Resumo: Em uma primeira plana, a fim de sedimentar conceitos essenciais para a compreensão do instituto em destaque, revela-se imperioso compreender a acepção de pessoa jurídica, a partir das concepções estruturadas tanto pela legislação como pela doutrina. Pois bem, impende assinalar que a pessoa jurídica é descrita como uma ficção jurídica, estruturadas pela legislação com o escopo de suprir a inquietação humana. Denota-se, desse modo, que os sócios da pessoa jurídica, com personalidade diversa da natural, passam a atuar no mundo dos negócios. Verifica-se que a personalidade da pessoa jurídica afigura-se como verdadeiro escudo, que oculta os protagonistas das relações jurídicas. Logo, no ordenamento jurídico pátrio, há duas espécies de pessoas: a pessoa natural do sócio e a pessoa jurídica. Ao lado disso, há que se assinalar que, em razão da distinção supra, se desfralda como flâmula orientadora o princípio da separação patrimonial entre os bens do sócio e os bens da sociedade, o qual tem como fito precípuo traçar linhas limitadoras no que concerne à responsabilidade do sócio, resguardando, por conseguinte, o patrimônio pessoal de eventuais intempéries. Nesta linha, o presente debruça-se sobre a análise da desconsideração da personalidade jurídica no Direito do Trabalho, colocando em destaque as situações legislativas autorizadoras do levantamento do véu da personalidade jurídica.
Palavras-chaves: Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica. Consolidação das Leis Trabalhistas. Levantamento do Véu da Personalidade.
Sumário: 1 Comentários Introdutórios: Notas ao Aspecto de Mutabilidade da Ciência Jurídica; 2 A Valoração dos Princípios: A Influência do Pós-Positivismo na Aplicação do Ordenamento Brasileiro; 3 A Desconsideração da Personalidade Jurídica no Código Civil; 4 A Desconsideração da Personalidade Jurídica na Consolidação das Leis Trabalhistas: Breve Análise à luz do entendimento jurisprudencial do Tribunal Superior do Trabalho
1 Comentários Introdutórios: Ponderações ao Característico de Mutabilidade da Ciência Jurídica
Em sede de comentários inaugurais, ao se dispensar uma análise robusta sobre o tema colocado em debate, mister se faz evidenciar que a Ciência Jurídica, enquanto conjunto plural e multifacetado de arcabouço doutrinário e técnico, assim como as pujantes ramificações que a integra, reclama uma interpretação alicerçada nos múltiplos peculiares característicos modificadores que passaram a influir em sua estruturação. Neste diapasão, trazendo a lume os aspectos de mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-se imperioso salientar, com ênfase, que não mais subsiste uma visão arrimada em preceitos estagnados e estanques, alheios às necessidades e às diversidades sociais que passaram a contornar os Ordenamentos Jurídicos. Ora, em razão do burilado, infere-se que não mais prospera a ótica de imutabilidade que outrora sedimentava a aplicação das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população, suplantados em uma nova sistemática. É verificável, desta sorte, que os valores adotados pela coletividade, tal como os proeminentes cenários apresentados com a evolução da sociedade, passam a figurar como elementos que influenciam a confecção e aplicação das normas.
Com escora em tais premissas, cuida hastear como pavilhão de interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico 'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de interdependência que esse binômio mantém”[1]. Deste modo, com clareza solar, denota-se que há uma interação consolidada na mútua dependência, já que o primeiro tem suas balizas fincadas no constante processo de evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas Legislativos e institutos não fiquem inquinados de inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta estrutural dependência das regras consolidadas pelo Ordenamento Pátrio, cujo escopo fundamental está assentado em assegurar que inexista a difusão da prática da vingança privada, afastando, por extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras, nas quais o homem valorizava os aspectos estruturantes da Lei de Talião (“Olho por olho, dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça um cenário caótico no seio da coletividade.
Afora isso, volvendo a análise do tema para o cenário pátrio, é possível evidenciar que com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de sustentação do Ordenamento Brasileiro, primacialmente quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas necessidades que influenciam a realidade contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo, peculiar porém porque não envelhece, nem permanece jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua beleza”[2]. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência Jurídica jaz justamente na constante e imprescindível mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos Diplomas Legais.
