A Contagem de Prazos Processuais Nos Juizados Especiais Cíveis à Luz da Lei Nº 13.105/15

Bruno Pinto Coratto[1]

 

RESUMO

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O presente artigo busca analisar a aplicação da Lei nº 13.105 de 16 de março de 2015 – Novo Código de Processo Civil -, ao microssistema criado pela Lei nº 9.099 de 26 de setembro de 1995, no que concerne à contagem de prazos processuais à luz dos princípios informadores dos Juizados Especiais Cíveis Estaduais a fim de se concluir pela compatibilidade ou não das normas processuais em foco. Para tanto, utilizou-se da análise de decisões judiciais oriundas do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, e de entendimentos doutrinários acerca do tema, bem como de revisão bibliográfica dos princípios processuais envolvidos.

Palavras-chave: Processo civil. Legalidade. Celeridade. Hermenêutica. Juizados Especiais Cíveis. Prazos.

 

 

ABSTRACT

This article aims to analyze the application of Law No. 13.105 of March 16, 2015 – New Code of Civil Procedure – at the microsystem created by Law No. 9.099 of September 26, 1995, regarding the counting of procedural deadlines in the light of informants principles of Special Courts Civil State in order to complete the compatibility or not the procedural rules in focus. Therefore, we used the analysis of judicial decisions arising from the Court of Justice of Rio Grande do Sul, and doctrinaire understanding of the topic, as well as a bibliographic review of procedural principles involved.

Keywords: Civil lawsuit. Legality. Celerity. Hermeneutics. Special Civil Courts. Deadlines.

 

SUMÁRIO. INTRODUÇÃO. 1 NOÇÕES PROCESSUAIS PRELIMINARES. 1.1 Princípios. 1.1.1 Legalidade e segurança jurídica. 1.1.2 Celeridade processual. 1.1.3 Especialidade das normas. 1.2 O Código de Processo Civil como fonte subsidiária do direito processual. 2 COMPATIBILIZAÇÃO DAS LEIS Nº 9.099/95 E Nº 13.105/15. 2.1 A contagem de prazos processuais nas Leis nº 5.869/73 e nº 13.105/15. 2.2 Panorama geral da aplicabilidade do art. 219 do CPC no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis Estaduais: a pluralidade de enunciados sobre a matéria. 2.3 Aspectos práticos da controvérsia: a posição adotada pela Justiça gaúcha. CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS.

 

INTRODUÇÃO

A Lei nº 13.105 de 16 de março de 2015, em vigor desde 18 março de 2016, trouxe inúmeras mudanças substanciais ao processo civil brasileiro, alterando de forma significativa pontos sensíveis até então inexoráveis na estrutura processual consolidada. Este fato, como era esperado, gerou um amplo debate – ainda muito vivo – acerca da aplicação da nova sistemática processual civil, tomando como norte a intensa reforma que se procedeu.

Nesse cenário, destaca-se a árdua tarefa de tentar harmonizar as novas regras processuais gerais à legislação especial – leis específicas que tratam de temas que extrapolam as disposições do Código de Processo Civil -, que foi dada aos operadores do direito. Na prática, verifica-se que a tentativa de compatibilização de tais normas, em alguns casos, fez nascer divergências de entendimento que expandiram seus efeitos para além da academia, gerando insegurança jurídica em razão da pluralidade de entendimentos doutrinários e jurisprudenciais sobre as mesmas regras processuais.

É o caso da disposição do art. 219 do CPC, segundo o qual “na contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar-se-ão somente os dias úteis.  Tal regra ganha especial relevância porque a Lei nº 5.869 de 11 de janeiro de 1973 – antigo CPC -, revogada expressamente pela Lei nº 13.105/15, previa o cômputo de prazos de forma contínua, alteração que gerou importantes mudanças na sistemática processual civil. Esta alteração repercute de forma mais significativa – gerando maiores debates, inclusive – quando se pensa em sua aplicação nos processos submetidos ao rito da Lei nº 9.099 de 26 de setembro de 1995, que dispõe acerca dos Juizados Especiais Cíveis Estaduais, tendo em vista  o princípio da especialidade da norma.

Dessa forma, o presente estudo visa analisar a compatibilização entre o art. 219 do CPC e a Lei nº 9.099/95 à luz da celeridade e da economia processual, critérios informadores dos Juizados Especiais Cíveis, conforme dicção do art. 2º da Lei nº 9.099/95, especialmente ante sua aplicação prática na advocacia. Se, por um lado, há a necessidade de que o processo instituído pela Lei nº 9.099/95 seja célere e econômico, já que a lei pretendeu exatamente fugir do rito comum já adotado, por outro lado é preciso analisar se há fundamento legal para afastar a aplicação da regra geral ao caso concreto, uma vez que antes de se entrar na discussão sobre a especialidade da norma é imprescindível verificar a observância dos princípios constitucionais aplicáveis ao processo civil.

Além do aspecto teórico da questão abordada, a divergência na interpretação e na aplicação legislativa por parte do judiciário acarreta dificuldades práticas que, em última análise, fragilizam sobremaneira a segurança jurídica: uma mesma lei não deve dar margem à interpretações divergentes unicamente em razão de seu intérprete.

Atualmente a questão não está pacificada, fazendo surgir uma rede de entendimentos heterogêneos sobre o tema, obrigando os operadores do direito – especialmente membros da advocacia pública e privada – a conhecer de antemão os critérios adotados por cada Juizado Especial Cível em que litigam, situação que vai na contramão do espírito do atual Código de Processo Civil no que tange à necessidade de uniformização de entendimentos jurisprudenciais, pedra angular da segurança jurídica.

A fim de alcançar o objetivo proposto, far-se-á uma análise de textos legislativos, doutrinários e de decisões judiciais, com ênfase em enunciados formulados sobre o novo sistema processual civil que tratam da compatibilização das normas vigentes com os Juizados Especiais Cíveis, adotando como pano de fundo alguns princípios e normas fundamentais do processo civil.

 

1 NOÇÕES PROCESSUAIS PRELIMINARES

O direito processual civil, em síntese, é o ramo da ciência jurídica que se ocupa em analisar a forma como o Estado exerce a tutela jurisdicional civil nos casos de conflitos sociais. É, portanto, ramo do direito público, já que possui relação com a regulamentação de atividade estatal, não se confundindo com o direito material discutido – este, em grande parte dos casos, de natureza privada. Possui base em um modelo construído a partir da Constituição Federal, pois incorpora uma série de princípios constitucionalmente previstos como, por exemplo, o devido processo legal, a isonomia, a inafastabilidade de jurisdição, entre outros.

Tendo em vista que a jurisdição enquanto função essencial do Estado na solução de conflitos é una e que sua divisão através de competências jurisdicionais possui objetivo de apenas facilitar seu exercício pelo ente público, não se admitindo a existência de diversas soberanias dentro de um mesmo território, é correto afirmar que as normas de processo civil podem servir como fonte subsidiária do direito processual, independentemente da natureza do direito material discutido na relação tutelada – se pública ou privada. Sobre este ponto, vale trazer a lição dos professores Wambier e Talamini, bastante elucidativa. Senão vejamos:

“Note-se que o termo ‘civil’, ainda que tradicionalmente usado, deve ser compreendido com muito cuidado, especialmente em sistemas como o vigente no Brasil. Como dito, ‘processo civil’ significa, entre nós, processo não penal, não criminal, e não apenas processo destinado a solucionar causas de direito civil em sentido estrito. É que o processo ‘civil’ brasileiro também versa sobre causas públicas (direito tributário, administrativo, econômico, ambiental etc.). Além disso, mesmo no âmbito do direito privado, o nosso processo ‘civil’ atinge matérias que não são de direito civil em sentido estrito (ex. direito empresarial, direito do consumidor etc.)” (WAMBIER; TALAMINI, 2016)

Ao presente estudo importa destacar a aplicação subsidiária das normas de processo civil àqueles regramentos processuais esparsos, sendo fonte subsidiária para a regulação de outros processos, conforme se verifica pela disposição do art. 15 do Código de Processo Civil, segundo o qual “na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente”.

