A Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente como leis que garantem a segurança e a dignidade da criança e do adolescente

Resumo: O presente trabalho tem por objetivo refletir acerca da Constituição Federal, da promulgação do Estado Democrático de Direito e das condições de igualdade entre os cidadãos. Pretende-se ressaltar a existência de previsões teóricas, como o Estatuto da Criança e do Adolescente, que foram inseridas no ordenamento jurídico brasileiro com a missão de ser garantias máximas de realização dos direitos e garantias da criança e do adolescente. È o nosso objetivo apontar se a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente garantem, ou não, às crianças e aos adolescentes os direitos mínimos básicos que foram previstos como fundamentais e indispensáveis para a dignidade da pessoa humana.  

Palavras-chave: Constituição Federal; Estatuto da Criança e do Adolescente; Realidade desigual; Violência Social; Dignidade da Pessoa Humana.

Abstract: This paper aims to reflect on the Federal Constitution, the promulgation of the Democratic State of Law and the conditions of equality among citizens. It is intended to emphasize the existence of theoretical predictions, such as the Statute of the Child and Adolescent, which were inserted in the Brazilian legal system with the mission of being maximum guarantees of realization of the rights and guarantees of children and adolescents. It is our objective to point out whether the Federal Constitution and the Statute of the Child and the Adolescent guarantee children or adolescents the minimum basic rights that were foreseen as fundamental and indispensable for the dignity of the human person.

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Sumário: 1. Introdução. 2. As garantias expressas na lei. 3. A negligência do estado e as consequências sociais. 4. Conclusão.

INTRODUÇÃO

O Brasil é hoje um Estado Democrático e Social de Direito, que tem como fundamento maior de todo o ordenamento jurídico, o principio da dignidade da pessoa humana. Esta garantia representa uma das premissas mais importantes promulgadas pela Constituição Federal de 1988.

Ao ser promulgada a Constituição de 1988 representou o fruto dos anseios de uma sociedade brasileira, marcada por anos de governo militar. Governo esse que oprimia e torturava. Em virtude disso a assembléia constituinte de 1988, influenciada pelo horizonte da democracia e da liberdade, prescreveu que todo cidadão tem o direito de receber a tutela do Estado, e é este que caberá a realização e efetivação de políticas públicas para todos os cidadãos.

Neste sentido, a criança e o adolescente passaram a receber, enfim, uma atenção especial. E o Brasil, no que diz respeito à promoção e defesa dos direitos da criança e do adolescente, ao criar o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, tornou-se o primeiro país da América Latina, e até um dos primeiros países do mundo, a legislar norma especial com a finalidade de proteger à criança e o adolescente.

No entanto, ocorre que, conforme comprovam os índices de desigualdade social e violência, muito mais que um problema apenas jurídico, a tutela e proteção da criança e do adolescente é também um problema político e social. Em razão disso, o presente trabalho pretende lançar reflexões sobre a aplicabilidade, ou não, das garantias e direitos reservados á criança e ao adolescente, e analisar os resultados e perspectivas futuras.

2. AS GARANTIAS EXPRESSAS NA LEI

È fato que o Brasil a partir do ano de 1988 inaugurou uma nova ordem jurídica, promulgando o que muitos chamam de a constituição cidadã por prever tantas garantias humanas no texto máximo. Dessa forma, também a criança e o adolescente passaram a receber uma atenção constitucional.

Dispõe o artigo 227, da Constituição Federal que:

“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

Nota-se que o legislador passou a considerar dever de todos a garantia de direitos sociais mínimos à criança e ao adolescente, aliás não poderia ser diferente. O detalhe é que a partir de 1988, com a promulgação do Estado Democrático de Direito, o legislador originário constituinte avocou para o Estado a obrigação, também conferidas à família e à sociedade.

No ano de 1990 o legislador infraconstitucional seguindo orientação da Convenção Internacional dos Direitos da Criança – aprovada pela Assembléia Geral da ONU em 20 de novembro de 1989 – em complementação ao artigo 227, da Constituição Federal, criou através da Lei 8.069/90 o ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente.

