Resumo: O instituto da desconsideração da personalidade jurídica vem sendo aplicada quando comprovada a dissolução irregular da sociedade empresária. Deve-se entender como ocorre a desconsideração da personalidade nos casos em que se comprova o abuso de direito, ao qual está incluída a dissolução irregular. A diferença entre dissolução irregular e paralisação da empresa, é o foco deste trabalho, para se chegar a uma conclusão de viabilidade ou não de aplicar a desconsideração da personalidade jurídica.
Palavras-chave: Paralisação da empresa. Dissolução irregular. Desconsideração da personalidade jurídica.
Abstract: The disregard of the legal entity has been proven when applied to irregular dissolution of the business company. Should understand how does the disregard of the legal entity of where it checks the abuse of rights, which is included the irregular dissolution. The difference between stoppage and irregular dissolution of the company is the focus of this work, to arrive at a conclusion of feasibility or not to apply the disregard of the legal entity.
Keywords: Stoppage of the company. Irregular dissolution. Disregard of the legal entity.
Sumário: 1. Introdução 2. Dissolução irregular 3. Desconsideração da personalidade jurídica 4. Paralisação da empresa 5. Uma nova perspectiva da desconsideração da personalidade jurídica em caso de paralisação da atividade. Bibliografia
1. INTRODUÇÃO
As controvérsias que pairam sobre a dissolução irregular da empresa e a sua paralisação geram no meio jurídico incertezas quanto a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica.
Quando da instituição de uma sociedade empresária busca-se, além dos cumprimentos dos preceitos constitucionais, (função social da empresa, desenvolvimento econômico, consecução da busca pelo emprego, promoção da dignidade da pessoa humana, dentre outros), a promoção de lucros àqueles que investiram na iniciativa privada. Outrossim, a opção pela sociedade empresária visa também resguardar o patrimônio individual de cada sócio.
Ocorre que, alguns empreendimentos simplesmente não conseguem se desenvolver e gerar o esperado lucro, fazendo com que muitas sociedades empresárias terminem sua vida societária antes do esperado. O Estado exige, para tanto, uma série de procedimentos que, muitas das vezes, não são cumpridos, por total ausência de recursos. Neste contexto, a sociedade empresária decide baixa as portas do ponto empresarial, onde exerce sua atividade, acarretando o que é chamado de dissolução irregular, considerando um abuso de direito, ocasionando a desconsideração da personalidade jurídica.
Há de se considerar que entre dissolução irregular e paralisação da atividade empresarial, existe uma singela diferença, que será objeto do presente estudo.
2. DISSOLUÇÃO IRREGULAR
Com o advento do Código Civil de 2002 foi normatizado o princípio da função social do contrato, através do art. 421, que estabelece que a “liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”. Na realidade, além dos princípios já pré-estabelecidos acerca do Direito Contratual (liberdade contratual e obrigatoriedade do contrato) ocorreu a inserção de novos três princípios, quais sejam, boa-fé objetiva, equilíbrio econômico e função social.
Importa, inicialmente, realizar uma abordagem sobre o princípio da função social do contrato, que estabelece que todo contrato deve se portar à uma justiça social, que nada mais significa do que um respeito e lealdade aos deveres dos contratantes em relação à sociedade[1].
Preleciona Judith MARTINS-COSTA que
“a função social é uma condicionante posta ao princípio da liberdade contratual, o qual é reafirmado pelo novo código civil, estando na base da disciplina contratual e, constituindo o pressuposto mesmo da função social a que é acometida ao contrato. Ao termo condição pode corresponder uma conotação adjetiva, de limitação da liberdade contratual.”[2]
O que se revela é que todo contrato além de fazer lei entre as partes, obrigando-os aos seus termos, deve ser analisada de forma mitigada, considerando que deve cumprir uma função social, na medida em que seus efeitos não poderão afetar terceiros[3].