Fica evidente, portanto, que a aplicação do processo civil independe da natureza do direito material discutido no caso concreto, sendo possível sua utilização como fonte suplementar até mesmo em casos nos quais exista disciplina processual específica – processo penal, processo do trabalho, leis esparsas, etc. -, especialmente em razão da matriz constitucional do processo civil, que obedece princípios aplicáveis ao exercício da atividade jurisdicional do Estado de forma geral.

 

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1.1 Princípios jurídicos

            Assim como todo o ordenamento jurídico vigente, o processo civil deve observar uma série de diretrizes em sua aplicação a fim de que se possa alcançar seu objetivo de forma regular, sem vícios; a estas diretrizes dá-se o nome de princípios jurídicos.

Para Humberto Ávila (2006, p. 80), “os princípios instituem o dever de adotar comportamentos necessários à realização de um estado de coisas ou, inversamente, instituem o dever de efetivação de um estado de coisas pela adoção de comportamentos a ele necessários”

Segundo lição de Roque Antônio Carrazza:

“Segundo nos parece, princípio jurídico é um enunciado lógico, implícito ou explícito, que, por sua grande generalidade, ocupa posição de preeminência nos vastos quadrantes do direito e, por isso mesmo, vincula, de modo inexorável, o entendimento e a aplicação das normas jurídicas que com ele se conectam” (CARRAZZA, 2002, p. 33)

O professor Fredie Didier Jr. observa que:

“Princípio é espécie normativa. Trata-se de norma que estabelece um fim a ser atingido. Se essa espécie normativa visa a um determinado ‘estado de coisas’, e esse fim somente pode ser alcançado com determinados comporta mentos, ‘esses comportamentos passam a constituir necessidades práticas sem cujos efeitos a progressiva promoção do fim não se realiza’”. (DIDIER JR., 2015, p. 48)

Importa destacar, dessa forma, a relevância dos princípios jurídicos dentro do sistema normativo vigente, considerando tratar-se de norma fundamental à aplicação dos diferentes ramos do direito. Segundo o magistério de Luis Roberto Barroso:

“Após longo processo evolutivo, consolidou-se na teoria do Direito a ideia de que as normas jurídicas são um gênero que comporta, em meio a outras classificações, duas grandes espécies: as regras e os princípios. Tal distinção tem especial relevância no tocante às normas constitucionais. O reconhecimento da distinção qualitativa entre essas duas categorias e a atribuição de normatividade aos princípios são elementos essenciais do pensamento jurídico contemporâneo. Os princípios – notadamente os princípios constitucionais – são a porta pela qual os valores passam do plano ético para o mundo jurídico. Em sua trajetória ascendente, os princípios deixaram de ser fonte secundária e subsidiária do Direito para serem alçados ao centro do sistema jurídico”. (BARROSO, 2010, p. 240)

No presente estudo, analisaremos os princípios da legalidade, da segurança jurídica, da celeridade processual e da especialidade das normas, tendo em vista que eles possuem maior afinidade com o objeto analisado e são fundamentais para a compreensão da questão que será abordada.

 

1.1.1 Legalidade e segurança jurídica

O princípio da legalidade possui previsão constitucional no art. 5º, II da Carta Magna, segundo o qual “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. É, portanto, garantia contra eventuais abusos do Estado no exercício de suas funções e característica fundamental do Estado Democrático de Direito.

Indo um pouco além no conceito de legalidade, Humberto Theodoro Jr. refere que:

“No Estado regido por Constituição Democrática, como a brasileira, figura, entre os direitos do homem, a garantia fundamental de que ‘ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei’ (CF, art. 5º, II). É nisso que consiste o princípio da legalidade, que vale para limitar o exercício do poder público, em qualquer terreno de atuação, e assegurar a todos ‘a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade’” (CF, art. 5º, caput). (THEODORO JR, 2015, p. 93)

Conforme referido, o processo civil brasileiro, especialmente após as modificações trazidas pela Lei nº 13.105/15, adotou matriz substancialmente constitucional, no sentido de que incorporou expressamente a seu texto disposições previstas pela Constituição Federal, reservando seu primeiro capítulo para tratar do tema de forma expressa. Não se pode dizer, contudo, que este fato caracterizou uma grande inovação do ponto de vista da eficácia dos princípios tratados, tendo em vista que a própria Carta Magna de 1988, posterior ao Código de Processo Civil revogado pela Lei nº 13.105/15, já havia reconhecido diversas garantias processuais como fundamentais à República. Contudo, não é demais lembrar que este movimento de troca – da previsão expressa de princípios e garantias processuais e constitucionais – representou evidente avanço na disciplina processual civil, já que reforçou a ideia de submissão da lei à Constituição Federal.

No que tange à legalidade aplicada especificamente ao processo civil objeto do presente estudo, vale transcrever esclarecedora lição de Humberto Theodoro Jr., segundo o qual:

“No direito processual, o princípio da legalidade encontra adoção expressa no art. 8º do Código de Processo Civil, ao atribuir ao juiz o dever de “aplicar o ordenamento jurídico”, deixando expresso que a atuação do Poder Judiciário, no desempenho da função jurisdicional, tem de observar o princípio da legalidade, tal como prevê o art. 37, caput, da Constituição. A lei a que as partes se submetem (CF, art. 5º, II), e que ao juiz compete aplicar na composição dos litígios, não se confunde com lei em sentido estrito, isto é, com o texto normativo oriundo do Poder Legislativo sob o rótulo de lei. O ordenamento jurídico referido pelo art. 8º do NCPC compreende a lei e todo e qualquer provimento normativo legitimamente editado pelo Poder Público. Compreende, outrossim, além das regras, os princípios gerais, mormente os constitucionais” (THEODORO JR., 2015, p. 93)

Dessa forma, é bastante clara a necessidade de que haja base legal para a instituição e aplicação do processo civil enquanto disciplina que trata do modo como o Estado exerce a prestação jurisdicional, reforçando, deste modo, a relevância dos princípios gerais do direito em sua aplicação.

A segurança jurídica em matéria processual, por seu turno, possui estreita relação com a estabilidade da prestação jurisdicional que é entregue pelo Estado. Em um nível inicial, a segurança jurídica se baseia na irretroatividade da lei, garantia de que nenhum sujeito será prejudicado por leis editadas após a realização de eventuais condutas. A Constituição Federal, em seu art. 5º, XXXVI dispõe que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”, corroborando a ideia de que a lei não poderá retroagir, salvo exceções previstas pela legislação.

Em um segundo nível, pode-se dizer que a segurança jurídica vincula-se a estabilidade das decisões judiciais no sentido de que relações jurídicas idênticas devem dar origem à decisões judiciais idênticas; é a garantia de uniformidade na prestação jurisdicional. Sobre esse aspecto um tanto prático da segurança jurídica, vale mencionar magistério de Alexandre Freitas Câmara, em que o autor faz uma crítica a situação aqui abordada, senão vejamos:

“O modelo constitucional de processo civil brasileiro tem, entre seus princípios integrantes, o da segurança jurídica. Pois não há segurança jurídica sem previsibilidade das decisões judiciais, o que exige uma estabilidade decisória que só se consegue com a construção de um sistema de precedentes judiciais vinculantes que vai muito além da eficácia meramente persuasiva que os precedentes tradicionalmente tiveram no Brasil. Esses precedentes estabelecem uma padronização decisória que impede a formação de uma esquizofrenia jurisprudencial, decorrente da existência de uma miríade de decisões divergentes proferidas em casos iguais. É fundamental, para reservar-se a segurança jurídica e a isonomia, que casos iguais recebam decisões iguais. E isso só se consegue quando os juízes e tribunais respeitam não só as decisões dos tribunais que lhes sejam superiores (eficácia vertical dos precedentes), mas também as suas próprias decisões (eficácia horizontal dos precedentes). Pois o Código de Processo Civil busca regulamentar o modo como os precedentes exercerão essa eficácia vinculante, o que se impõe na busca por um processo mais isonômico e, por isso mesmo, mais democrático”. (CÂMARA, 2017, p. 14)

Temos, portanto, que os princípios da legalidade e da segurança jurídica formam uma das vigas de sustentação não só do processo civil brasileiro, mas de todo o sistema normativo vigente e em consonância com o Estado Democrático de Direito, pois se traduzem em garantias fundamentais contra abusos do Estado no exercício de sua prestação jurisdicional.

