O[1] Renascimento representou o despertar da cultura para um novo mundo de valores, a ideia crítica do conhecimento se encaminhou aos seus elementos mais simples. Enquanto na época medieval o sistema ético era notadamente teocêntrico e submisso à uma ordem transcendental, a era renascentista procurou explicar o mundo através das exigências humanas.
Então, o teocentrismo medievo[2] foi substituído pelo antropocentrismo. Assim, a lex aetena é colocada entre parênteses e, pensadores como Machiavelli[3] e Hobbes que procuravam explicar o Direito e o Estado sem transcender do simplesmente humano.
Grócio[4] em sua obra “De Jure Belli ae Pacis Libri Tres” argumentou que a justiça possui fundamento de razão, de maneira tão inamovível, que existiria mesmo que, por absurdo, Deus não existisse.
A redução aos elementos mais primitivos, e aos formadores da Ciência é quase uma palavra de ordem. Perquirir sobre a origem dos fenômenos é uma tendência comum e constante entre os pensadores renascentistas.
Com o homem postado no centro do universo este passou a indagar da origem daquilo que o cerca. Não recebe dos deuses as explicações, porque sujeita tudo a uma verificação de ordem racional, dando valor essencial ao problema das origens do conhecimento a uma fundamentação segundo as verdades evidentes.
Essa procura de dados evidentes, suscetíveis de captar a incondicionada adesão do intelecto, leva o homem moderno a preferir a uma atitude a-histórica[5], quando não anti-histórica.
Não o seduz a redução do fato humano ao seu processar histórico, porque, pretende encontrar na universalidade do ente humano, acima das contingências espaciotemporais a linha explicativa de sua existência.
Pretende-se atingir um ponto de partida incondicionado, e a História só parece oferecer relações plenamente condicionadas. Só a razão, como denominador comum do humano, parecerá manancial de conhecimentos claros e distintos, capaz de orientar melhor a espécie humana, que quer decidir por si de seu destino.
O antropocentrismo advém do Renascimento que defendeu que a humanidade deve permanecer no centro do entendimento humano, portanto, o universo deve ser aquilatado de acordo com a sua relação com o homem.
É lugar comum classificar como antropocêntrica a historiografia e a cultura renascentista e moderna em contraposição ao suposto teocentrismo medieval.
O exacerbado antropocentrismo poderá acarretar a extinção de outras espécies no planeta, principalmente quando calcado na posição legitimar o domínio do homem sobre todas as caricaturas e o mundo.
Em verdade, tanto na perspectiva antropocêntrica e teocêntrica religiosa é antes de tudo um etnocentrismo. Resultando particularmente num eurocentrismo[6] que discriminava as tradições orientais, possuía caráter aristocrático, atendendo aos grupos privilegiados.
Já em outro sentido, o antropocentrismo pode ser visto como representação típica da ficção científica da Era do Ouro (do ser humano como excepcional entre as espécies burras, evidenciado nas ingênuas representações de extraterrestes como vagamente humanoides). Sendo evidente a referência ao homem branco europeu sobre as demais etnias do período renascentista.
Tal discussão deu origem a grande discussão sobre o princípio antrópico que postula que os valores possíveis para as constantes físicas universais estão de fato restritos àqueles que permitem a existência da espécie humana, afirmando o desígnio de uma inteligência superior o artífice da ordem universal.
No campo do Direito surgiu um movimento que ocupa mais de três séculos na história do Ocidente, sob ambígua Escola do Direito Natural, abarcando grande número de pensadores, inclusive alguns dos maiores espíritos da chamada civilização burguesa.
A Escola do Direito Natural[7] ou jusnaturalismo distingue-se da concepção clássica do Direito Natural aristotélico-tomista por este motivo principal: enquanto para Santo Tomás primeiro se dá a “lei” para depois se pôr o problema do “agir segundo a lei”, para aquela corrente põe-se primeiro o “indivíduo” com o seu poder de agir, para depois se pôr a “lei”.