Não se pode olvidar que o contrato ainda sim vincula as partes contratantes, pois a economia só consegue se desenvolver, no regime capitalista, com a realização de contratos, que tenham por finalidade a circulação de riquezas. Há uma tentativa recente, no Brasil, de adotar os novos princípios contratuais, ditos acima, em toda e qualquer relação jurídica negocial, na busca por um sistema que realize a justiça comutativa[4]. Óbvio que se não houvesse mais a vontade como precursora do sentimento de contratar, não haveria mais contratos. O problema se encontra arraigado na perspectiva econômica do contratual, segundo o qual basta que o contrato seja concluído e executado para gerar circulação de riqueza.
Alguns autores admitem, portanto, que se o contrato é utilizado como forma de circulação de riqueza, ele cumpre a sua função social, haja vista que os efeitos jurídicos advindos de um contrato, poderão ser sentidos de forma direta ou indireta por terceiros. Neste mesmo sentido, encontra guarida THEODORO Jr., TEPEDINO e AZEVEDO[5].
Dito isso, é importante frisar que o Código Civil em seu livro II – Do Direito de Empresa, regula as relações empresariais. Utiliza, para tanto, as disposições contidas no referido livro, além das legislações esparsas e o direito das obrigações do Direito Privado, tudo com a finalidade de preservar o ramo do Direito Empresarial.
O empresário que trata o art. 966 é aquela pessoa, sujeito de direitos e deveres, que aparece nas relações jurídicas; é ele quem exercerá a atividade econômica. A ele serão dirigidos os atos jurídicos; será esse sujeito quem contrairá obrigações e exercerá seus direitos.
Diferentemente da pessoa do sócio, que se torna apenas uma pessoa que irá investir, inicialmente, seu capital para que o empresário possa realizar sua atividade, descrita no documento constitutivo. O sócio poderá aparecer nas relações jurídicas, mas apenas para dar voz à vontade do empresário. Toda obrigação, portanto, é contraída pelo empresário.
O empresário é o profissional que exerce com habitualidade, em nome próprio, uma atividade, extraindo dessa atividade as condições necessárias para se estabelecer e se desenvolver[6]. Pode ser uma pessoa natural ou jurídica[7].
A atividade econômica é essencial a atividade empresarial. Vale dizer que o empresário visa o lucro, portanto é o lucro subjetivamente considerado, animus lucrandi, simplesmente a intenção de obter lucro[8]. Se o empresário irá ter ou não o lucro, dependerá exclusivamente do ramo do negócio, a forma como haverá a divulgação da sua atividade, como ela será exercida, o preço dos serviços ou produtos e os demais fatores externos.
Pela organização depreende-se que o empresário irá se organizar utilizando fatores de produção, tais como o capital, o trabalho e a atividade.
Toda atividade empresária visa à produção ou circulação de bens ou serviços. Por produção entende-se o agrupamento de fatores e insumos para se gerar um produto ou serviço. A circulação é a operação pela qual se transfere um produto ou serviço de um titular para outro.
A sociedade empresária,[9] quando regularmente registrada perante o Registro Público de Empresas Mercantis adquire a personalidade jurídica. Significa dizer que a sociedade empresária passa a responder pessoalmente pelas obrigações sociais, sendo os sócios meros expectadores e investidores societários. Um dos atributos do empresário é o domicílio, que é o local onde se encontram a diretoria e administração, a teor do que estabelece o art. 75, inciso IV do CC[10], ou o local onde ficar estabelecido no contrato ou estatuto social.
Neste contexto, quando o empresário não é encontrado no endereço estabelecido no contrato ou estatuto social, cria-se uma insegurança relativamente aos negócios realizados, haja vista que se não há como saber onde o empresário está estabelecido, não há como realizar negócios.
Com o desenvolvimento da empresa muitos empresários encontram óbices, seja na maneira como a administração se portou, seja na inexequibilidade do objeto social, ou por fatores externos, alheios à vontade do ser empresarial. Estes óbices podem se tornar um martírio na vida social, principalmente, porque qualquer atividade empresarial ao envolver riscos, também envolve investimentos e quando estes não retornam para a sociedade e para os sócios, o empresário pode enfrentar a falência, aqui denominada como econômica[11].
Muitos empresários optam, nos casos citados, em “baixar as portas” do ponto[12] onde exerciam a atividade, com a finalidade de aguardar um momento mais adequado para o reinício da atividade ou, por não terem qualquer perspectiva de prosperidade alguma largam o empreendimento.
A diferença entre a paralisação da atividade e a dissolução irregular da sociedade empresária é tênue, mas que contende das obrigações sociais contraídas serem repercutidas no âmbito pessoal de cada sócio.
A dissolução da sociedade empresária, de modo regular, enseja na extinção da pessoa jurídica. Fran Martins exalta que
“Na realidade, a extinção das sociedades empresárias compreende períodos distintos: um período em que se paralisam todas as atividades externas da sociedade, a que se dá comumente o nome de dissolução; um período em que a sociedade realiza o seu ativo e liquida o passivo, ou seja, transforma todo o seu patrimônio em dinheiro e satisfaz os compromissos assumidos, a que se dá o nome de liquidação; e um período final, que em verdade não influi na extinção da sociedade, em que se faz a distribuição entre os sócios, convencional ou proporcionalmente, se não houve acordo no contrato social, dos lucros obtidos pela sociedade, tendo este o nome de partilha”. (MARTINS, 2008, p. 190).
Após a fase da liquidação, com o pagamento dos compromissos sociais assumidos, a sociedade, então, poderá arquivar perante o Registro Público de Empresas Mercantis, conforme estabelece o art. 32, inciso II, da Lei 8.934/94[13], documento de dissolução e extinção da sociedade, pondo termo à vida societária.
Os manuais de atos de registro mercantil aprovado pelas Instruções Normativas nº 98/2003 e 100/2006, do Departamento Nacional de Registro do Comércio, estabelecem os requisitos formais para a dissolução e extinção das sociedades empresárias limitada e anônima, respectivamente. O Código Civil também disciplina os casos em que a sociedade pode se dissolver, conforme o art. 1.033[14].
Sem embargo,
“Quando os sócios de uma sociedade abandonam a empresa (ou transferem os seus bens para outras pessoas jurídicas) e não cuidam para que ocorra a liquidação regular da sociedade, podem cometer abuso do direito por desvio de função. O abuso, no caso, advém da falta de observância do dever de diligência por deixar de adotar as providências operacionais e legais necessárias à liquidação da sociedade”. (ANDRADE FILHO, 2005, p. 120).
Fica caracterizada, portanto, a dissolução irregular do empresário que pode ser definida como a dissolução do empresário sem o cumprimento das regras legais, ou seja, é um ilícito praticado pelo empresário que tem como tipificação o abuso do direito, por não obedecer aos trâmites da lei respectiva.
A súmula nº 435 do STJ estabelece que “Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente”.
O entendimento é que, caracterizada a dissolução irregular os sócios da sociedade empresária serão responsabilizados pela desídia de não promoverem na forma da lei, a comunicação de paralisação das atividades ou por não promoverem a dissolução regular da sociedade, e assim, sofrerão, pessoalmente, com eventuais débitos que a sociedade tenha, mediante a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica.
3. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
Quando tema sobre a desconsideração da personalidade jurídica vem à tona, muito se debate acerca da incidência da norma do art. 50 do Código Civil, aplicada nas relações privadas, requisitos ensejadores e permissivos da exceção à personalidade jurídica.
A desconsideração da personalidade jurídica foi constituída sob a égide de repressão aos abusos e fraudes cometidas na prática da atividade da pessoa jurídica.
Com o nascimento da pessoa jurídica, tem-se a autonomia patrimonial da sociedade empresária em relação ao patrimônio dos sócios, isto é, cada um dos personagens (sociedade e sócios) possui independência para gerir seus negócios. O abuso ou fraude da personalidade jurídica da sociedade poderá ser invocada para permitir a desconsideração dessa personalidade, para atacar o patrimônio dos sócios.
Rolf Serick salienta que
“Se si abusa della forma della persona giuridica il giudice puó, al fine di impedire che venga raggiunto lo scopo illecito perseguito, non rispettare tale forma, allotanandosi quidi dal principo della netta distinzione tra sócio e persona giuridica”[15]. (1996, p. 275)
Ademais, Tullio Ascarelli salienta a existência da teoria da dummy corporation em que os tribunais poderão ignorar a existência da pessoa jurídica para atingir o patrimônio do acionista, quando verificada que este utilizou daquela para agir com fraude[16].
A finalidade da desconsideração é de evitar o uso de pessoas jurídicas para prática de atos abusivos ou fraudes contra os credores de boa-fé da sociedade.
Desta forma, o Código Civil, em seu art. 50[17], estabeleceu os requisitos permissivos da desconsideração da personalidade jurídica. Utilizar-se-á, para este estudo apenas a questão do desvio de finalidade, que nas palavras de Edmar Oliveira Andrade Filho
“corresponde ao uso anormal da pessoa jurídica que consiste no desvirtuamento de sua finalidade institucional. À ideia de “finalidade” convém o conceito de “função” de modo que o desvio de finalidade seria, em verdade, um problema de disfunção no uso da pessoa jurídica”. (2005, p. 113).
Se for considerado o ensinamento de Fábio Comparato na qual “a atividade empresarial já não se funda na propriedade dos meios de produção, mas na qualidade dos objetivos visados pelo agente”[18] afirma-se que a sociedade empresária cumpre um papel social, constantes na Constituição da República de 1988.
Portanto, ocorre o desvio de finalidade, quando do abuso de direito, isto é, a prática de um ilícito que acarreta a responsabilidade dos sócios, perante aquele ato, que no exemplo de Edmar Oliveira Andrade Filho
“São os casos em que os sócios ou administradores agem ou se omitem para que a empresa deixe de ter meios indispensáveis para a realização do objeto social, o que, na prática, implica numa dissolução de fato da sociedade, onde a pessoa jurídica passa a ser apenas uma casca, sem substância econômica.” (2005, p. 120)
Via de consequência, a sociedade empresária perdeu sua finalidade com desaparecimento da empresa, de forma irregular, acarretando a desconsideração da personalidade jurídica.
Já foi dito que existe a permissão de desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade empresária em caso de dissolução irregular. Contudo, deve-se atentar que muitas vezes os sócios não possuem o conhecimento técnico e jurídico necessário para a tomada de uma decisão de fechar o ponto comercial, portanto, falta-lhe a vontade de prejudicar terceiros. Pensa-se que quando do derradeiro baixar de portas as obrigações sociais poderão diminuir, haja vista a inatividade da empresa.
A instituição de uma sociedade empresária é uma assunção de riscos, que quando da integralização do capital social, deixa de envolver os sócios, sendo certo que a sociedade empresária é quem irá arcar com tal risco. Os sócios, por sua vez, já realizaram a participação na contribuição para a formação do capital, investindo dinheiro e bens, e assumiram também, um risco pessoal quanto ao investimento realizado.
Resta saber se é ou não proporcional e razoável que os sócios sejam submetidos ao pagamento das obrigações sociais, quando não presente a intenção de fraudar ou o cometimento de abuso de direito.
4. PARALISAÇÃO DA EMPRESA
A Instrução Normativa nº 72 de 1998 do Departamento Nacional de Registro do Comércio – DNRC em seu art. 7º estabelece que
“Art. 7º. Na hipótese de paralisação temporária de suas atividades, a empresa mercantil deverá arquivar "Comunicação de Paralisação Temporária de Atividades", modelo anexo, não acarretando o arquivamento em cancelamento de seu registro ou perda da proteção ao nome empresarial, observado o prazo previsto no caput do art. 1º desta Instrução Normativa.”
É importante informar que a inatividade de que trata o presente artigo não guarda conexão com o fato do empresário, seja ele individual ou sociedade, não proceder qualquer arquivamento no período de dez anos consecutivos junto ao Registro Público de Empresas Mercantis.
Dito isto, a paralisação ou inatividade ocorre quando a sociedade empresária decide pelo não exercício da empresa por um período temporal, sem perder a personalidade jurídica e as consequências dela decorrentes, inclusive, no que tange a proteção ao nome empresarial.
O animus da sociedade empresária é, geralmente, de paralisar a empresa temporariamente, considerando inúmeros fatores, desde internos e externos. Considerando, então, uma sociedade empresária que não tem conseguido atingir seu objetivo, pode resolver paralisar sua atividade até que o mercado[19] favoreça o seu retorno, preservando, assim, a existência da pessoa jurídica.
Distingue-se claramente o instituto da paralisação temporária e a dissolução regular da sociedade empresária. Neste ocorre a extinção da pessoa jurídica, após o cumprimento dos requisitos legais, enquanto que naquele a sociedade empresária ainda persiste, mesmo não exercendo a empresa.
A sociedade empresária deverá, para paralisar temporariamente sua atividade, em conformidade com a Instrução Normativa nº 72/1998 do Departamento Nacional de Registro de Comércio, formalizar o arquivamento informando que paralisará sua atividade.
Ademais, algumas legislações tributárias, exigem que a sociedade empresária informe também ao órgão fazendário que efetivou a paralisação temporária. O Regulamento do ICMS do Estado de Minas Gerais, em seu art. 96, §§ 4º e 5º[20], determina a obrigação acessória de comunicar a paralisação, ao Estado de Minas Gerais, quando a sociedade empresária for contribuinte do ICMS. Vários estados e municípios, tais como o Distrito Federal, a Bahia, o Rio de Janeiro, a cidade do Rio de Janeiro, Laguna-SC, também estabelecem a obrigação acerca da citada comunicação.
O requisito é sempre bastante simples, contudo, muitas sociedades empresárias pecam e deixam de arquivar o documento, o que poderá ser entendido como a dissolução irregular da sociedade, e quando tal fato ocorre, a jurisprudência tem permitida desconsideração da personalidade jurídica.
Mesmo assim, permanece uma pergunta quanto ao cumprimento das obrigações assumidas pela sociedade empresária.
Veja, a responsabilidade é sempre da sociedade empresária, portanto, quem deverá arcar com o pagamento da obrigação é a sociedade, nunca os sócios ou administradores, por óbvio, em se tratando de uma administração regular, transparente e proba.
Na administração de uma sociedade, conforme arts. 1.011, do CC e 153 da Lei SA[21] e os ensinamentos de Fazzio Júnior recomenda-se que o administrador
“deverá ter, no exercício das suas funções, o cuidado e a diligência que todo homem ativo o probo costuma empregar na administração de seus próprios negócios. É o dever da boa administração societária, que não se compraz com o excesso de mandato ou a gestão contrária ao contrato social.” (2009, p. 165).
Desta forma, o administrador poderá ser responsabilizado em caso de culpa ou dolo na gerência e condução dos negócios da sociedade empresária. Foram isso, nem o administrador e nem os sócios poderão ser acionados para o cumprimento das obrigações sociais.
O risco que a sociedade corre, pela paralisação regular temporária das atividades, é o pedido de falência, nos termos do art. 94, incisos I e II da Lei 11.101/05[22], claro, se não houver possibilidade de quitação espontânea ou não houver bens suficientes para pagamento da quantia demandada.
Preserva-se, desta maneira, o empreendimento, a sociedade empresária, a integridade patrimonial pessoal dos sócios e administradores, inocorrendo a sociedade empresária em qualquer falta ou abuso legal.
5. UMA NOVA PERSPECTIVA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA EM CASO DE PARALISAÇÃO DA ATIVIDADE
A proposta é de se realizar uma abordagem nova, considerando a interpretação sociológica e axiológica da norma da desconsideração da personalidade jurídica.
Os estudos realizados[23] denotam que a desconsideração da personalidade jurídica foi desenvolvida para solucionar questões relacionadas com a boa-fé dos credores que eram acometidos de fraudes e abusos praticados por sócios ou administradores de sociedades empresárias. Fábio Ulhoa estabelece que o objetivo da desconsideração “é preservar o instituto [da personalidade jurídica], coibindo práticas fraudulentas e abusivas que dele se utilizam”[24].
Desta forma, a desconsideração se constituiu como uma sanção pela inobservância dos princípios da boa-fé e equidade, constituindo, desta forma, a repressão contra abusos praticados.
Não pode olvidar, contudo, que ninguém poderá alegar torpeza, mas em se tratando de um instituto que pode imputar a prática de uma conduta ilícita a ela, deve-se atentar aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.
Deve-se atentar, principalmente, para os motivos pelos quais a sociedade se dissolveu irregularmente (paralisação das atividades), e em sendo comprovado o intuito de fraudar credores ou abusar do direito da autonomia patrimonial, deve-se aplicar a desconsideração da personalidade jurídica.
Entretanto, não tendo o dolo das ações supramencionadas, o juiz deverá, dentro de seu livre convencimento, verificar a amplitude dos efeitos da sua decisão, levando em consideração os aspectos sociais que a decisão poderá acarretar na sociedade.
Outrossim, é de se considerar a questão da vontade de causar danos aos credores. A dissolução irregular reputa na vontade dos sócios que se exterioriza no abuso de direito. Deve-se esclarecer que caso a sociedade tenha sucesso a dissolução irregular, provavelmente, não ocorrerá. Não obstante, o art. 187 do Código Civil estabelece que o abuso de direito ocorre quando do desvio de finalidade em ofensa a valores legais protegidos e consagrados pela ordem jurídica. Evitar o abuso de direito é permitir a aplicação do dirigismo contratual , com vistas a resguardar o funcionamento do mercado e direitos dos credores.
O Estado, por sua vez, deve contribuir à promoção do dirigismo contratual, haja vista ser ele o legislador e executor das normas, em contribuição dos seus administrados.
Por outro lado, pessoas que pretendam criar uma sociedade empresária, devem ter em mente os riscos que qualquer atividade envolve, tomar todas as providências necessárias ao conhecimento das normas em vigor e, sobretudo, inteira-se acerca das responsabilidades sociais que uma empresa exerce na atualidade.
Igualmente, o Departamento Nacional de Registro do Comércio também tem o dever de informação e orientação, não apenas na publicação de instruções normativas, mas também na promoção de eventos que possam nortear a vida societária.
Por todo o exposto, a desconsideração da personalidade jurídica para o caso de dissolução irregular deve ser apreciada pelo juiz com maior acuidade, não a promovendo quando a dissolução ocorrer: a) por inexequibilidade do objeto social; b) por fatores externos à vida societária, tal como a queda de vendas dos produtos ou serviços, ocasionados pelo resfriamento do mercado; c) pela verificação de que a tributação do Estado torna a produção e circulação de bens ou serviços extremamente onerosa à sociedade; d) por qualquer fato que não esteja ligado à própria gerência com excelência dos negócios da sociedade; ou e) que a sociedade empresária tenha interesse, na posteridade, de retornar com a atividade.
Informações Sobre o Autor
Rafael Belitzck Ferreira
advogado e professor universitário. Especialista em Direito Tributário. Mestre em Direito Empresarial. Professor da Universidade Federal de São João del-Rei