 

1.1.2 Celeridade processual

O princípio da celeridade processual possui relação com o tempo de tramitação do processo e com a utilidade do resultado obtido com a prestação jurisdicional, sendo positivado pelo art. 5º, LXXVIII da Constituição Federal que dispõe que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

Da leitura da referida disposição constitucional fica evidenciado que o processo necessita de determinado tempo de duração – duração razoável – a fim de que todos os atos processuais sejam realizados de forma regular, sem vícios. A celeridade, então, deve ser equacionada aos demais princípios que regem o processo civil; de nada adiantaria um processo célere mas que ignorasse a legalidade, por exemplo. Em outras palavras, “um processo que respeita as garantias fundamentais é, necessariamente, um processo que demora algum tempo” (CÂMARA, 2017, p. 18).

De acordo com a doutrina clássica de Francesco Carnelutti:

“O processo dura; não se pode fazer tudo de uma vez. É necessário ter paciência. Semeia-se, como faz o camponês, e se há de esperar para colher. Junto à atenção há de se colocar a paciência entre as virtudes necessárias ao juiz e às partes. Desgraçadamente, estas são impacientes por definição; impacientes como os enfermos, pois sofrem também elas. Uma das funções dos defensores é inspirar-lhes a paciência. O slogan da justiça rápida e segura, que se encontra sempre nas bocas dos políticos inexpertos, contém, desgraçadamente, uma contradição in adiecto; se a justiça é segura, não é rápida; se é rápida, não é segura. Algumas vezes a semente da verdade leva anos, até mesmo séculos, para converter-se em espiga (veritas filia temporis)”. (CARNELUTTI, 1952, p. 177)

No mesmo sentido de Carnelutti, são os ensinamentos de Alexandre Freitas Câmara com relação ao tema, ao qual ele se refere como “princípio da tempestividade da tutela jurisdicional”, in verbis:

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“Não se pode, pois, considerar que o princípio da tempestividade da tutela jurisdicional sirva de base para a construção de processos instantâneos. O que se assegura com esse princípio constitucional é a construção de um sistema processual em que não haja dilações indevidas. Em outros termos, o processo não deve demorar mais do que o estritamente necessário para que se possa alcançar os resultados justos visados por força da garantia do devido processo. Deve, porém, o processo demorar todo o tempo necessário para que tal resultado possa ser alcançado”. (CÂMARA, 2011, p. 68)

A duração razoável do processo não depende exclusivamente da estrutura processual que é desenhada pela norma: o processo não demora mais ou menos apenas em razão da quantidade de dias de determinado prazo ou pelo número de recursos que certo pronunciamento judicial desafia. A questão da celeridade encontra suas maiores barreiras na estrutura da qual o Estado – notadamente do Poder Judiciário – dispõe para atender às demandas da sociedade. No mesmo sentido, vale transcrever interessante crítica feita por Alexandre Freitas Câmara ao analisar o tema:

“É preciso ter claro, porém, que a mera afirmação constitucional de que todos têm direito a um processo com duração razoável não resolve todos os problemas da morosidade processual, sendo necessário promover-se uma reforma estrutural no sistema judiciário brasileiro. Fique registrado meu entendimento segundo o qual a crise do processo não é a crise das leis do processo. Não é reformando leis processuais que serão resolvidos os problemas da morosidade do Poder Judiciário. É preciso, isto sim, promover-se uma reforma estrutural, que dê ao Poder Judiciário meios efetivos para bem prestar tutela jurisdicional, o que exige vontade política para mudar o atual estado de coisas”. (CÂMARA, 2011. p. 69)

No que nos cabe, é de suma importância ressaltar que a celeridade processual encontra resistência que vai muito além da norma processual; há questões estruturais e de política judiciária que representam entraves muito superiores àqueles que decorrem exclusivamente da lei processual civil, caracterizando, estes sim, as maiores barreiras à duração razoável do processo. Contudo, tendo em vista que este tema extrapolar a análise proposta pelo presente estudo não nos aprofundaremos na questão, passando a discorrer acerca dos demais princípios que circundam a matéria.

 

1.1.3 Especialidade da norma

O princípio da especialidade da norma tem seu protagonismo quando se está diante de um conflito aparente de normas, apresentando-se como um dos critérios para a resolução do impasse no processo de interpretação legislativa. Em linhas gerais, havendo referido conflito, inicialmente verifica-se se há hierarquia entre as normas conflituosas. A Constituição da República do Brasil, por exemplo, é soberana dentro do ordenamento jurídico brasileiro, de modo que suas disposições prevalecem se em conflito com legislação infraconstitucional[2].

Em segundo lugar, analisa-se a questão cronológica do contexto, tendo em vista os parâmetros adotados pela Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – Decreto-Lei nº 4.657 de 4 de setembro de 1942 -, em seu art. 2º, §1º[3]. Neste caso se, por exemplo, duas leis tratarem da mesma matéria, mas de formas distintas e incompatíveis entre si, prevalece a lei mais nova, que, de acordo com as sistemática aplicável, revoga tacitamente a mais antiga.

Por fim, não havendo solução para o caso após percorrer-se essas duas etapas, recorre-se ao princípio da especialidade da norma, prevalecendo a lei mais específica em detrimento do regramento geral da matéria, conforme disposição do art. 2º, §2º[4] daquele mesmo Decreto-Lei. Isto ocorre porque, neste caso, apesar de tratar da mesma matéria, uma das leis conflituosas contém disposições mais aprofundadas sobre o tema. Há, portanto, a prevalência da regra específica sobre a regra geral sem que haja a revogação da norma geral pela especial ou vice-versa. Diz-se, portanto, que uma lei que trate de aspectos mais específicos ou pontuais de determinado assunto se sobrepõe àquela mais geral sobre a matéria, que é preterida no processo de interpretação e de aplicação legislativa.

Para o presente estudo a compreensão da sistemática da especialidade da norma é extremamente relevante na medida em que se está analisando a aplicação de disposição do Código de Processo Civil (lei mais geral) a casos submetidos ao rito da Lei nº 9.099/95 (lei mais específica), que trata especificamente dos Juizados Especiais Cíveis, sendo certo que a compatibilização das disposições de ambas as leis depende da correta aplicação de tal princípio.

 

1.2 O Código de Processo Civil como fonte subsidiária do direito processual

            A Lei nº 13.105/15, ou “novo” Código de Processo Civil, inaugura seu Livro I com o Título Único “das normas fundamentais e da aplicação das normas processuais”, que se divide em dois capítulos, são eles: “das normas fundamentais do processo civil”, que vai do art. 1º ao art. 12; e “da aplicação das normas processuais”, que vai do art. 13 ao art. 15.

No primeiro capítulo, a nova legislação processual civil tratou de incorporar diversos mandamentos constitucionais a seu texto, a fim de explicitar ainda mais a já consolidada aplicação da Constituição Federal ao processo civil, movimento que a doutrina tem chamado de constitucionalização do direito processual civil (TARTUCE, 2015). Sobre o tema, cabe aqui trazer lição de Cassio Scapinella Bueno, que ressalta o seguinte:

“O fato é que o CPC de 2015 é repleto de aplicações explícitas dos princípios constitucionais. Não fosse suficiente o alcance do disposto no seu art. 1º sobre ‘o processo civil ser ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidas na Constituição’, os seus primeiros onze dispositivos são, todos eles, vocacionados a expressar princípios constitucionais e, por isso mesmo, estão alocados em Capítulo que porta a pomposa nomenclatura de ‘Das normas fundamentais do processo civil’”. (BUENO, 2016, p. 93)

É fundamental que a interpretação e a aplicação da Lei nº 13.105/15 leve em consideração toda a sistemática constitucional adotada em seus capítulos inaugurais a fim de que se possa alcançar a ratio legis da norma. Impende destacar que a hermenêutica processual civil deve considerar todas as normas relacionadas à matéria a fim de evitar contradições internas entre as diferentes leis – gerais e específicas – que se prestam a regular o processo civil.