Para o homem do Renascimento o dado primordial é o indivíduo, como ser capaz de pensar e de agir. Em primeiro lugar, está o indivíduo, com todos os seus problemas, com todas as suas exigências. É da autoconsciência do indivíduo que vai resultar a lei.
Poder-se-ia declarar, embora haja impropriedade nos termos, que após o Renascimento o processo de revelação jurídica vai do direito subjetivo para o direito objetivo (o sistema de normas) ao passo que, na Idade Média, era o direito objetivo, a norma que assinalava o ponto de partida de compreensão jurídica.
E nem por se partir do “indivíduo” havia concreção na gênese nomológica, porque o indivíduo era concebido como ente abstrato, ora bom, ora mau por natureza, consoante os fins políticos que se tinham em vista.
De uma forma, ou de outra, no entanto, o dado primordial passa a ser o homem mesmo orgulhoso de sua força racional e de sua liberdade, capaz de constituir por si mesmo a regra de sua conduta.
É por isso que surge, desde logo, a ideia de contrato. O contratualismo é a alavanca do Direito na época moderna. Respondem os jusnaturalistas que o Direito existe porque os homens pactuaram viver segundo as regras delimitadoras do arbítrio.
Da ideia do indivíduo em estado de natureza, sem leis, sem normas, surge a ideia da possibilidade de contratar. Da possibilidade de contratar deriva o fato do contrato; e do contrato, a norma.
Note-se que se opera uma inversão completa na concepção do Direito. Tudo converge para a pessoa do homem, enquanto homem em estado de natureza, concebido por abstração como anterior à sociedade.
A sociedade é fruto do contrato, afirmam uns; enquanto que outros, mais moderados, limitarão o âmbito da gênese contratual: a sociedade é um fato natural, mas o Direito é um fato contratual.
Há, em verdade, um contratualismo parcial que se refere apenas ao Estado, sem abranger a origem da sociedade.
Há uma distinção entre o Direito (fundado em um contrato social) e a moral, anterior ao contrato positivo e, de certo modo, sua condição primordial. Não faltarão, porém, tentativas de fundamentação contratualista de todo o domínio da ética.
O contratualismo assumiu os mais diversos aspectos. Ora um contratualismo pessimista[8] e ora um contratualismo otimista[9].
Para Hobbes, por exemplo, o homem é um ser mau por natureza, somente preocupado com os próprios interesses, e sem cuidados pelos interesses alheios, tendo se decidido a viver em sociedade ao perceber que a violência, era causadora de maiores danos. A sociedade ter-se-ia originados da limitação recíproca dos egoísmos.
Para Rousseau, crente na natural bondade humana que teria vivido num período paradisíaco, até o momento, que pela má fé de alguns teria sido forçado a pactuar com a sociedade.
Ao contrato social e histórico, leonino, Rousseau contrapropôs o contrato puro de razão. Daí, duas obras que se complementam: Discursos sobre a origem e os fundamentos de desigualdades entre os Homens e Do Contrato Social.
Na obra primeira, mostra os erros de um contrato tal como foi constituído, em que os indivíduos forma vítimas dos mais fortes e dos mais astutos; na outra obra passa a conceber a sociedade do futuro, oriunda de um contrato[10] segundo as linhas puras da razão.
O contratualismo não é uma doutrina, mas um movimento que abrange várias teorias muitas vezes conflitantes. Podemos distinguir o contratualismo por vários critérios. E, quanto aos efeitos ainda podemos ter o contratualismo total ou parcial.
O contratualismo total é aquele que, como acontece na obra de Hobbes ou de Rousseau[11], refere-se tanto à origem da sociedade civil como à do Estado.
O contratualismo parcial é, por exemplo, o de Grócio para quem a sociedade é de fato natural, oriunda do appetitus societatis; aparece, porém, o Direito Positivo, como resultado de um acordo ou de uma convenção.
Portanto, o Direito Natural que é uma expressão da Moral, segundo os ensinamentos tradicionais, por ele ainda acolhidos, não possui fundamento contratual, mas o Direito Positivo, este sim é a expressão de um contrato.
