Elaborado
em agosto de 1997A criminologia define-se, em regra como sendo o estudo do
crime e do criminoso, isto é: criminalidade. A Criminologia, o estudo do crime
e dos criminosos, dentro de um recorte causal — explicativo, informado de
elementos naturalísticos (psicofísicos), ‘‘é ciência social ou não será ciência’’
Não
é uma ciência independente, mas atrelada à Sociologia , à apreciação científica
da organização da sociedade humana. Ao lado da Sociologia , se mostra numa condição
de contrastante de ‘‘uma das mais jovens e uma das mais velhas ciências’’.
Jovem
e livre até da rotulação relativamente recente do respectivo vocábulo, um termo
híbrido, por Augusto Comte , do latim socius, amigo ou companheiro, e do
grego logos, ciência. Velha, uma vez que a análise da vida gregária dos
seres humanos já era praticada de vários modos pela Antropologia, bem antes de
sua aparição no panorama cultural.
No
entanto, não só do pensamento sociológico se sustenta a Criminologia, que, pelo
contrário, possui aparência eminentemente multidisciplinar, sempre se enriquecendo
com diferentes ciências posicionadas à sua volta e áreas do conhecimento afins
ou afluentes.
A
maioria vai listada adiante: primus inter pares, o Direito Penal, ramo
da Dogmática Jurídica que definem quais condutas tipificam crimes ou
contravenções, estabelecendo as respectivas penas; a Medicina Legal (aí
compreendida a Psiquiatria Forense), aplicação específica das ciências médicas,
paramédicas e biológicas ao Direito; Psicologia Criminal, cuja matriz é a
Psicologia (comum), ciência ocupada com a mente humana, seus estados e
processos: a Antropologia Criminal (Ferri, Lombroso e Garofalo), que assume
para si a responsabilidade de pesquisar e desenhar supostos perfis dos infratores
penais, a partir de disposições anatômicas e estigmas somáticos particulares,
hoje um pouco desprovida do crédito que foi desfrutado antigamente; a
Sociologia Criminal (subdivisão da Sociologia, filiada à Sociologia Jurídica),
fundada por Enrico Ferri, que visualiza o ilícito penal como fenômeno gerado no
desenvolvimento do convívio, em escala ampla, dos homens, analisando a
importância direta ou indireta do ambiente social na formação da personalidade
de cada um; a Psicosociologia Criminal, subordinada a Psicosociologia, suma
psicológica dos fatos sociais; a Política Criminal, que rastreia e monitora os
meios educativos ou intimidativos de que dispõe ou deve dispor o Estado,
inclusive no terreno da elaboração legislativa, para o melhor desempenho, em
seu papel de, prevenir e reprimir a criminalidade, procurando ela,
paralelamente, fornecer fórmulas para se achar a proporção ideal entre a
gravidade da conduta de um determinado criminoso ou contraventor penal e o
quantum da sanção a aplicar-lhe, face a face com a situação concreta, a Lógica
Jurídica, no seu segmento que se dirige para a fenomenologia e a problemática
do crime, lastreada na Lógica formal, pura (ciência da razão, em si mesma).
Igualmente,
conta a Criminologia com complemento de ciências auxiliares: a Genética,
ciência da hereditariedade; a Demografia, levantamento numérico populacional
(taxas de natalidade e de mortalidade, distribuição de faixas etárias, expectativa
de vida, migrações etc.); a Etologia, investigação de natureza científica do
comportamento humano, de acordo com as leis gerais da Psicologia, levando em
conta às múltiplas influências e acomodações que as circunstâncias ambientais
exercem, de ordinário, sobre o comportamento da pessoa ou da sociedade; a
Penalogia (ou Penologia) que Francis Lieber, o criador da palavra (1834), conceituou
como ‘‘o ramo das ciências criminais que cuida do castigo do delinqüente’’, a
Vitimologia, estudo do comportamento da vítima, com avaliação das causas e dos
efeitos da ação delitiva, esquadrinhada sob o prisma e a interação da dupla
penal criminoso/vítima, a Estatística, conjunto de métodos matemáticos, centrada
em dados reais, de que se serve para construir modelos de probabilidade
relativos a indivíduos, grupos ou coisas (por exemplo, defasagem quantitativa
ou qualitativa na oferta de empregos), quando, numa fonte especializada
(Estatística Criminal) retrate fatores ou indutores de criminalidade. “Toda
ciência, proclamou Aristóteles, tem por objeto o necessário”.
Não
é tarefa fácil para a Criminologia lidar com a delinqüência constantemente sofisticada,
assim como com a violência, que hoje se banalizou. Para ficar mais a par do
itinerário, e dos atalhos, que conduzem ao delito, sobretudo nos agregados
sociais urbanos de densa população, a Criminologia precisa traçar uma tática eficaz.
A criminologia, não trata unicamente da pessoa humana, porque o homem é o
agente do ato anti- social, mas sobre este agente existem várias causas e
muitas ainda desconhecidas, que modificarão o caráter essencialmente humano ou
antropológico do fenômeno. A criminologia é e deve ser considerada de acordo
com a maioria dos estudiosos do assunto, uma ciência pré-jurídica, sua matéria
de estudos é o homem, o seu viver social, suas ações, toda sua evolução, como
espécie e como indivíduo. Para um estudo completo de criminologia devemos
estudar tanto a filosofia, sociologia, psicologia, e a ética. Esta ultima, que
vai à base moral da humanidade, daí deve-se entender melhor o que é essa Moral;
pois o Código Penal apóia-se sobre a moral.