Ainda nesta senda de exame, pode-se evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma rotunda independência dos estudiosos e profissionais da Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma progressiva evolução acerca do valor atribuído aos princípios em face da legislação”[3]. Destarte, a partir de uma análise profunda de sustentáculos, infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na aplicação e interpretação do conteúdo das leis.
2 A Valoração dos Princípios: A Influência do Pós-Positivismo no Ordenamento Brasileiro
Ab initio, tendo como pilares de apoio as lições apresentadas por Marquesi[4] que, com substancial pertinência, dicciona que os postulados e dogmas se afiguram como a gênese, o ponto de partida ou mesmo o primeiro momento da existência de algo. Nesta trilha, há que se gizar, com bastante ênfase, que os princípios se apresentam como verdades fundamentais, que suportam ou asseguram a certeza de uma gama de juízos e valores que norteiam as aplicações das normas diante da situação concreta, adequando o texto frio, abstrato e genérico às nuances e particularidades apresentadas pela interação do ser humano. Objetiva, por conseguinte, com a valoração dos princípios vedar a exacerbação errônea do texto da lei, conferindo-lhe dinamicidade ao apreciar as questões.
Com supedâneo em tais ideários, salientar se faz patente que os dogmas, valorados pelas linhas do pós-positivismo, são responsáveis por fundar o Ordenamento Jurídico e atuar como normas vinculantes, verdadeiras flâmulas desfraldadas na interpretação do Ordenamento Jurídico. Desta sorte, insta obtemperar que “conhecê-los é penetrar o âmago da realidade jurídica. Toda sociedade politicamente organizada baseia-se numa tábua principiológica, que varia segundo se altera e evolui a cultura e modo de pensar”[5]. Ao lado disso, em razão do aspecto essencial que apresentam, os preceitos podem variar, de maneira robusta, adequando-se à realidade vigorante em cada Estado, ou seja, os corolários são resultantes dos anseios sagrados em cada população. Entrementes, o que assegura a característica fundante dos axiomas é o fato de estarem alicerçados em cânones positivados pelos representantes da nação ou de regra costumeira, que foi democraticamente aderida pela população.
Nesta senda, os dogmas que são salvaguardados pela Ciência Jurídica passam a ser erigidos à condição de elementos que compreendem em seu bojo oferta de uma abrangência mais versátil, contemplando, de maneira singular, as múltiplas espécies normativas que integram o ordenamento pátrio. Ao lado do apresentado, com fortes cores e traços grosso, há que se evidenciar que tais mandamentos passam a figurar como super-normas, isto é, “preceitos que exprimem valor e, por tal fato, são como pontos de referências para as demais, que desdobram de seu conteúdo”[6]. Os corolários passam a figurar como verdadeiros pilares sobre os quais o arcabouço teórico que compõe o Direito se estrutura, segundo a brilhante exposição de Tovar[7]. Com efeito, essa concepção deve ser estendida a interpretação das normas que integram ao ramo Civilista da Ciência Jurídica, mormente o Direito das Famílias e o aspecto afetivo contido nas relações firmadas entre os indivíduos.
Em decorrência de tais lições, destacar é crucial que o Código de 2002 deve ser interpretado a partir de uma luz emanada pelos valores de maciça relevância para a Constituição Federal de 1988. Isto é, cabe ao Arquiteto do Direito observar, de forma imperiosa, a tábua principiológica, considerada como essencial e exaltada como fundamental dentro da Carta Magna do Estado Brasileiro, ao aplicar a legislação abstrata ao caso concreto. A exemplo de tal afirmativa, pode-se citar tábua principiológica que orienta a interpretação das normas atinentes ao Direito das Famílias. Com o alicerce no pontuado, salta aos olhos a necessidade de desnudar tal assunto, com o intento de afasta qualquer possível desmistificação, com o fito primordial de substancializar um entendimento mais robusto acerca do tema.
