A dialética entre direito e moral: A Relação entre as Esferas Axiológica e Normativa nas Perspectivas Jusnaturalista, Juspositivista e Pluralista

Resumo:  Esse trabalho estuda a dialética relação entre Direito e Moral. A ligação entre a esfera axiológica e a esfera normativa é observada de diferentes modos pelas perspectivas do Jusnaturalismo, do Juspositivismo e do Pluralismo Ético, porquanto, com a fundação do Estado Moderno e a conseqüente concentração da produção do Direito pelo legislador, houve uma mudança de paradigma: de um Jusnaturalismo, que advogava pela vinculação entre Direito e Moral, passou-se a um Juspositivismo defensor da separação entre as esferas axiológica e normativa, segregação essa mantida pela formulação de critérios de distinção entre aqueles campos. Por sua vez, com o Pluralismo Ético, ocorre uma revisão da separação entre Direito e Moral, haja vista que, sem retornar à metafísica, dever-se-á proteger os princípios humanos considerados, criticamente, mais gerais. Este trabalho foi orientado pela Professora Gloreni Aparecida Machado.
Palavras-chave: Direito, Moral, Jusnaturalismo, Juspositivismo e Pluralismo.


Abstract: This work studies the dialectical relationship between Law and Morality. The linkage between the axiological and normative spheres is observed in different ways by the perspective of Natural Law, of Positivism and of Ethical Pluralism, because, with the founding of the Modern State and the consequent concentration of production of Law by the legislature, there was a paradigm shift: from a Natural Law, which advocated the link between Law and Morality, began to be a defender of separation positivist between the spheres axiological and normative, segregation maintained by the formulation of criteria for distinguishing between those fields. In turn, the Ethical Pluralism, there is a review of the separation between Law and Morality, given that, without returning to metaphysics, it should to protect the human principles considered, critically, more general.


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Keywords: Law, Morality, Natural Law, Positivism and Pluralism.


Sumário: 1. Introdução. 2. As Doutrinas Jurídicas acerca da Relação entre Direito e Moral. 2.1. O Jusnaturalismo e a Tese da Vinculação entre Direito e Moral. 2.2. O Juspositivismo e a Tese da Separação entre Direito e Moral. 2.3. O Pluralismo Ético e a Tese da Vinculação entre Direito e Moral. 3. A Distinção entre Direito e Moral na Perspectiva Juspositivista. 3.1. A Influência de Immanuel Kant na Elaboração da Tese da Separação. 3.2. O Relativismo Ético na Teoria Pura do Direito de Hans Kelsen. 3.3. As Características Distintivas entre Direito e Moral na Teoria Tridimensional de Miguel Reale. 4. A Desconstrução da Tese da Separação entre Direito e Moral. 4.1. Peter Berger e a Teoria dos Círculos Concêntricos. 4.2. John Beattie e sua Classificação das Sanções. 4.3. Erving Goffman e sua Pesquisa sobre Estigmatização: o Descompasso entre as Identidades Real e Virtual. 5. A Tese da Vinculação entre Direito e Moral na Pós-Modernidade: o Pluralismo Ético. 5.1. A Concepção de Direito no Pensamento de Roberto Lyra Filho. 5.2. O Destroço da Distinção Formal entre Direito e Moral. 7. Conclusão. Fontes de Pesquisa


1. Introdução


No alvorecer do século XIX, o Brasil encontra-se numa situação que põe seu ordenamento jurídico em xeque. Os recentes escândalos noticiados pela imprensa nacional, como a recente operação anaconda, revelam que há um descompasso entre a Moral e o Direito, haja vista que muitos – não obstante a condenação moral pela população – continuam libertos pelo Poder Judiciário.


Conquanto nosso país seja uma fértil seara para angariarmos exemplos de mútua contrariedade entre Direito e Moral, o mundo moderno encontra-se repleto de arquétipos similares.


Destarte, percebe-se que a dialética entre Direito e Moral é um tema acerca do qual se faz mister um verdadeiro debate. Sobre essa temática, encontra-se o objetivo do presente trabalho. Aqui, examinamos como se configura a relação entre as esferas normativa e axiológica. Nessa senda, limitar-nos-emos às perspectivas Jusnaturalista, Juspositivista e Pluralista.


A relação dialética entre Direito e Moral é uma problemática recorrente no Direito, mais precisamente, na Filosofia do Direito. Assim sendo, emergem questionamentos: como se dá a relação entre Direito e Moral? Como se dá tal conexão no Jusnaturalismo? Como o Juspositivismo compreende-a? E como a doutrina contemporânea – o Pluralismo Ético pós-moderno – apreende-a?


Nessa direção segue nosso labor. Buscaremos expor como se dá a relação entre a norma jurídica e a moral nas óticas das já arroladas doutrinas. Para tanto, adotamos como referencial teórico os estudos de Márcia Noll Barboza sobre a relação entre Direito e Moral. Além desta autora, observamos a hipótese da distinção de KANT e a Teoria Tridimensional do Direito de REALE.


Serviu-nos também como suporte a Teoria dos Círculos Concêntricos de BERGER; a pesquisa sobre as sanções de BEATTIE; as proposições de GOFFMAN sobre o processo de estigmatização e, por fim, abordamos, na pós-modernidade, o pensamento de LYRA FILHO sobre a concepção do Direito e sua relação com a Moral.


O capítulo primeiro mostra um panorama de tais teorias. De acordo com a teoria de BARBOZA, identifica-se a relação dialética que há entre as esferas axiológica e normativa. A partir daí, buscamos incrementar tal discussão com base nas perspectivas do Jusnaturalismo, do Juspositivismo e da corrente pós-moderna, Pluralismo Ético.


No segundo capítulo, é visto que, com a criação do Estado Moderno e a conseqüente concentração por esse da produção jurídica, foi possível a elaboração da hipótese da distinção entre Direito e Moral, formulada por KANT, fundamentado em THOMASIUS, a qual fora, em seguida, revisada por KELSEN, o qual, por sua vez, instituiu as bases do Relativismo Ético.


Essa distinção entre o campo axiológico e o mundo normativo será, no capítulo terceiro, desconstruída por intermédio da contribuição teórica de BERGER, BEATTIE e GOFFMAN. Com a desconstrução da distinção entre Direito e Moral, debatemos, no quarto capítulo, o pensamento pós-moderno pluralista, do qual nossa referência teórica é LYRA FILHO.


2. As Doutrinas Jurídicas acerca da Relação entre Direito e Moral


Nesse capítulo, investigamos a dialética relação que se constitui entre o campo axiológico, o da Moral, e o mundo normativo, o do Direito. Tal inquérito foi feito com base nas perspectivas das ideologias jurídicas modernas – o Jusnaturalismo e o Juspositivismo – e da corrente de pensamento pós-moderna – o Pluralismo Ético.


2.1. O Jusnaturalismo e a Tese da Vinculação entre Direito e Moral


A princípio, caberá uma breve explanação a respeito do que constitui o Jusnaturalismo e o Direito Natural. A seguir, verifica-se a questão que se estabelece entre aquele Jusnaturalismo e a tese da vinculação entre Direito e Moral.


O Jusnaturalismo é uma ideologia jurídica moderna, uma doutrina, a qual afirma a existência e a possibilidade do conhecimento de um Direito Natural. Tal doutrina advoga pela supremacia de um sistema de conduta intersubjetiva diverso do sistema constituído pelas normas fixadas pelo Estado. Afinal, assim, afiança FASSÓ:


“O Jusnaturalismo é uma doutrina segundo a qual existe e pode ser conhecido um “direito natural” (ius naturale), ou seja, um sistema de norma intersubjetiva diverso do sistema constituído pelas normas fixadas pelo Estado (direito positivo).”[1]


Divisa-se, então, que o Jusnaturalismo defende a preeminência do Direito Natural. Esse, por sua vez, configura-se num Direito inscrito na natureza ou na razão, independentemente de qualquer legislação positiva: um Direito de antes do Direito, que seria universal e serviria de fundamento ou de norma para os diferentes Direitos Positivos.


Na prática, cada qual põe nesse Direito Natural um pouco do que quer, o que é muito cômodo, mas não permite resolver nenhum problema efetivo. Por exemplo, em LOCKE, a liberdade, a igualdade, a propriedade privada, a pena de morte estão consagradas no Direito Natural. Sobre esse Direito que, outrossim, pode denominar-se “Direito Filosófico”[2], assevera SILVA:


“Há outras teorias. Mas, no sentido moderno, o Direito Natural é tido como o que decorre de princípios impostos à legislação dos povos cultos, fundados na razão e na eqüidade, para que regulem e assegurem os direitos individuais, tais como os de vida, de liberdade, de honra e todos os direitos patrimoniais, que asseguram a própria existência do homem”.[3]


Ulteriormente, em seguida a esse breve prefácio acerca do que se constituem o Jusnaturalismo e o Direito Natural, vamos, então, discutir a questão da dialética relação que se estabelece entre o campo normativo – o Direito – e o mundo axiológico – a Moral –, na perspectiva da doutrina Jusnaturalista: a tese da vinculação.


O Jusnaturalismo, enquanto ideologia jurídica moderna, acastela a tese da vinculação entre Direito e Moral. Para essa doutrina, o Direito para possuir validade e, assim, legitimidade, deve, fundamentalmente, vincular-se à Moral. Acerca disso, afiança BARBOZA:


“A primeira [a tese da vinculação] se identifica com o jusnaturalismo e vê no direito natural a vinculação das normas jurídicas às normas morais. […] Claro, enquanto para o jusnaturalismo do direito se define, necessariamente, como referido e vinculado à moral”.[4]


Surge, em conseqüência disso, um verdadeiro dissídio entre o Jusnaturalismo – com o Direito Natural fazendo-se de ponte entre Direito e Moral – e o Juspositivismo que, a posteriori, será elucidado. Para a primeira doutrina, a fundamentação moral do Direito encontrar-se-ia no Direito Filosófico, o qual seria, portanto, a base da tese da vinculação entre Direito e Moral.


Sem embargo, cumpre lembrar que o Jusnaturalismo não se constitui em uma corrente ideológica una, posto que, ao longo do tempo, nem sempre tal curso doutrinário defendeu as mesmas proposições. Embora, para alguns pensadores, a elaboração da distinção entre “Direito Objetivo[5] e Direito Natural abalize-se na imutabilidade do segundo, esse Direito Filosófico mudou.


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O Direito Natural ensejado pelo Jusnaturalismo apresentou, ao correr das eras, aspectos contingenciais. Por exemplo, esse tal Direito, na Idade Antiga, era vinculado aos deuses; na Média Idade, era referido ao Deus Cristão; na Modernidade, era ligado à razão humana. A noção de justiça já sofreu muitas mutações no Direito Filosófico.


Não obstante essas alterações arroladas, o Jusnaturalismo e, por conseguinte, o Direito Natural sempre se fundamentaram nas normas morais, na Moral. Aquela ideologia jurídica moderna, ininterruptamente, buscou fundamentação e sustentação em normas morais universais, as quais se localizavam no Direito Filosófico. Assim resume BARBOZA:


“Com efeito, de um lado se encontram as teorias jusnaturalistas, a propugnar, no decorrer dos séculos, as mais diferentes noções de justiça, a ela atribuindo conteúdos que vão desde a escravidão à soberania popular. Assemelham-se, porém, essas mesmas teorias quanto à via de fundamentação, sustentando a existência de normas morais objetivas e absolutas – direito natural -, extraídas, pela revelação de Deus ou da razão, da natureza”.[6]


Destarte, apreende-se que o Direito Natural nem sempre amparou uma determinada Moral ou, que seja, uma Moral com a mesma gênese. Tal direito sempre esteve ao apoio de uma Moral, no entanto, essa nem sempre foi a mesma, posto que já defendeu a escravidão e a soberania popular, e nem sempre teve a mesma origem, uma vez que já foi oriunda de Deus e da razão.


“Em outras palavras, as doutrinas que, no século, foram chamadas de “teoria do direito natural” não tiveram em comum uma determinada moral, que tenham defendido ou pregado, mas, sim, o fato de que sustentaram um determinado fundamento e uma determinada justificativa para a moral, qualquer que tenha sido o seu conteúdo.”[7]


Deste modo, conclui-se que o Jusnaturalismo, enquanto corolário do Direito Filosófico, defende a tese da vinculação entre Direito e Moral. Ter-se-ia, no presente caso, o estabelecimento da coincidência cabal da esfera normativa – a do Direito – com a esfera axiológica – a da Moral. Constitui-se, logo, a “Teoria do Mínimo Ético[8].


Segundo essa teoria, o Direito representa apenas o mínimo Moral declarado obrigatório para que a sociedade possa sobreviver. Como nem todos podem ou querem realizar de maneira espontânea as obrigações morais, é indispensável armar de força certos preceitos éticos, para que a sociedade não pereça.


Assim sendo, o Direito não seria algo diferente da Moral, mas, sim, uma parte desta, armada de garantias específicas. A Teoria do Mínimo Ético implicaria, conseqüentemente, a atribuição de caráter moral à regra jurídica. Em verdade, para essa teoria, a Moral representaria um círculo maior englobando um círculo concêntrico menor, que seria o Direito. 


2.2. O Juspositivismo e a Tese da Separação entre Direito e Moral


A priori, antes de versarmos, nesse ponto, a respeito da supracitada relação entre o Juspositivismo e a tese da separação entre Direito e Moral, estabelece-se, como condição sine qua non para os adequados desenvolvimento e compreensão do presente trabalho, uma breve consideração acerca do que se configura o Juspositivismo e, outrossim, o Direito Positivo.


O Juspositivismo constitui uma ideologia jurídica moderna, uma doutrina, segundo a qual o Direito não deve ser guiado por bases metafísicas como ocorre na concepção do Jusnaturalismo. Para o Positivismo Jurídico, o que tem que prevalecer no Direito é o ordenamento jurídico, enquanto representante do Direito Positivo. É o que nos assevera FASSÓ:


“O Jusnaturalismo é, por isso, uma doutrina antitética à do “positivismo jurídico”, segundo a qual só há um direito, o estabelecido pelo Estado, cuja validade independe de qualquer referência a valores éticos”.[9]    


Posto isso, fica evidente que o Juspositivismo defende a supremacia do Direito Positivo sobre o Direito Natural. Esse direito protegido pelo Positivismo Jurídico – ainda denominado “Direito Objetivo[10] ou “Direito Realista[11] – pode ser entendido como o conjunto das leis, efetivamente, instituídas numa dada sociedade.


Tal Direito Objetivo, qualquer que seja o modo (consuetudinário ou escrito, democrático ou monárquico), é um Direito que existe de fato. Esse Direito Positivo não se edifica, por conseguinte, em fundamentos metafísicos, “tendo o adjetivo metafísico no sentido de transcendente, que transcende os limites da experiência possível”[12]. Posto que, assim, afiança SILVA:


“É, na linguagem de PICARD, o Direito tal como é, e não como devia ser, conforme nossos sentimentos íntimos ou nossas ilusões de Justiça. O Direito Positivo manifesta-se em qualquer espécie de Direito Objetivo, ramificando em todas as formas do Direito, seja escrito ou consuetudinário, que seja imposto como regra social obrigatória”.[13]


Posteriormente, em seguida a essa rápida explanação a propósito do que se configuram os termos Juspositivismo e Direito Positivo, cumpre-nos debater a já supracitada questão da conexão entre o Positivismo Jurídico e a tese da separação entre o campo da Moral – axiológico – e o mundo do Direito – normativo.


O Positivismo Jurídico, enquanto doutrina, protege a tese da separação entre Direito e Moral. Para tal ideologia jurídica moderna, o Direito deve ser conceituado sem referência à Moral, haja vista que, para essa corrente de pensamento, não há aquela vinculação entre Direito e Moral alvitrada pelo curso jusnaturalista. Para BARBOZA:


“A segunda [a tese da separação] se apresenta com o positivismo jurídico, afirmando a independência do direito em relação à moral, idéia que encontra em Kelsen sua máxima expressão. […] para o positivismo inexiste uma referência ou vinculação conceitual necessária entre as duas ordens”.[14]


O Positivismo, enquanto defensor da tese da separação, institui uma verdadeira dissensão com a ideologia jurídica moderna jusnaturalista. Isso, porque a primeira doutrina (ao defender, estritamente, a separação entre Direito e Moral) nega as bases metafísicas usadas pela segunda doutrina para constituir a vinculação cabal entre Direito e Moral.


Entretanto, vale recordar que o Juspositivismo não é uma corrente ideológica unificada, unitária, assim como no já supracitado caso do Jusnaturalismo. O Positivismo Jurídico, em verdade, configura-se num volumoso compêndio de teorias relativamente próximas acerca da dialética relação entre Direito e Moral. Corroborando, assim, escreve HOERSTER:


“De outro lado se encontram as teorias positivistas, a defender, também, teses muito distintas, que Hoerster assim cataloga: a) o conceito de direito se define sem uma referência à moral; b) não se conhece um critério do direito correto (justo); c) o direito positivo deve incluir apenas as normas feitas pelo legislador; e) uma ordem jurídica é um sistema fechado que permite deduzir de seus próprios componentes, com neutralidade, todas as normas jurídicas”.[15]


Não obstante toda essa diversidade de teorias positivistas, há um elemento comum entre elas. Tal elemento é representado pela proposição “a” de HOERSTER: o conceito de Direito não se define com uma referência à Moral. Haveria, logo, unicidade no Juspositivismo, quando esse afirma a inexistência de uma vinculação conceitual necessária.


Para o Positivismo Jurídico, portanto, o Direito não se vincula à Moral. Não existe a necessidade de fundamentar a legitimidade do Direito num alicerce Moral, haja vista que o Direito não precisa mais refletir os valores morais para ser válido; ele carece apenas de ser positivado para que possa, assim, obedecer ao principio da legalidade. Assim, assegura ALEXY:


“Para el concepto positivista de derecho, quedan sólo dos elementos definitorios: el de legalidad conforme al ordenamiento o dotada de autoridad y el de la eficacia social. Las numerosas variantes del positivismo jurídico resultan de las diversas interpretaciones y del peso que se dé a estos elementos definitorios. A todas ellas es común el hecho de que lo que es derecho depende de lo que es impuesto y/o es eficaz.[16] [17]


Diante disso, depreende-se que o Juspositivismo – ao amparar a tese da separação entre Direito e Moral – admite um Direito injusto, uma vez que esse não deve vincular-se à Moral para obter a legitimidade, mas, sim, separar-se dela para que, de tal guisa, possa obedecer ao princípio da legalidade conforme o ordenamento ou dotado de autoridade e/ou critério de eficácia.


Destarte, conclui-se que, ao negar o pensamento metafísico da tradição do Direito Natural defendido pelo Jusnaturalismo na tese da vinculação, o Positivismo aproxima-se da teoria que afirma que Direito e Moral são “círculos tangentes e impenetráveis”[18], ou seja, que entre as esferas axiológica e normativa nada haveria.


Considerar os dois círculos como sendo tangentes significaria dizer que não existe nem um ponto comum entre o Direito e a Moral, o que faria do Direito algo, completamente amoral e da Moral algo, inteiramente, não-legal. E é isso que o Juspositivismo defende na tese da separação entre Direito e Moral.


2.3. Pluralismo Ético e a Tese da Vinculação entre Direito e Moral


Importante questão que se faz presente é sobre essa terceira vertente do pensamento que se pode ter acerca da relação entre Direito e Moral: o Pluralismo Ético.


Contra o extremado debate travado em ambas as correntes (jusnaturalista e juspositivista) surge o pensamento pluralista. Senão vejamos: opõe-se ao Jusnaturalismo, porque acredita que o homem racional não pode recorrer às fundamentações metafísicas oriundas do Direito Natural, e opõe-se ao Positivismo, porque acredita que existiria a possibilidade de fundamentar a Moral. BARBOZA registra:


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“Parece, assim, que o retorno a um ponto de vista ético, na teoria do direito, não pode ser senão uma terceira vertente, pós-metafísica, que, sem recuar à fundamentação e à linguagem jusnaturalista, logre superar o positivismo, ao menos em suas versões extremadas”.[19]


Em seguida, depois desse sucinto prefácio acerca do que tal Pluralismo Ético configura-se, o qual, segundo ALEXY, seriam “teorias que rejeitam ou superam o positivismo, mas não se pretendem jusnaturalistas”, vamos, presentemente, versar sobre a tese da vinculação que é defendida pela corrente pluralista.


O pensamento pluralista procura uma compreensão não-transcendental da fundamentação dos valores morais. Nesse sentido, aquela corrente ampara a tese da vinculação entre Direito e Moral, haja vista que há um mínimo Moral comum que, por sua vez, é passível de ser conhecido, crítica e racionalmente, e que pode ser universalizado.


Esse Pluralismo Ético, o qual, outrossim, pode apresentar a designação Cognoscitivismo, acastela que a razão, a qual, embora não seja onipotente, pode conhecer e justificar racionalmente uma Moral. Nessa seara do desenvolvimento da metaética, cumpre arrolar a moral crítica proposta por HABERMAS[20].


Tal Pluralismo, conforme ARENDT[21], apresentaria uma dualidade: seria concomitantemente manifestação da igualdade e da diferença existente na humanidade. Nós, seres humanos, seríamos iguais, posto que podemos nos compreender, e seríamos também diferentes, uma vez que necessitamos da linguagem para um entendimento.


Deste modo, o Cognoscitivismo significaria “diferença e aceitação da diferença, diversidade e tolerância pela diversidade”[22]. O Pluralismo Ético representaria um valor para o qual ficariam legitimados os juízos morais de distintas culturas, os quais, necessariamente, não atentassem contra os princípios humanos mais gerais e universais: os Direitos Humanos.