Esta
ciência social que estuda a natureza, a extensão e as causas do crime, possui
dois objetivos básicos: a determinação de causas, tanto pessoais como sociais,
do comportamento criminoso e o desenvolvimento de princípios válidos para o
controle social do delito. Desde o século XVIII, são formuladas várias teorias
científicas para explicar as causas do delito. O médico alemão Franz Joseph
Gall procurou relacionar a estrutura cerebral com as inclinações criminosas. No
final do século XIX, o criminologista Cesare Lombroso afirmava que os delitos
são cometidos por aqueles que nascem com certos traços físicos hereditários
reconhecíveis, teoria refutada no começo do século XX por Charles Goring, que
fez um estudo comparativo entre delinqüentes encarcerados e cidadãos respeitadores
das leis, chegando à conclusão de que não existem os chamados “tipos criminais”
com disposição inata para o crime. Na França, Montesquieu procurou relacionar o
comportamento criminoso com o ambiente natural e físico. Por outro lado, os
estudiosos ligados aos movimentos socialistas têm considerado o delito como um
efeito derivado das necessidades da pobreza. Outros teóricos relacionam a
criminalidade com o estado geral da cultura, sobretudo pelo impacto
desencadeado pelas crises econômicas, as guerras, as revoluções e o sentimento
generalizado de insegurança e desproteção derivados de tais fenômenos. No
século XX, destacam-se as teorias elaboradas por psicólogos e psiquiatras, que
indicam que cerca de um quarto da população reclusa é composta por psicóticos,
neuróticos ou pessoas instáveis emocionalmente, e outro quarto padece de
deficiências mentais. A maioria dos especialistas, porém, está mais inclinada a
assumir as teorias do fator múltiplo, de que o delito surge como conseqüência
de um conjunto de conflitos e influências biológicas, psicológicas, culturais,
econômicas e políticas.
Ao lado do desenvolvimento das
teorias sobre as causas do delito, são estudados vários modelos correcionais.
Assim, a antiga teoria teológica e moral entendia o castigo como uma retribuição
à sociedade pelo mal cometido. Jeremy Bentham procurou que houvesse uma relação
mais precisa entre castigo e delito e insistia na fixação de penas definidas e
inflexíveis para cada classe de crime, de tal forma que a dor da pena superasse
apenas um pouco o prazer do delito. No princípio do século XX, a escola
neoclássica rejeitava as penas fixas e propunha que as sentenças variassem em
função das circunstâncias concretas do delito, como a idade, o nível
intelectual e o estado psicológico do delinqüente. A chamada escola italiana
outorgava às medidas preventivas do delito mais importância do que às
destinadas a reprimi-lo. As tentativas modernas de tratamento dos delinqüentes
devem quase tudo à psiquiatria e aos métodos de estudo aplicados a casos concretos.
A atitude dos cientistas contemporâneos é de que os delinqüentes são indivíduos
e sua reabilitação só poderá ser alcançada através de tratamentos individuais e
específicos.
Entretanto, há na ciência –
Criminologia – já um acervo com que se deve contar, para ir em demanda das
novas rotas que se nos deparam. E esse acervo já vem sendo colhido em longas
décadas de estudo e de meditação, armazenando largos cabedais que constituem
uma bibliografia inumerável, na qual, ao lado de muito joio, excelentes contribuições
se podem contar. Todavia, alguns menos ansiosos por avançar sempre na procura
da solução de múltiplas incógnitas que ainda nos enfrentam, crêem desde logo de
assentar a Criminologia em bases suficientemente estáveis.
O crime apresenta uma transformação, ou ampliação, que de
uma forma aceitavelmente denominada “normal”, se projeta hoje para
configurações que poderiam ser consideradas “anormais”. Apenas se deve ponderar
que essa atual anormalidade assim se nos apresenta por não terem podido estar
os gabaritos normativos acompanhando sempre as transformações psico-sociais que
a época atual oferece, dada à tumultuosa evolução dos sistemas de vida e das
colisões sociais. E daí desde logo se nos apresenta um dos problemas básicos da
Criminologia: é que ela se desenvolveu a partir do Direito Criminal, mas, por
assim dizer, disciplinada, ou jungida, às condições penais e, ainda, demarcada,
em seus horizontes, por uma finalidade que ia mais às situações pós-delituais,
e avança preferentemente para os aspectos punitivos e, depois, recuperados do
delinqüente.
Desta sorte, há uma Criminologia ainda hoje definida como
um ramo subsidiário do Direito Penal, e que serviria mais para a correta
aplicação desse mesmo Direito; visaria ela ilustrá-lo com os conhecimentos que
se foram adquirindo quanto à pessoa do criminoso, às condições do crime dentro
da dinâmica delituosa e da eventual motivação do ato anti-social, inclusive
pela incorporação da vitimologia
hoje de tanta nomeada nos círculos científicos.
Tratar-se-á de uma
Criminologia que se poderá denominar de pragmática
e que, na escala do conhecimento, sempre definida como sendo de posição pré-jurídica. A partir dos Códigos,
e atendendo ao seu espírito, busca essa Criminologia oferecer ao aplicador da
Lei os meios mais efetivos e esclarecidos para que o cumprimento dos
dispositivos penais se torne mais cientificamente apoiado e informado.
Nessa mesma ordem de aplicação científica dos conhecimentos
criminológicos se situou o nosso sábio legislador de 1940 quando, no já citado
artigo 42 do Código Penal, ainda vigente, preceituou que o Juiz, para aplicar a
pena, deverá atender “aos antecedentes e à personalidade do agente, à
intensidade do dolo ou grau da culpa, aos motivos, às circunstâncias e
conseqüências do crime”.
Aí estão, pois, as vias da Criminologia pragmática,
auxiliar do Direito, para assessorá-lo, em matéria de sua competência, e
visando a personalização do
tratamento penal. Como nem sempre se pode realizar este exame do delinqüente
antes do julgamento, momento esse que seria idealmente o ótimo pra o levar a
efeito – e como é determinado pela Lei, segundo ficou registrado – quando menos
deve essa análise do criminoso ser posta de triagem suficientemente capaz de apreciar a pluridimensional personalidade
do agente anti-social. E dessa análise deverá surgir a orientação a seguir no
tratamento, para melhor perspectiva de êxito do mesmo, desde que bem adequado à
personalidade do delinqüente e às várias opções que se ofereçam dentro do
sistema penitenciário existente.
Além
desta Criminologia pragmática, ainda e sempre ao lado do Direito, para servi-lo
nas suas indagações sobre a criminogênese dos fatos delituosos, poder-se-á colocar
a Criminologia especulativa, causal
da genética, que teria uma posição para-jurídica,
cuidando da grande ambição de todos os criminólogos, ou seja, de indagar e
identificar as causas da criminalidade.
É a grande meta que os estudos
criminogenéticos têm como alvo e que – se acaso lá pudéssemos aportar – nos
levaria, quiçá, um dia, a poder aplicar, com total sucesso, o velho preceito,
que dita: “sublata causa tollitur effectus” ideal fagueiro dos estudos criminológicos,
mas que tem sido ainda a miragem fugidia de todas as esperanças
causal-explicativas do delito.
Recorde-se, ainda uma vez, que,
inicialmente, houve a fase biológica estricta; a Somatologia criminal, com os
seus tipos lombrosianos, pretendeu fornecer a primeira chave para abrir a
incógnita criminogenética, chegando-se até à abstração do criminoso nato, que
não chegou a vingar. Recolhidos os contributos desta fase, prosseguiram as esperanças
quando se iniciou a era endocrinológica, de que nos dá informação assaz completa
a monumental obra de Mariano Ruiz-Funes, Mestre espanhol que, na Faculdade de
Direito da Universidade de São Paulo, proferiu o curso “Endocrinologia Y
criminalidad”, de 1929, que marcou época pela amplitude e segurança de
seus conceitos. Esta fase funcional das endocrinias, por vez, deu ensejo à concepção biotipológica, já integrada do
tipo humano vivente, e que logo se desenvolveu para a Biotipologia criminal. E
a cada passo , novas esperanças, mas acompanhadas do reconhecimento de que era
mister da Psiquiatria forense, a então recente concepção freudiana, mais
euforia dominou o campo da criminogênese – e a
Psicanálise criminal dava a entender que tudo estava resolvido a partir
de então.
O que estava a se verificar era o
entusiasmo que cada “pílula científica”, cada nova fresta
entreaberta, parecia anunciar-se como fórmula final para a solução da incógnita
criminogenética. Mas, a cada nova esperança, depois se verificava que nem tudo
estava resolvido, e que só mais um ângulo, de abertura estreita, no caminho
cada vez mais longo da via causal do delito. E como já foi dito, novas pílulas
foram se acrescendo, até à diencefalose,
criminógena, até aos conjuntos cromossômicos aberrantes (XYX, XXY etc.), até às
indagações citoquímicas, enzimáticas, até… aonde puderem ser levadas as
observações mais agudas de campos cada vez mais miúdos e estreitos.
Mas desde logo se percebe que a
solução bio-criminogenética é um dédalo em que se tem perdido a ânsia de
resolver o problema apenas por esse lado. E, ademais, desde logo se verificou
que só o exame do “uomo delinqüente”
não bastava, visto que ele era também produto do meio. E a Sociologia se
aplicou também aos estudos criminogenéticos, dando origem á Sociologia Criminal, que se arrogava, por
sua vez, a pretensão de Ter em si a solução sempre tão ambicionada. Já vinha,
aliás, de Platão, este pensamento precursor, “atribuindo os crimes à falta
de educação dos cidadãos e má organização do Estado”, como lembrava
oportunamente Afrânio Peixoto, em sua “Criminologia”. Com Durkhein, Ferri,
Lacassagne, Tarde, Turati, Bataglia, Lafargue, Bebel… desenvolveu-se esta
escola que opunha, ao falar biológico, a gênese social dos delitos. E houve,
incrivelmente, um dissídio que pretendeu, cada um do seu lado, impor a conclusão
de que o fator mesológico, ou o fator biológico, é que determinava
prevalentemente o crime. Só mais tarde, e agora mais lucidamente, é que veio a
prevalecer o princípio de uma globalização de todos os chamados fatores
criminogenéticos que, num
caso, podem oferecer predomínio da influência mesológica, num outro caso, podem
apontar a biologia como sobressalente, e, em muitos outros, se verificava certa
equivalência na atuação de tais fatores. Mas sempre se reconhecendo, em todos
os casos, a presença de ambos esses fatores, como desde Ferri, já se fazia
patente. Daí resultou, até, uma classificação de criminosos, que tem feito sucesso, e que é
absolutamente natural em sua formulação.
Mesmo quando muito se haja batendo
neste caudal das possíveis causas do delito, tanto no campo da biologia, quanto
no da mesologia, ainda devemos confessar que a gênese delitual continua a oferecer
pontos penumbrosos. De onde, as palavras de Roberto Lyra Filho.