O ECA, na sua primeira parte, versa sobre os direitos fundamentais da criança e do adolescente, prescrevendo no artigo 3º que a criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo obrigação do Estado assegurar facilidades e oportunidades para que toda criança e adolescente tenham desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

É interessante destacar que a legislação especial – o ECA -, preocupou-se em reforçar a necessidade de ser obrigação a tutela dos direitos fundamentais básicos para à criança e para o adolescente. Assim, o artigo 7º dispõe que “A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência”.

3. A NEGLIGÊNCIA DO ESTADO E AS CONSEQUÊNCIAS SOCIAIS

A realidade social brasileira demonstra, e denuncia, que apesar de existirem tantas garantias e direitos de forma expressa, tanto no texto constitucional, como no próprio Estatuto da Criança e do Adolescente, à efetivação e realização desses direitos não ocorre de fato. Nesse sentido, o trabalho do Mv Bill e Celso Athayde no documentário, (que depois virou livro) intitulado de “FALCÃO – meninos do tráfico” [1] representa um verdadeiro grito de denúncia contra a omissão de todas as instituições – Estado; Sociedade e; Família.

A família se omite, a sociedade, egoisticamente, se exime da responsabilidade e o Estado, que assumiu constitucionalmente o compromisso de proteger a dignidade da pessoa humana – diria imoralmente, se omite da sua tarefa de promover políticas públicas para a concretização e efetivação dos direitos sociais mínimos.

O trabalho de Celso Athayde e Mv Bill demonstram como é injusto julgar o problema dos jovens e crianças que se envolvem com o tráfico, partindo de uma análise apenas a partir dos resultados e ações da violência social que estes agentes provocam na sociedade. Demonstra-se que não é preciso fazer muito esforço para que se conclua que aquele jovem, que já não tem educação de qualidade, ao ver sua mãe envolvida com drogas e prostituição ou ao ver sua família com fome, enquanto poucos andam com os carros super importados, irá se render ao mundo da tráfico por ou sem opção.

Leia a interessante parte do texto da entrevista realizada por Mv. Bill no seu documentário com um traficante chamado de “Betinho”:

“Mv. Bill – Você acha que você vive num país justo?

Betinho – Não. Eu vou ser sincero com você, a criminalidade não acabaria, mas melhoraria, se o salário fosse digno pra pessoa sobreviver. Você acha que a criminalidade tá grande assim por causa de quê? Você tem um filho, você ganha dois salários mínimos, tu paga o aluguel, 200, mais ou menos o aluguel é esse. Tu faz compra, remédio. E pra ganhar 400 contos, tu tem que ter pelo menos primeiro grau. Ai tu vê tua família passando necessidade, o cara vai pro crime. Tu vai deixar o teu filho com fome? Tu vai ficar sem moradia pra morar? Agora, bota um salário digno que o cara pode sobreviver, você vai ver que um montão de gente que ta no crime que não quer não. É por necessidade que o cara entra no crime. Porque tu vê, o cara fica com fome, vê a família com fome, desabrigado. E onde que ajuda mais mesmo o cara é crime. O tráfico, que fortalece mais o cara de que o governo. Porque você vê, é onde você arruma um dinheiro, você se veste bem. É injusto pra caramba. É injusto pra caramba mesmo. Você acha que se cada um ajudasse um pouquinho, quem tem à pampa. Tu vê, um jogador de futebol, eu tava vendo o prêmio da seleção brasileira vai ser de 400 e poucos mil reais para cada jogador. Isso um presente que eles vão dar pro cara jogar na Copa. Fora as outras oportunidades que eles vão ter. Tá entendendo? Fora as outras oportunidades que eles vã o ter. E você não acha isso injusto? E um montão aí sem nada precisando?(…)

(…)porque você vê que é um país que não dá direito. Você vê os EUA, tem o crime, mas o crime lá dos EUA não é igual ao do Brasil, à vera. Por quê? Porque o salário mínimo lá é baseado no que dá pra uma pessoa sobreviver. Um pobre igual a eu lá tem um carro, importado bacana, uma casa, um apartamento bom. Aqui para tu ter um carrinho tu tem que ralar muito. Porque um salário igual a esse, duas pernas, 200 reais, fala aí. Aí manda um cara desse que ganha bem ir no mercado com 200 reais. Faz igual Big Brother, põe uma casa com marajás, os caras que ganham bem pra eles viver com 200 reais por mês, mas com filho na escola, com aluguel pra pagar, com gás, conta de luz, pra ele somar aquilo tudo, pra ver se dá. Não dá. Por isso que eu digo, é ingrato à pampa, cara”.

O grande problema da criminalidade no Brasil é estrutural. A grande maioria das pessoas que são enraizadas no crime são vítimas de um Estado que é historicamente seletivo na distribuição econômica e totalmente corrupto.

4. CONCLUSÃO

A Constituição Federal, no artigo 227, pressupôs a garantia e à efetivação de condições mínimas de dignidade para que toda criança e adolescente pudesse crescer dignamente. No mesmo sentido, dispôs o Estatuto da Criança e do Adolescente ao prever os direitos fundamentais da Criança e do Adolescente.

No entanto, o tráfico e a violência resultados, via de regra, da desigualdade social e econômica são sinais da omissão de todos diante da inaplicabilidade e não efetividade de todas essas garantias previstas apenas teoricamente na CF e no ECA.

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A Constituição Federal agora em 2009 está completando 21 anos de existência e o ECA já completou 19anos, mas ainda não garantem concretamente os direitos previstos na teoria. Vale ressaltar que, a previsão por si só já é uma conquista, sobretudo, no aspecto formal, mas o que se espera são resultados materiais.

É uma verdadeira ironia se discutir na academia tantos direitos de segunda e de terceira gerações quando na verdade negligencia-se aos cidadãos e até às crianças e aos jovens diretos básicos, considerados doutrinariamente de primeira geração, como o direito de ir à escola, de ir ao médico e de se alimentar.

Observa-se que muita coisa ainda precisa ser feita para se garantir a dignidade da pessoa humana, e para que a CF e o ECA possam concretamente proteger a criança e o adolescente dos males da desigualdade social. Observe-se que a exclusão social, que é espécie da exclusão econômica, divide a vida e o futuro dos cidadãos brasileiros, de um lado a maioria esquecida e abandonada pela lei e do outro uma minoria que goza de tudo que o dinheiro e a desigualdade social podem oferecer para uns e tirar de outros.

A Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente através de seus instrumentos e imperativos normativos deveriam mudar a realidade das crianças e jovens deste Brasil, possibilitando-lhes oportunidades de educação, saúde e alimentação. No entanto o constitucional assumido ainda não foi cumprido. E o resultado disso é o aumento dos índices de violência, do tráfico e da marginalização das crianças e dos adolescentes, usadas pela máquina e máfia do tráfico de drogas, e fadadas a uma vida indigna.

 

Referências
ATHAYDE, Celso e MV Bill. “Falcão – Meninos do tráfico / Celso Athayde e MV Bill”. – Rio de Janeiro: Objetiva, 2006.
BRASIL, “Constituição da República Federativa do Brasil”. 1988.
MORAES, Alexandre de. “Direito Constitucional”. 19ª ed. São Paulo: Atlas, 2006.
 
Nota
[1] ATHAYDE, Celso e MV Bill. “Falcão – Meninos do tráfico / Celso Athayde e MV Bill”. – Rio de Janeiro: Objetiva, 2006.


Informações Sobre o Autor

Lígia Brenda de Carvalho Fontes

Bacharel em Direito pela Estácio – FASE. Atualmente trabalha no escritório Fontes Mota


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