3 A Desconsideração da Personalidade Jurídica no Código Civil
Tendo por sedimento as ponderações aduzidas, é possível assinalar que, em decorrência da grande independência e autonomia, devido à exclusão da responsabilidade dos sócios, a pessoa jurídica, por vezes, tem-se desviado de seus corolários e fitos, cometendo fraudes e atos eivados de desonestidade, provocando, por conseguinte, reações legislativas, doutrinárias e jurisprudenciais, que objetivam coibir tais abusos, desconsiderando a sua personalidade jurídica. Nesta linha de exposição, pode-se salientar que a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, ou ainda teoria da penetração, também denominada de disregard theory, surgiu com o escopo primevo de coibir os abusos praticados pelos agentes que, cobrindo-se com o véu proporcionado pelo princípio da separação patrimonial. Tratava-se de situação em que se tornava impossível o ressarcimento de prejuízos ocasionados a terceiros, em razão de atos ilícitos praticados pelos controladores das pessoas jurídicas, ou ainda pelo simples esvaziamento de bens do patrimônio de suas sociedade que garantissem o pagamento das dívidas sociais.
Quadra colocar em destaque que a legislação pátria, ressoando a paulatina construção da teoria em testilha, bem como aprimorando a acepção atribuída pelo revogado Código Civil de 1916, estabeleceu este expediente repressivo à má utilização do ente moral, partindo do pressuposto da autonomia da pessoa jurídica diante a personalidade e patrimônio distintos dos membros que a integram. Sob essa inspiração é que se abriu a possibilidade do órgão judicante desconsiderar a personalidade jurídica quando esta se desviar de suas finalidades e também quando houver confusão patrimonial de bens dos sócios e de bem da pessoa jurídica, a fim de que a responsabilidade advinda desses atos negociais obscuros seja atribuída aos sócios ou administradores que deverão responder pela malversação com seus bens particulares.
Cogente se faz sublinhar que a Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica não visa a anulação da personalidade jurídica, mas somente objetiva desconsiderar a pessoa jurídica no caso concreto, dentro de seus limites, em relação às pessoas e aos bens que atrás dela se escondem. “É caso de declaração especial da personalidade jurídica para determinados efeitos, prosseguindo, todavia, a mesma incólume para seus outros fins legítimos”[8]. O Código Civil de 2002, em seu artigo 50, aprimorando o artigo 20 do Diploma Civilista revogado, consagrou a Teoria Maior da Desconsideração da Personalidade Jurídica. Para tanto, há que se citar a redação do artigo vigente, que assim dicciona:
“Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica”. (destaquei).
O Enunciado nº. 51 da Jornada de Direito Civil realizada no Superior Tribunal de Justiça assentou sobre a desconsideração tratada no art. 50 do Código Civil: “a Teoria da desconsideração da personalidade jurídica disregard doctrine fica positivada no novo Código Civil, mantidos os parâmetros existentes nos microssistemas legais e na construção jurídica sobre o tema”. E mais: “Só se aplica a desconsideração da personalidade jurídica quando houver a prática de ato irregular e, limitadamente, aos administradores ou sócios que nela hajam incorrido” (Enunciado n. 7 da Jornada do Superior Tribunal de Justiça).
Em uma acepção conceitual, impende assinalar que a teoria da desconsideração da personalidade jurídica é conhecida como aquela que concede ao juiz a possibilidade de desconsiderar a autonomia jurídica da personalidade da empresa e da personalidade de seus sócios, desde que a sociedade tenha sido utilizada para escopos ilegais ou ainda que tenham o condão de causar prejuízos a seus credores. Em ocorrendo tal situação, o juiz poderá determinar a constrição sobre os bens dos sócios, a fim de adimplir a dívida da empresa, ou também sobre os bens da empresa para pagar dívidas particulares dos sócios, ou, ainda, sobre bens de uma empresa para pagar dívidas de outra empresa do mesmo grupo. Trata-se do episódico levantamento do véu que distingue a pessoa jurídica das pessoas naturais que a compõem. Sobre o art. 50 do Código Civil de 2002, há que se trazer à colação os comentário de Maria Helena Diniz:
“Desconsideração da pessoa jurídica. […] Por isso o Código Civil pretende que, quando a pessoa jurídica se desviar dos fins determinantes de sua constituição, ou quando houver confusão patrimonial, em razão de abuso da personalidade jurídica, o órgão judicante, a requerimento da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo, está autorizado a desconsiderar, episodicamente, a personalidade jurídica, para coibir fraudes de sócios que dela se valeram como escudo, sem importar essa medida numa dissolução da pessoa jurídica. Com isso subsiste o princípio da autonomia subjetiva da pessoa coletiva, distinta da pessoa de seus sócios, mas tal distinção é afastada, provisoriamente, para dado caso concreto, estendendo a responsabilidade negocial aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica (RT, 786:163, 778:211, 711:117, 614:109, 657:120, 457:141, 342:181, 387:138, 418:213, 484:149, 580:84, 492:216, 511:199, 673:160, 713:138, JB, 147:286, 152:247, 164:294)”[9].
Há que se frisar que a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica – disregard theory -, pela qual se autoriza o episódico levantamento do véu da sociedade, excepcionando-se o princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica em relação aos sócios, é medida que excetua à regra. Muito embora, como regra geral na aplicação da disregard doctrine, parte-se do pressuposto que responde o sócio com seu patrimônio particular pela obrigação da empresa. Embora exista uma regra geral diferenciadora do patrimônio da empresa e o de seus sócios, como titulares de patrimônios diferentes, este princípio da separação patrimonial deve ser superado e ceder em face de circunstâncias especiais e excepcionais.
Obviamente, por necessário, é imperioso assinalar que essas circunstâncias devem ser embasadas em provas robustas de fraude, de prática de atos com finalidade premeditadamente ilícita, de abuso de direito, de desonestidade, se escondendo o sócio sob a máscara societária com o objetivo de desfrutar de seus inegáveis benefícios, ocultando atos contrários a qualquer regra ética, jurídica e social. Saliente-se, por oportuno, que o ente jurídico não pode servir de escudo para frustrar a satisfação do crédito quando presente a hipótese legal que permite a desconsideração de sua personalidade. Nesta linha, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça segue a teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica, conforme se vislumbra do seguinte acórdão:
“Ementa: Processual civil e civil. Recurso especial. Ação de execução de título judicial. Inexistência de bens de propriedade da empresa executada. Desconsideração da personalidade jurídica. Inviabilidade. Incidência do art. 50 do CC/02. Aplicação da Teoria Maior da Desconsideração da Personalidade Jurídica. […] – A regra geral adotada no ordenamento jurídico brasileiro é aquela prevista no art. 50 do CC/02, que consagra a Teoria Maior da Desconsideração, tanto na sua vertente subjetiva quanto na objetiva . – Salvo em situações excepcionais previstas em leis especiais, somente é possível a desconsideração da personalidade jurídica quando verificado o desvio de finalidade (Teoria Maior Subjetiva da Desconsideração), caracterizado pelo ato intencional dos sócios de fraudar terceiros com o uso abusivo da personalidade jurídica, ou quando evidenciada a confusão patrimonial (Teoria Maior Objetiva da Desconsideração), demonstrada pela inexistência, no campo dos fatos, de separação entre o patrimônio da pessoa jurídica e os de seus sócios. Recurso especial provido para afastar a desconsideração da personalidade jurídica da recorrente.” (Superior Tribunal de Justiça – Terceira Turma/ Recurso Especial nº 970.635-SP/ Relatora. Ministra Nancy Andrighi/ Julgado em 10 nov. 2009/ Publicado no DJe 01 dez. 2009).
Pelo Código Civil em vigor, quando restar configurado que a pessoa jurídica se desviou dos fins que estabeleceram sua constituição, em decorrência dos sócios ou administradores a utilizarem para alcançarem o escopo distinto do objetivo societário com o intento de prejudicar outrem ou mesmo fazer uso indevido da finalidade social, ou quando houver confusão patrimonial, ou seja, mistura do patrimônio social com o particular do sócio, que tem o condão de causar dano a terceiro, “em razão de abuso da personalidade jurídica, o magistrado, a pedido do interessado ou do Ministério Público, está autorizado, com base na prova material do dano, a desconsiderar, episodicamente, a personalidade jurídica”[10], com o intuito de coibir fraudes e abusos dos sócios que dela se valeram como defesa, sem que essa medida se desdobre numa dissolução da pessoa jurídica.