É que não há fatores específicos
para o crime, que o venham a ocasionar dentro de um determinismo irreversível –
nem do ponto de vista endógeno, nem dentro do ângulo exógeno. Essa identificação
de causas específicas, como se fossem sintomas patagnomônicos, era a grande
ambição do lombrosianismo, para desde logo caracterizar os criminosos. Ao
início de sua carreira, tinha o sábio de Turim essa visão: “um periodista
francês, Laveleye, que o conheceu neste estágio de sua crítica científica,
registrou a seguinte impressão sobre o emérito investigador, tocada de laivos
de ironia:” Apresentaram-me esta noite um jovem sábio desconhecido, chamado
Lombroso; fala de cenas caracteres pelos quais se poderia reconhecer facilmente
o delinqüente. Que útil e cômoda descoberta para os juizes de instrução…
Buscava-se,
então, a solução de um problema de conduta humana sem atentar holisticamente
para o autor desse tal comportamento. Não só a disputa de primazias bio ou
mesológicas, como também, e principalmente, a exclusão do núcleo ético da
personalidade, entre os núcleos de geração do ato anti-social, levaram a
decepções no campo da caracterização naturalística das causas do delito. E só
mais moderadamente se volvem as mentes dos criminólogos para
uma conceituação mais globalizadora da gênese delital, incluindo todos
os elementos com que se deve contar: os chamados fatores criminogenéticos , e também os fundamentos éticos da
personalidade, sobre os quais agem exatamente aqueles fatores. O
“cientificismo” (expressão com que se busca denominar a falsa posição
de uma ciência daltônica que não sabe ver senão o seu estreito espectro de
visada) deve-se curvar à evidência de que, se podemos falar, como dizia Di
Túllio e, fatores crimino-impelentes, devemos também reconhecer, por parte
daquele núcleo ético, a existência de
fatores crimino-repelentes. O ato anti-social só resultará se, à ação dos ditos falares que impelem para o crime,
se somar à ação consensual do núcleo ético da pessoa sobre a qual eles agem.
Daí que é necessário não nos fixarmos somente na Biologia criminal e na
Sociologia criminal, olvidando que, em cada pessoa, o que realmente a
caracteriza como ser humano é a existência, ainda e sempre vigente, de um arbítrio. Não é ele livre na existência do homem, como o é era sua essência: mas é
sempre, em certa medida capaz de enfrentar a ação dos fatores criminogenéticos,
E porque, às vezes, cede é que se faz mister julgar o homem inteligentemente, a
fim de saber até onde e como agiram os referidos fatores, e até que medida e de
maneira o núcleo moral consentiu, ou se dobrou, à ação dos ditos fatores.
O reconhecimento de uma avaliação
globalizante das condições personalíssimas de cada criminoso, em razão desse
conjunto ora referido, leva a um neo-ecletismo
penal. Assim, só será válida a retornada da gênese criminal se, às causas
endo e exógenas, soubermos anexar o núcleo sobre o qual elas agem – ou seja, a
essência ética da personalidade – sem cuja consideração a criminogênese
clássica, ou ortodoxa, cairá na decepção de que nos falava Afrânio Peixoto.
Como entender a ação de fatores criminogenéticos sem os coligar à pessoa
humana, e ao núcleo dessa pessoa no qual, enfim, se delibera? Atualmente,
tomadas mais humildes – e sábias, por isso – as pretensões criminogenéticas naturalísticas,
pode-se passar àquele neo-ecletismo penal, em que, como causas, se escalonam as
ambientais, as bio-psíquicas e as éticas (ou volitivas, em termos de
deliberação, ou de arbítrio).
Então, só se podendo caracterizar o ratio
crime se, aos fatores endo e exógenos, se associar o fato ético, esta tripeça –
bio-psiquismo, mesologia e anuência ética – deverá ser considerada como o
conjunto indispensável para se poder falar em delito, em seu sentido mais
exato, científico e compreensivo de um complexo pessoal que só assim se constitui
completamente.
É desse fato fundamental, mas que se
tem mantido sem a devida conotação consciente de seus elementos constitutivos,
que decorre o neo-ecletismo penal, o qual proclama estas verdades basilares,
sem as quais a Criminologia nunca alcançará uma formulação mais inteligente a
adequada das suas postulações.
Desde que integremos estas noções,
de que, na gênese criminal, devem ser considerados os falares bio e
mesológicos, e também o falar ético leva-nos a admitir, todavia, uma separação
das capacidades que podem apreciar e decidir sobre a forma de atuação e sobre a
ordenação dos seus respectivos valores. É que os fatores bio-mesológicos – que
procuram explicar a gênese criminosa – são de apreciação criminológica
estrita; ao posso que o fator ético – onde se insere a condição que procura justificar
a origem do delito – só pode ser apreciada pela capacidade do Juiz.
Daí, surge aquela distinção do Prof. López-Rey Y Arrojo, ao recordar que se
deve distinguir precisamente entre o que tende a explicar, daquilo que pode
justificar uma conduta anti-social. Se escusável, ou não, só o Juiz pode
decidir mas, para tanto, deverá ele atender às causas aferíveis que podem explicar
porque a deliberação humana tenha sido mais ou menos comprometida pela
influência dos fatores criminogenéticos endo e exógenos; e até
que o ponto ético teria sido consensual com a prática criminosa.
Por isso, e para isso mesmo, deve
ser considerada também, ao lado da Criminologia pragmática (pré-jurídica) e da
Criminologia especulativa (para-jurídica), uma Criminologia crítica ou, melhor,
dialética, ao estilo do que o propõe Roberto Lyra Filho, a cuja posição seria
de colocação metajurídica. Esta Criminologia dialética deve propor a si mesma um
estudo das mutações do conceito social da vida humana. Se voltarmos ao início
destas considerações, e nos recordarmos de que há uma criminalidade nova,
devemos conseqüentemente ter a decisão de rever os valores sociais, éticos e
jurídicos, em face da sociedade tecnocrática em que ingressamos, para buscar as
formas adequadas para uma reformulação, inclusive estrutural, das condições
anuais da vida humana.
Evidentemente, a tripartição da
Criminologia em seções – pragmática (pré-jurídica), especulativa
(para-jurídica) e dialética (metajurídica) – não quererá significar, de forma
alguma, que haja uma separação estanque entre esses departamentos; antes, eles
se entrosam e entre si estabelecem uma linha de plena fusão. Apenas, em graus sucessivos,
procura-se ampliar progressivamente o estudo e o conhecimento da dificílima e
ampla ciência que é a Criminologia, para chegar até a formulação de princípios
que solucionem os intrincados problemas da vida contemporânea e prevejam as
possíveis rotas a seguir para uma prevenção mais efetiva dos conflitos humanos,
profilaxia essa que, ainda aqui, ou principalmente aqui, é o alvo supremo das
nossas cogitações, e que deve pretender chegar até às próprias estruturas e
valores fundamentais, a fim de advertir quanto à conveniência ou
necessidade de se realizar as mudanças possíveis e indicadas para se avançar no
objetivo de uma Justiça Social mais efetiva. E só a partir de uma base que considere
realisticamente, mais instruidamente, os fatos fundamentais da vida humana
hodierna, com todas as suas especificações mais compreensivas da conduta dos
homens, é que podemos fazer prevenção criminal válida – e não ficarmos só na
obsessão de saber como lutar mais efetivamente contra o delito já praticado, em
termos de penitenciariarismo, supostamente ressocializante. Assim, se fará a macro-criminologia
de que nos fala, sábia e oportunamente, usando expressões trazidas das Ciências
Econômicas, Roberto Lyra Filho, indo, então, mais além da micro-criminologia
que se atém ao âmbito de estudo apenas do crime e do criminoso.
No que se refere à Criminologia
especulativa, sem dúvida alguma, necessita-se do seu estudo
pormenorizado, fazendo sentir quantas informações úteis se recolhem na análise
pluridimensional que busca das causas do delito, não só em sentido casuístico,
e em perspectiva globalizadora, em fluxo analítico-sintético, como também em
sentido de generalização dos conceitos que daí decorreram, desse conhecimento
individualizado, para prudentes considerações gerais. Dentro desse estudo,
outrossim, é necessário deixar bem patente que cada delinqüente deve ser
considerado em seu contorno situacional, de modo a permitir uma avaliação dos
fatores que possam explicar a sua conduta, e daqueles que a
possam justificar,
ou não. Ou seja, sopesar ambos os
campos em que se desenvolve a atuação humana – o daquele que sofre a ação dos
fatores bio-psicológicos e sociais, e o daquele em que se manifesta o fator
deliberativo, em razão do arbítrio, à luz da ética exigível dentro do
“mínimo de moral” que se espera para a conduta humana.
Por fim, no que se projeta dentro do
campo imenso e intensamente sedutor da Criminologia dialética, há que
ensejar um amplo debate em busca, ansiosa e plena de inquietude interrogativa,
do quanto se possa vislumbrar dentro da avaliação epistemológica do que, em
verdade, possa continuar a ser admitido e respeitado, e do quanto se deva
ciente e conscientemente entender objeto de modificação, de reformulação.
É evidente que, por sua mesma
posição de ciência auxiliar do Direito, a Criminologia só poderá ir ao ponto de oferecer a sua
colaboração, sem pretender dogmatizar, o que seja uma atitude, aliás, contrária
ao espírito íntimo dessa disciplina especulativa e de investigação científica.
Mas, se for válida esta atitude, estudemos mais afincadamente esta Ciência
Criminológica, para podermos oferecer uma cooperação cada vez mais instruída e
idônea, e sacar dela prestimosas conclusões.
Recorde-se que a referida definição
assim soa: pena é “o tratamento compulsório ressocializante, personalizado e indeterminado”.
Retira-se dessa definição um
conceito acolhedor da mais atualizada doutrina neo-eclética, iniciando-se por
caracterizar a pena como tratamento. A introdução dessa expressão
– hoje de livre curso para os próprios jus-penalistas – desde logo dá a
demonstração de como a influência médico-psicológica foi levada avante e com
plena aceitação, em certos aspectos, pelos cultores do Direito. Nos nossos
dias, já não causa espécie o emprego dessa palavra, que traz em seu bojo um
conteúdo de índole médica, antropológica, clínica.
Fala-se, pois, em tratamento como um
processo
a que deve ser submetido o criminoso e que visa corrigir os defeitos,
que possa haver apresentado em sua personalidade. É claro que o termo até
ultrapassa, de muito, o que em si mesmo quereria traduzir, desde que esse
tratamento às vezes em nada será médico, podendo ser apenas pedagógico, ou
social. E sempre deverá admitir parâmetros jurídico-penais sob os quais ainda e
sempre deve permanecer a aplicação da Justiça, segundo o venho defendendo
dentro do neo-ecletismo penal.
Assim, tratamento será a pena,
dentro do amplo conceito ora expendido, em que entra a atividade médica
propriamente dita, mas em que, ao lado
dela, entra também a pedagogia, o cultivo de uma profissão e que a pessoa
humana tem de considerar, como “animal gregário” que é, e que lhe
impõe o estabelecimento dessa Inter-relação. E isso deve assim ocorrer para que
o ser humano, no conjunto complexo da sua personalidade, seja deveras tratado
lá onde o exigir a frincha que permitiu a maior influencia crimico-impelente,
seja essa debilidade de ordem somático, fisiológico ou cultural, além de ética.
A prática tem demonstrado que a
“prisão não cura, corrompe”, segundo a frase feita que já corre
mundo. Mas se a prisão ainda assim se apresenta, é apenas porque ela não se
deixou embeber do seu legítimo sentido e da sua verdadeira meta.
Para que a distorção do tratamento
não venha a ocorrer na prisão, levando-a para a perversão moral, é que tanto se
está lutando no campo da doutrina para iluminar uma prática mais sadia. E o que
aqui se vem dizendo, quanto ao tratamento, visa exatamente uma prisão que não
corrompa, que não destrua mais o que deve reconstruir. E este último alvo é,
sem dúvida, possível, para os legítimos penalistas, cônscios, em verdade, da
ciência a que servem.
E enfim, fale-se em tratamento,
sempre como alvo que se sucede ao conhecimento da personalidade e ao
reconhecimento das suas possíveis falhas, deficiências ou defeitos.
Ainda dentro desse tratamento,
deve-se considerar o seu papel disciplinador, ou seja, criar ou desenvolver no
delinqüente a necessidade basilar de integrar, em sua maneira de ser, uma
estrutura disciplinatória de todas as suas vivências, tomando-as sintônicas com
a convivência – obrigatória – a que somos levados pela própria natureza da
nossa vida social.
Disciplina, outrossim, não quer
significar despersonalização, amolgamento da vontade, submissão passiva a
outrem, e coisas desse tipo. Com disciplina quer-se significar a conjugação
daquilo que somos, em todos os nossos atributos e prerrogativas, com a
necessidade da convivência, que sempre impõe necessárias limitações e normas. O
que define uma sociedade é justamente uma unidade de ordem, que põe sentido,
pragmatismo e possibilidade de sobrevivência, de todo um grupo, mas que não
pode abolir necessariamente a personalidade de cada um, antes até lhe dá
condições de preservação e permanência. Sem essa unidade de ordem, a vida seria
insuportável e o caos social só seria de esperar. E aquilo que se poderia
entender como liberdade individual – sempre tão ardorosamente defendida, até
além dos seus convenientes limites – desapareceria, envolvida a pessoa no
turbilhão em que não poderia sequer sobreviver. Daí que a unidade de ordem é
indispensável à própria liberdade, garantindo-a, ainda que disciplinando-a .
Disciplinado, em que sentido ? No de
união, conjugação, cooperação de esforços e de sacrifícios para o bem comum.
Sem esse princípio, a liberdade seria licenciosidade, a pessoa passando a ser
uma vítima da solidão que essa própria
liberdade então imporia – pois que viver em sociedade é, essencialmente,
conviver (com equivale a junto, e conviver significa viver junto).
Essa disciplina social precisa ser
ensinada e reestruturada em cada criminoso. o seu crime nada mais é do que um
ato, afinal, de indisciplina. É mister que o ensino do respeito e da integração
dessa disciplina social seja ministrado subjetiva e objetivamente ao
delinqüente. E até com um cuidado muito zeloso, eis que o criminoso, ao deixar
a prisão, certamente vai encontrar uma sociedade diversa daquela que ele deixou
ao iniciar o cumprimento da pena, e isso devido ao vertiginoso desenvolvimento
da era presente. Desta forma, acompanhando esse desenvolvimento, é
indispensável que o regime penitenciário coloque com o devido cuidado e com a
necessária sapiência um sistema disciplinar que prepare o delinqüente a
compreender que, sem aquelas limitações indispensáveis para a manutenção desse
regime de convivência, sem essa obrigatória disciplina, ao voltar ao convívio
social, este lhe imporá, como resultante da sua própria essência, aquelas e até
novas limitações.
Esse regime disciplinar começa por
impor ao criminoso um tratamento compulsório, isto é, um regime que não é
adotado espontaneamente, mas que se é obrigado a aceitar e a seguir. Haverá aí
um certo ressabio aflitivo, e até retribuitivo. Mas não há mal algum em que se
mantenha, na dose adequada, esse caráter também, desde que, enfim, o criminoso
é submetido a esse tratamento a partir de um ato anti-social que praticou, em
que foram feridos interesses, valores, normas, de importância para a manutenção
da comunidade. E até hoje existe uma corrente que tende para uma revisão do excesso
de liberalidade em termos de regime penitenciário, com uma também excessiva
preocupação com o welfare of the offender, como se só o bem-estar do
delinqüente importasse e fosse o motivo e a razão de ser dos sistemas
penitenciários. Esta preocupação mereceu um justo reparo por parte do
Prof.López-Rey Y Arrojo, que não deixou de criticar esse erro em colocar tanta
ênfase naquilo que deve ser apenas um dos aspectos a considerar no regime
prisional – mas não o principal, nem o essencial. E que não pode fazer
descuidar o que é primordial, que será sempre a recomposição de uma
personalidade, inclusive pela compreensão que ela deva integrar quanto ao erro
cometido, pelo qual deve responder moralmente também. E então, neste
neo-ecletismo penal que deve prevalecer nas modernas perspectivas da
Criminologia, não se pode descartar uma retomada de posição quanto a estas
implicações éticas do tratamento penitenciário, no qual se deve menosprezar o
campo moral do problema, em termos de tratamento.
Há aqui toda uma infinita
problemática penitenciária, que dependerá das possibilidades efetivas de cada
país e região; mas sempre se devendo manter uma certa segurança e atenção para
com o tipo especial de população com que se vai lidar, sem nos deixar seduzir
por facilitações generosas, mas imprudentes, e sem deixarmos de considerar que,
no início de tudo, sempre se parte de uma ação anti-social praticada, cuja
responsabilidade moral cabe a – quem a efetivou, sem excusa bastante para ela,
como o julgamento o deve haver definido. Nunca os regimes penitenciários devem
assumir liberalidades excessivas, e até às vezes anunciadas quase com excesso,
que toca as raias de uma espécie de propaganda. Recentemente, o noticiário dos
canais de televisão deu conhecimento de suas penitenciárias que se projetam em
cidades do Interior de São Paulo, com tantas vantagens para o welfare of the
offender (piscinas, quadras de vários esportes, enxadrismo, cinema, TV,
etc.) que o locutor de um dos canais,
causticamente, comentou: o problema que está surgindo é o número excessivo de
telefonemas para essas cidades, de numerosos interessados em saber o que é
necessário realizar para se ingressar e obter vagas nessas instituições …
A justiça, que hoje vê bem e julga
melhor, deve cercar-se de serenidade, competência e profundo conhecimento, para
saber o que deve ser feito de melhor – mas sempre com a extrema seriedade, que
a superioridade da sua posição de suprema sabedoria e equanimidade deve saber
atender e impor. Não é conveniente esse caráter que, às vezes, assume uma
inautêntica ciência penitenciária, de uma pieguice falsa e quase consensual com
o delito e o delinqüente. O tratamento deve visar o reforço da intimidade
anímica do criminoso, robustecendo caracteres, e não alagando os autores de
condutas que já foram agressivas para a sociedade – e que se necessita evitar
que reincidam na cedência da vontade. E, para tanto, use-se a compreensão, o
auxílio, a filantropia, o real interesse em tudo fazer para recuperar o
criminoso – mas não se desvirtue a rota a seguir por falsas imagens que se
afastem da realidade crua da disciplina social e de suas correspondentes
responsabilidade. O tratamento deveria buscar a reeducação (correção do caminho
a seguir).
A personalização da pena foi uma das
conquistas mais efetivas do positivismo penal e decorre diretamente da
Antropologia Criminal. Foi a demonstração, feita a partir de Lombroso, de que
se deve enfocar o criminoso em seus caracteres pessoais, diversos em cada
indivíduo, quer do ponto de vista biológico, quer ainda das influências mesológicas
que haja recebido, o que levou a tentar um tratamento adequado a cada um desses
tipos personalizados de criminosos.
É bem claro que não deve ser
permitido exagero nesse campo, aliás como em nenhum outro. Não é rigorosamente
necessário que se pormenorize um só tratamento, e exclusivo, para cada um dos
criminosos. De fato – ainda como para os doentes – a terapêutica dispõe de
meios que abrangem grupos humanos com caracteres afins. Há grupos que podem
receber um tratamento basicamente comum a todos os seus integrantes. Daí que
sempre se cogitou de estabelecer classificações penitenciadas dos criminosos,
para ensejar um agrupamento de delinqüentes de características assimiláveis,
para serem enviadas a estabelecimentos de determinado tipo.
Na prática, é admissível, porque
necessário, que se façam estes grupos de tipos afins. Mas não se creia que essa
seja a maneira ideal de enfrentar e resolver o problema terapêutico penal,
desde que, bem no âmago dos fatos, está o ser humano, único em seu perfil e na
sua colocação perante a circunstância ambiental.
Como, todavia, será impraticável uma distribuição dos delinqüentes
indo até uma personalização assim tão exclusiva, é admitida a divisão dos
estabelecimentos penais em diversos tipos, dentro dos quais se enquadrarão,
mais ou menos de acordo com os seus perfis individuais, os diversos tipos de
personalizados de criminosos.
Mas não se deixe de dizer que, feita
a triagem de acordo com as várias possibilidades que se ofereçam á administração
penitenciária, e enviados os criminosos para os vários tipos de
estabelecimentos mais adequados às suas características pessoais, em cada um
desses estabelecimentos poder-se-á, e se deverá, ir mais longe na personalização,
a partir dos grandes grupos considerados.
De um ponto de vista ético, todavia,
não deve se afastar esse tratamento: deve ele dar ao criminoso – sem que assim
ele se sinta deprimido, ou deformado, ou mesmo sensibilizado – a noção da
necessidade da sua recuperação moral, desde que o ponto de partida da sua ação
agressiva contra a sociedade se reconheceu sempre no animus que pôs ao
serviço da mentalidade criminosa de que se deixou assenhorear o seu espírito.
Tudo o mais que se possa fazer do ponto de vista médico, psicológico,
pedagógico em um enfoque holístico, enfim, ressocializante, deve-se apoiar na
base de uma sólida, tão sólida quanto possível, reconstrução ética da sua
personalidade. Se não houver a mudança da mente (a metanoia, dos
gregos), se não houver a sideração da vontade no sentido de se robustecer a
âmago anímico da personalidade, tudo o mais pode entrar em falência, pode a
qualquer momento ser, de novo, submetido às forças crímino-impelentes e por
elas dominado – e a reincidência se manifestar.
Portanto, dê-se a ênfase maior na
reeducação e no fortalecimento do núcleo moral da personalidade; ou seja,
daquele núcleo que é o que define exatamente a natureza humana de que somos
participantes. A partir daí, então, dê-se ao tratamento todo o conteúdo de um
processo reeducativo, recuperador, ressocializante, indo alcançar todos os ângulos
da personalidade e mirando a volta de delinqüente ao convívio social, com todas
as implicações que daí decorrem, inclusive, e principalmente, a atenção que
deva ser dada aos deveres sociais e à integração de uma pessoa na comunidade; o
que importa era receber logo estímulos vários para agir de maneira agressiva,
anti-social e criminosa, aos quais é dever resistir.
Ora, uma corrente de penalistas e
criminologistas há muito vem reclamando de situação semelhante para a aplicação
das penas, naquilo que se denomina de pena indeterminada. De fato, um
tratamento penal deverá ser aplicado até o momento em que um mínimo de
recuperação haja sido obtido, compatível com a volta do criminoso ao convívio
social. Passar daí, é arriscar-se em perder o que se haja alcançado. A doutrina
tem repetido, com carradas de razão, que, tanto as penas de curta duração,
quanto aquelas de longa duração, são prejudiciais para a pessoa do delinqüente.
Ora, desde logo se deduz que essa duração deverá ser idealmente aquela que leve
o indivíduo a obter aquele ótimo de recuperação, nem antes, e nem depois. E,
assim, estabelecer-se-ia condições para um melhor resultado final.
Dois óbices têm sido levantados
contra esse ideal da pena indeterminada: um decorrente ainda de um remanescente
espírito retributivo, que deseja para uma espécie de crimes, uma pena mais
severa que para outras espécies de delitos; o outro óbice provém de uma idéia –
a ser corrigida – de que a execução penal passada, das mãos do Juiz, para as
mãos do técnico.
Quanto ao primeiro desses argumentos
contrários à pena indeterminada, deve-se informar que o tipo de delito
praticado nem sempre corresponde à deformação da personalidade ocorrida no
criminoso; às vezes, sim, desde logo se tem uma noção de gravidade do
comprometimento dessa personalidade, como ocorre na hediondez de certos crimes;
mas pode acontecer o contrário, isto é, de um pequeno delito seja, todavia, a
primeira manifestação de uma personalidade
bastante agressiva.
Justifica-se plenamente que a pena
indeterminada seja dotada nas nossas leis penais, desde que atendidos os pontos
fundamentais anteriormente referidos, ou seja: que a sua indeterminação não
fique fora da competência judicante, a qual deliberará sobre a extinção da medida
punitiva, desde que proposta pelos auxiliares técnicos do Juiz.
Na realidade, a pena fixa é
contrária à boa recuperação dos criminosos, ao marcar limites artificiais à
mesma, e apenas decorrentes da quantidade do delito praticado. E deixando de
lado a personalidade do réu, e sua capacidade de recuperação ético-social,
mesmo quando esteja em vigência o artigo 42 do Código Penal, até hoje não atendido
adequadamente quanto “aos antecedentes
e à personalidade do agente, à intensidade do dolo ou grau da culpa, aos
motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime”.
Não fique sem dizer que, também na
apreciação criminológico-clínica do delinqüente, deve entrar em cogitação a
natureza do delito praticado; é um dos elementos centrais que informa a observação
do criminoso.
Mesmo que fossem aceitos e
praticados estes preceitos, sempre caberá plenamente a manutenção da liberdade
condicional, para os que hajam estado segregados do convívio social. E isto
porque ela representa, nos dizeres de Flamínio Fávero, a convalescença penal,
isto é, aquele período de prova em que se verifica se o delinqüente já se encontra
efetivamente em condições de conviver em sociedade de maneira sintônica, e não agressiva.
O neo-ecletismo penal pretende dar todo o valor, que é
inconstante, à evolução da Criminologia Clínica e na investigação científica
das causas da criminalidade, até onde elas possam ser rastreadas e
reconhecidas. Mas quer reivindicar a necessidade de se valorizar a atenção para
os aspectos morais do ente humano, que devem ser devidamente computados:
a) para a indispensável avaliação da
responsabilidade moral pelo ato praticado, em termos de uma justificação, ou
não, de tal ato;
b) para o reaparelhamento do núcleo
moral do delinqüente, a fim de aumentar-lhe as resistências futuras aos falares
crímino-impelentes que no porvir venham a agir de novo sobre o indivíduo.
Deixar de dar, entretanto, toda a
ênfase que merece este núcleo Moral do ser humano é incidir num erro
fundamental, visto que a explicação científica da gênese do delito não afasta a
necessidade de se enfocar este outro aspecto da questão, que, no homem, é primordial.
A forma de atender às necessidades
morais da criatura humana tem sido apanágio do ensino religioso; e este ensino
tem sido facultado nas instituições penitenciárias com ampla liberdade de crença. Ao lado dele, entretanto,
complementando-o e abrindo a visão para campos mais amplos, deve-se dar toda a
oportunidade à instrução moral e cívica, de largo horizonte, o que não exclui,
como disse, a prática do culto religioso, mas que abrange inclusive os que não
se declaram religiosos, ou tenham apenas parcas noções sobre as suas crenças.
Informações Sobre o Autor
Leonardo Rabelo de Matos Silva
advogado; mestrando em Direito pela UNIG.