Lorena Araújo de Oliveira
Resumo: Este trabalho tem como objetivo a análise da criação de mecanismos de combate à corrupção na contratação pública como reflexo do momento de crise no Direito Administrativo. Diante da crise, faz-se necessária a renovação de determinados institutos e, no que tange à contratação pública, a busca pela erradicação de um grande mal que assola os procedimentos licitatórios: a corrupção. O trabalho, ainda, realiza um estudo comparado sobre a evolução do tema no direito brasileiro e no direito europeu, em especial no âmbito de Portugal.
Palavras-chave: Contratação pública; Combate à corrupção; Direito comparado.
Abstract: This work aims to analyze the creation of anti-corruption mechanisms in public procurement as a reflection of the moment of crisis in Administrative Law. In the face of the crisis, it is necessary to renew certain institutes and, in what concerns the public procurement, the search for the eradication of a great evil that plagues the tender procedures: corruption. The work also performs a comparative study on the evolution of the theme in Brazilian law and in European law, especially in the scope of Portugal.
Keywords: Public contracting; Fight against corruption; Comparative law.
SUMÁRIO: Introdução. 1. A evolução legislativa e o combate à corrupção na contratação pública: estudo comparado luso-brasileiro. Considerações Finais. Referências.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho é fruto de uma rica experiência vivida em Lisboa, Portugal, em uma semana de acurados estudos acerca de um dos temas mais importantes e instigantes do Direito atualmente: os mecanismos de combate à corrupção na contratação pública.
Os procedimentos de contratação pública são inerentes a todo e qualquer regime jurídico-administrativo. No Brasil, embora desde os tempos remotos já houvesse a existência de normas para as referidas contratações[1], somente com o advento da Constituição da República Federativa do Brasil é que o tema ganhou o status constitucional.
Nesse novo contexto, tornou-se necessária a elaboração de uma norma infraconstitucional para regulamentar os procedimentos de licitações e contratos no âmbito da administração pública, à luz das novas disposições constitucionais atinentes à matéria.
Historicamente, no Brasil, as reformulações legislativas, popularmente conhecidas como “reformas”, surgem em momentos de crise. Não foi diferente com relação ao sistema brasileiro de contratação pública, pois, somente no ano de 1993 surgiu a Lei n.º 8.666, para instituir normas para licitações e contratos da Administração Pública.
A referida legislação foi publicada cinco anos após a promulgação da Constituição Federal, em decorrência de um momento de crise, qual seja, uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), conhecida à época como CPI dos Anões do Orçamento, que foi um escândalo de corrupção e acelerou a realização de uma “reforma legislativa” para dar uma resposta à população em meio ao clamor pelo combate à corrupção.
É importante consignar, todavia, que esta tendência de se promover reformas legislativas como forma de combate à corrupção, para promover a redenção nacional diante de um clamor popular, deve ser vista com a devida cautela, sob pena de se incorrer em conduta de viés patrimonialista, com consequências deletérias à Administração Pública.
Após realizar o estudo comparado, em especial na esfera do direito administrativo português, percebe-se que há um movimento de reformulação normativa na área da contratação pública, também em decorrência de um momento de crise experimentado pelo continente europeu, de forma semelhante ao que se vê no Brasil.
Diante de tamanha importância, o tema da corrupção na contratação pública merece um estudo aprofundado, e o presente artigo se propõe a investigar suas causas, analisar os regimes jurídicos brasileiro e português, com as respectivas semelhanças e distinções, e propõe um repensar sobre a contratação pública com a realização de mecanismos de combate à corrupção que sejam eficazes e duradouros.
1 A EVOLUÇÃO LEGISLATIVA E O COMBATE À CORRUPÇÃO NA CONTRATAÇÃO PÚBLICA: ESTUDO COMPARADO LUSO-BRASILEIRO.
Nos regimes jurídicos de contratação pública, é possível observar a existência de duas espécies de diplomas normativos, que retratam a dicotomia entre a regulação legislativa minuciosa e a discricionariedade do administrador público. Muitas vezes, tais valores acabam se encontrando em situação de oposição, gerando o que chamamos de diplomas normativos minimalistas e diplomas normativos maximalistas.