Neste caso, o contrato vale como categoria distintiva entre o mundo moral equiparado ao Direito Natural, o mundo jurídico, só este resultante de convenção. Em suma, a moral é natural, o Direito é convencional.
Em suma, a moral[12] é natural, o Direito é convencional. Quanto à natureza do homem no ato de contratar. Para uns, o homem é egoísta e violento donde uma luta sem tréguas no estado selvagem, superado por uma convenção.
É o contratualismo de ordem pessimista, que acaba sempre na apologia de um Estado forte ou de um Estado identificado com a justiça mesma. É a posição de Hobbes, para quem, a lei é justiça, o monarca é a expressão do justo. Para o autor do Leviatã, o Direito e o justo surgem depois do contrato, quando as forças se autolimitam e se disciplinam.
Também existe o contratualismo otimista de Rousseau, que idealiza o homem natural corrompido por um falso contrato social. Daí, a teoria do radicalismo democrático pregando o pleno governo do povo pelo povo, de maneira direta, sem qualquer intermediário, sem alienar o cidadão à sua liberdade, nem mesmo pela constituição de um mandatário para representa-lo nos Parlamentos.
No meio dessas teses extremadas, temos um contratualismo intermédio, corresponde ao contratualismo de Locke, achando que o homem no estado de natureza já possui um direito que é anterior ao contrato, o direito de liberdade, condição primacial para a feitura do pacto.
O homem nasce livre, e é por ser livre que pode pactuar, de maneira que o contrato seria sempre condicionado pela liberdade e pela projeção da liberdade no mundo exterior, como fundamento da propriedade.
Liberty and propriety eis os dois elementos nucleares do pensamento de Locke[13] e as duas colunas do majestoso edifício liberal-democrático, cuja consolidação assinala no século XIX a maturidade de uma política ciosa de garantias individuais.
O contratualismo comporta, ainda uma outra distinção, que é o da natureza do contrato mesmo, que pode ser histórico ou deontológico.
Para alguns contratualista, especialmente para os primeiros, na passagem da época medieval para os renascentistas, o contrato apresenta-se com a força de um fato histórico. Corresponde a um marco na evolução histórica, marcando a passagem do estado selvagem para o estado civilizado. Esta tese encontra-se, de certa forma, na obra de Altúsio e de Grócio, referindo-se apenas à origem do Direito do Estado.
Nos grandes contratualista, porém, com exceção talvez de Locke, a expressão histórica do contrato vai cedendo cada vez mais lugar a uma significação de ordem lógica ou deontológica. O antecedente desta doutrina pode encontrar-se na teoria do contratualismo implícito, desenvolvido por Francisco Suarez, o maior dos continuadores tomistas do século XVI.
Temos a convicção de que Rousseau e Hobbes[14] jamais pensaram no contrato histórico. Aos olhos do mestre inglês, como no grande genebrino, o contrato desempenha apenas uma função de natureza lógica.
Eles procuram indagar das condições da ordem jurídica, focalizando o problema da autoridade, da liberdade, da obediência à lei, e são levados a recorrer a ideia de contrato como um elemento explicativo da sociedade e do Direito: é o contrato como critério deontológico.
O contrato não é um fato histórico, mas apenas um critério de explicação da ordem jurídica. Em mais de uma passagem de suas obras fundamentais sobre o assunto, Rousseau faz questão de observar que as suas observações não devem ser tomadas no sentido efetivo e histórico, mas sim em sentido hipotético.
Vivemos “como se” tivesse havido um contrato; e a sociedade legítima é aquela que se desenvolve tendo como pressuposto lógico a ideia de um contrato concluído segundo as puras exigências racionais.
Trata-se de um contrato que encontra na própria natureza humana, na índole psicológica do homem, a sua razão de ser; e é sempre empregado o contrato como critério deontológico e não como fato histórico.
Kant, ao contrário a todos os inatismos admitiu no homem algo de inato – a liberdade[15]. Ser homem é ser livre, existindo no homem, portanto, poder de acordar o seu arbítrio com o dos demais, segundo uma lei geral de liberdade.
