualmente, fala-se muito em massificação do dano moral. Ou seja, o entendimento é que “se a Justiça começar a conceder indenizações elevadas, a demanda vai aumentar porque as pessoas vão querer buscar valores milionários, deixando o Judiciário ainda mais afogado.” (AMARANTE, 2008, p.01)

5 DANO MORAL E USO ABUSIVO DO DIREITO DE AÇÃO NAS RELAÇÕES DE CONSUMO: UMA INVERSÃO DE VALORES

Como já apontado, no ordenamento jurídico pátrio, o direito de ação e o direito de reparação em face do dano moral são constitucionalmente garantidos, e, através destes, todos que se sentiram lesionados estão autorizados a buscar a tutela jurisdicional. Contudo, muito embora se trate de garantias constitucionais ínsitas ao Estado Democrático de Direito da ordem de 1988, diversas pessoas se utilizam deles de maneira abusiva. E, embora à primeira vista talvez não seja possível notar, na verdade é toda a sociedade quem perde com isso:

O Direito é um sistema, não é racional-dedutivo, mas nutre-se com os casos e os conflitos que constituem sua razão de ser.

A análise de casos é enriquecedora e realista, mas pode levar ao caos social se a única perspectiva são os interesses dos indivíduos. É necessário conhecer quais os benefícios ou prejuízos que sofre a sociedade, que é o terceiro ausente no conflito bilateral, sendo imprescindível dispor de uma perspectiva sistemática”. (LORENZETTI, 1998, p.448)

Todas essas explanações conduzem à reflexão de que, apesar de toda a evolução do dano moral no ordenamento jurídico brasileiro, o seu futuro revela-se ainda incerto. Enquanto que, para se chegar ao reconhecimento do dano moral pela norma constitucional precisou-se despatrimonializar a forma de ver o humano, futuramente precisar-se-á descapitalizar a forma de ver o dano moral[19].

O abuso do exercício do direito de ação acaba congestionando o Judiciário e gerando demora na prestação jurisdicional. Com isso, geram-se gastos e desgastes psicológicos dos partícipes da lide, além de refletir diretamente no congestionamento processual nos tribunais, como bem pontuado na seguinte jurisprudência:

“Os Tribunais brasileiros, sobretudo os Tribunais Superiores, estão abarrotados de demandas retóricas, sem a menor perspectiva científica de sucesso. Essa prática é perversa, pois além de onerar sobremaneira o erário público – dinheiro que poderia ser empregado em prestações do Estado – torna todo o sistema brasileiro de justiça mais lento e por isso injusto. Não foi por outro motivo que a duração razoável do processo teve de ser guindado ao nível constitucional. Os advogados, públicos e privados, juntamente com os administradores e gestores, têm o dever de se guiar com ética material no processo. A ética formal já não mais atende aos preceitos constitucionais do devido, eficaz e célere processo legal. A construção de uma Justiça célebre eficaz e justa é um dever coletivo, comunitário e vinculante, de todos os operadores do processo. A legitimação para o processo impõe o ônus público da lealdade processual, lealdade que transcende em muito a simples ética formal, pois desafia uma atitude de dignidade e fidelidade material aos argumentos. O processo é um instrumento dialógico por excelência, o que não significa que possa admitir toda ordem de argumentação”. (TRT/3ª Reg., RO 0760/2008-112-03-00, 4ª T, Rel. Juiz Convocado José Eduardo de Resende Chaves Júnior, DJMG 21/2/2009)

Dessa maneira, tentar fazer do dano moral um instrumento de mercantilização somente servirá para banalizar a concepção social[20] do instituto que tanto demorou para ser reconhecido como tal pelo ordenamento jurídico. É preciso refletir seriamente sobre esta questão.

Conforme Schreiber (2009, p.191), às lesões a interesses não patrimoniais o ordenamento jurídico continua oferecendo como única resposta um remédio tradicional, de conteúdo patrimonial. O que se vê é uma inversão axiológica, através da qual invoca-se a dignidade da pessoa humana e interesses existenciais com vistas à obtenção de ganhos pecuniários. A isso, soma-se a consequência não do desenvolvimento social de ideologia reparatória, mas sim a inércia da comunidade jurídica ao oferecer como solução à vitima do dano o pagamento em dinheiro, estimulando sentimentos mercenários[21]. E ainda pior: manter um remédio exclusivamente pecuniário aos danos extrapatrimoniais, induz à ideia de que a lesão a interesses existenciais é a todos autorizada, desde que haja disposição em arcar com o preço correspondente.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sob o aspecto positivo, trata-se de uma constatação indiscutível a tese de que a responsabilização por danos morais representa o resultado de uma grande conquista no campo do direito, em especial quando se trata da defesa do consumidor. Após o reconhecimento do dano moral pela Constituição Federal, aliado à garantia do direito de ação, notadamente verificou-se um aumento considerável do número de ações judiciais versando sobre o instituto.

Entretanto, duas vias de reflexão evidenciam o paradigma moderno:

a) primeiro, as fixações dos valores indenizatórios nas sentenças judiciais ainda são muito tímidas perante o poderio econômico de diversas empresas e, por isso, muitas pessoas jurídicas continuarão agredindo diariamente o consumidor (banalização do quantum indenizatório). Daí, a importância de se criar uma jurisprudência firme acerca da efetiva caracterização e quantificação do dano moral, com parâmetros mais claros;

b) segundo, muitos consumidores demandam indenizações embasadas em interesses que fogem aos escopos do processo, buscando o “ganho” de valores exorbitantes (banalização da finalidade do instituto do dano moral). Neste caso, o abuso do exercício do direito de ação acaba congestionando o Judiciário e gerando demora na prestação jurisdicional à própria sociedade e às suas expensas, já que é esta quem mantém os serviços públicos, e, o abuso do uso do instituto do dano moral não concretiza a finalidade protetiva ao consumidor da maneira como visa resguardar.

E, ao final, além do enfraquecimento dos institutos ora considerados, o consumidor, parte mais fraca da relação, acaba prejudicado.

Levando-se em consideração o fato de que os acontecimentos sociais enquanto expressão da história humana constituem a chave mestra da eficácia e aplicabilidade dos direitos fundamentais, resulta a imperiosa reflexão em favor da efetividade do direito de ação e da necessidade de criação de uma nova cultura jurídica no âmbito das relações jurídicas consumeristas que versem sobre dano moral, conscientizando a todos que o uso de tais institutos deve se pautar em justiça e democracia, adequado ao atendimento das reais necessidades do meio social e apto a formar um Judiciário acessível a todos. Atentar contra isso, seria, em termos gerais, um grave retrocesso à proteção alcançada com a CR/88.

 

Referências bibliográficas
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Notas:
 
[1] Uma interessante parábola foi criada para narrar a história recente do direito da responsabilidade civil: um curso de água, alimentado por uma antiga fonte, atravessa um território e condiciona sua exploração econômica que, na origem, era fundamentalmente agrária. Quando se deu a passagem da economia agrícola de subsistência para um desenvolvimento industrial cada vez mais amplo, o fluxo d’água revelou-se insuficiente e os engenheiros tiveram que trabalhar, construindo diques e realizando todos os tipos de obras, para utilizar melhor e distribuir a escassa água disponível. De repente, o curso d’água aumenta de volume, com a confluência de pequenos riachos e a descoberta de novas fontes e, então, é preciso chamar de volta os engenheiros, agora, porém, para fazer as obras de contenção que permitam evitar perigosas inundações. (MORAES, 2006, p. 255)

[2] Dados do Superior Tribunal de Justiça mostram que, em cinco anos, o número de ações por danos morais que chegam por mês à Corte cresceu quase sete vezes: eram 145 ações em 2001 contra 974 este ano – até o início de julho de 2005, desaguaram no Tribunal 5.844 pedidos de indenização por danos morais. Quando são comparados os números atuais com os de 12 anos atrás, o crescimento é de quase 500 vezes. Em 1993, o STJ recebeu apenas 28 pedidos de indenização — ou 2 processos a cada 30 dias. Se o volume de processos numa corte superior é esse, o que dizer do número de ações que correm em primeira instância. Disponível em:< http://www.conjur.com.br/2005-jul-21/explode_volume_acoes_danos_morais_pais>. Acesso em: 23 fev. 2012.

[3] Das Práticas Abusivas: arts. 39 ao 41 do CDC.

[4] O número de ações por dano moral no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro subiu 3.607% entre 2005 e o ano passado (2010). Segundo levantamento feito a pedido do jornal Valor Econômico, o número saltou de 8.168 para 302.847 nos cinco anos, só no território fluminense. Até julho deste ano, o TJ do Rio já registrou 281.883 processos por dano moral. Isso acarretou diretamente num crescimento exponencial de recursos ao Superior Tribunal de Justiça nos últimos dez anos. Enquanto em 2000 foram 1.421 recursos, no ano passado foram 10.018 recursos autuados. Disponível em:< http://www.conjur.com.br/2011-ago-29/cresce-numero-acoes-danos-morais-tj-rio>. Acesso em: 23 fev. 2012.

[5] Quando a legislação civil for claramente incompatível com os princípios e regras constitucionais, deve ser considerada revogada, se anterior à Constituição, ou inconstitucional, se posterior à ela. Quando for possível o aproveitamento, observar-se-á a interpretação conforme a Constituição. Em nenhuma hipótese, deverá ser adotada a
disfarçada resistência conservadora, na conduta frequente de se ler a Constituição a partir do Código Civil. (LÔBO, 1999, p.109)

[6] CR/88 – Art.5º – V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; (BRASIL, 2010).

[7] CC/2: Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. (BRASIL, 2010).

[8] Trecho citado na apelação cível n° 1.0525.02.001943-2/001 do TJMG. Relator: Des.(a) Fabio Maia Viani. Julg.: 03/05/2007. Public.: 25/05/2007.

[9] Art. 52, CC/02: "Aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção aos direitos da personalidade".
Súmula 227, STJ: "A pessoa jurídica pode sofrer dano moral".
“De fato, quando se trata de pessoa jurídica, o tema da ofensa à honra propõe uma distinção inicial: a honra subjetiva, inerente à pessoa física, que está no psiquismo de cada um e pode ser ofendida com atos que atinjam a sua dignidade, respeito próprio, auto-estima, etc., causadores de dor, humilhação e vexame; e a honra objetiva, externa ao sujeito, que consiste no respeito, admiração, apreço, consideração que os outros dispensam à pessoa. Por isso se diz ser a injúria um ataque à honra subjetiva, à dignidade da pessoa, enquanto que a difamação é ofensa à reputação que o ofendido goza no âmbito social onde vive. De fato, a pessoa jurídica, criação da ordem legal, não tem capacidade de sentir emoções e dor, estando, por isso, desprovida da honra subjetiva. É passível, porém, de ataque à honra objetiva, pois goza de reputação junto a terceiros, a qual pode ficar abalada por atos que afetem seu bom nome no mundo civil ou comercial onde atua.
PIERRE KAYSER, em seu clássico trabalho sobre direitos de personalidade, observou:
"As pessoas morais são também investidas de direitos análogos aos direitos da personalidade. Elas são somente privadas dos direitos cuja existência está ligada necessariamente à personalidade humana" ("Revue Trimestrielle de Droit civil", 1971, v. 69, p. 445).
Este é também o entendimento da jurisprudência:
"A evolução do pensamento jurídico, no qual convergiram jurisprudência e doutrina, veio a afirmar, inclusive nesta corte onde o entendimento tem sido unânime, que a pessoa jurídica pode ser vítima também de danos morais, considerados esses como violadores da honra objetiva" (REsp 134993/MA, STJ, Rel. Min. Sálvio Figueiredo Teixeira, 4ª Turma, j. 03/02/1.998, publ. DJ 16/03/1.998, no mesmo sentido REsp 203755/MG, j. 27/04/1.999, publ. 21/06/1.999).
(…) Por fim, é de se ver que a Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso X, não exclui a pessoa jurídica como sujeito passivo do dano moral, posto que, quando diz que "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação", está, naturalmente, ao mencionar as "pessoas", se referindo às pessoas físicas e jurídicas.” (TJMG. AC nº: 2.0000.00.370105-7/000(1). Rel: Maurício Barros. Julgado em: 06/11/2002. Publicado em: 19/11/2002)

