A ética do contratualismo

O[1] Renascimento representou o despertar da cultura para um novo mundo de valores, a ideia crítica do conhecimento se encaminhou aos seus elementos mais simples. Enquanto na época medieval o sistema ético era notadamente teocêntrico e submisso à uma ordem transcendental, a era renascentista procurou explicar o mundo através das exigências humanas.

Então, o teocentrismo medievo[2] foi substituído pelo antropocentrismo. Assim, a lex aetena é colocada entre parênteses e, pensadores como Machiavelli[3] e Hobbes que procuravam explicar o Direito e o Estado sem transcender do simplesmente humano.

Grócio[4] em sua obra “De Jure Belli ae Pacis Libri Tres” argumentou que a justiça possui fundamento de razão, de maneira tão inamovível, que existiria mesmo que, por absurdo, Deus não existisse.

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A redução aos elementos mais primitivos, e aos formadores da Ciência é quase uma palavra de ordem. Perquirir sobre a origem dos fenômenos é uma tendência comum e constante entre os pensadores renascentistas.

Com o homem postado no centro do universo este passou a indagar da origem daquilo que o cerca. Não recebe dos deuses as explicações, porque sujeita tudo a uma verificação de ordem racional, dando valor essencial ao problema das origens do conhecimento a uma fundamentação segundo as verdades evidentes.

Essa procura de dados evidentes, suscetíveis de captar a incondicionada adesão do intelecto, leva o homem moderno a preferir a uma atitude a-histórica[5], quando não anti-histórica.

Não o seduz a redução do fato humano ao seu processar histórico, porque, pretende encontrar na universalidade do ente humano, acima das contingências espaciotemporais a linha explicativa de sua existência.

Pretende-se atingir um ponto de partida incondicionado, e a História só parece oferecer relações plenamente condicionadas. Só a razão, como denominador comum do humano, parecerá manancial de conhecimentos claros e distintos, capaz de orientar melhor a espécie humana, que quer decidir por si de seu destino.

O antropocentrismo advém do Renascimento que defendeu que a humanidade deve permanecer no centro do entendimento humano, portanto, o universo deve ser aquilatado de acordo com a sua relação com o homem.

É lugar comum classificar como antropocêntrica a historiografia e a cultura renascentista e moderna em contraposição ao suposto teocentrismo medieval.

O exacerbado antropocentrismo poderá acarretar a extinção de outras espécies no planeta, principalmente quando calcado na posição legitimar o domínio do homem sobre todas as caricaturas e o mundo.

Em verdade, tanto na perspectiva antropocêntrica e teocêntrica religiosa é antes de tudo um etnocentrismo. Resultando particularmente num eurocentrismo[6] que discriminava as tradições orientais, possuía caráter aristocrático, atendendo aos grupos privilegiados.

Já em outro sentido, o antropocentrismo pode ser visto como representação típica da ficção científica da Era do Ouro (do ser humano como excepcional entre as espécies burras, evidenciado nas ingênuas representações de extraterrestes como vagamente humanoides). Sendo evidente a referência ao homem branco europeu sobre as demais etnias do período renascentista.

Tal discussão deu origem a grande discussão sobre o princípio antrópico que postula que os valores possíveis para as constantes físicas universais estão de fato restritos àqueles que permitem a existência da espécie humana, afirmando o desígnio de uma inteligência superior o artífice da ordem universal.

No campo do Direito surgiu um movimento que ocupa mais de três séculos na história do Ocidente, sob ambígua Escola do Direito Natural, abarcando grande número de pensadores, inclusive alguns dos maiores espíritos da chamada civilização burguesa.

A Escola do Direito Natural[7] ou jusnaturalismo distingue-se da concepção clássica do Direito Natural aristotélico-tomista por este motivo principal: enquanto para Santo Tomás primeiro se dá a “lei” para depois se pôr o problema do “agir segundo a lei”, para aquela corrente põe-se primeiro o “indivíduo” com o seu poder de agir, para depois se pôr a “lei”.

Para o homem do Renascimento o dado primordial é o indivíduo, como ser capaz de pensar e de agir. Em primeiro lugar, está o indivíduo, com todos os seus problemas, com todas as suas exigências. É da autoconsciência do indivíduo que vai resultar a lei.