O contrato aparece em Kant como uma condição transcendental[16], sem a qual seria impossível a experiência mesma do Direito. O conceito de contrato só torna possível a experiência jurídica, daí a sua definição do direito como “o conjunto das condições mediante as quais o arbítrio de cada um se harmoniza com os dos demais, segundo uma lei geral de liberdade”.
O contratualismo[17] de Kant é deontológico mas de base lógico-transcendental, enquanto que o de Rousseau, em que ele se inspirou tem fundamento psicológico.
Na concepção de Herbert Spencer, por exemplo, o progresso da civilização assinalaria uma passagem gradativa de um regime institucional (próprio das sociedades de base ou estrutura militar) para um regime contratual (correspondente às sociedades de cunho industrial).
Haveria, desta forma, uma progressiva contratualização da sociedade, segundo o ideal de um contratualismo in fieri[18]. Há um contratualismo implícito de ordem lógico-transcendental na doutrina de Kelsen, que chegou a invocar como pressuposto de toda ordem jurídica, o princípio de que pacta sunt servanda, assim como a persistência de elementos contratualista em teorias aparentemente opostas como a de “reconhecimento” de Bierling e certas colocações de Duguit[19].
Há quatro teorias sobre a formação dos preceitos éticos, a saber: a teoria utilitarista[20], kantiana, contratualista e a relativista[21]. A teoria utilitarista visava ao maior bem para o maior número de pessoas possível, enfatizando que as decisões devem ser tomadas baseadas na maior utilidade social. E, não sendo examinada cada situação particular.
Trata-se de tese ética consequencialista, segundo a qual a obrigação moral é promover imparcialmente o bem-estar. Assim numa análise comparativa de custos e benefícios no tocante as pessoas afetadas. Baseia-se no critério de maior bem-estar para a sociedade como um todo.
Já para a teoria kantiana[22] já propõe conceito ético extraído do fato de que cada um deve se comportar de acordo com os princípios universais, conhecido como o princípio é imperativo porque se apresenta como uma obrigação; é categórico porque tal obrigação não está dependente de quaisquer desejos humanos.
A teoria contratualista é entendida como espécie de acordo ou negócio instituído entre um grupo de pessoas. E, parte da premissa de que o ser humano assumiu com seus semelhantes à obrigação de se comportar de acordo com as regras morais, para poder viver em sociedade.
Por outro lado, a teoria relativista é aquela segundo a qual os fatos morais são relativos às sociedades particulares. Assim quando uma sociedade aprova uma prática e reprova outra, não se pode alegar que uma delas tenha razão e a outra não. Segundo essa tese, cada pessoa deveria decidir sobre o bem e o mal. Assim sendo, o que é ético para alguns poderá não ser para os outros.
As questões éticas podem efetivamente ser analisadas em diferentes perspectivas, para então se decidir se uma ação particular é adequada ou inadequada. Adeptos das diferentes teorias éticas[23] podem discordar em suas avaliações de uma dada ação, mas todos estariam se comportando eticamente, segundo seus próprios valores e crenças.
Conclui-se que a teoria do contrato social justifica a obediência aos governos e as leis e a necessidade de se cumprir as promessas. Os contratualistas pecaram por substituir um dever por si só duvidoso – o de obediência – por outro dever igualmente duvidoso e impreciso que é o cumprimento de promessas.
O pacto social é o resultado da cessão de uma parte da liberdade individual, cedência esta que é uma promessa de obediência a um governo, na condição de ser garantida, por parte deste, a estabilidade.
A existência deste governo baseia-se na delegação de poderes absolutos ao soberano (que não é necessariamente um indivíduo) que age em nome da comunidade como um todo, garantindo a paz e a segurança.
Esses poderes têm de ser absolutos para que o estado de natureza não prevaleça. Fato interessante é o de o soberano, representando o conjunto dos indivíduos da sociedade, não estar submetido às leis do seu Estado.
Informações Sobre o Autor
Gisele Leite
Professora universitária, Mestre em Direito, Mestre em Filosofia, pedagoga, advogada, conselheira do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas.