O Brasil está passando pela crise mais
séria de energia de toda a sua história. Como sempre, já foram criadas algumas
teorias que versam acerca dos eventuais responsáveis pelo surgimento desta
crise energética. Como sempre, foi mais fácil criticar e culpar tanto os
empresários do setor de energia, quanto os processos de desestatização e
privatização. Como sempre, está se buscando a resposta mais cômoda, mas
será que é a verdadeira? Além disto, se a crise era previsível, este é o
momento de se aprender e corrigir eventuais desvios de rota com o objetivo de
não se cometer os mesmos erros em um futuro próximo.
A adoção do processo de desestatização
era um imperativo para o país. Não era mais possível o Estado financiar o seu
próprio desenvolvimento, pois não havia recursos para isto. Não havia outra
escolha a não ser a cedência da exploração de alguns
serviços públicos para a iniciativa privada. Portanto, a adoção deste modelo
não foi uma escolha, mas uma necessidade. Entretanto, apesar da entrada da
iniciativa privada no mercado, a figura do Estado não se ausentou por completo,
pois o Brasil, que antes da adoção do modelo atual era um estado altamente
interventor, passou a adotar um novo modelo de estado, o chamado “Estado
Regulador”.
A área de energia elétrica é um claro
exemplo da mudança de modelo de Estado pela qual o Brasil está passando. Antes,
o governo era detentor de inúmeras estatais. Entretanto, não era mais possível
o Estado manter o nível de investimento necessário para gerar desenvolvimento.
Logo, neste setor, o Brasil aplicou o processo de desestatização, que significa
a retirada da intervenção direta do Estado na economia. Este processo, no setor
elétrico, passou basicamente por duas frentes: privatizações e concessões.
Apesar de o serviço público de fornecimento de energia elétrica continuar sob
responsabilidade do Estado, neste novo momento já seria viável conceder a
exploração deste serviço para iniciativa privada. O Estado passou a atuar como
regulador. Para este trabalho de regulação foi criada a Agência Nacional
de Energia Elétrica, mais conhecida como Aneel, que
estabelece normas que vão desde a área de geração, passando pela transmissão,
distribuição e comercialização.
O Brasil tem cerca de
92% de sua energia proveniente de hidroelétricas. Os outros 8% são
provenientes de energia térmica, oriunda do carvão, petróleo e nuclear.
Entretanto, em 2001 o país se depara com o grave problema da falta de energia,
mesmo depois do processo de desestatização. O problema reside, basicamente, em
duas frentes. A primeira delas é resultante da escassez de chuvas que propiciam
a falta de funcionamento pleno das hidroelétricas. Aqueles que defendem este
ponto de vista, acreditam que o problema da falta de
energia não é decorrente da falta de potência instalada, mas falta de chuvas
que propiciem o funcionamento adequado do nosso potencial hidroelétrico.
A outra frente da crise energética
reside no fato da não criação de mais fontes de geração de energia alternativas
as hidroelétricas, como é o caso das termoelétricas. Elas poderiam ter sido
construídas pelas empresas privadas que, entretanto, não realizaram este
investimento. Contudo, a pergunta a ser feita é: porque?
A resposta não é difícil. O Brasil, apesar de ter aberto o mercado às empresas
privadas, não retirou a excessiva intervenção estatal que ainda paira sobre a
economia. Falta liberdade econômica, pois existe uma regulação excessiva. Abrir
o mercado foi o primeiro passo, entretanto, o Brasil não pode achar que o
trabalho está feito. Neste momento deve-se criar
condições para o aporte de investimentos nacionais e estrangeiros de qualidade
no país. Especificamente no setor elétrico, além de abrir o mercado, o Estado
deveria ter propiciado mais clareza nas regras e estabilidade no processo, o
que traria segurança no modelo que está sendo implantado. Do contrário,
qualquer investidor ficaria receoso. Infelizmente faltou confiança na política regulatória escolhida. Além desses fatores, somam-se os
problemas (já crônicos) que afastam o investimento no Brasil, como a excessiva
carga tributária, uma legislação trabalhista decadente e inflexível e regras e
procedimentos ambientais tão rígidos e demorados que impedem o aporte de
investimentos no Brasil.
No caso das hidroelétricas, vale
ressaltar que o órgão regulador deveria ter feito valer o acompanhamento
minucioso que é realizado no volume de água nos reservatórios, o que serviria
de um alerta. O resultado desta política preventiva seria um racionamento mais
brando, desde meados de dezembro, quando o alerta acerca da escassez deveria
ter sido emitido. Já no caso do investimento privado para a criação de hidro e termoelétricas, cabe especialmente a Aneel, em uma atuação conjunta com o governo, criar
mecanismos e propor reformas legislativas que desonerem a iniciativa privada,
para que esta possa investir sem medo. Portanto, percebe-se que os dois
problemas não estão separados e somente uma atuação conjunta em soluções para
ambas pode levar o país a uma situação muito mais confortável em pouco
tempo. A receita para o sucesso é simples: menos intervenção econômica e
mais liberdade.
Informações Sobre o Autor
Márcio C. Coimbra
advogado, sócio da Governale – Políticas Públicas e Relações Institucionais (www.governale.com.br). Habilitado em Direito Mercantil pela Unisinos. Professor de Direito Constitucional e Internacional do UniCEUB – Centro Universitário de Brasília. PIL pela Harvard Law School. MBA em Direito Econômico pela Fundação Getúlio Vargas. Especialista em Direito Internacional pela UFRGS. Mestrando em Relações Internacionais pela UnB.
Vice-Presidente do Conil-Conselho Nacional dos Institutos Liberais pelo Distrito Federal. Sócio do IEE – Instituto de Estudos Empresariais. É editor do site Parlata (www.parlata.com.br) articulista semanal do site www.diegocasagrande.com.br e www.direito.com.br. Tem artigos e entrevistas publicadas em diversos sites nacionais e estrangeiros (www.urgente24.tv) e jornais brasileiros como Jornal do Brasil, Gazeta Mercantil, Zero Hora, Jornal de Brasília, Correio Braziliense, O Estado do Maranhão, Diário Catarinense, Gazeta do Paraná, O Tempo (MG), Hoje em Dia, Jornal do Tocantins, Correio da Paraíba e A Gazeta do Acre. É autor do livro “A Recuperação da Empresa: Regimes Jurídicos brasileiro e norte-americano”, Ed. Síntese – IOB Thomson (www.sintese.com).