Resumo: Este artigo não tem a pretensão de esgotar o tema da normatização dos princípios, mas sim de analisar a nova concepção que considera as regras jurídicas como gênero, da qual normas e princípios seriam espécies. Para tanto, partir-se-á de conceitos de importantes autores que se dedicaram ao tema.
Sumário: 1. As normas. 2. O juízo de ponderação entre princípios e regras.
1 – AS NORMAS
José Afonso da Silva leciona que normas são preceitos que tutelam situações subjetivas de vantagem ou de vínculo, ou seja, reconhecem, por um lado, a pessoas ou a entidades a faculdade de realizar certos interesses por ato próprio ou exigindo ação ou abstenção de outrem, e, por outro lado, vinculam pessoas ou entidades à obrigação de submeter-se às exigências de realizar uma prestação, ação ou abstenção em favor de outrem.
Na concepção de Humberto Ávila, “normas não são textos nem o conjunto deles, mas os sentidos construídos a partir da interpretação sistemática de textos normativos. Daí se afirmar que os dispositivos se constituem no objeto de interpretação; e as normas, no seu resultado. O importante é que não existe correspondência entre norma e dispositivo, no sentido de que sempre que houver um dispositivo haverá uma norma, ou sempre que houver uma norma deverá haver um dispositivo que lhe sirva de suporte” [1].
Desse modo, não existe uma relação entre o texto e a norma, pois nem sempre que existir um texto existirá também uma norma. Mas vai ter casos que da interpretação do texto vai ser possível extrair uma norma. Ocorrendo isso terá que verificar se dessa norma é possível extrair uma regra ou um princípio.
As normas podem ser divididas em normas-regras e normas-princípios. A norma-princípio não precisa estar escrita para que seja vigente. Basta o seu reconhecimento. Insta salientar que os princípios jamais serão contraditórios, mas sim contrapostos, isto é, diante de um conflito entre princípios, com base no princípio da proporcionalidade, aquele que for sobrelevado, não estará inutilizando a incidência do outro princípio, uma vez que este poderá incidir em outros casos concretos. Assim o princípio com peso maior não prevalecerá neste caso específico, contudo, permanece válido e vigente a fim de que possa incidir nos demais casos.
Já a norma-regra será encontrada em qualquer dispositivo legal ou constitucional. Quando duas normas-regra forem contraditórias, somente uma deve ser levada em consideração, pois a aplicabilidade de uma das regras importa em revogação da outra.
Em suma as normas podem ser princípios ou regras. Em outras palavras, norma é o gênero, da qual podem ser extraídas espécies normativas, quais sejam, regras ou princípios. As regras não precisam e nem podem ser objeto de ponderação porque ou elas existem ou não existem. Já os princípios precisam e devem ser ponderados e isso não implica em exclusão de um deles do ordenamento jurídico, uma vez que, especificamente naquele caso concreto, um teve peso maior e acabou prevalecendo.
2 O JUÍZO DE PONDERAÇÃO ENTRE PRINCÍPIOS E REGRAS
Pode-se dizer que princípios são juízos abstratos de valor que orientam a interpretação e a aplicação do Direito. Os princípios possuem um caráter de dever e de obrigação. Basta violar um princípio para que toda aquela conduta praticada esteja ilegal. Por esse motivo, violar um princípio é muito mais grave do que violar uma norma. Devido a este fato os princípios representam uma ordem, a qual deve ser acatada. Assim, sempre que a Administração Pública for agir, todos os princípios deverão ser respeitados.
Acentua Celso Antônio Bandeira de Mello que princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que ser irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para exata compreensão e inteligência delas, exatamente porque define a lógica e a racionalidade do sistema normativo, conferindo-lhe a Tônica que lhe dá sentido harmônico. Adverte o autor que violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos[2].
Para Josef Esser, princípios são aquelas normas que estabelecem fundamentos para que determinado mandamento seja encontrado. Mais do que uma distinção baseada no grau de abstração da prescrição normativa, a diferença entre os princípios e as regras seria uma distinção qualitativa. O critério distintivo dos princípios em relação às regras seria, portanto, a função de fundamento normativo para a tomada de decisão[3].
Seguindo o mesmo caminho, Karl Larenz define princípios como normas de grande relevância para o ordenamento jurídico, na medida em que estabelecem fundamentos normativos para a interpretação e aplicação do direito, deles decorrendo, direta ou indiretamente, normas de comportamento[4].
Consoante Robert Alexy princípios são normas que ordenam algo que, relativamente às possibilidades fáticas e jurídicas, seja realizado em medida tão alta quanto possível. Princípios são, segundo isso, mandamentos de otimização, assim caracterizados pelo fato de a medida ordenada de seu cumprimento depender não só das possibilidades fáticas, mas também das jurídicas[5]. Na lição de Canotilho, princípios são normas jurídicas impositivas de uma otimização, compatíveis com vários graus de concretização, consoante os condicionamentos fácticos e jurídicos. Para o mestre português, os princípios se distinguem das regras pelo fato destas últimas serem “normas que prescrevem imperativamente uma exigência (impõe, permitem ou proíbem) que é ou não cumprida”[6].
Conforme os estudos de Dworkin, no caso de colisão entre regras, uma delas deve ser considerada inválida. Os princípios, ao contrário, não determinam absolutamente a decisão, mas somente contêm fundamentos, os quais devem ser conjugados com outros fundamentos provenientes de outros princípios. Daí a afirmação de que os princípios, ao contrário das regras, possuem uma dimensão de peso, demonstrável na hipótese de colisão entre princípios, caso em que o princípio com peso relativo maior se sobrepõe ao outro, sem que este perca sua validade[7]. Por conseguinte, Humberto Ávila expõe que as regras são normas imediatamente descritivas, primariamente retrospectivas e com pretensão de decidibilidade e abrangência, para cuja aplicação se exige a avaliação da correspondência, sempre centrada na finalidade que lhes dá suporte ou nos princípios que lhes são axiologicamente sobrejacentes, entre a construção conceitual da descrição normativa e a construção conceitual dos fatos. Já os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção[8].
Vale ainda transcrever aqui as palavras de Alexandre Aboud, Procurador do Estado de São Paulo, que ensina que os princípios orientam e implementam o direito por caminhos abstratos, que dão rumo a todo um sistema normativo. Constituem-se, portanto, normas hierarquicamente privilegiadas, com predominância sobre outras regras por formarem o arcabouço do ordenamento jurídico[9].
Com base nas citações dos autores entendemos que, quando existe um conflito entre regras, uma existe e a outra deixa de existir, pois esta se tornou inválida. Assim ou se aplica a regra ou não se aplica. No tocante aos princípios, quando há um conflito entre os mesmos, a solução é ponderá-los. Vale frisar que, neste caso, um princípio não deixa de existir, ou seja, ele não some do ordenamento jurídico. Há apenas uma ponderação entre os princípios em conflitos.
Importa ressaltar que os princípios contêm uma ordem para o seu conteúdo melhorar e para que o conteúdo desse princípio se torne ótimo é interessante que tenhamos a imposição de regras. Destarte, os princípios não dependem das regras, todavia, elas existem para dar força e densificar os princípios. Sendo assim os princípios e regras são espécies normativas auto-aplicáveis, as quais possuem características distintas, mas a relação é de complementariedade, uma vez que as regras pavimentam o caminho de aplicação dos princípios, ou ainda, as regras corporificam e densificam os princípios na situação concreta.
Cumpre esclarecer que, quando houver um conflito de interesses e a Constituição já tiver previsto uma regra que soluciona este conflito, não há que se falar de ponderação, tendo em vista que não há ponderação entre regras. Ou a regra é aplicada ou não é aplicada, ou seja, a sua aplicação é de forma absoluta. Isto significa que a regra deve ser cumprida na medida exata de suas prescrições, por isso é um mandamento de definição. As regras impõem resultados e tem aplicação automática. Assim se a Constituição estabeleceu uma regra, ela deve ser aplicada, uma vez que ela existe no ordenamento jurídico para solucionar problema de forma concreta. Portanto, a pretensão da regra é de decidibilidade.
Já os princípios, por sua vez, admitem ponderação em casos de conflitos. Enquanto que a regra é aplicada de forma absoluta, nos princípios pode haver uma aplicação gradual, isto é, podemos aplicar mais um princípio do que outro dependendo da situação em análise. Assim os princípios são complementares, isto é, eles existem não para resolver o problema, mas sim para complementar no momento de solucionar o problema. Por isso os princípios podem ser aplicados mais ou menos.
Vale acrescentar que os princípios têm força normativa, tanto é que pode estabelecer qual comportamento deve ser adotado, ou seja, dispõe que aquilo é tão importante que merece ser aplicado. Assim os princípios não são totalmente indeterminados, pois prescrevem um conteúdo de comportamento demonstrando o caminho a ser seguido.
Assim, quando o legislador estiver diante de um conflito entre dois princípios será necessário fazer a análise do caso em concreto porque um princípio poderá ser mais aplicável do que o outro, admitindo-se, dessa forma, a ponderação entre ambos. Exemplo: o direito à vida, previsto no artigo 5º, caput da CF/88, e o direito à liberdade religiosa, com previsão no artigo 5º, VI, CF/88, podem se colidir concretamente porque uma testemunha de Jeová pode recusar a receber transfusão de sangue em nome da sua crença religiosa. Neste caso, o Supremo Tribunal Federal entende que o direito à vida prevalece em todas as ocasiões. Mas uma pessoa capaz, em estado de total consciência, não pode decidir se quer ou não receber a transfusão? O Estado tem o direito de intervir impondo que o direito à vida da testemunha de Jeová é mais importante que a sua crença religiosa? Assim, podemos perceber a importância da ponderação dos princípios em questão.
Em contrapartida quando houver um conflito entre duas regras uma será excluída para que a outra possa ser aplicada, sendo que neste caso não será admitida a ponderação. Exemplo: “Matar alguém. Pena: 06 a 20 anos.” Isto é uma regra prevista no art. 121 do Código Penal Brasileiro. Entretanto, se uma determinada pessoa matou outra pessoa amparada por uma das causas de excludentes de ilicitude com previsão no art. 23 do mesmo código, que também constitui uma regra, não vai haver, no caso em análise, a aplicação do art. 121 do CPB porque há uma exclusão de ilicitude no art. 23 do CPB. Diante disso a regra do art. 121 do Código Penal foi afastada para que a regra do art. 23, também do Código Penal, fosse aplicada. Portanto, podemos notar com muita clareza que não há ponderação entre regras, uma vez que ou ela se aplica ou não se aplica.
Feito todas essas considerações vale frisar que não existem princípios absolutos, pois todos encontram limites em outros princípios também consagrados no texto constitucional. Por mais importante que o princípio seja, este não pode ser considerado absoluto porque, se assim os considerarmos, eles não vão admitir uma cedência recíproca, ou seja, nenhum deles vai ceder para que o outro possa ser aplicado. Explicitando melhor essa idéia, se os dois princípios são absolutos, em caso de colisão entre eles, nenhum vai ceder.
Nessa linha de raciocínio é imperioso concluir que não existem princípios absolutos e nem regras insuperáveis. Toda a consideração deve ser feita à luz do princípio da proporcionalidade solucionando a questão diante da situação concreta.
Informações Sobre o Autor
Cláudia Mara de Almeida Rabelo Viegas
Professora de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Estado de Minas Gerais e Faculdades Del Rey – UNIESP. Doutoranda e Mestre em Direito Privado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Tutora do Conselho Nacional de Justiça – CNJ. Servidora Pública Federal do TRT MG – Assistente do Desembargador Corregedor. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Gama Filho. Especialista em Educação à distância pela PUC Minas. Especialista em Direito Público – Ciências Criminais pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus. Bacharel em Administração de Empresas e Direito pela Universidade FUMEC.