Poder-se-ia declarar, embora haja impropriedade nos termos, que após o Renascimento o processo de revelação jurídica vai do direito subjetivo para o direito objetivo (o sistema de normas) ao passo que, na Idade Média, era o direito objetivo, a norma que assinalava o ponto de partida de compreensão jurídica.

E nem por se partir do “indivíduo” havia concreção na gênese nomológica, porque o indivíduo era concebido como ente abstrato, ora bom, ora mau por natureza, consoante os fins políticos que se tinham em vista.

De uma forma, ou de outra, no entanto, o dado primordial passa a ser o homem mesmo orgulhoso de sua força racional e de sua liberdade, capaz de constituir por si mesmo a regra de sua conduta.

É por isso que surge, desde logo, a ideia de contrato. O contratualismo é a alavanca do Direito na época moderna. Respondem os jusnaturalistas que o Direito existe porque os homens pactuaram viver segundo as regras delimitadoras do arbítrio.

Da ideia do indivíduo em estado de natureza, sem leis, sem normas, surge a ideia da possibilidade de contratar. Da possibilidade de contratar deriva o fato do contrato; e do contrato, a norma.

Note-se que se opera uma inversão completa na concepção do Direito. Tudo converge para a pessoa do homem, enquanto homem em estado de natureza, concebido por abstração como anterior à sociedade.

A sociedade é fruto do contrato, afirmam uns; enquanto que outros, mais moderados, limitarão o âmbito da gênese contratual: a sociedade é um fato natural, mas o Direito é um fato contratual.

Há, em verdade, um contratualismo parcial que se refere apenas ao Estado, sem abranger a origem da sociedade.

Há uma distinção entre o Direito (fundado em um contrato social) e a moral, anterior ao contrato positivo e, de certo modo, sua condição primordial. Não faltarão, porém, tentativas de fundamentação contratualista de todo o domínio da ética.

O contratualismo assumiu os mais diversos aspectos. Ora um contratualismo pessimista[8] e ora um contratualismo otimista[9].

Para Hobbes, por exemplo, o homem é um ser mau por natureza, somente preocupado com os próprios interesses, e sem cuidados pelos interesses alheios, tendo se decidido a viver em sociedade ao perceber que a violência, era causadora de maiores danos. A sociedade ter-se-ia originados da limitação recíproca dos egoísmos.

Para Rousseau, crente na natural bondade humana que teria vivido num período paradisíaco, até o momento, que pela má fé de alguns teria sido forçado a pactuar com a sociedade.

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Ao contrato social e histórico, leonino, Rousseau contrapropôs o contrato puro de razão. Daí, duas obras que se complementam: Discursos sobre a origem e os fundamentos de desigualdades entre os Homens e Do Contrato Social.

Na obra primeira, mostra os erros de um contrato tal como foi constituído, em que os indivíduos forma vítimas dos mais fortes e dos mais astutos; na outra obra passa a conceber a sociedade do futuro, oriunda de um contrato[10] segundo as linhas puras da razão.

O contratualismo não é uma doutrina, mas um movimento que abrange várias teorias muitas vezes conflitantes. Podemos distinguir o contratualismo por vários critérios. E, quanto aos efeitos ainda podemos ter o contratualismo total ou parcial.

O contratualismo total é aquele que, como acontece na obra de Hobbes ou de Rousseau[11], refere-se tanto à origem da sociedade civil como à do Estado.

O contratualismo parcial é, por exemplo, o de Grócio para quem a sociedade é de fato natural, oriunda do appetitus societatis; aparece, porém, o Direito Positivo, como resultado de um acordo ou de uma convenção.

Portanto, o Direito Natural que é uma expressão da Moral, segundo os ensinamentos tradicionais, por ele ainda acolhidos, não possui fundamento contratual, mas o Direito Positivo, este sim é a expressão de um contrato.

Neste caso, o contrato vale como categoria distintiva entre o mundo moral equiparado ao Direito Natural, o mundo jurídico, só este resultante de convenção. Em suma, a moral é natural, o Direito é convencional.

Em suma, a moral[12] é natural, o Direito é convencional. Quanto à natureza do homem no ato de contratar. Para uns, o homem é egoísta e violento donde uma luta sem tréguas no estado selvagem, superado por uma convenção.

É o contratualismo de ordem pessimista, que acaba sempre na apologia de um Estado forte ou de um Estado identificado com a justiça mesma. É a posição de Hobbes, para quem, a lei é justiça, o monarca é a expressão do justo. Para o autor do Leviatã, o Direito e o justo surgem depois do contrato, quando as forças se autolimitam e se disciplinam.

Também existe o contratualismo otimista de Rousseau, que idealiza o homem natural corrompido por um falso contrato social. Daí, a teoria do radicalismo democrático pregando o pleno governo do povo pelo povo, de maneira direta, sem qualquer intermediário, sem alienar o cidadão à sua liberdade, nem mesmo pela constituição de um mandatário para representa-lo nos Parlamentos.

No meio dessas teses extremadas, temos um contratualismo intermédio, corresponde ao contratualismo de Locke, achando que o homem no estado de natureza já possui um direito que é anterior ao contrato, o direito de liberdade, condição primacial para a feitura do pacto.

O homem nasce livre, e é por ser livre que pode pactuar, de maneira que o contrato seria sempre condicionado pela liberdade e pela projeção da liberdade no mundo exterior, como fundamento da propriedade.

Liberty and propriety eis os dois elementos nucleares do pensamento de Locke[13] e as duas colunas do majestoso edifício liberal-democrático, cuja consolidação assinala no século XIX a maturidade de uma política ciosa de garantias individuais.

O contratualismo comporta, ainda uma outra distinção, que é o da natureza do contrato mesmo, que pode ser histórico ou deontológico.

Para alguns contratualista, especialmente para os primeiros, na passagem da época medieval para os renascentistas, o contrato apresenta-se com a força de um fato histórico. Corresponde a um marco na evolução histórica, marcando a passagem do estado selvagem para o estado civilizado. Esta tese encontra-se, de certa forma, na obra de Altúsio e de Grócio, referindo-se apenas à origem do Direito do Estado.

Nos grandes contratualista, porém, com exceção talvez de Locke, a expressão histórica do contrato vai cedendo cada vez mais lugar a uma significação de ordem lógica ou deontológica. O antecedente desta doutrina pode encontrar-se na teoria do contratualismo implícito, desenvolvido por Francisco Suarez, o maior dos continuadores tomistas do século XVI.

Temos a convicção de que Rousseau e Hobbes[14] jamais pensaram no contrato histórico. Aos olhos do mestre inglês, como no grande genebrino, o contrato desempenha apenas uma função de natureza lógica.

Eles procuram indagar das condições da ordem jurídica, focalizando o problema da autoridade, da liberdade, da obediência à lei, e são levados a recorrer a ideia de contrato como um elemento explicativo da sociedade e do Direito: é o contrato como critério deontológico.

O contrato não é um fato histórico, mas apenas um critério de explicação da ordem jurídica. Em mais de uma passagem de suas obras fundamentais sobre o assunto, Rousseau faz questão de observar que as suas observações não devem ser tomadas no sentido efetivo e histórico, mas sim em sentido hipotético.

Vivemos “como se” tivesse havido um contrato; e a sociedade legítima é aquela que se desenvolve tendo como pressuposto lógico a ideia de um contrato concluído segundo as puras exigências racionais.

Trata-se de um contrato que encontra na própria natureza humana, na índole psicológica do homem, a sua razão de ser; e é sempre empregado o contrato como critério deontológico e não como fato histórico.

Kant, ao contrário a todos os inatismos admitiu no homem algo de inato – a liberdade[15]. Ser homem é ser livre, existindo no homem, portanto, poder de acordar o seu arbítrio com o dos demais, segundo uma lei geral de liberdade.

O contrato aparece em Kant como uma condição transcendental[16], sem a qual seria impossível a experiência mesma do Direito. O conceito de contrato só torna possível a experiência jurídica, daí a sua definição do direito como “o conjunto das condições mediante as quais o arbítrio de cada um se harmoniza com os dos demais, segundo uma lei geral de liberdade”.

O contratualismo[17] de Kant é deontológico mas de base lógico-transcendental, enquanto que o de Rousseau, em que ele se inspirou tem fundamento psicológico.

Na concepção de Herbert Spencer, por exemplo, o progresso da civilização assinalaria uma passagem gradativa de um regime institucional (próprio das sociedades de base ou estrutura militar) para um regime contratual (correspondente às sociedades de cunho industrial).

Haveria, desta forma, uma progressiva contratualização da sociedade, segundo o ideal de um contratualismo in fieri[18]. Há um contratualismo implícito de ordem lógico-transcendental na doutrina de Kelsen, que chegou a invocar como pressuposto de toda ordem jurídica, o princípio de que pacta sunt servanda, assim como a persistência de elementos contratualista em teorias aparentemente opostas como a de “reconhecimento” de Bierling e certas colocações de Duguit[19].

Há quatro teorias sobre a formação dos preceitos éticos, a saber: a teoria utilitarista[20], kantiana, contratualista e a relativista[21]. A teoria utilitarista visava ao maior bem para o maior número de pessoas possível, enfatizando que as decisões devem ser tomadas baseadas na maior utilidade social. E, não sendo examinada cada situação particular.

Trata-se de tese ética consequencialista, segundo a qual a obrigação moral é promover imparcialmente o bem-estar. Assim numa análise comparativa de custos e benefícios no tocante as pessoas afetadas. Baseia-se no critério de maior bem-estar para a sociedade como um todo.

Já para a teoria kantiana[22] já propõe conceito ético extraído do fato de que cada um deve se comportar de acordo com os princípios universais, conhecido como o princípio é imperativo porque se apresenta como uma obrigação; é categórico porque tal obrigação não está dependente de quaisquer desejos humanos.

A teoria contratualista é entendida como espécie de acordo ou negócio instituído entre um grupo de pessoas. E, parte da premissa de que o ser humano assumiu com seus semelhantes à obrigação de se comportar de acordo com as regras morais, para poder viver em sociedade.

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Por outro lado, a teoria relativista é aquela segundo a qual os fatos morais são relativos às sociedades particulares. Assim quando uma sociedade aprova uma prática e reprova outra, não se pode alegar que uma delas tenha razão e a outra não. Segundo essa tese, cada pessoa deveria decidir sobre o bem e o mal. Assim sendo, o que é ético para alguns poderá não ser para os outros.

As questões éticas podem efetivamente ser analisadas em diferentes perspectivas, para então se decidir se uma ação particular é adequada ou inadequada. Adeptos das diferentes teorias éticas[23] podem discordar em suas avaliações de uma dada ação, mas todos estariam se comportando eticamente, segundo seus próprios valores e crenças.

Conclui-se que a teoria do contrato social justifica a obediência aos governos e as leis e a necessidade de se cumprir as promessas. Os contratualistas pecaram por substituir um dever por si só duvidoso – o de obediência – por outro dever igualmente duvidoso e impreciso que é o cumprimento de promessas.

O pacto social é o resultado da cessão de uma parte da liberdade individual, cedência esta que é uma promessa de obediência a um governo, na condição de ser garantida, por parte deste, a estabilidade.

A existência deste governo baseia-se na delegação de poderes absolutos ao soberano (que não é necessariamente um indivíduo) que age em nome da comunidade como um todo, garantindo a paz e a segurança.

Esses poderes têm de ser absolutos para que o estado de natureza não prevaleça. Fato interessante é o de o soberano, representando o conjunto dos indivíduos da sociedade, não estar submetido às leis do seu Estado.

 

Referências:
Hobbes, T.  Leviatã. Trad.de J.P. Monteiro e M.B.N. Silva, In: CM,Lisboa.1649.
Rousseau, J.J. O Contrato Social, 3ª edição, Europa- América, Mem Martins.1989.
KANT, Immanuel. Crítica da faculdade do juízo. Trad. Valério Rohden e Antônio Marques. – Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995.
_______. Crítica da razão pura. In. Col. Os Pensadores. Trad. Valério Rohden e Udo Baldur Moosburger.  São Paulo: Abril, 1999.
_______. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Trad. Antônio Pinto de Carvalho. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1964.
_______. Introdução ao estudo do direito: doutrina do direito. Trad. Edson Bini. São Paulo: Edipro, 2007.
_______. Metafísica dos Costumes. 2ª.edição Trad. Edson Bini.  São Paulo: Edipro, 2008.
MACHIAVELLI, Niccolò. O Príncipe. Trad. Lívio Xavier.  São Paulo: Abril, 1973.
FRANCO, A.A. de Melo. O índio brasileiro e a Revolução Francesa. Rio de Janeiro: TopBooks, 2000.
 
Notas:
[1] O conceito principal do contratualismo é a valorização do indivíduo, pois fundado numa época minimalista que atende a dois princípios: a legitimidade da autopreservação e a ilegalidade do dano arbitrário feito por outros. Enfim, a autoridade legítima passou a ser entendida como fundada em pactos voluntários feitos pelos cidadãos do Estado. A principal contribuição de Locke para o contratualismo foi a noção de consentimento que deveria ser tácito, periódico e convencional. De sorte que para Locke os governantes seriam curadores da cidadania, e de forma memorável, imaginou um direito à resistência e até mesmo a revolução.

[2] A teoria do direito divino providencial foi dominante na Idade Média e nos tempos modernos, é mais racional. Admite que o Estado é de origem divina, porém por manifestação providencial da vontade de Deus. Assim Deus dirige providencialmente o mundo, guiando a vida dos povos e determinando os acontecimentos históricos. Dessa direção suprema resulta a formação do Estado. O poder vem de Deus, mas não por manifestação visível e concreta da sua vontade. O poder vem de Deus através do povo ou per populum, conforme afirmou Santo Tomás de Aquino. Os homens, conformando-se com a vontade divina, devem reconhecer e acatar a vontade do Estado.

[3] Nicolau Maquiavel era na verdade chamado Niccolò di Bernardo dei Machiavelli (1469-1527) foi historiador, poeta, diplomata e músico italiano do Renascimento. Reconhecido como fundador da ciência política moderna pelo fato de ter escrito sobre o Estado e o governo como realmente são e não apenas como deveriam ser. Os recentes estudos sobre o autor e sua obra admitem que seu pensamento fora mal interpretado historicamente. Como renascentista, Maquiavel se utilizou de autores e conceitos advindos da Antiguidade Clássica de maneira inovadora. Um dos principais autores fora Tito Lívio, além de outros acessíveis por meio das traduções latinas, e entre os principais conceitos trabalhados por ele, constam o de virtù e o de fortuna.

[4] Hugo Grócio, cogitando sobre os direitos de guerra e paz, em suas observações preliminares, diz: "… O homem é de fato um animal, mas um animal de excelente espécie, que difere muito mais de todas as outras tribos de animais do que um homem difere do outro; o que se evidencia pelas muitas ações peculiares à espécie humana. E entre essas propriedades que são peculiares ao homem, há um desejo de sociedade… não meramente saciado de qualquer maneira, mas tranquilamente e de uma maneira que corresponde ao caráter de seu intelecto. Os estoicos chamavam esse desejo de instinto doméstico ou sentimento de parentesco. Por conseguinte, a afirmação de que por natureza todo animal é impelido apenas a procurar sua própria vantagem, se dita de maneira tão geral a ponto de incluir o homem, não pode ser admitida"…

[5] A atitude filosófica implícita que pressupõe a existência de um texto considerado como definitiva expressão de pensamentos verdadeiros. Essencialmente, é uma atitude a-histórica, não só porque desatende à temporalidade e às circunstâncias em que os pensamentos necessariamente se dão, mas principalmente porque os considera como expressão de uma doutrina que se pretende tornar presente, com plena atualidade e sintonia. Em verdade a posição a-histórica pode redundar em anti-histórica, na medida que sacrifica a temporalidade, a objetividade e a neutralidade ao exclusivismo unitário de um pensamento ou sistema de pensamentos.

[6] O eurocentrismo é uma visão de mundo que tende a colocar a Europa bem como sua cultura, povo e línguas como o elemento fundamental na constituição da sociedade moderna, sendo necessariamente a protagonista da história da humanidade. Grande parte da historiografia produzida no século XIX até meados do século XX assume um particular contexto eurocêntrico, mesmo quando praticada fora da Europa. O revisionismo histórico deflagrado nas últimas décadas, por intelectuais, como Edward Said, tendeu a reverter esta visão de mundo, em busca de novas perspectivas. Trata-se de espécie de doutrina corrente que enxerga as culturas não-europeias de forma exótica ou mesmo xenófobo.  Representou um ideal de darwinismo social onde a humanidade caminhava para o modelo europeu, e deixou alguns traços sutis mas marcantes no mapa-múndi.

[7] Nos séculos XVI a XVII, os filósofos Hugo Grócio (jurista holandês, 1583-1645), Thomas Hobbes (filósofo inglês, 1588-1679), Punferdof (jurista alemão), Jean-Jacques Rousseau (filósofo e literário francês, 1712-1778) e Immanuel Kant, (filósofo, 1724-1804), conseguiram retirar a carga teológica que cercava o jusnaturalismo, criando a Escola do Direito Natural, que não se deve confundir com o direito natural.

[8] Para Hobbes o homem em seu estado de natureza é belicoso e há em sua natureza uma tendência à destruição, levando a um estado de guerra de todos contra todos, como deixa claro na expressão “Homo homini lupus”. A busca constante da honra e da glória define também uma característica comum a todos. Essa característica provém do estado natural e igualitário, que desperta um instinto competitivo e a desconfiança entre os indivíduos. Locke traz consigo o empirismo como base de seu pensamento, representado pela expressão latina “tabula rasa”, uma crítica à doutrina de Platão e Descartes de que determinadas ideias não dependem da experiência humana, contrariando a ideia de verdades inatas.

[9] O contratualismo otimista restou conhecido através de Rousseau que acreditava na bondade natural dos homens, que teriam vivido num período paradisíaco, até o momento em que maculados pela má fé, teria sido levado a aceitar um pacto leonino da sociedade. O homem natural é o um homem bom mas a sociedade o corrompeu, sendo necessário libertá-lo do contrato de sujeição e de privilégios, para se estabelecer um contrato social legítimo guiado pela razão.
 

[10] Com a finalidade de garantir os direitos naturais, é necessária a mediação através de um contrato social para que exista uma sociedade civil igualitária e pacífica. Para Hobbes, o contrato social funciona como pacto de submissão, onde a sociedade transfere o poder a um terceiro, seja um homem ou assembleia. Assim segue trocando voluntariamente sua liberdade pela segurança do Estado-Leviatã. O contrato social funda a sociedade e o Estado, o soberano criado pelo contrato, legisla sobre a vida e morte, tem poder ilimitado, sendo que ninguém pode julgá-lo, mesmo que adquira características de uma tirania. Sua obrigação é garantir a vida, o fim da guerra de todos contra todos, e é para obter isso, tamanha garantia dada pelo governante, que os homens se submetem a esse tipo de mediador. Na visão de Locke ao assinar o contrato o homem estaria renunciando a parte de suas liberdades em prol do seu direito de defesa e de justiça. A diferença entre a ideia dos dois pensadores é que, neste caso, o contrato social funciona como um pacto de consentimento, onde os homens concordam livremente em formar a sociedade social para preservar e consolidar ainda mais os direitos do Estado de natureza, melhor protegidos e amparados pelas leis e pela força de um corpo político e unitário. Todos concordam em aderir ao estado civil e todos devem escolher a forma de governo.

[11] Sendo Rousseau o primeiro contratualista revolucionário, ao contrário de Hobbes e Locke, ele não enxerga dependência do povo com o Estado. Para o pensador genebrino, o contrato social não serve apenas como mediação entre o estado de natureza e o estado civil, mas sim como o fim da liberdade natural. Para que esse contrato seja legítimo e haja liberdade civil, é necessário criar condições de igualdade entre as partes. Essas condições dependem da alienação dos direitos: cada um deve doar-se à comunidade, ao coletivo. Ao contrário do que acredita Locke, segundo o qual todos os homens são iguais e podem agir livres, desde que não atrapalhem o outro a fazer o mesmo, para Rousseau o indivíduo é menor que a sociedade e é preciso priorizar a vontade geral, e não individual, para que haja igualdade.

[12] Já quanto ao aspecto social da moral considera-se sob dois pontos de vista distintos. O primeiro seria apenas a herança de valores do grupo, mas depois de passar pelo crivo da dimensão pessoal, o social readquire a perspectiva humana e madura que destaca a ênfase na intersubjetividade essencial da moral, assim, quando criamos valores, não o fazemos para nós mesmos, mas enquanto seres sociais que se relacionam com os outros.
Há atos morais executados pelos seres humanos e podemos dividi-los em dois sentidos: o normativo e o factual. Estes são os atos humanos, podemos se realizam efetivamente e aquele são as normas ou regras de ação e os imperativos que enunciam o dever ser. Ambos são diferentes, porém inseparáveis em que a norma tem sentido somente se orientada para a prática, e o ato factual só adquire contorno moral quando se refere à norma.

[13] O contrato social, para Locke, surge de duas características fundamentais: a confiança e o consentimento. Para Locke, os indivíduos de uma comunidade política consentem a uma administração com a função de centralizar o poder público. Uma vez que esse consentimento for dado, cabe ao governante retribuir essa delegação de poderes dada agindo de forma a garantir os direitos individuais, assegurar segurança jurídica, assegurar o direito à propriedade privada (vale ressaltar que para Locke, a propriedade privada não é só, de fato, terra ou imóveis, mas tudo que é produzido com o seu trabalho e esforço, ou do que é produzido pelas suas posses nesta mesma relação ) a esse indivíduo, sendo efetivado para aprofundar ainda mais os direitos naturais, dados por Deus, que o indivíduo já possuía no estado natural.

[14] Para Hobbes, o modo de vida primitivo está ligado a um estado de guerra constante, um estado de medo, em que é preciso estar sempre de prontidão para defender-se não só de povos inimigos, mas de qualquer um, porque não há nenhum poder superior que possa policiar as relações e garantir a segurança de todos, de modo que qualquer um pode atacar qualquer um a qualquer momento por qualquer motivo sem que haja nenhum controle sobre isso. Ele chama esta situação de guerra de todos contra todos. Acredita que o modo de vida primitivo é algo muito próximo daquilo que um povo vive quando um governo é derrubado pela violência e começa uma situação de guerra civil em que não se sabe quem irá dirigir a sociedade. Uma situação de miséria, de tensão e de medo constante.

[15] A filosofia moral e política kantiana busca a afirmação da ideia de liberdade. Encontra-se, essencialmente, dividida em três obras: Fundamentação da metafísica dos costumes (1785), Crítica da razão prática (1788) e Metafísica dos costumes (1798). Nesta última se encontra presente a grande parte das teorias política e do direito formuladas por Kant. Outra obra na qual expões sua visão de Estado é A paz perpétua (1795), na qual busca fundamentar um sistema capaz de encerrar o estado de guerra permanente no qual se encontram os Estados. Outro ensaio relevante é a sua ideia de uma história universal (1784), que busca demonstrar através da história a evolução do homem para o melhor.

[16] Kant traz como característica essencial do ser humano a sua "sociabilidade antissocial" (unsocial sociability).  Isto significa que o homem conta com uma propensão a se sociabilizar com os outros, mas esta propensão vem acompanhada de um antagonismo. Este antagonismo é fruto da inclinação de cada indivíduo a seguir apenas a sua vontade e agir da forma que julgar mais benéfica para si, ainda que esta conflite com a opinião e a vontade dos outros. Assim sendo, podem ocorrer conflitos de interesses que causem a violação por parte de um da liberdade de outros.

[17] Os contratualistas trabalham sempre com a oposição entre duas ideias: a desse "estado natural" em que os homens viviam nas sociedades primitivas; e a de um "contrato social", um grande acordo entre os membros da sociedade, reconhecendo sua igualdade de direitos por natureza — acordo no qual os cidadãos teriam organizado sua vida em sociedade segundo leis e sob alguma forma de governo capaz de preservá-la, superando aquele "estado natural".

[18] Segundo Afonso Arinos de Melo Franco, em sua obra "O índio brasileiro e a Revolução Francesa" a cultura política tupi-guarani contribuiu nitidamente para a formação da ideia de um estado natural de igualdade entre os homens, quando ainda viviam em uma sociedade selvagem e primitiva. O referido estado natural que, para bem ou para o mal teria sido superado pela formação da sociedade civilizada, organizada pelos poderes oficiais de um Estado.

[19] Dworkin afirma o contratualismo e Duguit afirma o direito objetivo em que a autonomia da vontade é menos importante. Duguit elabora os seguintes conceitos: Regra de direito normativa (1) e regra de direito construtiva (2) A visão do contrato é subjetivista; vê o interesse das partes.  Convenção coletiva de trabalho é igual à lei feita pelos sindicatos obriga os contratos individuais. Visão funcionalista do direito, o direito mesmo individual tem que ter uma função social. (1) conscientização dos indivíduos sobre a importância de se respeitar as regras de solidariedade social (momento em que a solidariedade se expressa em direito jurídico). Traz o elemento psicológico. (2) constatação de regra de direito normativista. As leis impostas pelo Estado e a jurisprudência. O direito é mais amplo do que o Estado. Se não houver a conscientização, não há direito. Existe então um elemento moral.

[20] O objetivo dos utilitaristas era propiciar o máximo de felicidade possível para o maior número de pessoas, e o mínimo de dor para o menor número de pessoas. Desse modo a felicidade estava ligada ao prazer e a infelicidade a dor. Era preciso então proceder ao cálculo dos prazeres de acordo com Bentham e saber diferenciar entre prazeres superiores e inferiores para Stuart Mill. Para o cálculo dos prazeres Bentham estabeleceu sete variáveis: intensidade (grau de desfrute do prazer), duração (extensão do tempo do início até o término do prazer), certeza ou incerteza (probabilidade do prazer acontecer),proximidade ou longinquidade (intervalo de tempo que decorre do prazer satisfeito),fecundidade(probabilidade do prazer ou a dor multiplicarem-se respectivamente em outros prazeres e dores), pureza ( probabilidade de não serem seguidos de sensações opostas, do prazer a dor e vice-versa) e extensão (o número de indivíduos afetados pelo meu desfrute). Stuart Mill ao invés de quantificar o prazer, procurava qualificá-lo para isso dividiu em prazeres superiores (os relacionados ao intelecto, a estética e a sociedade) e os inferiores (relacionados aos desejos do corpo).  Outra divisão feita por Mill foi a do considerado "útil" e do "expediente". "Útil" seria o que contribui para a felicidade geral, enquanto "expediente" o que serviria a um fim próximo qualquer. Enfim, os dois filósofos completam-se em suas concepções éticas e contribuem para o desenvolvimento de uma sociedade mais solidária.

[21] Portanto, todas as normas, códigos e morais, consideradas historicamente, são relativas e podem ser justificadas com base nas necessidades e interesses de determinado grupo social. Mas, ao confrontar as normas como elementos do progresso social, nem toda a relatividade têm o mesmo alcance. E disto decorre a motivação para adotar normas morais com base em critérios que atendam a coletividade e a universalidade, beneficiando um número maior de pessoas por um maior período de tempo.

[22] O estilo celestial da metafísica de Kant afirmava que as ações dos indivíduos são norteadas por condições subjetivas, ou seja, são fundamentadas em suas inclinações e não na lei moral. Nesse sentido, a lei moral enquanto expressão dos princípios objetivos deveria ser compreendida e adotada pelos sujeitos particulares enquanto máxima. Essa forma de compreensão da lei moral permitiria aos indivíduos fundamentarem suas ações não em princípios subjetivos, como naturalmente ocorre, mas princípios objetivos universais válidos para todos.

[23] O contratualismo moral é compatível com o contratualismo clássico onde os interessados para se protegerem-se egoisticamente, pactuam regras. A obrigação moral resulta não de um soberano que pode puder, mas da vontade dos interessados em conviver bem, em uma comunidade moral. A Moral é entendida como sistema de regras mútuas pactuas. A ética de Tugendhat assim como a de Dilthey, dependem de uma noção de "bem" moral. A ética para uma convivência intercultural pressupõe trocar e relativizar o que se pensar, para entender melhor o outro na sua lógica. Mas, não significa destruir os modos de vida diferentes, e nem destruir o próprio ego, desde que resguardada a vida de ambos os participantes do diálogo.


Informações Sobre o Autor

Gisele Leite

Professora universitária, Mestre em Direito, Mestre em Filosofia, pedagoga, advogada, conselheira do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas.


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