Em razão do exposto, denota-se que subsiste o dogma da autonomia subjetiva da pessoa coletiva, não se confundindo com a pessoa de seus sócios, entrementes, tal distinção é rechaçada, ainda que em caráter provisório, em decorrência de uma determinada situação concreta. Verifica-se uma reprimenda pelo uso indevido da personalidade jurídica, por intermédio do desvio de seus objetivos ou ainda confusão patrimonial social, que é destinado para a perpetração de atos abusivos ou ilícitos, afastando-se, por tal fato, a distinção existente entre os bens dos sócios e da pessoa jurídica, admitindo-se, por conseguinte, que os efeitos de cunho patrimonial, relativos a determinadas obrigações, alcancem os bens particulares dos administradores ou, ainda, dos sócios.
Trata-se de situação em que restará materializada a desconsideração da personalidade jurídica, porquanto os bens da pessoa jurídica não bastam para a satisfação das obrigações contraídas, já que a pessoa jurídica não será dissolvida nem objeto de liquidação. A desconsideração da personalidade tem o escopo de transferir a responsabilidade para aqueles que, de modo indevido, utilizaram a sociedade. O Código Civil enumera dois pressupostos em que, em restando configurados, autorizarão a desconsideração da personalidade jurídica, a saber: a fraude e o abuso de direito.
4 A Desconsideração da Personalidade Jurídica na Consolidação das Leis Trabalhistas: Breve Análise à luz do entendimento jurisprudencial do Tribunal Superior do Trabalho
Consoante se verifica nas ponderações aduzidas até o presente momento, é possível constatar que a desconsideração da personalidade jurídica passou a afigurar como instrumento de grande valia no Direito Pátrio. Ao lado disso, cuida anotar que a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), em seu artigo 2º, §2º, alberga a hipótese de desconsideração da personalidade jurídica sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas. Tendo como supedâneo as ponderações ventiladas acima, infere-se que a CLT não apresenta como imprescindível a presença de prova de fraude e nem de abuso para que empresa, do mesmo grupo da empregadora, sejam responsabilizados pelos débitos trabalhistas, sendo considerado como conditio sine qua non que todos integrem o mesmo conglomerado, a fim de que sejam solidariamente responsáveis. Segundo as lições Amador Paes de Almeida:
“[…] nenhum ramo do direito se mostra tão adequado à aplicação da teoria da desconsideração do que o direito do trabalho, até porque os riscos da atividade econômica, na forma da lei, são exclusivos do empregador […] No direito do trabalho a teoria da desconsideração da pessoa jurídica tem sido aplicada pelos juízes de forma ampla, tanto nas hipóteses de abuso de direito, excesso de poder, como em casos de violação da lei ou do contrato, ou, ainda, na ocorrência de meios fraudulentos, e, inclusive, na hipótese, não rara, de insuficiência de bens da empresa, adotando, por via de consequência, a regra disposta no art. 28 do Código de Proteção ao Consumidor”[11].
Consoante se colhe, é possível assinalar que a teoria em comento é aplicada de modo abrangente na ramificação trabalhista do Direito. Ao lado disso, por oportuno, há que se registrar a previsão disposta no art. 2º, §2º, da CLT objetiva tão somente fixar responsabilidade solidária entre as empresas componentes do mesmo grupo econômico para a satisfação das dívidas trabalhistas. Em regra, o descumprimento dos direitos trabalhistas configura o “desvio de finalidade”, conceito legal indeterminado presente no artigo 50 do Código Civil Brasileiro, que permite a desconsideração da pessoa jurídica para que os efeitos de certas e determinadas relações obrigações sejam estendidas aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica. Coadunando com o expendido, colhem-se os precedentes jurisprudenciais que acenam no sentido que:
“Ementa: Desconsideração da Personalidade Jurídica da Executada. Responsabilidade pessoal do sócio. O descumprimento dos direitos trabalhistas configure o “desvio da finalidade”, conceito presente no artigo 50 do Código Civil Brasileiro, que permite a desconsideração da pessoa jurídica. Logo, exauridas as tentativas de execução contra a pessoa jurídica, cabe deferir o redirecionamento da execução aos sócios da executada. Apelo a que se nega provimento. (Tribunal Regional do Trabalho da Quarta Região/ Agravo de Petição Nº 0156100-55.1997.5.04.0291/ Relatora: Desembargadora Ana Rosa Pereira Zago Sagrilo/ Julgado em 09.06.2011).
Ementa: Agravo de Petição da Executada. Direcionamento de Execução contra Sócio. Justifica-se o direcionamento da execução contra os sócios da executada, quando exauridas todas as possibilidades de pagamento da dívida, além de ter a empresa encerrado suas atividades sem a satisfação do credor trabalhista. Precedentes. Recurso desprovido”. (Tribunal Regional do Trabalho da Quarta Região/ Agravo de Petição n. 0164400-42.2006.5.04.0662/ Relator: Desembargador Denis Marcelo de Lima Molarinho/ Julgado em 24.09.2009).
Sobre a temática em comento, o Tribunal Superior do Trabalho, em acórdão da lavra da Ministra Kátia Magalhães de Arruda, assentou entendimento no sentiment em que “a desconsideração da personalidade jurídica da empresa executada é matéria regida especificamente pela legislação infraconstitucional, pelo que não há como se constatar violação direta de dispositivos da Constituição Federal”[12]. Verifica-se, a partir do acinzelado que, tal como ocorre no Código de Defesa do Consumidor, a Consolidação das Leis do Trabalho ambiciona ofertar proteção à parte hipossuficiente, no caso o trabalhador/empregado, com vistas alcançar a igualdade entre as partes. Nesta senda, denota-se que a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, no âmbito trabalhista, busca amparar a parte hipossuficiente, quando houver o encerramento das atividades sem que haja a satisfação do crédito trabalhista existente.
Em mesmo sentido, inclusive, é possível fazer alusão robusta ao entendimento externado no Agravo de Instrumento em Recuso de Revista nº 125640-94.2007.5.05.0004[13], de relatoria do Ministro Maurício Godinho Delgado, em especial quando dicciona que, na esfera trabalhista, se entende que os bens particulares dos sócios das empresas executadas devem responder pela satisfação dos débitos trabalhistas. Trata-se da aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, esta derivada diretamente do caput do artigo 2º da Consolidação das Leis Trabalhistas (empregador como ente empresarial ao invés de pessoa) e do princípio justrabalhista especial da despersonalização da figura jurídica do empregador. Está claro, portanto, que, não obstante a pessoa jurídica se distinga de seus membros, admite a ordem jurídica, em certos casos, a responsabilização do sócio pelas dívidas societárias.
Assim, se é permitido que, na fase de execução, possa o sócio ser incluído na lide para fins de responsabilização pela dívida apurada, com muito mais razão deve-se aceitar sua presença na lide desde a fase de conhecimento, em que poderá se valer mais amplamente do direito ao contraditório. Contudo, o sócio não responde solidariamente pelas dívidas sociais trabalhistas, mas em caráter subsidiário, dependendo sua execução da frustração do procedimento executório perfilado contra a sociedade. Denota-se, portanto, com clareza ofuscante, ressoando, em alto som a norma inserta no §2º do artigo 2º da Consolidação das Leis Trabalhistas que a teoria da desconsideração da personalidade juridical encontra pleno e reconhecido assento nas demandas de cunho trabalhista, fazendo premente sua aplicação em prol de assegurar a proteção das verbas trabalhistas, cuja natureza é alimentar, sobremaneira para salvaguardar o mínimo existencial vital e, por extensão, o superprincípio da dignidade da pessoa humana.
Informações Sobre o Autor
Tauã Lima Verdan Rangel
Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense. Especializando em Práticas Processuais – Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES