Resumo: O presente artigo faz um breve estudo a cerca do direito humano à moradia e o instituto da Desapropriação, em suas mais variadas formas, justificando-se em sua vital importância enquanto instrumento de atuação urbanística. Embora trate-se de uma intervenção direta do Poder Público na propriedade, a desapropriação pode ser utilizada como um instrumento de garantia do direito à moradia.
Palavras-chave: direitos humanos. direito à moradia. desapropriação.
Abstract: This article is a brief study about the human right to housing and the institute of expropriation, in its various forms, in justifying its importance as a vital tool for urban operations. Although whether this be a direct intervention of the government in property, expropriation can be used as an instrument to guarantee the right to housing.
Keywords: human rights. Housing rights. Expropriation.
Sumário: Introdução. 1.Do Direito à Moradia. 1.1 Do Direito à Moradia na legislação internacional. 1.1.1 Declaração Universal dos Direitos Humanos. 1.1.2 Instrumentos internacionais de proteção do Direito à Moradia. 1.1.3 Instrumentos Internacionais de monitoramento do Direito à Moradia. 1.2 Direito à Moradia na Constituição Federal de 1988. 2. Direito de Propriedade. 2.1 Histórico do Direito de Propriedade. 2.2 Direito de Propriedade no Direito Brasileiro. 2.3 Função Social da Propriedade. 3. Da Desapropriação. 3.1 Classificação da Desapropriação. 3.1.1 Desapropriação Ordinária. 3.1.2 Desapropriação Extraordinária. 3.1.2.1 Desapropriação de Propriedade Urbana. 4. Desapropriação para fins urbanísticos. 5. A desapropriação como instrumento de acesso do Direito à Moradia. Conclusão. Referências bibliográficas.
Introdução
Pretende o presente artigo, ainda que de maneira sintética, refletir à cerca do direito à moradia, sua posição no rol dos Direitos Humanos e a desapropriação como possibilidade de garantia destes.
As referências doutrinárias e jurisprudênciais sobre a desapropriação, muitas vezes, limitam-se a enxergá-la como uma modalidade de intervenção do Estado na propriedade privada sem, no entanto, se preocuparem com os inúmeros benefícios que esta pode trazer à coletividade, desde que devidamente empregada.
A desapropriação, embora ainda seja muito vista com certo preconceito, principalmente por proprietários de grandes áreas, pode ser uma das soluções para garantir o direito à moradia, reduzindo a ocupação irregular de áreas de risco e mesmo garantindo o acesso da população mais carente à terra urbanizada.
É, portanto, o presente artigo destinado a revisitar a compressão e aplicação do instituto da Desapropriação, passando, rapidamente, pelas definições doutrinárias de cada divisão desta e demonstrando sua importância enquanto meio de possibilitar o direito à moradia, com fundamento num breve relato sobre esse direito humano.
1. Do direito à moradia
De modo bastante simples, o direito à moradia pode ser definido como o direito a se ter um lugar para se viver de maneira digna e saudável, com segurança e paz.
Ao tratar do direito à moradia, José Afonso da Silva assim se refere:
“O direito à moradia significa ocupar um lugar como residência; ocupar uma casa, apartamento etc., para nele habitar. No “morar” encontramos a idéia básica da habitualidade no permanecer ocupando uma edificação, o que sobressai com sua correlação com o residir e o habitar com a mesma conotação de permanecer ocupando um lugar permanentemente. O direito à moradia não é necessariamente o direito à casa própria. Quer se garanta um teto onde se abrigue com a família de modo permanente, segundo a própria etimologia do verbo morar, do latim “morari”, que significa demorar, ficar (…)[1]”.
Em nossa Constituição Federal, o direito à moradia é o que se pode chamar de conceito indeterminado, uma vez que necessita de melhor definição de seu conteúdo, do que o compõe. Assim, mister se faz utilizar das disposições contidas nos tratados ou documentos dos quais o Brasil seja signatário.
O Comentário Geral n.º 4 do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas, trata dos componentes do Direito à Moradia, conforme expõe Nelson Saule[2]:
“(a) Segurança Jurídica da posse
A posse pode se dar de variadas formas, como o aluguel (público e privado), a moradia em cooperativa, o arrendamento, a ocupação pelo próprio proprietário, a moradia de emergência e os assentamentos informais, incluindo a ocupação da terra ou da propriedade. Seja qual for o tipo de posse, todas as pessoas devem possuir um grau de segurança de posse que lhes garanta a proteção legal contra despejo forçado, perturbação e qualquer tipo de outras ameaças. Consequentemente, os Estados parte devem adotar imediatamente medidas destinadas a conferir segurança legal da posse às pessoas e propriedades que careçam atualmente de tal proteção, em consulta genuína a pessoas e grupos afetados.
(b) Disponibilidade dos serviços, materiais, benefícios e infra-estrutura
Uma moradia adequada deve dispor de certos serviços essenciais para a saúde, segurança, conforto e nutrição. Todos os beneficiários do direito à moradia adequada devem ter o acesso permanente aos recursos naturais e comuns, à água potável, à energia para a cozinha, serviço de aquecimento e iluminação, instalações sanitárias e de lavagem, meios de armazenamento do alimento, de eliminação de resíduos, de drenagem do local e serviços de emergência.