[10] Além da via judicial, existem ainda os PROCON’s, órgãos também responsáveis por resolverem as demandas provenientes da relação de consumo. “O Procon (Procuradoria de Defesa do Consumidor) é um órgão atua em todo Brasil em defesa do consumidor, que orienta os consumidores em suas reclamações, informa sobre seus direitos, e fiscaliza as relações de consumo. Ele funciona como um órgão auxiliar do Poder Judiciário, tentando solucionar previamente os conflitos entre o consumidor e a empresa que vende um produto ou presta um serviço, e quando não há acordo, encaminha o caso para o Juizado Especial Cível com jurisdição sobre o local. O Procon pode ser estadual ou municipal, e segundo o artigo 105 da Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), é parte integrante do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor. (…) O atendimento de consumidores no PROCON dispensa a presença de advogados.” Disponível em: <http://www.portaldacidadania.com.br/?page_id=92>. Acesso em:

[11] Art. 101 do CDC. Na ação de responsabilidade civil do fornecedor de produtos e serviços, sem prejuízo do disposto nos Capítulos I e II deste título, serão observadas as seguintes normas: I – a ação pode ser proposta no domicílio do autor;

[12] Art. 6º, VIII, do CDC- a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;

[13] Art. 170 da CR/88:. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (…)V – defesa do consumidor;

[14] Art. 6º do CDC: São direitos básicos do consumidor: I – a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos; II – a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações; III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem; IV – a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços; V – a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas; VI – a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos; VII – o acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção Jurídica, administrativa e técnica aos necessitados; VIII – a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências; IX – (Vetado); X – a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral.

[15] Art. 1° do CDC: O presente código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5°, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias. (Lei 8078/90 – Código de Defesa do Consumidor).

[16] Jurisprudência consultada em http://www.tjmg.jus.br.

[17] Sem dúvida um dos grandes desafios do direito é estabelecer a distinção entre o dano moral e o mero aborrecimento. Uma descortesia com o cliente ou um atraso aéreo, por exemplo, causariam abalo moral? Não há uma fórmula mágica que responda, de forma segura, a esse tipo de questão. A avaliação inevitavelmente passa pelo exame do caso concreto. E é aí que os problemas começam. (…)É impossível estabelecer distinção entre o dano moral e o mero aborrecimento por meio de súmulas ou leis para todas as situações práticas. É preciso que o Judiciário, nas suas diferentes esferas, esteja mais atento às agruras pelas quais passam os consumidores diuturnamente, que configuram dano moral, e estão ainda hoje sendo interpretadas como meros aborrecimentos. (ROLLO, 2009. p. 01)

[18] O dinheiro tem algumas funções básicas: instrumento de troca, padrão de valor, reserva de valor e meio de pagamento.
Essas funções não esgotam, nem explicam, o fascínio que o dinheiro exerce na imaginação coletiva da sociedade.
Para o Direito Positivo o dinheiro é uma norma jurídica. Dinheiro é norma jurídica que fixa uma unidade ideal, que quantifica relações de crédito e débito, como entende Nussbaum, e outros autores.
O dinheiro é um produto da criação humana, não existe na natureza, é tão pouco natural como a fala, como observou Aglieta, embora usemos o dinheiro como se ele sempre tivesse existido. Vivemos atrás do dinheiro, lutamos por dinheiro, litigamos por dinheiro nos tribunais do mundo. Mas, no fundo, o dinheiro é apenas um símbolo, algo que não tem vida própria, que simboliza outra coisa, que está no lugar de algo. Essa a função do símbolo: substituir o objeto representado.(Buitoni,1997,179 e seguintes)
Esse símbolo monetário, como existe hoje, vem do século XIX quando o Estado passa a emitir a moeda como monopólio, poder que antes se reconhecia a banqueiros, senhores feudais, ourives, monarcas, etc… O Estado moderno é o poder soberano que regula a emissão da moeda. O dinheiro passa a representar uma das facetas mais importantes do poder do Estado pois, através do controle do fluxo monetário, toda a economia do país pode ser regulada, políticas econômicas são fixadas, interferindo, diretamente, na vida dos cidadãos.
(…) Tudo passa a ser possível de ser quantificado em dinheiro, simbolicamente. O dinheiro vem assim substituir até valores morais, como pretendem alguns. Afinal, o que é o capitalismo senão o domínio hegemônico do dinheiro sobre todos os outros bens sociais?
O dinheiro já foi apontado como o símbolo da instituição e do pensamento moderno (Simmel,1987,548). Sem o dinheiro a modernidade não existiria. O dinheiro ajudou a superar a subjetividade da sociedade feudal, nos levou ao iluminismo, mas vem exagerando na sua função de monopolizar as relações sociais. Pela sua utilidade o dinheiro tornou-se a forma insubstituível de intermediação dos bens da sociedade. O que seria da sociedade atual sem o dinheiro? O velho Marx, já havia notado: “O dinheiro é a mercadoria geral, quanto mais não seja, por ser a forma geral que cada mercadoria particular assume ideal ou realmente.”(Marx,1983,241)
O Direito, consagrando e legalizando o uso do dinheiro, não pode se esquecer do seu simbolismo, de seu caráter ideal, que tem de ficar restrito a seu campo racional e lógico.
A idéia de justiça, de ética, de moral….não pode ser confundida, nem simbolizada pelo dinheiro, no desenvolvimento da vida jurídica. Há valores que não podem ser transformados em moeda, nem quantificados como tal. Os planos estético, ético e lógico são distintos na vida humana e devem ser tratados como campos normativos inconfundíveis e inconversíveis entre si. (…) BUITONI, 2006. p.03. Disponível em:<http://www2.oabsp.org.br/asp/esa/comunicacao/esa1.2.3.1.asp?id_ noticias=66>. Acesso em: 20 mar. 2012.

[19] “(…) cabe indagar-se o que faria se o iogurte viesse mofado, se o sinal da TV a cabo deixasse de ser recebido por alguns dias, se o vôo atrasasse ou a bagagem se extraviasse, se o alarme da loja soasse porque a vendedora se esqueceu de remover o dispositivo anti-furto, se o quarto do hotel não estivesse reservado como solicitado, se o noivo desistisse do casamento? Em todas essas hipóteses – e em muitíssimas outras do mesmo jaez – juízes brasileiros, examinando casos concretos, tiveram ocasião de mandar indenizar, em quantias por vezes exorbitantes, as vítimas de tais espécies de danos. Com razão, afirmou-se que “se ninguém quer ter a sua dignidade colocada em dúvida, então é preciso parar com esse truque de ir dormir ofendido para acordar milionário”.
Não há dúvida que a configuração atual do dano extrapatrimonial tem ensejado substancioso incentivo à malícia, à má-fé, ao lucro fácil. (MOARES, 2006, p.242)

[20] ‘(…) parafraseando meu guru Alexandre Morais da Rosa, é assim:
"Com a devida vênia, não existem os danos reclamados, sendo que por ser muito fácil ingressar em juízo, acabamos chegando a situações como a presente de absoluto abuso do exercício do direito de ação."
(…) "A questão que se apresenta, todavia, é se no Brasil de extrema exclusão social (ALVARENGA, Lúcia Barros Freitas de. Direitos humanos, Dignidade e Erradicação da pobreza: Uma dimensão hermenêutica para a realização constitucional. Brasília: Brasília Jurídica, 1998), em que os recursos e meios para garantia do acesso à justiça são escassos (AMARAL, Gustavo. Direito, Escassez & Escolha. Rio de Janeiro: Renovar, 2001), justifica-se a aceitação de toda e qualquer demanda posta em Juízo?
“A resposta, antecipa-se, é negativa. Basicamente por dois motivos:
“a) Primeiro há uma nova compreensão do sujeito contemporâneo, naquilo que Charles Melman (MELMAN, Charles. O Homem sem Gravidade: gozar a qualquer preço. Trad. Sandra Regina Felgueiras. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2003) denominou como "Nova Economia Psíquica", ou seja, desprovidos de referência gozar a qualquer preço passa a ser a palavra de ordem: "A decepção, hoje, é o dolo. Por uma singular inversão, o que se tornou virtual foi a realidade, a partir do momento em que é insatisfatória. O que fundava a realidade, sua marca, é que ela era insatisfatória e, então, sempre representativa da falta que a fundava como realidade. Essa falta é, doravante, relegada a puro acidente, a uma insuficiência momentânea, circunstancial, e é a imagem perfeita, outrora ideal, que se tornou realidade." (p. 37). E isto cobra um preço. Este preço reflete-se na nova maneira de satisfação de todas as vontades, principalmente com novas demandas judiciais. E o Poder Judiciário ao acolher esta reivindicação se põe à serviço do fomento perverso, sem que ocupe o lugar de limite. Passa a ser um gestor de acesso ao gozo. Se a realidade de exclusão causa insatisfação, se o outro olhou de maneira atravessada, não quis cuidar de mim, abandonou, coloca-se na condição de vítima e se reivindica reparação, muitas vezes moral. Sem custas, na lógica dos Juizados Especiais, a saber, sem pagar qualquer preço. Aliás, dano moral passou a ser band-aid para qualquer dissabor, frustração, da realidade, sem que a ferida seja cuidada. Pais que demandam indenização moral porque não podem ver os filhos, filhos que querem indenização moral porque os pais não os querem ver. Maridos e Mulheres que se separam e exigem dano moral pela destruição do sonho de felicidade. Demandas postas, acolhidas/rejeitadas, e trocadas por dinheiro, cuja função simbólica é sabida: pago para que não nos relacionemos. Enfim, o Poder Judiciário ocupa uma função reparatória, de conforto, como fala Melman: "O direito me parece, então, evoluir para o que seria agora, a mesmo título que a medicina dita de conforto, um direito 'de conforto'. Em outras palavras, se, doravante, para a medicina, trata-se de vir a reparar danos, por exemplo os devidos à idade ou ao sexo, trata-se, para o direito, de ser capaz de corrigir todas as insatisfações que podem encontrar expressão no nosso meio social. Aquele que é suscetível de experimentar uma insatisfação se vê ao mesmo tempo identificado com uma vítima, já que vai socialmente sofrer do que terá se tornado um prejuízo que o direito deveria – ou já teria devido –ser capaz de reparar." (p. 106). Para este sujeito que reivindica tudo histericamente é preciso dizer Não.
“ b) Segundo: pelos levantamentos do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, um processo custa, em média, mil reais. Sobre isto é preciso marcar alguma coisa. Por mais que discorde da base teórica lançada por Flávio Galdino (GALDINO, Flávio. Introdução à Teoria dos Custos dos Direitos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005), não se pode negar que o exercício do direito de demandar em Juízo "não nasce em árvore." O manejo de tal direito pressupõe um Poder Judiciário que dará movimentação ao pleito, com custos alarmantes e questões sociais sérias emperradas pela banalização do Direito de Ação. Nesta comarca de Itajaí, existem milhares de ações aguardando julgamento, para um número infinitamente insuficiente de Juízes.’ Em polêmica sentença, juiz de SC julga improcedente pedido de jogador que se sentiu ofendido em jogo virtual. Disponível em:< http://www.migalhas.com.br/mostra_noticia.aspx?cod=82966>. Acesso em: 20 mar.2012.

[21] O alargamento da noção de dano ressarcível, todavia, veio ocorrendo de maneira avassaladora. Com efeito, fala-se hoje em dano ao projeto de vida, dano por nascimento indesejado, dano hedonístico, dano de mobbing, dano de mass media, dano de férias arruinadas, dano de morte em agonia, dano de brincadeiras cruéis, dano de descumprimento dos deveres conjugais, dano por abandono afetivo e assim por diante.
(…)A preocupação com o significativo incremento de hipóteses de dano extrapatrimonial, situação cognominada como a “indústria do dano moral”, não parece injustificada. Somente no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, o número de ações com pedidos desta natureza aumentou quase 200 vezes nos últimos 10 anos. 29 E isto evidentemente nem se compara com o crescimento exponencial ocorrido nos Juizados Especiais e na primeira instância. Não foi apenas o volume dos pedidos a inflacionar; o número de concessões e o seu valor sem qualquer
critério têm gerado, como consequências previsíveis, de um lado, a banalização do dano moral e, de outro, a mercantilização das relações extrapatrimoniais. (MORAES, 2006, p. 241)


Informações Sobre os Autores

Suely Vidal José

Acadêmica de Direito pela Faculdade Dinâmica Vale do Piranga-FADIP

Iglesias Fernanda de Azevedo Rabelo

Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Viçosa; Mestra em Economia Doméstica pela Universidade Federal de Viçosa; advogada e Professora do Curso de Direito da Faculdade Dinâmica do Vale Piranga/MG


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