En la actualidad, el concepto [de pluralismo] es entendido primordialmente en un sentido social e político, en donde confluyen elementos empíricos y normativos. Desde el punto de vista empírico, el pluralismo designa una variedad de confesiones y religiones (pluralismo religioso), grupos sociales (pluralismo social) y fuerzas políticas significativas (pluralismo político) (…) En segundo lugar, el pluralismo afirma – y aquí reside su contenido normativo – que reconoce y aprueba la variedad y la diferencia; no obstante toda su diferenciación funcional, los grupos tienen los mismos derechos para desarrollarse libremente.[23] [24]


Diante disso, conclui-se que o Pluralismo Ético defende a tese da vinculação entre Direito e Moral numa inovadora terceira vertente: diferenciando-se do Jusnaturalismo, ao negar a existência do absoluto, do universal e do eterno; e divergindo do Juspositivismo, ao afirmar a possibilidade do conhecimento de uma Moral com base racional.


Destarte, no Cognoscitivismo, teríamos o Direito como círculo secante ao círculo da Moral: “círculos interseccionados”[25]. Teoria essa que explica a relação entre Direito e Moral como sendo ambos dois círculos secantes. Existindo entre aqueles círculos uma pequena área de intersecção, ou seja, Direito e Moral possuiriam algumas partes comuns, para o Pluralismo Ético.


3. A Distinção entre Direito e Moral na Perspectiva Juspositivista


Com a criação do Estado Moderno, houve uma concentração da produção jurídica nas mãos do legislador. Isso acabou por levar a elaboração da distinção entre Direito e Moral por KANT, o qual se fundamentou em THOMASIUS. Ulteriormente, KELSEN, por sua vez, revê os critérios kantianos da distinção e, assim, adere ao Relativismo Ético com a tese da separação entre Direito e Moral.


3.1. A Influência de Immanuel Kant na Elaboração da Tese da Separação


Com o advento do Estado Moderno, tornou-se possível distinguir o Direito da Moral. A partir daí, os campos normativo e axiológico, que antes se apresentavam coincidentes, separam-se e, de tal modo, fica possível a elaboração de uma distinção entre Direito e Moral. Tal distinção será proposta por THOMASIUS e, depois, elaborada por KANT.


No Estado Moderno, o Direito Natural, defendido pelo Jusnaturalismo, deixa de ser o alicerce do Direito, isso porque o Direito passa a ser produção exclusiva do Estado, mais precisamente da figura do legislador. Por isso, surge a tese da distinção proposta por KANT, segundo a qual o Direito definir-se-ia como a instância normativa externa e a Moral, como a interna.


Essa distinção kantiana, não obstante seja baldrame para a tese da separação propugnada pelo Juspositivismo, mostra-se, ainda, bastante influenciada pelo pensamento metafísico jusnaturalista. Isso, porque, para KANT, existiria uma parte metafísica do ser humano, a razão, na qual localizaríamos os juízos do “imperativo categórico”[26], universais e absolutos.


Segundo KANT, a idéia do imperativo categórico, enquanto valores morais emanados do elemento metafísico transcendental e racional, seria o embasamento para a fundamentação da distinção entre Direito e Moral: o mundo normativo seria caracterizado pela exterioridade; já o campo axiológico, sê-lo-ia pela interioridade.


KANT, tanto na Fundamentação da Metafísica dos Costumes de 1785, quanto na Metafísica dos Costumes de 1797, procura defender a metafísica transcendental como gênese do “exercício da razão pura, formada por juízos a priori[27]: o imperativo categórico. Sem embargo, ao fazer isso, KANT distancia-se do racionalismo e do empirismo, e se acerca da fé religiosa.


Não obstante esse retrocesso ao pensamento transcendental ocasionado pela influência de sua família, fervorosamente, cristã, KANT elaborou a tese da distinção entre Direito e Moral, a qual, embora não seja a mesma coisa que a tese da separação, constitui-se num marco relevante para a proposição relativista.


Assim sendo, conclui-se que KANT, ao afirmar que “Deus era transcendental incognoscível – mas ponderável – servindo ao sentido interior de dever moral do Homem”[28], não está, em seu conceito de Direito, abordando o Direito  que temos, o Direito que é, mas, sim, um Direito que deveríamos ter, o Direito que deveria ser. Sobre isso, escreve BOBBIO:


“O problema que KANT está resolvendo por meio de sua definição não é o que é direito, mas o que o direito deve ser. O problema de Kant é, numa só palavra, o problema da justiça, ou seja, do critério com base no qual seja possível distinguir o que é justo do que é injusto. Quando ele diz que o direito é “o conjunto das condições, por meio das quais o arbítrio de um pode estar de acordo com o arbítrio de um outro segundo uma lei universal da liberdade”, não entende estabelecer aquilo que é direito na realidade histórica, mas aquilo que deveria ser o direito para corresponder ao ideal da justiça. Não está dito, com efeito, que o direito seja, na realidade, aquilo que Kant indica na sua definição. O que Kant visa é o ideal do direito, ao qual qualquer legislação deve adequar-se para poder ser considerada como justa”.[29]  


Destarte, compreende-se que KANT, ao formular essa teoria da distinção entre Direito e Moral, que é criticada e negada por muitos, estabeleceu o fundamento que o Positivismo Jurídico iria usar pra construir a tese da separação entre Direito e Moral, o Relativismo Ético, o qual encontra em KELSEN sua máxima expressão.


3.2. O Relativismo Ético na Teoria Pura do Direito de Hans Kelsen


Com a formação do Estado Moderno, a tradição do Direito Filosófico defendida pelo Jusnaturalismo é abandonada. Isso, porque o Estado, ao concentrar a produção jurídica em suas mãos (na figura do legislador, mais precisamente) passa a adotar o Juspositivismo como ideologia jurídica dominante. Afinal, assim, assevera BOBBIO:


“O positivismo jurídico nasce do impulso histórico para a legislação, se realiza quando a lei se torna a fonte exclusiva – ou, de qualquer modo, absolutamente prevalente – do direito, e seu resultado último é representado pela codificação”.[30]


Esse Juspositivismo apoiado pelo Estado Moderno utilizou-se da distinção entre Direito e Moral elaborada por KANT – o Direito é exterior e a Moral é interior – para formular a tese da separação entre Direito e Moral, a qual foi alvitrada pelo Relativismo Ético. Não obstante, vale lembrar que, para nem todos os juristas, distinção é diferente de separação. Afinal, escreve POLETTI:


“O tema da separação ou da distinção entre direito e moral é um dos pontos relevantes da filosofia jurídica, com grandes repercussões na elaboração e na aplicação do direito. Ele tem ensejado inúmeras e interessantes teorias”.[31]


No entanto, não obstante haja divergências entre os pensadores do Direito, vamos seguir desde já alinhados com a corrente ideológica que assegura que a distinção em KANT, embora esteja intimamente relacionada, não se configura na mesma vertente verificada na tese da separação entre Direito e Moral.


Em Teoria Pura do Direito, posteriormente, apoiado por HART em O Conceito de Direito de 1961, KELSEN revê os critérios kantianos de distinção entre Direito e Moral (a dialética: “plano externo, Direito versus plano interno, Moral”). E a partir de KANT, o jurista austríaco introduziu a idéia da separação entre Direito e Moral: uma conjectura relativista.


Segundo KANT[32], o Direito descreve um comportamento externo e a Moral prescreve uma conduta interna. Ademais, KANT afirmava que “um ato Moral”[33] somente existiria quando o indivíduo agisse por puro dever Moral ou por puro respeito ao dever: “age apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal”[34].


Nessa senda, encontramos o que caracteriza uma revisão, por KELSEN, do critério kantiano da distinção, ponto em que os dois autores divergem. KELSEN nega, juntamente com a afirmação kantiana de que a Moral é interior e desinteressada, a caracterização do imperativo categórico como algo universal e absoluto. Nega, portanto, os juízos a priori.


Vamos aduzir, agora, mais profundamente, os supracitados julgamentos promovidos por KELSEN. Para ele, a Moral não é, necessariamente, uma conduta do plano interno, e o Direito, outrossim, não é, fundamentalmente, um comportamento do plano externo, haja vista que, de tal modo, enuncia KELSEN:


“E também a concepção, freqüentemente seguida, de que o Direito prescreve uma conduta externa e a Moral uma conduta interna não é acertada. As normas das duas ordens determinam ambas as espécies de conduta.”[35]


Também KELSEN posiciona-se contrariamente à atitude kantiana de afirmar que um procedimento para constituir um ato moral tem, essencialmente, que ser uma conduta interna, desinteressada, desprendida, de cumprimento do dever por simples consideração a esse. KELSEN, acerca disso, afiança:  


“[…] para ser moral, terá de ser realizada [a conduta, o comportamento] contra o interesse egoístico. Na medida em que isso não signifique senão que subsiste o dever de realizar determinada conduta, estatuído por uma norma moral, ou seja, que esta norma vale, mesmo quando a inclinação ou interesse egoístico se oponham à conduta prescrita, poderá afirmar-se justamente o mesmo dos deveres estatuídos através de normas jurídicas. Não se pode evitar-se que a ordem social prescreva uma conduta que possivelmente vá dirigida contra qualquer inclinação ou interesse egoístico dos indivíduos cujas condutas o ordenamento regula.”[36]


Ainda na direção da dissensão entre KELSEN e KANT: o primeiro afirma que não existem os valores morais absolutos e universais propugnados pelo segundo. Ao assegurar isso, o jurista austríaco lança as bases do que atualmente ainda é designado por Relativismo Ético. Nas próprias palavras de KELSEN:


“Se se concede que em diversas épocas, nos diferentes povos e até no mesmo povo dentro das diferentes categorias, classes e profissões valem sistemas morais muito diferentes e contraditórios entre si, que em diferentes circunstâncias pode ser diferente o que se toma por bom ou mau, justo ou injusto e nada há que tenha de ser havido necessariamente bom ou mau, justo ou injusto em todas as possíveis circunstâncias, que apenas há valores morais relativos”.[37]


Deste modo, conclui-se que KELSEN negou a possibilidade do conhecimento de qualquer juízo a priori ou imperativo categórico absoluto e universal, posto que os valores morais mudariam ao longo das eras e no correr do espaço. As noções de bom e mau, de justo e injusto não seriam as mesmas sempre.


O Relativismo Ético kelseniano nega a existência de uma Moral absoluta. Assim, não havendo uma Moral universal, “não existe uma Justiça absoluta, mas apenas uma Justiça relativa”[38]. Por isso, KELSEN defende a tese da separação entre Direito e Moral com a conjectura supracitada do Relativismo Ético.


“A existência de uma separação entre Direito e Moral, Direito e Justiça, significa que a validade de uma norma jurídica positiva é independente desta Moral absoluta, única válida, da Moral por excelência, de a Moral. […] Ora, isso significa que a validade de uma ordem jurídica positiva é independente da sua concordância ou discordância com qualquer sistema moral”.[39]


Destarte, nota-se que a tese da vinculação entre Direito e Moral surge para que uma determinada Moral não negue a existência de outro conjunto de valores morais. Portanto, o Direito, para adquirir validade, não carece da legitimidade oriunda da Moral necessitada pelo Direito Filosófico, no Jusnaturalismo. O Direito, no Relativismo, precisa tão somente da legalidade.


3.3. As Características Distintivas entre Direito e Moral na Teoria Tridimensional do Direito de Miguel Reale


REALE, inspirado em KANT[40] e em KELSEN, formula a “Teoria Tridimensional do Direito[41], na qual assevera que a concepção de Direito implica, necessariamente,  uma referência  ao campo axiológico – o valor; à esfera fática – o fato; e ao mundo normativo – a norma.  Para o jurista e filósofo brasileiro, Direito envolve fato, valor e norma.


Ao fundamentar sua teoria, REALE aproximou-se mais de KANT do que de KELSEN, haja vista que REALE admite o critério kantiano de distinção da Moral para com o Direito: a esfera axiológica prescreve uma conduta interna e o domínio normativo descreve um comportamento externo. Com isso, REALE distancia-se do pensamento kelseniano.


Segundo KELSEN, o que realmente diferenciaria a Moral do Direito não seria a dicotomia “plano externo ‘X’ plano interno”, mas, sim, a coercibilidade e a não-coercibilidade. Para o jurista austríaco, a Moral não seria coercível, não poderia aplicar


“É que o moralista examina a exteriorização do ato para melhor caracterizar um ato exterior em face de um sistema jurídico positivo de normas e, para ajustá-lo melhor a esse sistema, indaga da intenção do agente.”[42]


A exterioridade, portanto, é algo inerente à norma jurídica, sinalizando que o Direito não pode punir alguém pelo seu pensamento, ainda que ele se configure, se concretizado, numa violação da lei jurídica. O Direito, portanto, não pune a intenção nem os atos preparatórios quando não se inicia a execução de determinada violação.


Agora, quanto à forma do ato, a Moral seria autônoma, incoercível e sem nenhuma predeterminação tipológica; já o Direito seria heterônomo, coercível e especificamente predeterminado e certo, assim como objetivamente certificável. Assim sendo, tem-se novos fatores na diferenciação entre Direito e Moral.


A Moral apresenta-se como autônoma, enquanto o Direito, como heterônomo. Isso denota que a Moral é controlada pela própria consciência do indivíduo. Os atos do homem são regidos por ele mesmo e não por outra autoridade. A autonomia simboliza autodeterminação, autogoverno: é o poder da pessoa humana de tomar decisões sobre si mesma.


Todavia, o Direito é heterônomo. Há a obrigatoriedade no seu cumprimento. A norma jurídica é colocada por outrem, advém do exterior; diferentemente da norma moral que é posta pelo próprio homem, advém do interior. REALE recorre ao pensamento de KANT, autor da teoria da “autonomia X heteronomia”, para corroborar com sua concepção:


“Na doutrina de Kant, autonomia indica a exigência suprema que existe no plano moral de uma adequação ou de uma conformidade absoluta entre a regra e a vontade pura do sujeito obrigado. Quando o indivíduo age de tal sorte que a vontade da lei se torna a vontade dele mesmo, enquanto sujeito universal, temos um ato moral. A moralidade realiza-se, pois, como autonomia, que é o dever e a possibilidade que a vontade tem de pôr a si mesma a sua lei”.[43]


A heteronomia é configurada, destarte, no Direito, e simboliza a “lei do outro”, ou seja, aquilo classificado como heterônomo relaciona-se a terceiros: não há nada intrínseco ao ser que não necessitou ser imposto por terceiros. O Direito é heterônomo no que tange a necessidade de sua colocação por terceiros daquilo que juridicamente deve-se cumprir: a norma jurídica.


Diante disso, considerando-se o caráter heterônomo e exterior do Direito, atribui-se ao mesmo a qualidade da coercibilidade, ou seja, a norma jurídica, quando violada, é suscetível que seja aplicada a força (coagir), a fim de cessar a sua violação. Há apenas uma possibilidade do uso da violência, logo, a coercibilidade é parte inerente ao Direito.


Tal violência surge quando do não cumprimento espontâneo das normas jurídicas. A coercibilidade, por conseguinte, supõe mera possibilidade de coação, a coação em potência. Nessa seara, a Moral é incoercível e o Direito é coercível. Afinal, sobre a coercibilidade, assim, assevera REALE com base em THOMASIUS:


“Sustenta Thomasius, com muita argúcia, que sendo o ato jurídico de natureza exterior, é possível a interferência do Poder Público, no sentido de exigir fidelidade a um comportamento, ditado pela vida em comum. O Direito, por conseguinte, apresenta-se como algo de coercível, ou seja, de execução pela força física.”[44] 


Por outro lado, a Moral é incoercível, visto que apresenta o caráter de interioridade e de autonomia. Não há um elemento exterior que possa exigir o cumprimento da norma Moral através de coerção e, muito menos, através de coação. Baseando-se ainda na distinção formal, o Direito é predeterminado, certo e objetivamente certificável.


As leis do Direito estão organizadas, sistematizadas e positivadas na Constituição e em códigos, à disposição para serem consultados e suas leis devidamente aplicadas. Já a Moral não apresenta essa característica, pois não proporciona essa predeterminação. A Moral não está organizada como o Direito, porque essa é influenciada por valores que podem variar.


Já, quanto ao objeto ou conteúdo do ato, a Moral ansiaria de maneira imediata e prevalecente pelo bem individual ou valores da pessoa; enquanto o Direito almejaria de maneira imediata e prevalecente o bem social ou os valores de convivência. Aprofundaremos mais este ponto adiante.


A diferenciação, quanto ao objeto ou conteúdo, é perceptível, na medida em que a Moral tem em vista o bem individual ou os valores da pessoa, enquanto o Direito cobiçaria o bem social ou os valores de convivência. Assim sendo, estabelece-se a diferenciação, quanto ao objeto ou conteúdo, entre Direito e Moral.


A Moral preocupa-se em regular o caráter interior do indivíduo, para que tal caráter esteja de acordo com a ação daquele sujeito e para que haja uma correspondência entre os planos exterior e interior. Ao Direito, importaria a convivência ordenada e o bem estar da sociedade. Haja vista que, de tal guisa, assevera REALE:


“Realizar o Direito é, pois, realizar os valores de convivência, não deste ou daquele indivíduo, não deste ou daquele grupo, mas da comunidade concebida de maneira concreta, ou seja, como uma unidade de ordem que possui valor próprio, sem ofensa ou esquecimento dos valores peculiares às formas de vida dos indivíduos e dos grupos”.[45]


4. A Desconstrução da Distinção entre Direito e Moral


Segundo a distinção entre Direito e Moral elaborada pelo jurista brasileiro, a Moral exibiria características díspares das do Direito. Podemos asseverar, com fundamentação em BERGER, BEATTIE e GOFFMAN, que urge uma revisão daqueles critérios da distinção entre as esferas axiológica e normativa, os quais foram formulados por REALE.


4.1. Peter Berger e a Teoria dos Círculos Concêntricos


BERGER, em sua da “Teoria dos Círculos Concêntricos[46], afirma que a sociedade (assim como o Direito para REALE) possui mecanismos de controle dela mesma. Os mecanismos de controle social não seriam características tão somente do Direito, mas, outrossim, da Moral, a qual também controlaria a sociedade.


Segundo BERGER, “o controle social e a estratificação social”[47] são maneiras que tanto o Direito quanto a Moral dispõem para impor certas atitudes e pensamentos à sociedade. Destarte, todos nós, inclusive o autor do presente texto, estaríamos enquadrados em determinado estrato social ao qual seriam característicos delimitados controles sociais.


A estratificação social refere-se ao modo como cada sociedade organiza-se em camadas ou em estratos. Ela é a base sobre a qual a sociedade há de impor-nos os mecanismos de controle social, os quais variariam de intensidade ou, até mesmo, de constituição ao passarmos de uma classe para outra. Assim, afiança BERGER:


“O conceito de estratificação refere-se ao fato de que toda sociedade compõe-se de níveis inter-relacionados em termos de ascendência e subordinação, seja em poder, privilégio ou prestígio. Em outras palavras, estratificação significa que toda sociedade possui um sistema de hierarquia. Alguns estratos, ou camadas sociais, são superiores, outros são inferiores. A soma desses estratos constitui o sistema de estratificação de uma determinada sociedade.”[48]   


A partir dessa estratificação, BERGER assevera que a sociedade estabelece mecanismos de controle. Esses mecanismos teriam sua gênese tanto no Direito (como os exercidos pelo Estado) como na Moral (como os executados pela família e pelos amigos). Acerca do controle social, escreve BERGER:


“Controle social é um dos conceitos mais utilizados em sociologia. Refere-se aos vários meios usados por uma sociedade para “enquadrar” seus membros recalcitrantes. Nenhuma sociedade pode existir sem controle social. Até mesmo um pequeno grupo de pessoas que se encontrem apenas ocasionalmente terá de criar seus mecanismos de controle para que o grupo não se desfaça em muito pouco tempo. É escusado dizer que os instrumentais de controle social variam muitíssimo de uma situação para outra. […] Os métodos de controle variam de acordo com a finalidade e o caráter do grupo em questão. Em qualquer um dos casos, os mecanismos sociais funcionam de maneira a eliminar membros indesejáveis e (como foi enunciado de maneira clássica pelo Rei Chistophe, o Haiti, quando mandou executar um décimo de seus trabalhadores) ‘para estimular os outros’.”


Assim sendo, nota-se que, segundo BERGER, os mecanismos de controle social referem-se aos meios usados por uma sociedade para “enquadrar” seus membros recalcitrantes. Para BERGER, aqueles mecanismos são meios utilizados pela sociedade sem os quais essa não poderia existir e permanecer funcional para controlar os indivíduos que a compõem.


Nesse contexto, as opções de escolha de uma pessoa são limitadas. Não há, portanto, liberdade para agir fora do que é previsto pela norma, seja essa jurídica ou moral. Isso tudo, conforme o autor, ocorre em nossas vidas sem que percebamos que estamos a todo instante sendo censurados e controlados, enquanto imaginamos fazer escolhas e expor nossos gostos.


Em compêndio da estratificação social e dos controles sociais, BERGER formula a Teoria dos Círculos Concêntricos. Segundo essa conjetura: tendo em vista a posição do indivíduo na estratificação social, isto é, em qual estrato ou camada social a pessoa localiza-se, a sociedade impõe controles sociais ao cidadão, o qual, por vezes, nem sequer percebe aqueles controles.


Para aquela teoria, o indivíduo acha-se no centro, ou seja, no ponto de maior pressão dum conjunto de círculos concêntricos, cada um dos quais representa um sistema de controle social. Tais controles, por sua vez, podem apresentar características relativas à Moral ou caracteres atinentes ao Direito. Sobre a Teoria dos Círculos Concêntricos, afirma BERGER:


Se voltarmos à imagem de um indivíduo localizado no centro de um conjunto de círculos concêntricos, cada um dos quais representa um sistema de controle social, podemos compreender um pouco melhor que situar-se na sociedade significa situar-se em relação a muitas forças repressoras e coercitivas.[49]


São exemplos desses mecanismos de controle social: “a violência física”[50]; “a influência inibidora da disponibilidade de violência”[51]; “o ridículo e a difamação, o opróbrio e o ostracismo sistemáticos”[52]; e também “a pré-definição por nossos predecessores”[53]. Poderíamos alcunhar esse último mecanismo de controle social como o “poder do passado ou da tradição”.


Diante disso, conclui-se que a Moral, enquanto promotora de determinados controles sociais, não é incoercível nem é, absolutamente, autônoma. Essa apresenta a possibilidade da coerção e da heteronomia. Um exemplo: não é legalmente proibido ir à aula com, por exemplo, um terno cor-de-rosa, no entanto, até hoje, não se registra que tenha havido tal ocorrência.


4.2. John Beattie e sua Classificação das Sanções


BEATTIE faz uma distinção entre o que significaria a norma e o que exprimiria a sanção. Para esse autor, a norma é o elemento que prescreve ou descreve uma determinada conduta; já a sanção é algo que a sociedade impõe às pessoas que cumpriram ou descumpriram o comportamento previsto e determinado.


Norma e sanção corroboram para o controle social. Esse conjunto resumido pelo termo controle social é, na ótica daquele antropólogo, uma condição sine qua non para a manutenção da boa harmonia das relações sociais, assim, confirmando a perspectiva de BERGER. BEATTIE batiza norma e sanção:


“Distingui acima entre normas e sanções: isto é, entre modos institucionalizados de fazer coisas que, em si mesmas, têm certas implicações para a manutenção da paz e boa ordem numa sociedade, e as conseqüências, elas próprias mais ou menos institucionalizadas, que podem resultar de contravenções do comportamento aprovado, normativo”.[54]


De tal modo, entendendo sanção social como, resumidamente, qualquer instituição cuja conseqüência é inclinar as pessoas que ocupam certos papéis a se adaptarem às normas e expressões associadas àqueles papéis, BEATTIE elabora uma classificação das sanções, a qual será, a posteriori, versada em profundidade.


No entanto, antes de tratarmos, neste trabalho, do ponto referente à norma, faz-se mister uma breve discussão acerca do confuso tema relativo às normas. Para muitos, as normas podem ser entendidas tão somente como as leis, que nas sociedades modernas remeter-nos-iam à figura do legislador com o Estado Moderno.


No entanto, não obstante a lei também se configure numa norma social, ela não é, indubitavelmente, a única. “Assim, o jurista Roscoe Pound sugere que o termo ‘lei’ é mais bem restrito ao ‘controle social, através da aplicação sistemática da força pela sociedade politicamente organizada’.”[55] Assim sendo, compreende-se que a lei encontra-se dentro da sanção.


Com base nesse entendimento, BEATTIE desenvolve sua classificação das sanções, a qual já fora, inicialmente, antecipada pelo antropólogo RADCLIFFE-BROWN. A priori, as sanções são classificadas como positivas e negativas, as positivas seriam recompensas por boas atitudes; já as sanções negativas seriam punições por comportamentos depreciados. Afinal:


“Se um comportamento é aprovado, então a sansão é positiva; se é desaprovado, é negativa. Exemplo de sanções positivas são prêmios, títulos, fama, condecorações por serviço público e a boa opinião dos vizinhos de alguém. Elas substituem o se deve fazer. E sempre se vinculam à idéia de que algo desagradável acontecerá, tal como a imposição de uma penalidade de algum tipo, se se fizer o que não se deve.”[56]   


Para RADCLIFFE-BROWN, a sanção social é “uma reação por parte de uma sociedade ou de um número considerável de seus membros a um modo de comportamento que é, desse modo, aprovado ou desaprovado”[57]. BEATTIE, tendo em vista a tal conceituação, além de classificar as sanções em positivas ou negativas, outrossim, divide as negativas.


Segundo BEATTIE, as sanções negativas podem ser discernidas em organizadas e difusas. Baseado em RADCLIFFE-BROWN, BEATTIE afirma que sanções organizadas[58] são procedimentos definidos, regulamentados e reconhecidamente dirigidos contra pessoas cujo comportamento é, socialmente, desaprovado.


Enquanto as sanções negativas difusas seriam espontâneas, desorganizadas e, usualmente, expressariam a desaprovação geral da comunidade ou de uma parte significativa dela. As sanções difusas teriam origem na reciprocidade de MALINOWSKI, que BEATTIE explica como sendo a igualdade de ações entre os homens: agiu mal, será recompensado com maldade.   


Assim sendo, conclui-se que a Moral pode ser classificada como organizada (quando vier de corporações, igreja, clubes, grupos profissionais) ou como difusa (quando expressar apenas a opinião pública). A Moral, portanto, assim como o Direito, seria positiva, uma vez que pode ser organizada, e coercível, uma vez que ela também seria sanção.


Depreende-se, de tal guisa, que BEATTIE, assim como já fizera BERGER, apresenta-se, contrariamente, à distinção entre Direito e Moral explicitada por REALE. Isso, porque, como já fora visto, a Moral, ao estabelecer-se como sanção, constitui uma entidade com objetividade, posto que pode ser organizada, e ainda um artifício com coercibilidade, afinal, é também sanção.


4.3. Erving Goffman e sua Pesquisa sobre a Estigmatização: o Descompasso entre as Identidades Real e Virtual


GOFFMAN, em Estigma: Notas sobre a Manipulação da Identidade Deteriorada, faz uma pesquisa acerca da estigmatização. Tal estigmatização, a qual se refere à “evidência de alguma coisa de extraordinário ou mau sobre o status moral de quem os apresentava”[59], vem de encontro à distinção proposta por REALE, que assegura que a Moral é incoercível e autônoma.


Cumpre avisar, antes de discutirmos a questão concernente ao estigma em GOFFMAN, que, para esse autor, é aconselhável o uso do termo identidade à utilização do vocábulo status. Isso, porque o elemento do estigma constitui algo bastante abrangente. Abrangência essa que unicamente encontramos na identidade social. Conforme se pode observar:


“Identidade social” – para usar um termo melhor do que “status social”, já que nele se incluem atributos como “honestidade”, da mesma forma que atributos estruturais, como “ocupação”.[60]


Nesse ínterim, em GOFFMAN, o estigma surge de uma relação social não correspondida. A sociedade possui uma imagem pré-formada do papel que todos os atores sociais têm que desempenhar: uma identidade social virtual. Quando essa identidade não é confirmada pelo comportamento do indivíduo, aparece o processo de estigmatização.


“Enquanto o estranho está à nossa frente, podem surgir evidências de que ele tem um atributo que o torna diferente de outros que se encontram numa categoria em que pudesse ser incluído, sendo, até, de uma espécie menos desejável – num caso extremo, uma pessoa completamente má, perigosa ou fraca. Assim, deixemos de considerá-lo criatura comum e total, reduzindo-o a uma pessoa estragada e diminuída. Tal característica é um estigma, especialmente quando o seu efeito de descrédito é muito grande – algumas vezes ele também é considerado um defeito, uma fraqueza, uma desvantagem – e constitui uma discrepância específica entre a identidade social virtual e identidade social real”.[61] 


Assim sendo, percebe-se que, quando um indivíduo comporta-se de maneira incongruente com o estereótipo que criamos para um determinado tipo como ele, emerge o estigma. Do descompasso entre a identidade social real e a identidade social virtual, aparece o estigma: “um atributo profundamente depreciativo”[62].


GOFFMAN classificou, fundamentalmente, três tipos básicos de estigma: os com gênese em marcas físicas que a pessoa carrega; os oriundos de condutas comportamentais individuais percebidas como culposas; finalmente, os com origem em caracterizações grupais de condutas de comportamento. GOFFMAN assevera:


“Podem-se mencionar três tipos de estigma nitidamente diferentes. Em primeiro lugar, há as abominações do corpo – as várias deformidades físicas. Em segundo, as culpas de caráter individual, percebidas como vontade fraca, paixões tirânicas ou não naturais, crenças falsas e rígidas, desonestidade, sendo essas inferidas a partir de relatos conhecidos de, por exemplo, distúrbio mental, prisão, vício, alcoolismo, homossexualismo, desemprego, tentativas de suicídio e comportamento político radical. Finalmente, há os estigmas tribais de raça, nação e religião, que podem ser transmitidos através de linhagem e contaminar por igual todos os membros de uma família”.[63]


Não obstante tais processos de estigmatização sejam, notoriamente, diversos entre si, há uma coisa que permanece constante. Tal cláusula pétrea do estigma é uma característica sociológica: “um indivíduo que poderia ter sido facilmente recebido na relação quotidiana possui um traço que pode-se impor à atenção e afastar aqueles que ele encontra”[64].


Diante disso, conclui-se que o estigma, embora se altere ao longo do processo de estigmatização, apresenta um caráter imutável: “um estigma é uma característica diferente da que havíamos previsto”[65]. Nesse ponto, encontramos aquela qualidade da Moral que vai de encontro ao pensamento de REALE e ao encontro com as proposições de BERGER e BEATTIE.


Remata-se, destarte, que a Moral exporia, conforme o Direito, a característica da coercibilidade, haja vista que a estigmatização, oriunda da deterioração do status moral, seria a Moral posta com coerção. Ademais, outrossim, como o Direito, a Moral exibiria heteronomia, porque o processo de estigmatização baseia-se no modelo – o estereótipo – que a sociedade mostra-nos.


5. A Tese da Vinculação entre Direito e Moral na Pós-Modernidade: o Pluralismo Ético


LYRA FILHO, nosso representante dos juristas pós-modernos, desconstrói a distinção entre Direito e Moral que foi a base sobre a qual o Positivismo Jurídico erigiu a tese da separação. Com isso, na pós-modernidade, ganhou força a tese da vinculação entre o campo axiológico e o normativo elaborada pelo Pluralismo Ético.


5.1. A Concepção de Direito no Pensamento de Roberto Lyra Filho


Conforme esse autor, o Direito encaixar-se-ia, perfeitamente, na formulação de ideologia proposta por MARX. Isso, porque, assim como a escola, a Igreja, os partidos políticos, o Direito também seria um aparelho ideológico do Estado, os quais colocariam em nossa cabeça certa “visão de mundo”, certas explicações a respeito de tudo, como se fossem verdades inquestionáveis.


O Direito, portanto, na concepção de LYRA FILHO, o qual se filia à percepção marxista, é mais um meio de dominação, haja vista que a norma jurídica seria mais um dos incomensuráveis instrumentos usados pelas classes dominantes para subordinar as classes dominadas, ou seja, o Direito contribuiria para a manutenção dum determinado grupo social no poder.


Concomitantemente, o Direito agiria, outrossim, como modo de alienação, posto que as pessoas aceitariam situações tão revoltantes, impostas pelas normas jurídicas, como naturais, porque teriam sido condicionadas, ou seja, porque a população creria na lisura do processo legislativo que levou à institucionalização das leis.


No entanto, a despeito de haverem sido constituídas num legal processo legislativo, o Direito, enquanto norma jurídica, não perderia seu caráter de dominação de uns (a grande massa subalterna) por parte de outros (as classes ou grupos dominantes). Afinal, “através da ideologia [do Direito], os homens procuram ‘legitimar’ condições de exploração, dominação e injustiça”[66]


“Os positivistas tendem a reduzir o Direito às normas ou, ainda mais restritamente, às normas legais, neste caso rejeitando as tentativas de ver o fenômeno jurídico num produto pré-legislativo, nos mores e costumes da classe e grupos dominantes (positivismo historicista ou sociologista), seja, objetivamente, como “cultura” e “Volksgeist” – espírito do povo – monopolizados por aquela classe e grupos; seja, subjetivamente (positivismo psicologista), no “direito livre” do intérprete; no “direito judicial” (judge-made law) dos aplicadores contenciosos oficiais; ou na “fenomenologia jurídica”, dos aplicadores de “essências” (que permanecem limitados pelas diretrizes de um só enfoque, o da classe e grupos dominantes)”.[67] 


5.2. O Destroço da Distinção Formal entre Direito e Moral


LYRA FILHO, que, além de professor emérito da Universidade de Brasília, foi fundador da Nova Escola Jurídica Brasileira, pode ser classificado como um jurista pós-moderno, haja vista que ele, a despeito de ainda se fundamentar no entendimento marxista de ideologia, acerca-se, nitidamente, da doutrina pós-hodierna do Pluralismo Ético.   


Compreende-se o Pluralismo como coletânea de “teorias que rejeitam ou superam o positivismo, mas não se pretendem jusnaturalistas”[68]. Podemos, pois, seguramente, asseverar que aquele jurista encontra-se nessa corrente ideológica, porque LYRA FILHO, ao desconstruir a distinção entre Direito e Moral, propõe “idéias que se colocam para além do positivismo”[69].


De tal guisa, LYRA FILHO, dentro da perspectiva pluralista, abre caminhos mais encorajadores do que o Positivismo oferece. Isso, porque aquele professor, ao desconstruir a distinção formal entre Direito e Moral elaborada por KANT com base em THOMASIUS, fundamenta a tese da vinculação entre o campo axiológico e o mundo normativo.


Segundo LYRA FILHO, a ideologia jurídica hodierna do Juspositivismo afirma que “as normas jurídicas se distinguem das outras normas sociais – normas técnicas (maneira correta de realizar uma tarefa) ou morais (maneira honesta de proceder) – porque seriam elas, as jurídicas: heterônomas, bilaterais atributivas e coercíveis, mediante sansões organizadas”[70].


Então, tendo como ponto de partida e referência a doutrina positivista, LYRA FILHO afirma que essa distinção formal, a qual foi desenvolvida pelos juristas positivistas KELSEN e REALE, demonstra-se inexata, porque uma análise profunda da realidade social vem mostrar o contrário do que foi explicitado pelo Positivismo Jurídico.


LYRA FILHO discorda cabalmente da tese do juspositivista que afirma, com embasamento em KANT, que o Direito é heterônomo e a Moral, autônoma. Para aquele professor, tanto o Direito quanto a Moral podem apresentar-se com autonomia ou heteronomia, não obstante a norma moral tenda a ser mais autônoma e a jurídica mais heterônoma.


Esse dissenso em relação à hipótese da distinção ocorre, porque LYRA FILHO, influenciado pela concepção de ideologia em MARX, afirma que a consciência, tida como plano interno por KANT, é, em verdade, uma construção com gênese em elementos externos. A consciência, destarte, seria fruto da ideologia dos dominantes que manipulariam as vontades. LYRA FILHO afiança:


“MARX dizia que a consciência (Bewusstsein) é conscientização (Bewusstsein) e, com isto, aponta para o fato de que, no campo interior, do que se chama consciência, atuam elementos externos, afetando a nossa vontade; e a conscientização, ao invés de consistir em “liberdade” interior, exige que lutemos, mentalmente inclusive, contra aquilo que o mundo exterior (classe ou grupo social, educação, forma de vida) pôs dentro de nós, modelando as nossas opiniões e atitudes e criando uma ideologia”.[71] 


Assim sendo, a Moral, apesar de ser, predominantemente, autônoma, outrossim, pode ser heterônoma. Curiosamente, uma relação contrária estabelece-se no Direito, haja vista que esse, embora seja, preponderantemente, heterônomo, também pode achar-se autônomo, quando nos posicionamos, criticamente, diante da norma jurídica. Sintetiza LYRA FILHO:


“È um erro falar em Direito e Moral, como se no primeiro aparecessem normas heterônomas (impostas, de fora, por vontade alheia) e na segunda houvesse uma autonomia em que as normas e seu domínio fossem de processo interno exclusivamente. A norma jurídica é heterônoma, tanto quanto a moral, na medida em que não somos nós quem as cria; mas também são ambas relativamente “autônomas”, na medida em que nos posicionamos criticamente, conscientizados, despertos, diante do que qualquer uma delas nos impõe”.[72]


Acerca da tese do Positivismo Jurídico que assevera que o Direito seria, pelo menos formalmente, diverso da Moral, posto que o primeiro seria bilateral  atributivo e a segunda  seria, tão somente, bilateral, LYRA FILHO descompassa. Segundo o jurista fundador da Nova Escola Jurídica Brasileira, ambas as esferas axiológica e normativa seriam bilaterais atributivas.


O Direito tem, evidentemente, a bilateralidade atributiva como característica, haja vista que as normas jurídicas prevêem não só as relações bilaterais que surgem na sociedade como também a possibilidade de exigir-se a cobrança do acordo estabelecido na relação constituída. Não obstante o Direito apresente-o com maior evidência, a Moral[73] também é bilateral atributiva.


O ato moral apresenta não somente o caráter da bilateralidade, mas também a qualidade da atributividade, haja vista que “o ato moral é cobrado pela sociedade, que o estabelece e o mau pagador sofre não desprezível sansão, que cresce, desde a forma de ser ‘malvisto’ pela ‘gente boa’, até o isolamento, que impede o ‘mau caráter’ de transitar nas doçuras mundanas”[74].


Por fim, sobre a pressuposição da distinção por parte do Positivismo de que o Direito é coercível e a Moral não o é, LYRA FILHO dissente. Discrepando daquela ideologia jurídica moderna, aquele professor assevera que “há normas jurídicas sem sanção organizada, como há norma moral que dispõe de tal sanção”[75]


Segundo os juristas do Positivismo, o Direito é coercível, isto é, possui sanções organizadas. Esse seria, então, o principal ponto de distinção entre Direito e Moral, para os positivistas. Assim sendo, os defensores daquela doutrina divergem de LYRA FILHO, haja vista que, para esse, tanto o Direito quanto a Moral seriam coercíveis e com possíveis sanções organizadas.


Assim sendo, nota-se que o Direito seria coercível, estabeleceria sanções, mas essas poderiam ser organizadas ou não. Já a Moral seria, outrossim, coercível e, assim como o Direito, instituiria sanções difusas ou organizadas, essas últimas seriam os “costumes, dotados de ritual muito preciso de aplicação, para as infrações à honesta conduta”[76].[77]


Desse modo, conclui-se que, aparentemente, não existe um critério de distinção entre o campo axiológico e o mundo normativo, pelo menos formalmente. Não haveria, de tal guisa, a distinção absoluta entre a norma jurídica e a norma moral proposta pela ideologia jurídica hodierna do Positivismo Jurídico.


Segundo LYRA FILHO, a distinção entre Direito e Moral não se encontraria na intensa distinção formal orquestrada pelo Juspositivismo, mas, sim, na tênue distinção de natureza indicada pela nova visão, a pós-moderna. O Direito é diverso da Moral, não obstante as normas jurídicas e as morais sejam bastante similares. Afinal, desta maneira, abrevia aquele professor:


“Esta [a diferença, a distinção] há de ser buscada na própria dialética social, para não dissolver-se em nebulosas metafísicas, nem achatar-se em qualquer bloco de normas estatais (que nem de longe são garantia de que ali, nas leis, está o Direito legítimo).”[78]


De tal modo, percebe-se que LYRA FILHO, ao propor a destruição da distinção formal entre Direito e Moral, posiciona-se de maneira contrária ao Jusnaturalismo, haja vista que nega as bases metafísicas, e contraria o Juspositivismo, posto que a lei não seria expressão una do Direito. Assim, nota-se que LYRA FILHO defende a tese pluralista da vinculação: é pós-moderno.


7. Conclusão


A dialética relação entre Direito e Moral é, realmente, um tema recorrente na Filosofia do Direito. No entanto, essa questão, não obstante alcance seu apogeu no elemento jurídico, invade o meio social e, devido a isso, passa a ser abordado nos mais diversos campos do conhecimento humano, seja esse científico ou transcendental.


Um paradigma que bem pode ser explicitado como discussão da relação entre a esfera axiológica e a normativa num meio transcendente encontra-se na Bíblia Cristã. É nesse livro sagrado da cristandade que a supracitada querela é versada, mais estritamente, no livro de Gálatas. A saber:


“Sabemos que ninguém é justificado por observar a Lei de Moisés, mas por crer em Jesus Cristo, nós também abraçamos a fé em Jesus Cristo. Assim fomos justificados pela fé em Cristo e não pela prática da Lei, porque pela prática da Lei ninguém será justificado. Aliás, foi em virtude da Lei que eu morri para a Lei, a fim de viver para Deus. Com Cristo, eu fui pregado na cruz. Eu vivo, mas não eu, é Cristo que vive em mim. Esta minha vida presente, na carne, eu a vivo na fé, crendo no Filho de Deus, que me amou e por mim se entregou. Eu não desprezo a graça de Deus. Ora, se a justiça vem pela Lei, então, Cristo morreu inutilmente”.[79] 


Destarte, percebe-se que a problemática da relação dialética entre as normas jurídicas e as sociais é uma temática que vem sendo altercada em muitas localidades e em muitos tempos. Com a citação do livro sagrado, nota-se, outrossim, que aquela temática é ventilada tanto pelo campo científico, que poderia ser representado pelas ciências jurídicas, quanto por outros campos.


Dentre esses outros campos não científicos, encontrar-se-ia o mundo do transcendental, dentre os quais, encontra-se o intelecto religioso. Esse, enquanto parte da sociedade humana, defendia que o fiel, ao achar-se na dicotômica dúvida (obedecer à lei ou respeitar a vontade divina), deveria seguir Deus, haja vista que, somente assim, o crente lograria a salvação.


É bem verdade que, ao longo do desenvolvimento do presente trabalho, não versamos acerca de como as religiões vêem a relação entre Direito e Moral, mais restritamente, no caso, a religião Cristã. No entanto, cumpre notar que, a despeito de ser supostamente fundamentado numa base racional, o Jusnaturalismo apresenta-se como semelhante à visão transcendental religiosa.


Cronologicamente, o mais antigo, o Jusnaturalismo, enquanto ideologia jurídica hodierna, expõe-se como similar àquela visão transcendental religiosa, porque busca fundamentações metafísica e transcendental para o Direito e porque ambos, religião e Jusnaturalismo, defendem que a norma jurídica deveria estar vinculada a algo, para, de tal modo,  obter legitimidade.


Tal Jusnaturalismo, ao propor uma “base racional” para o Direito, explicita-se como uma tentativa – quiçá a primeira – de superar uma visão praticamente teocrática do Direito. Contudo, a despeito de contrapor-se à religião, aquela já arrolada doutrina mostra-se com bastantes semelhanças com as perspectivas teocráticas.


Assim sendo, nota-se que o Jusnaturalismo, ao acastelar a tese da vinculação entre Direito e Moral, mostra-se sem êxito em seu propósito, haja vista que, ao recorrer ao Direito Natural como fonte da vinculação necessária entre a norma jurídica e a norma moral, a citada doutrina retrocedeu às fundamentações metafísica e transcendental, outrossim, usadas pela religião.


A superação dessa metafísica veio com a criação do Estado Moderno, o qual concentrou a produção jurídica em suas mãos, ou melhor, nas mãos da, então, recém nascida figura do legislador. Com isso, foi possível abalizar o que antes estava indistinguível, o Direito e a Moral, os quais se mostravam unos no Direito Natural.


Assim, devido a esse supracitado processo histórico-social, foi possível a elaboração por KANT, o qual se fundamentou em THOMASIUS, da hipótese que assevera que o campo axiológico e o mundo normativo seriam distintos. Isso, essencialmente, porque a Moral seria relativa ao plano interior e o Direito, ao plano exterior.


Ulteriormente, KELSEN, que pode ser categorizado como adepto da doutrina do Positivismo, revisa a distinção em KANT e, então, adere ao Relativismo Ético, o qual, assim como o Juspositivismo, protege a tese da separação entre Direito e Moral, haja vista que, segundo aquelas correntes ideológicas, uma Moral absoluta não existe, há apenas valores morais relativos.


A posteriori, depois do período moderno da Revolução Francesa que, com o Iluminismo, marcaram a emersão do Jusnaturalismo e do Juspositivismo, entramos na era pós-moderna do Direito. Tal período é assinalado pela desconstrução da distinção entre norma jurídica e norma moral, pelo menos a formal, e pelo Pluralismo Ético.


Essa desconstrução da hipótese kantiana da distinção encontra apoio, conforme fora vislumbrado no desenvolvimento do presente trabalho, nos mecanismos de controle social em BERGER, nas sanções em BEATTIE e em GOFFMAN na estigmatização, isto é, no descompasso entre as identidades real e virtual.


O Pluralismo Ético pós-moderno, influenciado pela supracitada desconstrução, vem afiançar, ao proteger a tese da vinculação entre Direito e Moral, a “legitimidade dos diferentes sistemas de cultura e moral que não atentem contra os princípios humanos mais gerais”[80]. Assim, o Pluralismo Ético pressupõe a viabilidade de um juízo ético racional.


Destarte, conclui-se que o Pluralismo Ético supera o Jusnaturalismo, haja vista que esse procura, como visto, fundamentações metafísicas, e, outrossim, aquela doutrina pós-moderna supera o Juspositivismo, posto que esse nega a necessidade duma legitimação para o Direito, o mundo jurídico seria a lei, tão somente, o legal, para um positivista legalista.


No entanto, não obstante nossa conclusão mostre-se adequada à inquirição que motivou a feitura do presente trabalho, persistem alguns questionamentos sem uma resposta consistente. Afinal, como universalizar um conteúdo moral mínimo, se o mundo não abrangido pela cultura ocidental não experimentou fatos como a construção do individualismo[81] e do contratualismo[82]


Assim sendo, faz-se mister uma solução para a questão: como fundamentar e como justificar os Direitos Humanos, sendo esse um traço histórico-social característico da construção do Ocidente cultural?


Referências bibliográficas:

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WOORTMANN, Klaas. Religião e Ciência no Renascimento. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1997.

 

Notas:

[1] FASSÓ, Guido. “Jusnaturalismo”. In: Norberto e outros. Dicionário de Política. 7ª Ed. Brasília: Editora UnB, 1995 (p. 655).

[2] SILVA, Plácido e. Vocabulário Jurídico. 27ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006 (p. 473).

[3] SILVA, Plácido e. Vocabulário Jurídico. 27ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006 (p. 474).

[4] BARBOZA, Márcia Noll. “Parte I: Direito e Moral”. In: O Princípio da Moralidade Administrativa: uma Abordagem de seu Significado e suas Potencialidades à Luz da Noção de Moral Crítica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002 (p. 21).

[5] SILVA, Plácido e. Vocabulário Jurídico. 27ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006 (p. 475).

[6] BARBOZA, Márcia Noll. “Parte I: Direito e Moral”. In: O Princípio da Moralidade Administrativa: uma Abordagem de seu Significado e suas Potencialidades à Luz da Noção de Moral Crítica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002 (p. 22).

[7] BOBBIO, Norberto. Locke e o Direito Natural. Tradução: Sérgio Bath. 2ª Ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1997 (p. 57).

[8] POLETTI, Ronaldo.  Introdução ao Direito. 2ª Ed. São Paulo: Saraiva, 1996 (p. 106).

[9] FASSÓ, Guido. “Jusnaturalismo”. In: Norberto e outros. Dicionário de Política. 7ª Ed. Brasília: Editora UnB, 1995 (p. 656).

[10] SILVA, Plácido e. Vocabulário Jurídico. 27ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006 (p. 475).

[11] SILVA, Plácido e. Vocabulário Jurídico. 27ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006 (p. 475).

[12] BARBOZA, Márcia Noll. “Parte I: Direito e Moral”. In: O Princípio da Moralidade Administrativa: uma Abordagem de seu Significado e suas Potencialidades à Luz da Noção de Moral Crítica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002 (p. 23).

[13] SILVA, Plácido e. Vocabulário Jurídico. 27ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006 (p. 475).

[14] BARBOZA, Márcia Noll. “Parte I: Direito e Moral”. In: O Princípio da Moralidade Administrativa: uma Abordagem de seu Significado e suas Potencialidades à Luz da Noção de Moral Crítica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002 (p. 21).

[15] HOERSTER apud BARBOZA, Márcia Noll. “Parte I: Direito e Moral”. In: O Princípio da Moralidade Administrativa: uma Abordagem de seu Significado e suas Potencialidades à Luz da Noção de Moral Crítica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002. (p. 22)

[16] Para o conceito de direito, ficam somente dois elementos definidores: o da legalidade conforme o ordenamento ou dotada de autoridade e o da eficácia social. As numerosas variantes do positivismo jurídico resultam das diversas interpretações e do peso que se dê a estes elementos definidores. A todas elas é comum o fato de que o que é direito depende do que é imposto e/ou é eficaz. (tradução minha).  

[17] ALEXY apud BARBOZA, Márcia Noll. “Parte I: Direito e Moral”. In: O Princípio da Moralidade Administrativa: uma Abordagem de seu Significado e suas Potencialidades à Luz da Noção de Moral Crítica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002 (p. 23).

[18] POLETTI, Ronaldo.  Introdução ao Direito. 2ª Ed. São Paulo: Saraiva, 1996 (p.107).

[19] BARBOZA, Márcia Noll. “Parte I: Direito e Moral”. In: O Princípio da Moralidade Administrativa: uma Abordagem de seu Significado e suas Potencialidades à Luz da Noção de Moral Crítica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002 (p. 42).

[20] HABERMAS apud BARBOZA, Márcia Noll. “Parte I: Direito e Moral”. In: O Princípio da Moralidade Administrativa: uma Abordagem de seu Significado e suas Potencialidades à Luz da Noção de Moral Crítica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002 (pp. 56-60).

[21] ARENDT apud BARBOZA, Márcia Noll. “Parte I: Direito e Moral”. In: O Princípio da Moralidade Administrativa: uma Abordagem de seu Significado e suas Potencialidades à Luz da Noção de Moral Crítica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002 (pp. 45-46).

[22] BARBOZA, Márcia Noll. “Parte I: Direito e Moral”. In: O Princípio da Moralidade Administrativa: uma Abordagem de seu Significado e suas Potencialidades à Luz da Noção de Moral Crítica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002 (p. 46).

[23] HÖFFE apud BARBOZA, Márcia Noll. “Parte I: Direito e Moral”. In: O Princípio da Moralidade Administrativa: uma Abordagem de seu Significado e suas Potencialidades à Luz da Noção de Moral Crítica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002 (p. 46).

[24] Na atualidade, o conceito [de pluralismo] é entendido primordialmente em um sentido social e político, onde confluem elementos empíricos e normativos. Do ponto de vista empírico, o pluralismo designa uma variedade de confissões e religiões (pluralismo religioso), grupos sociais (pluralismo social) e forças políticas significativas (pluralismo político) (…) Em segundo lugar, o pluralismo afirma – e aqui reside seu conteúdo normativo – que reconhece e aprova a variedade e a diferenciação; não obstante toda sua diferenciação funcional, os grupos têm os mesmos direitos para desenvolver-se livremente. (tradução minha).

[25] POLETTI, Ronaldo.  Introdução ao Direito. 2ª Ed. São Paulo: Saraiva, 1996 (p. 107).

[26] O imperativo categórico de KANT é um imperativo moral, incondicional, apriorístico. É a verdade absoluta, o certo pelo certo, a verdade pela verdade, o dever pelo dever. É uma Moral absoluta que não depende das circunstâncias, logo, é universal. Para a Moral kantiana, um ato reveste-se de moralidade quando praticado com a intenção Moral, com respeito às leis Morais. Agir com consciência do dever é agir moralmente. No imperativo categórico, age-se apenas com o intuito de seguir os preceitos morais (“não roubes, porque não é certo”) e se submete a natureza humana à moral. Segundo KANT, a idéia do imperativo categórico com os juízos a priori fundamentaria não só a Moral, mas, outrossim, o Direito.   

[27] BARBOZA, Márcia Noll. “Parte I: Direito e Moral”. In: O Princípio da Moralidade Administrativa: uma Abordagem de seu Significado e suas Potencialidades à Luz da Noção de Moral Crítica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002 (p. 26).

[28] RUSSELL apud BARBOZA, Márcia Noll. “Parte I: Direito e Moral”. In: O Princípio da Moralidade Administrativa: uma Abordagem de seu Significado e suas Potencialidades à Luz da Noção de Moral Crítica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002 (p. 26).

[29] BOBBIO apud BARBOZA, Márcia Noll. “Parte I: Direito e Moral”. In: O Princípio da Moralidade Administrativa: uma Abordagem de seu Significado e suas Potencialidades à Luz da Noção de Moral Crítica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002 (p. 27).

[30] BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. Tradução e notas: Márcio Pugliesi, Edson Bibi e Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 2006 (p. 119).

[31] POLETTI, Ronaldo.  Introdução ao Direito. 2ª Ed. São Paulo: Saraiva, 1996 (p. 106).

[32] KANT, para KELSEN, é classificado como um filósofo moralista, quiçá, extremamente moralista.

[33] Para KANT, um ato é Moral quando praticado com intenção Moral, com respeito à lei Moral. Agir com consciência do dever é agir moralmente. A ação Moral não se resume ao cumprimento conforme o dever, mas pelo dever sem considerar quaisquer fins, inclinações ou interesses. O ato Moral é regido pelo próprio pensar, logo, é autônomo. Todos os impulsos subjetivos devem ser excluídos e deve restar apenas a inclinação do respeito à lei Moral. Em suma, são requisitos do ato Moral: obediência à lei do dever; ausência de um fim, salvo o cumprimento da máxima que o agente impôs-se; respeito à lei Moral como único motivo do ato.  

[34] KANT apud BARBOZA, Márcia Noll. “Parte I: Direito e Moral”. In: O Princípio da Moralidade Administrativa: uma Abordagem de seu Significado e suas Potencialidades à Luz da Noção de Moral Crítica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002 (p. 30).

[35] KELSEN, Hans. “Direito e Moral”. In: Teoria Pura do Direito. Tradução: João Batista Machado. 5ª Ed. São Paulo: Martins Fontes, 1996 (p. 68).

[36]KELSEN, Hans. “Direito e Moral”. In: Teoria Pura do Direito. Tradução: João Batista Machado. 5ª Ed. São Paulo: Martins Fontes, 1996 (p. 69).

[37] KELSEN, Hans. “Direito e Moral”. In: Teoria Pura do Direito. Tradução: João Batista Machado. 5ª Ed. São Paulo: Martins Fontes, 1996 (p. 72).

[38] KELSEN, Hans. “Direito e Moral”. In: Teoria Pura do Direito. Tradução: João Batista Machado. 5ª Ed. São Paulo: Martins Fontes, 1996 (p. 73).

[39] KELSEN, Hans. “Direito e Moral”. In: Teoria Pura do Direito. Tradução: João Batista Machado. 5ª Ed. São Paulo: Martins Fontes, 1996 (pp. 75-76).

[40] Cumpre recordar que esse filósofo, considerado moralista, elabora a hipótese da distinção entre Direito e Moral, fundamentado em THOMASIUS, o qual já houvera tratado daquela distinção anteriormente à abordagem promovida por KANT.

[41] REALE, Miguel. “Direito e moral”. In: Filosofia do Direito. 17ª Ed. São Paulo: Saraiva, 1996 (p. 699).

[42] REALE, Miguel. “Direito e moral”. In: Filosofia do Direito. 17ª Ed. São Paulo: Saraiva, 1966 (p. 669).

[43] KANT apud REALE, Miguel. “Direito e moral”. In: Filosofia do Direito. 17ª Ed. São Paulo: Saraiva (p. 658).

[44] THOMASIUS apud REALE, Miguel. “Direito e moral”. In: Filosofia do Direito. 17ª Ed. São Paulo: Saraiva (p. 655).

[45] REALE, Miguel. “Direito e moral”. In: Filosofia do Direito. 17ª Ed. São Paulo: Saraiva, 1996 (p. 701).

[46] BERGER, Peter. “A perspectiva sociológica: o homem na sociedade”. In: Perspectivas Sociológicas: uma Visão Humanista. 2ª Ed. Petrópolis: Vozes, 1973 (p. 86).

[47] BERGER, Peter. “A perspectiva sociológica: o homem na sociedade”. In: Perspectivas Sociológicas: uma Visão Humanista. 2ª Ed. Petrópolis: Vozes, 1973 (p. 81).

[48] BERGER, Peter. “A perspectiva sociológica: o homem na sociedade”. In: Perspectivas Sociológicas: uma Visão Humanista. 2ª Ed. Petrópolis: Vozes, 1973 (p. 91).

[49] BERGER, Peter. “A perspectiva sociológica: o homem na sociedade”. In: Perspectivas Sociológicas: uma Visão Humanista. 2ª Ed. Petrópolis: Vozes, 1973 (p. 90).

[50] BERGER, Peter. “A perspectiva sociológica: o homem na sociedade”. In: Perspectivas Sociológicas: uma Visão Humanista. 2ª Ed. Petrópolis: Vozes, 1973 (p. 81).

[51] BERGER, Peter. “A perspectiva sociológica: o homem na sociedade”. In: Perspectivas Sociológicas: uma Visão Humanista. 2ª Ed. Petrópolis: Vozes, 1973 (p. 82).

[52] BERGER, Peter. “A perspectiva sociológica: o homem na sociedade”. In: Perspectivas Sociológicas: uma Visão Humanista. 2ª Ed. Petrópolis: Vozes, 1973 (p. 84).

[53] SCHUETZ apud BERGER, Peter. “A perspectiva sociológica: o homem na sociedade”. In: Perspectivas Sociológicas: uma Visão Humanista. 2ª Ed. Petrópolis: Vozes, 1973 (p. 88).

[54] BEATTIE, John. “Controle social: lei e sanções sociais”. In: Introdução à Antropologia Social. Tradução de Heloísa Rodrigues Fernandes. 3ª Ed. São Paulo: Editora Nacional, 1980 (pp.197).

[55] POUND apud BEATTIE, John. “Controle social: lei e sanções sociais”. In: Introdução à Antropologia Social. Tradução de Heloísa Rodrigues Fernandes. 3ª Ed. São Paulo: Editora Nacional, 1980 (p. 199).

[56] BEATTIE, John. “Controle social: lei e sanções sociais”. In: Introdução à Antropologia Social. Tradução de Heloísa Rodrigues Fernandes. 3ª Ed. São Paulo: Editora Nacional, 1980 (p. 203).

[57] RADCLFFE-BROWN apud BEATTIE, John. “Controle social: lei e sanções sociais”. In: Introdução à Antropologia Social. Tradução de Heloísa Rodrigues Fernandes. 3ª Ed. São Paulo: Editora Nacional, 1980 (p. 203).

[58] As sanções organizadas, apesar de muitos ainda pensarem assim, não são tão somente a lei do Direito, mas, outrossim, a Moral, haja vista que essa também pode originar-se em Igrejas, por exemplo, sendo assim, ela seria organizada.

[59] GOFFMAN, Erving. Estigma: Notas sobre a Manipulação da Identidade Deteriorada. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1975 (p. 12).

[60] GOFFMAN, Erving. Estigma: Notas sobre a Manipulação da Identidade Deteriorada. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1975 (p. 12).

[61] GOFFMAN, Erving. Estigma: Notas sobre a Manipulação da Identidade Deteriorada. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1975 (p. 12).

[62] GOFFMAN, Erving. Estigma: Notas sobre a Manipulação da Identidade Deteriorada. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1975 (p. 13).

[63] GOFFMAN, Erving. Estigma: Notas sobre a Manipulação da Identidade Deteriorada. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1975 (p. 14).

[64] GOFFMAN, Erving. Estigma: Notas sobre a Manipulação da Identidade Deteriorada. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1975 (p. 14).

[65] GOFFMAN, Erving. Estigma: Notas sobre a Manipulação da Identidade Deteriorada. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1975 (p. 14).

[66] TELES Maria Luiza Silveira. Filosofia para Jovens: uma Iniciação à Filosofia. 14ª Ed. Petrópolis: Vozes, 2002 (p. 70).

[67] LYRA FILHO, Roberto. “Normas Jurídicas e outras normas sociais”. In: SOUSA JR, José Geraldo de (org.) O Direito Achado na Rua: Introdução Crítica ao Direito. 4ª Ed. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1993 (p. 56).

[68]BARBOZA, Márcia Noll. “Parte I: Direito e Moral”. In: O Princípio da Moralidade Administrativa: uma Abordagem de seu Significado e suas Potencialidades à Luz da Noção de Moral Crítica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002 (p. 21).

[69] BARBOZA, Márcia Noll. “Parte I: Direito e Moral”. In: O Princípio da Moralidade Administrativa: uma Abordagem de seu Significado e suas Potencialidades à Luz da Noção de Moral Crítica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002 (p. 24).

[70] LYRA FILHO, Roberto. “Normas Jurídicas e outras normas sociais”. In: SOUSA JR, José Geraldo de (org.) O Direito Achado na Rua: Introdução Crítica ao Direito. 4ª Ed. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1993 (p. 57).

[71] LYRA FILHO, Roberto. “Normas Jurídicas e outras normas sociais”. In: SOUSA JR, José Geraldo de (org.) O Direito Achado na Rua: Introdução Crítica ao Direito. 4ª Ed. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1993 (p. 57).

[72] LYRA FILHO, Roberto. “Normas Jurídicas e outras normas sociais”. In: SOUSA JR, José Geraldo de (org.) O Direito Achado na Rua: Introdução Crítica ao Direito. 4ª Ed. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1993 (p. 58).

[73] Urge recordar que, a despeito de muitos afirmarem que os padrões morais são menos precisamente indicados, que faltam textos para defini-los, na realidade, aqueles padrões, às vezes, encontram-se devidamente positivados nos chamados “códigos de ética”.

[74] LYRA FILHO, Roberto. “Normas Jurídicas e outras normas sociais”. In: SOUSA JR, José Geraldo de (org.) O Direito Achado na Rua: Introdução Crítica ao Direito. 4ª Ed. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1993 (p. 59).

[75] LYRA FILHO, Roberto. “Normas Jurídicas e outras normas sociais”. In: SOUSA JR, José Geraldo de (org.) O Direito Achado na Rua: Introdução Crítica ao Direito. 4ª Ed. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1993 (p. 59).

[76] LYRA FILHO, Roberto. “Normas Jurídicas e outras normas sociais”. In: SOUSA JR, José Geraldo de (org.) O Direito Achado na Rua: Introdução Crítica ao Direito. 4ª Ed. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1993 (p. 60).

[77] Nesse ponto a que chegamos, cumpre recordar os aportes que já fizemos em capítulo anterior aos trabalhos de BERGER, de BEATTIE e de GOFFMAN, os quais são de suma importância para a boa compreensão do labor de LYRA FILHO.

[78] LYRA FILHO, Roberto. “Normas Jurídicas e outras normas sociais”. In: SOUSA JR, José Geraldo de (org.) O Direito Achado na Rua: Introdução Crítica ao Direito. 4ª Ed. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1993 (p. 60).

[79] BÍBLIA. Português. Bíblia Sagrada. Tradução: João Ferreira de Almeida. 2ª Ed. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 1993 (p. 201).

[80]BARBOZA, Márcia Noll. “Parte I: Direito e Moral”. In: O Princípio da Moralidade Administrativa: uma Abordagem de seu Significado e suas Potencialidades à Luz da Noção de Moral Crítica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002 (p. 47).

[81] SOUSA, Rosinaldo da Silva. “Direitos Humanos através da história recente em Perspectiva Antropológica”. In: NOVAES, R. R. et alli (orgs). Antropologia dos Direitos Humanos. Niterói: Ed. UFF, 2001 (pp. 47-73) (p. 49).

[82] SOUSA, Rosinaldo da Silva. “Direitos Humanos através da história recente em Perspectiva Antropológica”. In: NOVAES, R. R. et alli (orgs). Antropologia dos Direitos Humanos. Niterói: Ed. UFF, 2001 (pp. 47-73) (p. 52).


Informações Sobre o Autor

Nilson Dias de Assis Neto

Acadêmico de Direito na Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB),


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