(c) Gastos Suportáveis
Os custos financeiros pessoais ou habitacionais associados com a moradia devem estar em tal nível que a realização e a satisfação de outras necessidades básicas não sejam ameaçadas nem comprometidas. Os Estados partes deveriam adotar medidas para garantir que uma porcentagem dos gastos relacionados à moradia seja, como regra, proporcional ao nível de renda. Além disto, os Estados partes deveriam criar subsídios de moradia para os incapazes de obtê-la, assim como formas e níveis diferentes de financiamento que correspondam adequadamente às necessidades da moradia. De acordo com o princípio da possibilidade de custear a moradia, os inquilinos deveriam ser protegidos por meios apropriados contra níveis ou aumentos desproporcionais do aluguel. Nas sociedades onde a matéria-prima constitui a principal fonte de materiais de construção habitacional, os Estados-partes deveriam adotar medidas para garantir a disponibilidade de tais materiais.
(d) Habitabilidade
A moradia adequada deve ser habitável, oferecendo aos seus habitantes o espaço adequado e protegendo-os do frio, da umidade, do calor, da chuva, do vento ou de outras ameaças à saúde, dos perigos estruturais e dos vetores de doença. A segurança física dos ocupantes deve ser garantida também. O Comitê incentiva os Estados partes a aplicar amplamente os Princípios da Higiene da Moradia preparados pela OMS, que consideram a moradia o fato ambiental que, com mais freqüência, associa-se à condições favoráveis à transmissão de doenças em análises epidemiológicas, significando que, as condições inadequadas e deficientes de moradia e de vida são associadas, invariavelmente, às taxas mais elevadas de doença e mortalidade.
(e) Acessibilidade
A moradia adequada deve ser acessível aos titulares do direito. Os grupos em condições de desvantagem devem ter acesso pleno e sustentável aos recursos adequados para conseguir uma moradia. Devendo ser assegurado certo grau de prioridade aos grupos desfavorecidos, como as pessoas idosas, as crianças, os deficientes físicos, os portadores de doenças terminais, o HIV-positivo, as vítimas de desastres naturais, os grupos que vivem em área de risco, entre outros. Tanto a legislação quanto as políticas públicas em matéria de moradia devem levar integralmente em conta as necessidade especiais desses grupos. Em muitos Estados-partes, o maior acesso à terra por segmentos desprovidos de terra ou empobrecidos da sociedade deve constituir objetivo central da política. Os Estados devem assumir obrigações governamentais apreciáveis destinadas a assegurar o direito de todos a um lugar seguro para viver com paz e dignidade, incluindo o acesso à terra como um direito.
(f) Localização
A moradia adequada deve encontrar-se em um lugar que permita o acesso às opções de emprego, ao transporte, aos serviços de saúde, às escolas, às creches e a outros serviços públicos essenciais. Isto porque é praticamente certo que, nas grandes cidades e nas áreas rurais, os custos temporais e financeiros para ir e voltar do local de trabalham sobrecarregam, com demandas excessivas, os orçamentos das casas pobres. Similarmente, a moradia não deve ser construída em locais poluídos, nem na proximidade imediata às fontes de poluição que ameaçam o direito à saúde dos habitantes.
(g) Adequação cultural
A expressão da identidade e da diversidade cultural da moradia deve ser apropriadamente assegurada na maneira como são construídas as moradias, nos materiais de construção usados e nas políticas em que se apóiam. As atividades vinculadas ao desenvolvimento ou modernização na esfera da moradia devem assegurar que suas dimensões culturais não sejam sacrificadas e que se assegurem os serviços tecnológicos modernos, entre outros”.
1.1 Direito à Moradia na legislação internacional
Logo após o fim da Segunda Guerra Mundial, iniciou-se um movimento que visava a proteção dos direitos humanos além das fronteiras dos países, uma vez que a própria guerra demonstrou que a violação dos direitos fundamentais dos cidadãos era causada pelo próprio Estado.
A comunidade internacional, objetivando desenvolver mecanismos globais de proteção ao indivíduo, criou a ONU – Organização das Nações Unidas, que, logo após o início de seus trabalhos, reconheceu o direito à moradia adequada como um direito humano.
1.1.1 A Declaração Universal dos Direitos Humanos
Estudos mostram que a primeira menção à moradia como um direito do homem deu-se na Declaração Universal de Direitos Humanos, que data de 10 de dezembro de 1948 e foi aprovada pela Resolução nº 217 (III) da Assembléia Geral das Nações Unidas.
Referida Declaração faz referência ao direito à moradia quando, em seu artigo XXV, preceitua:
“Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar-lhe, e a sua família, saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.”
Embora a Declaração Universal dos Direitos Humanos seja um importante instrumento político de difusão e proteção dos direitos dos homens e tenha, ao longo do tempo e em todo mundo, influenciado diversas Constituições, ela não tem força vinculante por não ter natureza jurídica de Tratado Internacional.
Sobre a Declaração, Bobbio afirmou:
“(…) é algo mais que um sistema doutrinário e algo menos que um sistema normativo. Do ponto de vista da ciência do direito internacional público, a Declaração não tem a força vinculante dos tratados, pois não foi elaborada de acordo com as normas de processualística desses instrumentos”[3].
Neste mesmo sentido, Francisco Rezek informa:
“A Declaração Universal dos Direitos dos Homens não é um tratado e, por isso seus dispositivos não constituem exatamente uma obrigação jurídica para cada um dos Estados representados na Assembléia Geral quando, sem qualquer voto contrário, adotou-se o respectivo texto sob a forma de resolução da Assembléia. Por mais de uma vez, ante gestões externas fundadas no zelo pelos direitos humanos, certos países reagiram lembrando a natureza não-convencional da Declaração”[4].
Nelson Saule, ao tratar deste tema, posiciona-se da seguinte forma:
“O direito à moradia no direito internacional dos direitos humanos tem como fonte originária a Declaração Universal dos Direitos Humanos que, apesar de não ter valor jurídico, contém um núcleo de direitos da pessoa humana, que foram incorporados nos tratados internacionais de direitos humanos”[5].
1.1.2 Instrumentos Internacionais de proteção do direito à moradia
Ao se falar de proteção do direito à moradia não se pode olvidar de estudar o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos foram instituídos pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 16 de dezembro de 1966.
Os Pactos, com sua natureza jurídica de Tratados e Convenções, tornaram-se importante marco na universalização e sistematização dos direitos previstos no artigo XXV da Declaração de Direitos Humanos e, portanto, no direito humano à moradia.
O Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais prevê, em seu artigo 11:
“Os Estados-partes no presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa a um nível de vida adequado para si próprio e sua família, inclusive à alimentação, vestimenta e moradia adequadas, assim como uma melhoria contínua de suas condições de vida. Os Estados-partes tomarão medidas apropriadas para assegurar a consecução desse direito, reconhecendo, nesse sentido, a importância essencial da cooperação internacional fundada no livre consentimento”
Por sua vez, o Pacto dos Direitos Civis e Políticos preceitua no artigo 17:
“Art. 17 – 1. Ninguém poderá ser objeto de ingerências arbitrárias ou ilegais em sua vida privada, em sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais à sua honra e reputação. 2. Toda pessoa terá direito à proteção da lei contra essas ingerências ou ofensas”
O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais foram aprovados pelo Congresso Nacional através do Decreto-Lei nº 226 de 12 de dezembro de 1992 e ratificados através dos Decretos 591 e 592 de 6 de julho de 1992.
O artigo 11 do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Políticos é a principal fundamentação legal da obrigatoriedade do Estado Brasileiro em garantir o direito humano à moradia.
As Nações Unidas também buscou proteger o direito à moradia da mulher conforme se verifica na Convenção Internacional sobre todas as formas de discriminação contra a mulher, aprovada pela Resolução 34/180 de 18 de dezembro de 1979, que entrou em vigor em 03 de setembro de 1981.
Referida convenção, no Brasil, foi inicialmente promulgada pelo Decreto 89.460 de 20 de março de 1984, com reservas aos artigos 15, §4º e 16, §1º, alíneas “a”, “c”, “g” e “h”, entrando em vigor em 02 de março de 1984. Em momento posterior, o Decreto 4.377 de 13 de setembro de 2002, revogou o Decreto 89.460, promulgando a Convenção sem qualquer ressalva.
Ainda, como proteção do direito à moradia, tem-se a Convenção sobre os Direitos da Criança, adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas através da Resolução nº 44/25, de 20 de novembro de 1989, que entrou em vigor em 02 de setembro de 1990. O Brasil ratificou a Convenção através do Decreto nº 99.710 de 21 de novembro de 1990.
1.1.3 Instrumentos Internacionais de monitoramento do Direito à Moradia
A fim de monitorar o cumprimento dos Tratados, Convenções e demais instrumentos internacionais de Direitos Humanos pelos Estados-partes, a Comissão de Direitos Humanos, o Comitê dos Direitos Econômicos Sociais, o Centro de Assentamentos Humanos (Habitat), a Assembléia Geral e a Conferência Global das Nações Unidas sobre Assentamentos Humanos, realizaram uma verdadeira saga para construir o significado, os elementos e a abrangência do direito á moradia, bem como as formas de proteção e os tipos de violação desses direitos (…)[6].
A Assembléia Geral das Nações Unidas, através da resolução nº 43/181, adotou, na data de 20 de dezembro de 1988, a Estratégia Mundial para Moradia até o ano 2000.
A cerca do tema, Nelson Saule informa:
“(…) o principal objetivo da Estratégia é melhorar as condições de moradias mundiais pela criação de um ambiente legal, institucional e regulador, que facilitasse a construção e melhoria da moradia para todos os grupos sociais, mas especialmente para os pobres.”
Outro instrumento de monitoramento do direito à moradia é o Comentário Geral nº 4 sobre o direito à moradia adequada foi produzido pelo Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais[7] em 12 de dezembro de 1991 e traz, em seu corpo, a definição do direito à moradia adequada, indicando os aspectos mais importantes deste, além de princípios e normas para seu entendimento.
A Seção 7 do referido Comentário afirma a interdependência do Direito à moradia com os demais direitos humanos, daí a expressão “direito à moradia adequada”, cujo significado restou explicitado pela Comissão de Assentamentos Humanos e a Estratégia Mundial para a Moradia até o ano 2000, conforme SAULE:
“(…) a moradia adequada significa (…) dispor de um lugar onde se possa instalar provido de privacidade adequada, o espaço adequado, a segurança adequada, a iluminação e a ventilação adequada, uma infra-estrutura básica adequada, uma localização adequada no que diz respeito ao trabalho e aos serviços básicos, tudo a um custo razoável”.
Ainda, é de extrema importância a Seção 8 do Comentário nº 4 uma vez que versa sobre os componentes do Direito à Moradia, indicando a) segurança jurídica da posse, b) disponibilidade dos serviços, materiais, benefícios e infra-estrutura, c) gastos suportáveis, d) habitabilidade, e) acessibilidade, f) localização e g) adequação cultural.
Por sua vez, o Comentário Geral nº 7 sobre o Direito à moradia adequada: Despejo Forçado, datado de 16 de maio de 1997, indica as atitudes que os governos, proprietários e instituições devem tomar para impedir os despejos forçados.
A base do Comentário Geral nº 7 é a afirmação de que “todas as pessoas deveriam gozar de certo grau de segurança em possuir a garantia de uma proteção legal contra o despejo forçado, hostilamento e /ou outras ameaças”.
Há que se falar também na primeira Conferência das Nações Unidas sobre Assentamentos Humanos foi realizada em Vancouver, em 1976, e teve por documento oficial a Declaração sobre Assentamentos Humanos de Vancouver.
A Declaração estabelece na Seção II e Capítulo II o seguinte:
“Adequada habitação e serviços são um direito humano básico, pelo qual coloca como obrigação dos Governos assegurar a realização destes para todas as pessoas, começando com a assistência direta para os menos avantajados através de programas de ajuda mútua e de ações comunitárias. Os Governos devem se empenhar para remover todos os obstáculos que impeçam a realização destas metas. De especial importância é a eliminação da segregação social e racial, inter alia, através da criação de comunidades melhores equilibradas, com a combinação de diferentes grupos sociais, ocupações, moradias e amenidades”.
É de extrema importância citar, ainda, a Agenda 21 e a Agenda Habitat.
A Organização das Nações Unidas realizou em 1992, no Rio de Janeiro, a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, conhecida como Rio 92. Os países participantes, no total 192, assinaram a Agenda 21, que é um documento de 40 capítulos que contém um programa de ação visando o desenvolvimento sustentável.
A Conferência das Nações Unidas sobre Assentamentos Humanos, conhecida como Habitat II, realizou-se em Istambul, Turquia, no ano de 1996, e teve como temas principais a moradia adequada para todos e o desenvolvimento de assentamentos humanos sustentáveis em um mundo em processo de urbanização.
A Conferência adotou a Agenda Habitat que é um plano de ação global que compreende princípios, compromissos e metas capazes de oferecer respostas às demandas por padrões sustentáveis de vida nos assentamentos.
1.2 Direito à Moradia na Constituição Federal / 1988
A Constituição Federal de 1988 é reconhecida pela incorporação de institutos modernos como os direitos e garantias fundamentais. O art. 5º, por sua vez, é o reduto dos direitos e garantias fundamentais, muitos dos quais influenciados pela Declaração Universal do Direitos Humanos.
O texto original da Constituição Federal/88, no entanto, não trazia em seu bojo o direito à moradia elencado como os demais direitos sociais.
A inclusão do direito à moradia como uma direito fundamental social deu-se através da Emenda Constitucional 26/2000, que foi proposta sob o vulto da Conferência das Nações Unidas sobre Assentamentos Humanos em Istambul.
A justificativa da proposta deixa claro que a indicação do Brasil como relator da Agenda do Habitat na parte do direito à moradia, foi fator determinante para a apresentação da proposta do Senador Mauro Miranda. Sob o nº 28/1996:
“Para esse evento (Conferência Habitat II), o Brasil foi indicado relator da parte da Agenda do Habitat (carta de intenções da Conferência), que trata do “direito à moradia”. Coube-lhe, assim, a difícil tarefa de justificar, frente a países como o Japão, Estados Unidos e Coréia (que foram contra a inclusão desse tema na Agenda), a urgente necessidade de se reconhecer a moradia como um direito social.
A participação ativa brasileira em tão importante evento , de caráter mundial, coloca-nos em posição delicada, principalmente quando se verifica, em meio de um situação eminentemente crítica das áreas urbanas brasileiras, uma lacuna na Constituição Federal, que não reconhece a morada como direito real, como a saúde, o lazer, o trabalho etc. Mais delicada, ainda, fica a situação do Brasil quando, sabedores da realização da Conferência, os “sem-teto” de todo o País, já bastante organizados, ameaçam ‘pipocar ocupações de terrenos’ na periferia das grandes cidades – conforme se lê nos mais renomados jornais do País”[8].
A proposta foi aprovada no Senado sem nenhum voto contra ou abstenção, nos dois turnos de votação. E na Câmara dos Deputados foi aprovada com um único voto contra e uma única abstenção, ambos em segundo turno.
A Emenda Constitucional 26 foi promulgada em 14 de fevereiro de 2000 e incluiu o direito à moradia entre os direitos fundamentais sociais previstos no art. 6º, com o texto a seguir:
“Art. 1º. O art. 6º da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação:
‘Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição’.
Art. 2º. Esta EC entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 14 de fevereiro de 2000.”
A positivação do direito humano à moradia na Constituição de 1988, através da criação de um sistema nacional de proteção desse direito, tornou-o fundamental.
José Afonso da Silva assim se manifesta sobre os direitos fundamentais:
“Além de referir-se a princípios que resumem a concepção de mundo e informam a ideologia política de cada ordenamento jurídico, é reservada para designar, no nível do direito positivo, aquelas prerrogativas e instituições que ela concretiza em garantias de uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas. No qualificativo fundamentais acha-se a indicação de que se trata de situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive; fundamentais do homem no sentido de que a todos, por igual que devem ser, não apenas formalmente reconhecidos, mas concreta e materialmente efetivados”[9].
Evidente, portanto, que sendo o direito à moradia um Direito Fundamental, cabe ao Estado protegê-lo e promovê-lo, através de leis e políticas públicas, na maior medida possível, dentro das possibilidades existentes, respeitando, de acordo com Nunes de Souza[10], os princípios fundamentais da cidadania, da dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.
Assim, verifica-se que a moradia na CF/88 além de relacionar-se com os princípios da dignidade da pessoa humana, dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, respectivamente incisos III e IV do art. 1º, está diretamente ligado aos objetivos fundamentais contidos no art. 3º, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária (I), erradicação da pobreza e marginalização e redução das desigualdades sociais e regionais (III) e ainda no princípio da prevalência dos direitos humanos nas relações internacionais, conforme o art. 4º, inciso II.
O reconhecimento dos direitos sociais como direitos fundamentais acaba por defini-los como normas de hierarquia mais elevada que as demais, bem como normas de aplicabilidade imediata, vinculando o Poder Público.
Ainda, ao se falar em direito à moradia na CF/88 verifica-se que esta assegura a todos, como um direito fundamental, o direito a propriedade, determinando que esta deverá cumprir sua função social.
Assim preceitua o artigo 5º nos incisos XXII e XXIII da CF:
“XXII – é garantido o direito à propriedade;
XXIII – A propriedade também atenderá sua função social’;
Os dispositivos acima citados devem ser entendidos conjuntamente, isto é, o direito à propriedade só existe quando cumprida a função social desta.
A CF/88 define, no art. 182 §2º, quando uma propriedade cumpre sua função social:
“§2º. A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende as exigências de ordenação da cidade expressas no plano diretor.”
Baseando-se nas teorias de Karl Renner, Gilberto Bercovici[11] afirma:
“(…) que a função social da propriedade torna-se o fundamento do regime jurídico do instituto da propriedade, de seu reconhecimento e da sua garantia, dizendo respeito ao seu próprio conteúdo (…) função social da propriedade é mais do que uma limitação. Trata-se de uma concepção que consubstancia-se no fundamento, razão e justificação da propriedade.”
Visando a proteção ao direito à moradia a Constituição Federal instituiu a Usucapião Urbana, a Concessão especial de uso para fins de moradia, respectivamente regulamentados pelo Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001) e pela Medida Provisória 2.220 de 2001.
E, para efetivar o direito à moradia, a Constituição preceituou o Plano Diretor, o Parcelamento e a Edificação compulsórios, o imposto sobre a propriedade urbana progressivo no tempo e a desapropriação, sobre a qual discorreremos em outro capítulo.
2. Do Direito à Propriedade
2.1. Histórico Internacional
Não trataremos aqui da propriedade e sim do direito à propriedade.
Remontando a história da humanidade verificamos que o exercício do direito à propriedade sempre apresentou limites.
O Prof. Adilson de Abreu Dallari[12], nos lembra que o Código de Hamurabi preceituava que o proprietário perderia o direito sobre a sua propriedade caso ela não fosse cultivada dentro de determinado período.
Retratando o direito à propriedade no período romano, Francisco Quintanilha[13] afirma:
“Os romanos não deixaram de conceder em termos jurídicos uma das instituições mais duradouras e controversas da civilização humana, o direito de propriedade, que define em grande parte a divisão da sociedade em classes, determinando o poder econômico e político para quem detém o poder jurídico de dispor sobre a propriedade”.
“Todavia, mesmo sendo considerado mais forte poder de uma pessoa sobre um objeto, o direito de propriedade nunca teve caráter ilimitado e absoluto em Roma”.
Com o advento da Idade Média, o senhor feudal passou a regular o direito à propriedade, porém, já no final do século XV, os burgueses passaram a comprar terras dos nobres europeus.
A chegada da Idade Contemporânea e da Revolução Francesa deram ao direito à propriedade um caráter pessoal, individual, ou seja, usa-se a propriedade como se e como quiser.
A Declaração dos Direitos do Homem, de 1789, seguida pela Constituição Francesa de 1891, colocam o direito à propriedade como um atributo da pessoa humana.
A partir de então, as Constituições passam a reconhecer os direitos sociais, inclusive em detrimento aos direitos individuais, e o direito à propriedade fica adstrito à função social desta propriedade.
Bandeira de Mello[14], referindo-se às constituições pós-Guerra, ensina:
“Nas constituições políticas promulgadas após a Grande Guerra, a propriedade não se acha mais assegurada em toda a sua plenitude, mas em gunção do interesse social, sendo admitidas limitações em favor do bem-estar da coletividade.”
2.2. Histórico no direito brasileiro
A evolução da legislação brasileira sofre, gradativamente, influência do caráter social da propriedade.
O artigo 179, §22 da Carta Política de 1824:
“É garantido o direito de propriedade em toda sua plenitude. Se o bem público, legalmente verificado, exigir o uso e o emprego de propriedade do cidadão, será ele previamente indenizado do valor dela. A lei marcará os casos em que terá lugar esta única exceção e dará regras para determinar a indenização.”
A Constituição da República de 1891, nossa primeira Constituição, não faz alteração aos limites do direito à propriedade, conforme vê-se no artigo 72, §17:
“O direito de propriedade mantém-se em toda plenitude, salvo a desapropriação por necessidade ou utilidade pública, mediante indenização prévia.”
A primeira Constituição que traz limites ao direito à propriedade é a Constituição de 1934, com evidente influência da Constituição da República de Weimar e da República do Méximo, conforme se verifica no §17 do artigo 113:
“É garantido o direito de propriedade, que não poderá ser exercido contra o interesse social ou coletivo, na forma que a lei determinar. A desapropriação por necessidade ou utilidade pública far-se-á nos termos da lei, mediante prévia e justa indenização. Em caso de perigo iminente, como guerra ou comoção intestina, poderão as autoridades usar da propriedade particular até onde o bem público exija, ressalvado o direito à indenização ulterior.”
Em 1937, com o novo texto constitucional outorgado pela regime ditatorial, tem-se um evidente retrocesso nos direitos e liberdades individuais, resguardando-se o direito à propriedade através do Decreto-lei 3365 de 21 de junho de 1941, em vigor até os dias de hoje, que trata da Desapropriação por Utilidade Pública.
A Constituição de 1946 retoma as menções às relações entre propriedade e função social e traz a novidade da desapropriação por interesse social, bem como a vinculação do uso desta ao bem-estar social, podendo, para tanto, a lei indicar os casos em que esta deveria ser distribuída. Nesse contexto, promulgou-se a Lei 4132 de 10 de setembro de 1962 que trata da Desapropriação por interesse social.
A condicionante expressa da propriedade ao exercício de sua função social veio com a Constituição de 1967 e consolidou-se com a Constituição Federal de 1988, que assegura o direito à propriedade observada a função social desta.
2.3. Função social da propriedade
Os caminhos entrelaçados da função social e do direito à propriedade no direito brasileiro culminam na Constituição Federal de 1988, quando em seu artigo 5º “caput” assegura aos brasileiros e estrangeiros residentes no país o direito de propriedade, observada a função social ao qual o bem se destina.
O Prof. Celso Antônio[15] assim define:
“(…) a função social da propriedade consiste em que esta deve cumprir um destino economicamente útil, produtivo, de maneira a satisfazer as necessidades sociais preenchíveis pela espécie tipológica do bem (ou pelo menos não poderá ser utilizada de modo a contraditar estes interesses), cumprindo, destarte, às completas, sua vocação natural, de molde a canalizar as potencialidades residentes no bem em proveito da coletividade (ou pelo menos não poderá ser utilizada de modo a adversá-las)”.
No entendimento de José Afonso da Silva[16], o princípio da função social da propriedade não está bem definido na doutrina brasileira, vez que costuma-se confundi-lo com limitação da propriedade, sendo certo que a limitação diz respeito ao exercício do direito, enquanto a função social interfere na estrutura do direito.
Restando certo que a função social é parte integrante do direito à propriedade, conclui-se que uma vez não cumprida sua função social, não há que se falar em direito à propriedade.
Portanto, segundo Clóvis Beznos, “não cumprida pelo proprietário a função social estabelecida pelo ordenamento positivo, deve o direito de propriedade extinguir-se, passando das mãos de seu titular, ou para o Estado ou para quem lhe dê a função almejada.”[17]
3. Da Desapropriação
Em poucas palavras, podemos definir desapropriação como o ato pelo qual o poder público, em razão de necessidade, utilidade pública ou interesse social, cumprido um procedimento prévio e mediante justa indenização, despoja alguém de sua propriedade, tomando-a para si.
Nos dizeres de Celso Antônio Bandeira de Mello:
“(…) desapropriação se define como o procedimento através do qual o Poder Público, fundado em necessidade pública, utilidade pública ou interesse social, compulsoriamente despoja alguém de um bem certo, normalmente adquirindo-o para si, em caráter originário, mediante indenização prévia, justa e pagável em dinheiro, salvo no caso de certos imóveis urbanos ou rurais, em que, por estarem em desacordo com a função social legalmente caracterizada para eles, a indenização far-se-á em títulos da dívida pública, resgatáveis em parcelas anuais e sucessivas, preservado seu valor real.”
A desapropriação é uma forma originária de aquisição de propriedade, uma vez que não advém de título anterior, liberando o bem de qualquer ônus e impossibilitando a reivindicação por terceiros. Ainda, àqueles que têm quaisquer direitos sobre o bem a lei assegura a devida indenização.
É a desapropriação um procedimento administrativo que desembocará em uma sentença judicial ou em uma Escritura Pública de Desapropriação Amigável.
Em quaisquer das duas possibilidades, segue a desapropriação o mesmo procedimento, que subdivide-se em duas fases.
A primeira fase é a Declaratória, caracterizada por um decreto onde o Poder Público indica o bem passível de desapropriação seja por necessidade ou utilidade pública, bem como por interesse social. Ainda nesta fase a Administração Pública realiza a avaliação do bem, motivo de vários conflitos e divergências quando da fase seguinte.
A segunda fase é a Executória, que tem por fim a transferência do bem ao patrimônio do expropriante. Quando o expropriado concorda com o valor atribuído ao imóvel, a desapropriação dar-se-á amigavelmente, via escritura pública de desapropriação amigável que culmina no registro imobiliário. Inexistindo acordo quanto aos valores, ou mesmo quando por outros motivos não haja consentimento, a expropriante ajuíza ação de desapropriação, a fim de se definir a justa indenização a ser paga ao expropriado e transferir o bem ao seu patrimônio.
3.1. Classificação da Desapropriação
O ordenamento jurídico brasileiro dispõe de duas espécies de desapropriação, quais sejam a desapropriação ordinária e a extraordinária[18]. Várias são as diferenças entre elas mas, em síntese, enquanto esta atinge tão somente a propriedade que não cumpre sua função social, aquela recai sobre qualquer propriedade, independente de cumprimento de função social e sua indenização deve ser justa, prévia e em dinheiro.
3.1.1 Desapropriação Ordinária
A desapropriação ordinária é a prevista em nossa Constituição Federal, no art. 5º XXIV e, como mencionado acima, tem por regime indenizatório a indenização prévia, justa e em dinheiro, uma vez que não se trata de desapropriação sancionatória. Assim, pode-se entender que referido regime jurídico tem por objetivo evitar o prejuízo do expropriado, impedir a redução de seu patrimônio.
A necessidade pública, a utilidade pública ou o interesse social são requisitos da desapropriação ordinária e são devidamente explicados na lição de Miguel Seabra Fagundes[19]:
“Existe necessidade pública quando a Administração está diante de um problema inadiável e premente, isto é, que não pode ser removido, nem procrastinado, e para cuja solução é indispensável incorporar ao domínio do Estado, o bem particular. Há utilidade pública quando da utilização da propriedade é conveniente e vantajosa ao interesse coletivo, mas não constitui um imperativo irremovível. Ocorre o interesse social quando o estado esteja diante dos chamados interesses sociais, isto é, daqueles diretamente atinentes às camadas mais pobres da população e à massa do povo em geral, concernentes à melhoria nas condições de vida, à mais eqüitativa distribuição da riqueza, à atenuação das desigualdades em sociedade”.
Embora as espécies são definidas pela Constituição Federal, a regulamentação destas se dá através de legislação específica. A desapropriação por utilidade pública regula-se pelo Decreto-lei n.º 3365 de 21.06.41 e a desapropriação por interesse social é regida pela lei 4132 de 10.09.62.
Em virtude de competência, os diplomas sobre a matéria são nacionais, restando aos Estados, Municípios e Distrito Federal a competência para declarar a utilidade ou necessidade público e o interesse sócia, bem como a realização dos atos expropriatórios.
3.1.2 Desapropriação Extraordinária
Essa espécie de desapropriação pode dar-se apenas quando o proprietário não obedecer à legislação que determina o cumprimento da função social de sua propriedade, restando certo que esta apresenta caráter sancionatório.
Embora a desapropriação extraordinária, também conhecida como desapropriação sanção, admita a expropriação de propriedade rural, trabalharemos apenas como a expropriação de propriedade urbana, por ser essa a linha de trabalho deste artigo.
3.1.2.1. Desapropriação de propriedade urbana
A Constituição Federal preceitua no §4º do art. 182:
“É facultado ao poder público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente de:
I – parcelamento ou edificação compulsórios;
II – imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;
III – desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.”
O Município detém a competência para estabelecer a política urbana, objetivando o desenvolvimento das funções sociais da cidade e o bem-estar dos cidadãos, de acordo com os termos fixados pelo Estatuto da Cidade, Lei 10.257/2001.
Uma das grandes inovações do Estatuto da Cidade reside no §4º do art. 7º que estabelece um prazo máximo de cinco anos para que o Município aproveite adequadamente o imóvel incorporado ao seu patrimônio.
Em caso de descumprimento, o artigo 52, II do referido diploma legal estabelece que incorre o prefeito em improbidade administrativa, Lei 8429/1992, sem prejuízo de punições dos demais agentes envolvidos.
Em se tratando de aproveitamento adequado, o Estatuto da Cidades preconiza em seu artigo 8º, §5º que este “poderá ser efetivado diretamente pelo Poder Público ou por meio de alienação ou concessão a terceiros, observando-se nesses casos o devido procedimento licitatório.”
Ainda que esse dispositivo legal permita a utilização do imóvel por particular, há que se destacar que fica este obrigado às mesmas obrigações de parcelamento, edificação ou utilização, conforme determina o §6º do art. 8º, razão pela qual não há que se falar em impedimento de transmissão do imóvel posterior à data de notificação do Poder Público.
4. Da Desapropriação para fins urbanísticos
Para o Prof. José Afonso da Silva, a desapropriação para fins urbanísticos caracteriza-se:
“(…) um instrumento de realização da política do solo urbano em função da execução do planejamento urbano.
Nesse sentindo é que se afirma que ela se consubstancia um instrumento de execução da atividade urbanística do Poder Público, que tem no planejamento seu princípio nuclear. Ora, esse planejamento, ao estabelecer as bases da ordenação da realidade urbana, importa conformar e configurar a propriedade imóvel e o direito de construir, atuando no plano prático, o princípio constitucional da função social da propriedade.”vel e o direito de construir, atuando no plano prurar a propriedade imtstabelece que incorre o prefeito em improbidade administ
A grande importância da desapropriação para fins urbanísticos recai na promoção do desenvolvimento urbano, eis que, com base nesta finalidade, a Administração Pública expropria determinadas áreas a fim de ordenar o uso e ocupação do solo, zelar pela saúde pública, atender a demanda de habitação de interesse social.
Embora o Estatuto da Cidade traga essa modalidade de desapropriação, ela já foi anteriormente mencionada na Lei 3365/64 que prevê em seu art. 5º suas hipóteses, quais sejam, a criação e melhoramento de centros de população e seu abastecimento regular; a abertura de vias ou logradouros públicos, funcionamento de meios de transporte coletivo, preservação, conservação e valorização de monumentos e paisagens, entre outros.
Por sua vez, a Lei 4132/62 também apresenta as possibilidades de expropriação com finalidade urbanística, entre as quais, a desapropriação para construção de casas populares e a desapropriação para manutenção de posseiros em terrenos urbanos.
Cumpre ressaltar que os objetivos, finalidades e funções da desapropriação para fins urbanísticos são fruto de doutrina, fundamentado em disposições contidas no Direito Alienígena, vez que esta é carente de regime jurídico próprio.
Essa modalidade de desapropriação fundamenta-se no requisito de utilidade ou necessidade pública, ressaltando José Afonso da Silva que pode ser entendida como uma função da Administração Pública, tratando-se efetivamente de uma ação de utilidade pública.
Assim, resta certo que o diploma legal que regula a desapropriação para fins urbanísticos é o Decreto Lei 3365/41, vez que este regulamenta a desapropriação por utilidade ou necessidade pública.
Salienta-se que essa modalidade de desapropriação encontra-se vinculada ao planejamento urbanístico, portanto só se concretiza em consonância com este.
5. A Desapropriação como instrumento de acesso ao direito à moradia
Ainda que a desapropriação não se limite a ser uma iniciativa da Administração Pública para garantir o acesso da população ao direito à moradia, fato é que também pode ser utilizada para promovê-lo.
A possibilidade de intervenção direta do Poder Público em determinada propriedade, por meio da transferência de domínio, seja por utilidade ou necessidade pública ou interesse social, ou ainda descumprimento da função social, torna a desapropriação valioso instrumento de acesso da população ao direito à moradia.
A grande dificuldade no uso desse instrumento reside no alto custo das áreas e na morosidade dos procedimentos expropriatórios.
Em que pese a possibilidade da desapropriação administrativa, esta não é a regra, pelo contrário, é a exceção. Comumente as desapropriações se dão via judicial com longas discussões a cerca dos valores da justa indenização.
Há que se ressaltar que embora haja previsão da possibilidade de imissão provisória na posse, a jurisprudência ainda não é pacífica quanto ao momento em que esta caberia.
Enquanto há decisões que admitem a imissão provisória na posse mediante o depósito judicial do valor ofertado pelo expropriante, há outras diversas, e talvez mais coerentes, que entendem ser necessária uma avaliação judicial preliminar para se atribuir um valor ao bem expropriado que possibilite imitir o expropriante na posse, ainda que provisória.
Fato é que nos parece muita mais justa, e talvez mais humana, a decisão de determinar uma perícia judicial prévia anterior à imissão provisória na posse.
Uma vez que inexiste regras para atribuição de valor ao imóvel para esta finalidade, ou mesmo porque as que tinham caíram em desuso, o uso de uma oferta ou mesmo uma avaliação unilateral do expropriante acaba por trazer ao procedimento a arbitrariedade do Poder Público. Ainda que a tenham em relação ao imóvel, mesmo que haja planejamento urbanístico, não resta viável estendê-la à definição de “justa indenização”.
Soma-se a isto, o fato de que, em grande parte dos casos, os bens são subavaliados. Ora, se a expropriação tiver por fundamento o não cumprimento da função social da propriedade, esta tem seu regramento próprio e é entendida como desapropriação-sanção. Porém, sendo a desapropriação com fins de atender o planejamento urbano, o valor da indenização deve ser o valor de mercado, incluído ainda dos valores que o expropriado deixou de ganhar se fizesse uso do imóvel.
Há que se ressaltar que os direitos humanos são para todos e da mesma formar em que se deve garantir e respeitar o direito humano à moradia deve-se garantir e respeitar o direito humano à propriedade.
A vantagem da desapropriação é a possibilidade de intervenção direito do Poder Público em determinada propriedade, o que pode reduzir, e muito, a ocupação irregular de áreas de risco.
Garantir o direito à moradia pressupõe garantir o direito à moradia digna. Assim, utilizando-se do instrumento da desapropriação, pode o Poder Público expropriar e destinar à habitação área dotada de toda a infraestrutura urbana, não havendo necessidade da população mais carente, mais necessitada, morar mais longe, onde, descontadas as áreas de risco, resta mais difícil o acesso aos serviços públicos básicos e mesmo ao mercado de trabalho.
Outro fator importante que a pesa à favor da desapropriação é a possibilidade de destinar áreas para moradia em que não exista fragilidade ambiental.
Todos sabemos que a grande maioria das ocupações irregulares se dão em áreas de proteção ambiental, o que acaba por gerar um enorme prejuízo à toda a coletividade.
Por fim, mesmo que as desapropriações comuns não objetivem a mesma finalidade da desapropriação para fins urbanísticos, ambas visam condicionar o uso da propriedade urbana ao bem estar coletivo, o que coloca esse instrumento jurídico no rol de instrumentos de garantia ao direito à moradia.
6. Conclusão
O direito à moradia, como já dito anteriormente, pode ser definido como o direito a se ter um lugar para se viver de maneira digna e saudável, com segurança e paz.
Diversos são os mecanismos e instrumentos que a legislação nacional e internacional possibilita para acesso da população à esse direito.
Entre os inúmeros instrumentos da legislação nacional, optamos por desmistificar o instituto da desapropriação.
A grande questão que esse trabalho se propôs a responder é sobre a viabilidade e aplicabilidade da desapropriação enquanto instrumento de garantia do direito à moradia.
A resposta a essa questão é positiva, desde que referido instrumento não seja utilizado para garantir o direito à moradia de um em detrimento ao direito à propriedade de outrem.
Dessa forma, a intervenção do Estado na propriedade privada deve dar-se estritamente dentro dos ditames da lei e, no que diz respeito à indenização, quando cabível, esta ser justa, conforme determinação legal, sem que esse caráter seja atribuído por avaliação unilateral, ainda que para fins de imissão provisória na posse.
Através da desapropriação, o Poder Público pode garantir não apenas o direito à moradia digna como também o acesso da população à terra urbanizada, podendo prevenir a ocupação irregular de áreas de risco, o que poderia evitar grandes desastres em áreas de fragilidade ambiental como os que, infelizmente, estamos nos acostumando a ver.
Informações Sobre o Autor
Thanyelle Galmacci
Advogada, especialista em Direito Municipal, mestrando em Direito Urbanístico pela PUCSP.