Sendo assim, ainda que o Código de Processo Civil não seja fonte única do direito processual – o cerne da questão abordada neste estudo demonstra de forma clara este fato – seu primeiro capítulo é relevante para que se possa compreender toda a sistemática processual, especialmente após a adoção da referida matriz constitucional, que trouxe maior harmonia entre a lei processual civil e os valores constitucionais do Estado de direito.

O Código de Processo Civil, enquanto lei geral que regula o processo civil brasileiro, é fonte primeira da matéria, mas, como já adiantado, não a única. Apesar disto, por ser lei geral, possui o papel de preencher lacunas independentemente da natureza do direito material discutido no caso concreto, situação explicitada pelo art. 15 da Lei nº 13.105/15[5]. A respeito deste tópico, vale citar esclarecedor comentário de Humberto Theodoro Jr., vejamos:

“Cabe ao Código de Processo Civil não apenas disciplinar a jurisdição civil, mas também funcionar como a principal fonte do direito processual no ordenamento jurídico brasileiro. Dessa maneira, prevê o art. 15 do NCPC que “na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente”. Cabe, pois, ao estatuto civil o papel de fonte de preenchimento de todas as lacunas dos outros diplomas processuais”. (THEODORO, 2015, p. 149)

É fácil perceber, dessa forma, a amplitude da aplicação do Código de Processo Civil como norma fundamental, bem assim a importância de sua hermenêutica considerar todo o contexto constitucional, para a correta compreensão do sistema como um todo e para a harmonização das diferentes disposições oriundas das inúmeras leis que tratam do processo civil.

 

2 COMPATIBILIZAÇÃO DAS LEIS Nº 9.099/95 E Nº 13.105/15

            Conforme abordado no capítulo anterior, a interpretação e a aplicação da lei processual civil geral deve considerar uma série de princípios do direito e de normas, muitas delas de origem constitucional, outras com previsão específica na norma processual civil. De igual forma, abordou-se a importância da correta hermenêutica da lei geral processual civil para que se alcance a ratio legis das diferentes disposições, sempre tendo como norte a matriz constitucional adotada pela Lei nº 13.105/15. A correta aplicação do Código de Processo Civil adquire maior relevância quando se está diante de conflito aparente da norma geral com leis específicas como a lei que trata dos Juizados Especiais Cíveis Estaduais – Lei nº 9.099 de 26 de setembro de 1995.

No que tange à Lei nº 9.099/95 importa destacar que o legislador pretendeu implementar um procedimento menos formal do que aquele adotado pela lei geral de processo civil. Tal fato fica bastante claro pela disposição do art. 2º da Lei nº 9.099/95[6] que refere, como objetivo geral dos Juizados Especiais Cíveis Estaduais, a conciliação e a transação sempre que possível apontando, ainda, alguns critérios como norte para a interpretação do procedimento criado por aquela Lei, são eles: a celeridade, a simplicidade, a oralidade, a informalidade e a economia processual.

Com relação ao tópico, cumpre trazer interessante comentário dos doutrinadores Marinoni, Arenhart e Mitidiero, in verbis:

“O procedimento desses Juizados Especiais, segundo o art. 2.º da Lei 9.099/1995, é caracterizado pela “oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade”. Esses mesmos princípios são aplicáveis aos Juizados Especiais Federais, criados pela Lei 10.259/2001, e aos Juizados da Fazenda Pública, criados ela Lei 12.153/2009.

Note-se, porém, que os Juizados Especiais não possuem apenas o objetivo de conferir prestação jurisdicional mais rápida. A tempestividade é um direito de todos, seja qual for a natureza e o valor da causa, mas é ainda mais importante ao pobre, pois esse possui uma dificuldade muito maior para esperar a solução judicial dos seus casos.39 Daí a razão para se tentar dar maior celeridade ao procedimento voltado às causas que fazem parte do dia a dia da população economicamente menos privilegiada. Para a efetividade dos Juizados Especiais, tão importante quanto a celeridade são o custo e a simplicidade. É por esse motivo que é importante uma correta ordenação da competência dos Juizados Especiais, de modo que sejam definidas como da sua competência apenas as causas que tenham relação com as necessidades das pessoas mais carentes. O objetivo deste item, como é óbvio, não é explicar o procedimento dos Juizados Especiais, mas apenas evidenciar a necessidade de se dar procedimento e ambiente judiciais adequados à população mais pobre, isto é, procedimento mais simples, ágil e barato e ambiente formado por operadores do direito dotados de sensibilidade para o trato das questões das pessoas mais necessitadas.” (MARINONI; ARENHARDT; MITIDIERO, 2016, p. 495/496)

Vê-se, portanto, que os Juizados Especiais Cíveis foram criados como um procedimento abreviado, aplicável à causas de menor complexidade[7]. Cumpre destacar que a matriz da Lei nº 9.099/95 é o Código de Processo Civil, tendo em vista sua posição de fonte geral do processo civil brasileira o qual, por seu turno, possui matriz constitucional, conforme tratado anteriormente. Por isto mesmo a Lei dos Juizados Especais Cíveis não pretendeu esgotar toda a matéria atinente ao procedimento especial por ela criado, deixando lacunas que são preenchidas pela própria Lei nº 13.105/15.

Antes de se aprofundar na controvérsia que deu origem ao presente estudo, vale complementar as brevíssimas, porém importantes linhas sobre a Lei nº 9.099/95, protagonista deste artigo.

Nem sempre as leis deixam claro ao operador do direito quando devem ou não ser aplicadas em casos de conflito aparente; não seria diferente com as Leis nº 9.099/95 e nº 13.105/15 que por vezes são expressas ao determinar sua aplicação[8], outras nem tanto. Nestes casos não há saída ao jurista: deve-se recorrer à hermenêutica clássica prestigiando o sistema normativo como o todo que é. Para o caso concreto objeto deste estudo, a ferramenta a ser utilizada é o princípio da especialidade da norma perpassando pela análise dos princípios gerais do direito e daqueles cuja aplicação é explicitada pela Lei nº 9.099/95.

 

2.1 A contagem de prazos processuais nas Leis nº 5.869/73 e nº 13.105/15.

A Lei n 5.869/73 regulou o processo civil até 18 março de 2016, data da entrada em vigor da Lei nº 13.105/15, que revogou expressamente o Código de Processo Civil anterior[9].

Ao disciplinar a contagem de prazos processuais a Lei nº 5.869/1973 era expressa ao determinar sua contagem contínua[10], de modo que os prazos incluíam dias de semana, finais de semana e feriados em respeito à determinação legal. Esta situação gerava acalorados e longos debates doutrinários, especialmente entre os causídicos que, em última análise, precisavam trabalhar aos finais de semana já que os prazos processuais não eram suspensos.

Já a Lei nº 13.105/15, em seu art. 219, estabelece que “na contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar-se-ão somente os dias úteis”. É bem verdade que a nova disciplina relacionada à contagem de prazos processuais foi considerada uma grande vitória da advocacia brasileira – assim como tantos outros dispositivos da novel legislação -, entretanto, não se pode deixar de notar que a alteração em parte substancial do processo civil causou, e ainda causa, alvoroço no meio jurídico, gerando divergência na interpretação do Código de Processo Civil, o que acaba causando forte abalo à segurança jurídica.

No que tange ao procedimento ordinário disciplinado pelo próprio Código de Processo Civil, não houve uma grande discussão acerca da compatibilização entre as normas antiga e atual, uma vez que a lei nova passou a ser aplicada imediatamente aos processo em curso, a teor do disposto no art. 1.046 do CPC. Além disto, a nova lei processual civil revogou expressamente o codex antigo, sendo caso de simples compatibilização de leis no tempo – segundo o critério cronológico. Ou seja, o ato praticado durante a vigência da lei anterior era alcançado por aquela lei, já o ato praticado na vigência da nova lei submetia-se ao regramento mais recente.

A fim de ilustrar a questão, vale transcrever ementa do julgamento do Agravo de Instrumento nº 70051845717[11] pela Décima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que aplicou disposição da Lei nº 5.869/73 após a entrada em vigor da Lei nº 13.105/15 por força do princípio tempus regit actum[12]. Senão vejamos:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO PUBLICADA QUANDO DA VIGÊNCIA DO CPC/73. ENTE PÚBLICO. PRAZO DOBRADO PARA APRESENTAÇÃO DO RECURSO. INTEMPESTIVIDADE. – Agravo de Instrumento apresentado em face de decisão publicada ainda quando da vigência do Código de Processo Civil de 1973. Admissibilidade do recurso que deve se dar de acordo com o ordenamento jurídico vigente à época. – O prazo para a interposição do Agravo de Instrumento é de 10 dias a contar da intimação da decisão recorrida, segundo os termos do art. 522, caput, do CPC/73. Prazo dobrado conforme artigo 188 do CPC/73. Recurso interposto depois de esgotado o tempo que dispunha a parte para se insurgir. Intempestividade do agravo. AGRAVO DE INSTRUMENTO NÃO CONHECIDO. DECISÃO UNÂNIME. (Agravo de Instrumento Nº 70051845717, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Alberto Schreiner Pestana, Julgado em 22/03/2018)”

Portanto, em que pese a alteração substancial na sistemática da contagem de prazos processuais trazida pela Lei nº 13.105/15, verifica-se que, na prática, esta mudança não representou fonte de grandes discussões doutrinárias ou jurisprudenciais quando limitada ao procedimento comum previsto pela norma processual geral, ganhando relevância nos casos em que o Código de Processo Civil atua como fonte coadjuvante do regramento processual.

 

2.2 Panorama geral da aplicabilidade do art. 219 do CPC no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis Estaduais: a pluralidade de enunciados sobre a matéria

Com o intuito de facilitar a interpretação do Código de Processo Civil vigente e na tentativa de compatibilização da nova lei processual civil com outras leis esparsas, mais precisamente com relação ao tema do presente estudo – Lei nº 9.099/95 -, foram surgindo teses e opiniões de doutrinadores acerca do ponto.

É bastante relevante abordar, ainda que de forma breve, a questão dos enunciados[13] advindos de diversos encontros promovidos entre magistrados e operadores do direito e que se relacionam aos mais diversos assuntos, sempre aglutinados por tema. Relevante, sim, porque os enunciados são largamente utilizados na prática dos Juizados Especiais Cíveis Estaduais em casos de lacunas – já que a Lei nº 9.099/95 trata de forma bastante breve do procedimento a ser adotado.

No entanto, há casos em que a pluralidade de enunciados sobre a mesma matéria não possibilita o avanço na discussão do tema, tampouco atende a finalidade de auxílio na interpretação da legislação. É o caso do objeto deste artigo: a aplicação do art. 219 do CPC aos Juizados Especiais Cíveis é uma questão que ainda não foi superada pela edição de enunciados, conforme se verá a seguir.

O Fórum Nacional dos Juizados Especiais Cíveis – FONAJE – editou o enunciado nº 165, segundo o qual “nos Juizados Especiais Cíveis, todos os prazos serão contados de forma contínua”. Este enunciado parecia ter sepultado a controvérsia, já que serviria como diretriz para a compatibilização do Código de Processo Civil e da Lei nº 9.099/95. Vejamos a íntegra da Nota Técnica nº 01/2016[14] que explicita a razões que embasaram a edição do referido enunciado:

“Os Magistrados integrantes da Diretoria e Comissões do FONAJE – Fórum Nacional de Juizados Especiais, reunidos ordinariamente, nas dependências do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, na cidade de Florianópolis, em data de 04 de março de 2016, convictos de que as disposições do artigo 219 do Novo CPC, relativas à contagem de prazos processuais, não se aplicam ao Sistema de Juizados Especiais, deliberaram por elaborar e divulgar a presente Nota Técnica, já como indicativo de proposta de enunciado específico a ser apreciada por ocasião do XXXIX Encontro do FONAJE, a ter lugar em Maceió-AL, de 08 a 10 de junho de 2016, dada a flagrante incompatibilidade com os critérios informadores da Lei 9.099/1995. O legislador de 1995, ao conceber os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e discipliná-los por via da Lei 9.099, alinhou, em seu artigo 2º, os critérios informadores sob os quais deverá se orientar o processo neste especial ramo de jurisdição, quais sejam o da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e, destacadamente ao que interessa à presente Nota Técnica, o da celeridade. Desde sua entrada em vigor, a Lei 9.099 veio convivendo com o CPC de 1.973 sem que o procedimento nela estatuído sofresse influências da lei processual comum codificada, posto sustentar-se esta em princípios absolutamente inconciliáveis com os aludidos critérios informadores. Estabeleceu-se, assim, a convicção de que as disposições codificadas não se aplicam ao rito dos processos que tramitem em sede de Juizados Especiais Cíveis em sua fase de conhecimento, mas tão só – e no que couber – à fase de execução (cumprimento) de sentença, assim como, subsidiariamente, à execução de título extrajudicial. Consabidamente, não há prazos legais previstos pela Lei 9.099 para a fase de conhecimento, de modo que todos os prazos são judiciais. A única exceção é relativa ao Recurso Inominado, para o qual prevê o prazo de 10 dias. E todos esses prazos sempre foram contados em dias corridos, mesmo porque, até 2015, não se conhecia no ordenamento jurídico brasileiro nenhuma outra lei adjetiva que contemplasse algum método diverso de cômputo. Com o advento do Novo Código de Processo Civil (CPC de 2015), por força do artigo 219, a justiça cível dita comum passa a conviver com a contagem de prazos legais e judiciais em dias úteis, em inexplicável distanciamento e indisfarçável subversão ao princípio constitucional da razoável duração do processo. Todavia, forçoso é concluir que a contagem ali prevista não se aplica ao rito dos Juizados Especiais, primeiramente pela incompatibilidade com o critério informador da celeridade, convindo ter em mente que a Lei 9.099 conserva íntegro o seu caráter de lei especial frente ao Novo CPC, desimportando, por óbvio, a superveniência deste em relação àquela. Não bastasse esse argumento, cumpre não perder de vista que o legislador de 2015, em alguns poucos artigos, fez remissão expressa aos Juizados Especiais, disciplinando, modo cogente, a aplicação desses dispositivos da lei processual comum ao procedimento regulado pela Lei 9.099. A melhor técnica de hermenêutica jurídica leva, necessariamente, à conclusão de que, assim agindo, o legislador quis limitar, numerus clausus, àquelas hipóteses, as influências do CPC sobre o sistema dos juizados, ciente das implicações prejudiciais decorrentes de uma maior ingerência legal que porventura houvesse, claramente contra os interesses do jurisdicionado que acorre aos juizados. Inclusio unius est exclusio alterius. Por outro lado, em seu XXXVIII Encontro, realizado em Belo Horizonte-MG, em novembro de 2015, o FONAJE, antecipando-se, expediu enunciado em que se subssume a questão dos prazos, v.g., ‘Considerando o princípio da especialidade, o CPC/2015 somente terá aplicação ao Sistema dos Juizados Especiais nos casos de expressa e específica remissão ou na hipótese de compatibilidade com os critérios previstos no art. 2º da Lei 9.099/95.’ Postas tais considerações, o FONAJE externa a sua posição pela inaplicabilidade do artigo 219 do CPC/2015 aos Juizados Especiais, da mesma forma que não se aplica ao Processo do Trabalho (art. 775 da CLT) e ao Processo Penal (art. 798 do CPP).”

Pelo que se vê, referido enunciado tomou por base os princípios norteadores dos Juizados Especiais Cíveis descritos pelo art. 2º da Lei nº 9.099/95, assumindo que a contagem de prazos processuais em dias úteis prevista no art. 219 do CPC vigente dilataria o tempo de tramitação das ações, ferindo a celeridade e, por via de consequência, a duração razoável do processo. Em razão disto e com base na especialidade da norma, o enunciado nº 165 do FONAJE rechaça a aplicação da nova sistemática de contagem de prazos processuais aos processos que seguem o rito da Lei nº 9.099/95.

Entretanto, a discussão não encontrou seu fim após o encontro do FONAJE. O Centro de Estudos Judiciários – CEJ -, vinculado ao Conselho da Justiça Federal – CJF – realizou a “I Jornada de Direito Processual Civil”, na qual foram editados 107 enunciados[15], dentre os quais está o de número 19, segundo o qual “o prazo em dias úteis previsto no art. 219 do CPC aplica-se também aos procedimentos regidos pelas Leis n. 9.099/1995, 10.259/2001 e 12.153/2009”. O fundamento para a edição do enunciado nº 19 do CEJ/CJF é o art. 1.046, § 2º do CPC que dispõe que “permanecem em vigor as disposições especiais dos procedimentos regulados em outras leis, aos quais se aplicará supletivamente este Código”.

Seguindo a mesma linha, o Fórum Nacional dos Juizados Especiais Federais – FONAJEF – editou o enunciado nº 175 que dispõe o seguinte: “por falta de previsão legal específica nas leis que tratam dos juizados especiais, aplica-se, nestes, a previsão da contagem dos prazos em dias úteis (CPC/2015, art. 219) (Aprovado no XIII FONAJEF)”. Ainda sobre o tema, a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados – ENFAM – aprovou o enunciado nº 45 segundo o qual “a contagem dos prazos em dias úteis (art. 219 do CPC/2015) aplica-se ao sistema de juizados especiais”. Além disto, o Fórum Permanente de Processualistas Civis – FPPC – editou os enunciados nº 415, que reza que “os prazos processuais no sistema dos Juizados Especiais são contados em dias úteis” e o enunciado 416, que dispõe que “a contagem do prazo processual em dias úteis prevista no art. 219 aplica-se aos Juizados Especiais Cíveis, Federais e da Fazenda Pública”. Todos os enunciados que apontam para a aplicação do CPC aos Juizados Especiais Cíveis possuem a mesma fundamentação adotada pelo CEJ/CJF.

Especificamente sobre a pluralidade de enunciados diferentes tratando sobre o mesmo tema de maneiras diversas, importa transcrever crítica do professor Lenio Luis Streck[16]:

“Na verdade, com tantos ‘órgãos’ fazendo enunciados, logo vão criar um Fórum só para dirimir conflitos de enunciados. Bingo. E haverá “enunciados secundários” (afinal, o Direito logo será um ‘sistema de enunciados primários e secundários’, não é?) … tipo “enuntiatum posterior derogat enuntiatum priori” ou ‘enuntiatum specialis derogat enuntiatum generali’”. Aliás, logo, logo algum enuncialista desvelará uma estrutura a la Kelsen, mostrando a nova estrutura do ordenamento enunciativo e o seu hipotético e transcendente ‘enunciado fundamental’, o Grundaussage, como bem ironiza Eduardo Fonseca Costa. E Danilo Cruz, um piauiense intelectual da cepa, contribui na ironia, dizendo que “se a norma hipotética fundamental que justifique os diferentes enunciados ‘é desrespeitar o CPC’, então está atendido o requisito de Kelsen; já em Hart, o que determina a validade do direito é a compatibilização das regras que determinam obrigações (primárias) com as regras secundárias; logo, obedecer aos enunciados é ‘regra primária’ e desrespeitar o CPC é regra (norma) secundária. Como diria o ‘grande filósofo contemporâneo’ Looney Toonies, “That’s all….”

E o autor segue, referindo-se à legitimidade dos enunciados como fonte do direito; tal fato, apesar de não ser o cerne da questão discutida neste estudo, merece referência já que atinge em cheio a resolução da questão abordada. Senão vejamos:

“Sigo. Parece que setores da doutrina acreditam, mesmo, que os enunciados são fontes (autorizadas) de direito, mesmo que construídos abstratamente em encontros de magistrados e especialistas agindo como se legisladores fossem. Assim, quando há um enunciado contra legem, o ‘problema’ não chega a ser ‘o enunciado’. Porque basta fazer um… enunciado certo. Ah, bom. Esta parece ser a lógica: dois errados fazem um certo. Entramos de vez na fase dos metaenunciados.

Por vezes devemos desocultar o óbvio. O argumento de que dois errados fazem um certo é facilmente apontado como falacioso por qualquer manual de lógica ou retórica. Mais: não preciso, novamente, apontar à ilegitimidade da empreitada ‘enunciadora’. O que quero é adicionar novas reflexões ao debate; apresentar uma proposta de especificação de quatro categorias no sentido de que, invariavelmente, os enunciados estarão acomodados em uma delas. Trabalho com esse modelo desde o início dos anos 90 na classificação das súmulas. Assim: quando os enunciados não forem (i) inconstitucionais, (ii) contra legem ou (iii) extra legem, serão… (iv) tautológicos. E, por vezes, são enunciados inseridos nessa quarta categoria que surgem para, vejam só, corrigir aqueles que estiverem inseridos nas outras!

Não precisamos ir longe para que possamos verificar o argumento. Afinal, há um oceano de enunciados: FPPC, Fonaje, Fonacrim, Fonajef, Enfam…. Partamos, neste primeiro momento, pois, da mesma I Jornada do CJF (ver enunciados aqui), e seu E19, aquele que foi elogiado por “cancelar” um enunciado errado ao prescrever a aplicação… do CPC. Sim, o CPC, lei ordinária válida e vigente, “derrotado” por um enunciado.”

A par da crítica à edição de enunciados acima referida, fato é que os encontros de operadores do direito, apesar de apresentarem relevância acadêmica e de, na grande maioria das vezes, cumprirem o papel a que se propõem de servir como norte à aplicação da norma in abstrato, no caso concreto, não serviram como força apta a encerrar a discussão apresentada, tendo inflamado a controvérsia, tendo em vista a divergência de opiniões exaradas nos diferentes enunciados que tratam da matéria.

 

2.3 Aspectos práticos da controvérsia: a posição adotada pela Justiça gaúcha

A problemática trazida pela compatibilização das Leis nº 13.105/15 e nº 9.099/95 expande seus efeitos para além do mundo teórico da doutrina e da academia, alcançando a prática forense tamanha sua relevância.

Pelo que se viu até aqui, é fácil perceber que não há consenso acerca da forma de contagem de prazos processuais nos Juizados Especiais Cíveis, considerando que não há, por enquanto, nada que possua força vinculante e que trate do tema. Os enunciados referidos acima servem apenas como norte na aplicação da norma, mas sua utilização depende exclusivamente do entendimento de cada magistrado. Igualmente, há apenas projeto de lei pretendendo solucionar a questão[17], mas que, obviamente, não possui vigência.

Na prática forense a ausência de padronização do entendimento sobre a aplicação do art. 219 do CPC aos processos submetidos à Lei nº 9.099/95 sepulta qualquer resquício de segurança jurídica, já que a forma de contagem de prazos processuais depende do entendimento do magistrado titular de cada uma das Varas dos Juizados Especiais Cíveis do Estado. Significa dizer que permanecem vigentes – ou eficazes – dois modos distintos de se contar de prazos: em dias úteis e em dias contínuos. Essa situação tem gerado um grande impacto no tempo de tramitação dos processos dos Juizados Especiais Cíveis, já que, em regra, tem-se utilizado Mandado de Segurança para atacar as decisões que tratam da matéria, o que cria uma espécie de hiato processual enquanto o writ pende de julgamento[18].

A fim de solucionar a questão – ou ao menos amenizar seus impactos negativos -, as Turmas Recursais Cíveis e as Turmas Recursais da Fazenda Pública do Estado do Rio Grande do Sul reuniram-se para discutir o tópico, encontro que deu origem ao Ofício-Circular nº 054/2016 – CGJ, orientando os magistrados de primeiro grau a aplicar a disposição do art. 219 do CPC nos Juizados Especiais Cíveis, vejamos:

“OFÍCIO-CIRCULAR Nº 054/2016 – CGJ

Expediente nº 0010-15/001401-2

Porto Alegre, 22 de Abril de 2016

Turmas Recursais Cíveis e Turmas Recursais da Fazenda Pública. Noticia uniformização de entendimentos no sentido de que a contagem de prazos processuais no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis e Fazendários deve ocorrer em dias úteis. Art. 219 do CPC/2015.

Senhor(a) Magistrado(a)

Ao cumprimenta-lo(a), NOTICIO que as Turmas Recursais Cíveis e as Turmas Recursais da Fazenda Pública firmaram posicionamento no sentido de que a contagem de prazos processuais no âmbito dos respectivos Juizados deve ocorrer em dias úteis, incidindo a previsão do art. 219 do CPC/2015.

Outrossim, informo que os sistemas Themis1g e e-Themis1g continuam possibilitando a contagem de prazos de forma manual, de acordo com o entendimento jurisdicional de cada magistrado.”

A iniciativa das Turmas Recursais Cíveis e da Fazenda Pública é louvável e merece ser celebrada, já que restaurou parte da segurança jurídica perdida pela pluralidade de entendimentos divergentes acerca da matéria. Apesar disto, como já mencionado, o teor do Ofício-Circular nº 054/2016 – CGJ não possui força vinculante, de modo que se mostra muito mais como um balizador para a aplicação da norma aos magistrados de primeiro grau; serve também como uma previsão do desfecho que aguarda a discussão da questão se submetida ao julgador ad quem.

Para corroborar a questão, vejamos precedentes oriundos das Turmas Recursais Cíveis que tratam da matéria:

“DECISÃO MONOCRÁTICA. MANDADO DE SEGURANÇA. NÃO RECEBIMENTO DO RECURSO INOMINADO POR INTEMPESTIVIDADE. RECURSO INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. CONTAGEM DO PRAZO EM DIAS ÚTEIS. APLICAÇÃO DO DISPOSTO NO ART. 219 DO CPC AO JEC. OFÍCIO-CIRCULAR Nº 054/2016 DA CGJ. DIREITO LÍQUIDO E CERTO DA IMPETRANTE AO RECEBIMENTO DO RECURSO. SEGURANÇA CONCEDIDA. (Mandado de Segurança Nº 71007548845, Primeira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Mara Lúcia Coccaro Martins Facchini, Julgado em 14/03/2018)”

 

“MANDADO DE SEGURANÇA. INTEMPESTIVIDADE DO RECURSO INOMINADO. RECURSO INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. CONTAGEM DO PRAZO EM DIAS ÚTEIS. APLICAÇÃO DO DISPOSTO NO ART. 219 DO NCPC AO JEC. OFÍCIO-CIRCULAR Nº 054/2016 DA CGJ. DIREITO LÍQUIDO E CERTO AO RECEBIMENTO DO RECURSO. SEGURANÇA CONCEDIDA. (Mandado de Segurança Nº 71007311640, Terceira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Fabio Vieira Heerdt, Julgado em 22/02/2018)”

 

“MANDADO DE SEGURANÇA. NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO INOMINADO, SOB ALEGAÇÃO DE SER INTEMPESTIVO, CONSIDERANDO A CONTAGEM DO PRAZO EM DIAS CORRIDOS. INTERPOSIÇÃO DO RECURSO NA VIGÊNCIA DO NOVO CPC. CONTAGEM DO PRAZO QUE DEVE OBSERVAR APENAS OS DIAS ÚTEIS, CONFORME ART. 219 DO ATUAL CPC. REGRA APLICÁVEL NO ÂMBITO DO JEC, DE FORMA SUBSIDIÁRIA. SEGURANÇA CONCEDIDA. (Mandado de Segurança Nº 71007204936, Quarta Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Glaucia Dipp Dreher, Julgado em 27/10/2017)”

Dessa forma, conclui-se que o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul possui entendimento no sentido de que a regra do art. 219 do Código de Processo Civil deve ser aplicada irrestritamente aos Juizados Especiais Cíveis, orientação harmonizada pela edição do Ofício-Circular nº 054/2016 – CGJ, iniciativa que pretendeu recompor a segurança jurídica àqueles que dependem a tutela jurisdicional do Estado nos limites da competência dos Juizados Especiais Cíveis e da Fazenda Pública.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pois bem, o caminho percorrido até aqui foi propositalmente conduzido para a melhor análise da questão objeto do presente estudo. É necessário que haja a correta compreensão dos princípios aplicáveis ao caso concreto, a forma de sua aplicação, bem assim das normas fundamentais da hermenêutica jurídica. Importa, deste modo, que seja investigada cada uma das teorias adotadas sob a ótica dos princípios constitucionais e processuais tratados ao longo deste artigo.

De um lado há a tese que aponta pela não aplicação do art. 219 do CPC aos Juizados Especiais Cíveis, que encontra sua justificativa na ofensa aos princípios da celeridade, da economia e da simplicidade processuais. De acordo com este entendimento, a utilização de dias úteis na contagem de prazos processuais dilataria o lapso temporal de trâmite do processo, fato que ofenderia, em tese, a celeridade processual, princípio informador da Lei nº 9.099/95. Esta corrente de pensamento ganhou força com sua adoção pela Ministra Nancy Andrighi, então Corregedora Geral de Justiça do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, que entende que a adoção do art. 219 pelos Juizados Especiais Cíveis é contrária aos fundamentos adotados pela Lei nº 9.099/95.

Por outro lado, exsurge a tese que defende a aplicação do Código de Processo Civil como fonte subsidiária à Lei nº 9.099/95. O fundamento desta teoria reside no princípio da legalidade, ou seja, da necessidade de que haja lei prevendo a forma de contagem de prazos processuais, ainda que de natureza genérica. Apoia-se, ainda, na ideia de que o Código de Processo Civil sempre foi a fonte subsidiária no que tange à contagem de prazos processuais nos Juizados Especiais Cíveis, não havendo justificativa para que a situação seja alterada com o advento da Lei nº 13.105/15.

Analisando a questão sob a ótica dos princípios fundamentais da Constituição Federal e do processo civil, parece que a melhor interpretação do caso concreto conduz à aplicação do art. 219 do Código de Processo Civil aos processos que tramitam pelos Juizados Especiais Cíveis. Como visto ao longo deste trabalho, a interpretação da norma in abstrato passa pela análise de diversos princípios jurídicos, utilizando-se deles também como fonte do direito. Apesar disto, no caso concreto, o princípio da legalidade deve ser prestigiado em detrimento daqueles que norteiam a aplicação da Lei nº 9.099/95.

A celeridade processual possui relação com o tempo de tramitação de um processo, mas também está ligada à qualidade da prestação jurisdicional que é entregue pelo Estado, conforme analisado no ponto 2.1.2 deste estudo. Sendo assim, a não aplicação do art. 219 do CPC aos Juizados Especiais Cíveis cria um paradoxo: em última análise, um processo que não se fundamenta na lei é um processo nulo e que, portanto, carece de qualidade na prestação jurisdicional o que culmina em ofensa à própria celeridade.

Dessa forma, a fim de prestigiar a segurança jurídica na aplicação da lei e de uniformizar o entendimento jurisprudencial, bem como atendendo ao princípio da legalidade, considerando o fato de que o Código de Processo Civil sempre foi fonte subsidiária para a sistemática da contagem de prazos processuais para os processos que seguem o rito da Lei n 9.099/95, a saída mais adequada para a presente questão é admitir-se irrestritamente a aplicação do art. 219 da Lei nº 13.105/15 aos processos em trâmite pelos Juizados Especiais Cíveis, entendimento que tende a ser prevalente no que concerne à questão abordada.

 

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TJRS. AGRAVO  DE INSTRUMENTO. AgInst nº 70051845717, Décima Câmara Cível. Relator: Jorge Alberto Schreiner Pestana, julgado em 22/03/2018. Disponível em < http://www.tjrs.jus.br/busca/search?q=vig%C3%AAncia+c%C3%B3digo+processo+civil+1973&proxystylesheet=tjrs_index&client=tjrs_index&filter=0&getfields=*&aba=juris&entsp=a__politica-site&wc=200&wc_mc=1&oe=UTF-8&ie=UTF-8&ud=1&sort=date%3AD%3AS%3Ad1&as_qj=ato+praticado+vig%C3%AAncia+c%C3%B3digo+anterior&site=ementario&as_epq=&as_oq=&as_eq=&as_q=+#main_res_juris>. Acesso em: 23 mar. 2018.

TJRS. MANDADO DE SEGURANÇA. MS nº 71007204936, Quarta Turma Recursal Cível. Relator: Glaucia Dipp Dreher, Julgado em 27/10/2017. Disponível em < http://www.tjrs.jus.br/busca/search?proxystylesheet=tjrs_index&client=tjrs_index&filter=0&getfields=*&aba=juris&entsp=a__politica-site&wc=200&wc_mc=1&oe=UTF-8&ie=UTF-8&ud=1&sort=date:D:S:d1&as_qj=219+CPC+JEFP&site=ementario&as_epq=&as_oq=&as_eq=&as_q=+&ulang=pt-BR&ip=191.191.202.58&access=p&entqr=3&entqrm=0&q=219+CPC+JEC#main_res_juris>. Acesso em: 03 mar. 2018.

TJRS. MANDADO DE SEGURANÇA. MS nº 71007311640, Terceira Turma Recursal Cível. Relator: Fabio Vieira Heerdt, julgado em 22/02/2018. Disponível em < http://www.tjrs.jus.br/busca/search?proxystylesheet=tjrs_index&client=tjrs_index&filter=0&getfields=*&aba=juris&entsp=a__politica-site&wc=200&wc_mc=1&oe=UTF-8&ie=UTF-8&ud=1&sort=date:D:S:d1&as_qj=219+CPC+JEFP&site=ementario&as_epq=&as_oq=&as_eq=&as_q=+&ulang=pt-BR&ip=191.191.202.58&access=p&entqr=3&entqrm=0&q=219+CPC+JEC#main_res_juris>. Acesso em: 20 mar. 2018.

TJRS. MANDADO DE SEGURANÇA. MS nº 71007548845, Primeira Turma Recursal Cível. Relator: Mara Lúcia Coccaro Martins Facchini, julgado em 14/03/2018. Disponível em < http://www.tjrs.jus.br/busca/search?proxystylesheet=tjrs_index&client=tjrs_index&filter=0&getfields=*&aba=juris&entsp=a__politica-site&wc=200&wc_mc=1&oe=UTF-8&ie=UTF-8&ud=1&sort=date:D:S:d1&as_qj=219+CPC+JEFP&site=ementario&as_epq=&as_oq=&as_eq=&as_q=+&ulang=pt-BR&ip=191.191.202.58&access=p&entqr=3&entqrm=0&q=219+CPC+JEC#main_res_juris>. Acesso em: 20 mar. 2018.

WAMBIER, Luis Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo civil: teoria geral do processo. vol 1. 5 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016 [e-book].

 

[1]Bacharel em Direito pela UCPEL e Especialista em Direito Processual Civil pelo IMED. E-mail: [email protected].

[2] Conforme lição de José Afonso da Silva (2012, p. 162): “a característica marcante das normas constitucionais consiste na sua supremacia, que é corolário da rigidez da Constituição. Pode-se mesmo dizer que é o princípio da supremacia formal que consubstancia o conceito de normas constitucionais, uma vez que, sem ele, tais normas não teriam diferença alguma das normas da legislação ordinária. É a supremacia, pois, que define a distinção formal entre normas constitucionais e as demais normas do ordenamento jurídico. Significa que as normas constitucionais estão no vértice do ordenamento jurídico, como têtes de chapitre dos demais ramos do direito, conforme anotava Pellegrino Rossi. E é desse princípio da supremacia que decorre a posição de superioridade hierárquica das normas constitucionais, que, por isso mesmo, constituem fundamento de validade das demais normas jurídicas, do qual resulta também o princípio da compatibilidade vertical das normas do ordenamento jurídico, no sentido de que as normas de grau inferior somente valerão se forem compatíveis com a de grau superior.

[3] Art. 2º. Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.

  • 1º. A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.

[4] Art. 2º. Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.

  • 1º. A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.
  • 2º. A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.

[5] Art. 15.  Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente.

[6] Art. 2º. O processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação.

[7] Apesar de tradicionalmente o foco da competência dos Juizados Especiais Cíveis ser o critério econômico – relacionado ao valor da causa -, a Lei nº 9.099/95 trata de outros critérios para aferição de competência, como, por exemplo, a matéria envolvida na lide – art. 3º, II e III -, casos em que não há limitação do valor de que trata o art. 3º, I daquela mesma Lei.

[8] Art. 48 da Lei nº 9.099/95 e art. 1.062 do CPC, v.g.

[9] Art. 1.046. Ao entrar em vigor este Código, suas disposições se aplicarão desde logo aos processos pendentes, ficando revogada a Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973.

[10] Art. 178. O prazo, estabelecido pela lei ou pelo juiz, é contínuo, não se interrompendo nos f eriados.

[11] No caso em referência a intimação da decisão interlocutória do magistrado de primeiro grau ocorreu durante a vigência da Lei nº 5.869/73, de modo que os critérios de admissibilidade da insurgência eram aqueles previstos à época da interposição do Agravo de Instrumento, ainda que a análise da questão tenha ocorrido na vigência do atual CPC, que alterou os prazos recursais substancialmente.

[12] Princípio segundo o qual a norma aplicável é aquela vigente à época da ocorrência dos fatos. Significa literalmente “o tempo rege o ato” e é extraído do art. 6º Decreto-Lei nº 4.657/42, que reza que “a Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada”.

 

[13] Em suma, os enunciados são formulados após exposição e debate por parte de magistrados, servidores e outros profissionais do direito cuja atuação seja afeta à matéria em discussão ou, ao menos, haja interesse na discussão acerca do tema central do encontro jurídico.

[14] Disponível em <http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI236272,51045-Nancy+Andrighi+prazos+do+novo+CPC+nao+devem+valer+para+Juizados>. Acesso em: 18. fev. 2018.

[15] Disponível em: <http://www.cjf.jus.br/cjf/noticias/2017/setembro/cej-divulga-enunciados-da-i-jornada-de-direito-processual-civil>; Acesso em 15. mar. 2018.

[16] Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2017-set-14/senso-incomum-enunciado-cancela-enunciado-jurisdicao-enunciativa-quo-vadis>. Acesso em 12 de janeiro de 2018.

[17] O PLS nº 36/2018, aprovado pela CCJ do Senado, pretende acrescentar o art. 12-A à Lei nº 9.099/95 com a seguinte redação: “Na contagem do prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, para a prática de qualquer ato processual, inclusive a interposição de recursos, computar-se-ão somente os dias úteis.”

[18] Se, por exemplo, um Recurso Inominado não é recebido porque o advogado se utilizou da disposição do art. 219 do CPC em Vara do JEC na qual o entendimento do magistrado é em sentido contrário, o processo poderá ser extinto e alcançar seu trânsito em julgado na pendência do julgamento de Mandado de Segurança contra a decisão relativa à contagem do prazo processual. Neste caso, uma vez concedida a segurança, o processo seria reativado após sua baixa com o recebimento do Recurso Cível e o prosseguimento do feito nas Turmas Recursais Cíveis, situação que dilataria sobremaneira o lapso de tramitação do feito, contrariando a celeridade processual.

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