De maneira deveras didática, ROSILHO (2013, p. 30-31) estabelece a distinção entre os referidos diplomas:
Um diploma normativo do tipo minimalista estabeleceria, por exemplo, metas voltadas à concretização dos objetivos acima elencados, eximindo-se de elaborar regras detalhistas e minuciosas para regular o comportamento dos Legislativos e dos agentes públicos. Procurar-se-ia apenas guiá-los para que eles implementassem as diretrizes previstas no plano normativo.
O minimalismo parte da premissa de que a discricionariedade não é uma imperfeição do sistema – algo que precisa, a qualquer custo, ser eliminado –, mas, sim, um importante ingrediente a ser trabalhado pela legislação para que se atinja fins específicos.
O maximalismo, por outro lado, teme a discricionariedade e é, em boa medida, movido por este sentimento. Sua premissa, portanto, é outra: os agentes públicos – ou os Legislativos estaduais e municipais – não são confiáveis, sendo necessário olhá-los de perto; é preciso cercá-los e limitar sua mobilidade.
Para tanto, o maximalismo aposta que as normas devem ser detalhistas, minuciosas e abrangentes, restringindo ao máximo a margem de liberdade daqueles que a elas se submetem. É interessante notar que a supervalorização das regras em detrimento do juízo dos homens reflete, ao mesmo tempo, a valorização do tratamento justo e imparcial e o receio – ou crença – de que não se possa atingi-lo por meio do julgamento dos indivíduos.
Depreende-se, portanto, que os diplomas maximalistas preconizam uma maior necessidade de normas, pressupondo um reduzido grau de confiança no gestor público, que possui uma pequena margem de discricionariedade diante de uma regulamentação minuciosa.
Convém, aqui, estabelecer uma crítica: muitas vezes, os excessivos detalhismos advindos do modelo maximalista acabam dificultando o próprio cumprimento da lei, tornando árdua a consecução do objetivo de uma contratação eficaz e em prol do interesse público.
Em contraposição, temos os diplomas minimalistas, que têm como base uma legislação clara e sucinta, isto é, uma normatização que acaba por garantir um maior dinamismo na contratação pública, simplificando e desburocratizando os procedimentos.
Como consequência, observa-se que, ao contrário do que ocorre nos diplomas maximalistas, o minimalismo confere maior grau de confiança ao gestor, que tem ampliado o seu leque de discricionariedade para a tomada de decisões e escolhas em geral dentro de um procedimento mais simplificado de contratação pública.
O que está em causa nas diretivas europeias de 2014 são: simplificação, desburocratização, flexibilização, fomento à transparência e à boa gestão pública, Tais atributos são fundamentais, mas, não podem ser encarados como sinônimos de desprocedimentalização, uma vez que a existência de um procedimento claro é condição sine qua non para a realização de toda e qualquer contratação.
No Brasil, o instituto das licitações públicas foi marcado por um processo de crescente legalização, com uma tendência maximalista que foi crescendo ao longo do tempo e chegou ao auge com a edição da Lei n.º 8.666/93, diploma de teor complexo e abrangente, com cento e vinte e seis artigos que restringem a discricionariedade do administrador público para decidir, concretamente, a melhor forma de contratar.
Como dito anteriormente, e Lei n.º 8.666/93 surgiu como “resposta” do Congresso Nacional Brasileiro aos escândalos de corrupção que assolavam o país à época, sendo verdadeiro afirmar, portanto, que o maximalismo foi abraçado com um discurso de que a corrupção seria melhor combatida com uma lei detalhista, minuciosa e rigorosa.
Passados vinte e cinco anos da publicação da referida lei, percebe-se claramente a ocorrência de consequências deletérias advindas de um diploma legislativo tão complexo. Isso porque, além de causar um verdadeiro “engessamento” da máquina pública diante de procedimentos de extrema complexidade e burocracia, a referida lei não logrou êxito em sua missão de combate à corrupção. Exemplos disso são a crescente e avassaladora quantidade de demandas levadas ao Poder Judiciário envolvendo a contratação pública, a fulminação da competitividade nos certames licitatórios em virtude do excessivo formalismo legal, bem como – não é despiciendo registrar – a existência de empresas, envolvidas diretamente na CPI dos Anões do Orçamento (que motivou a “reforma legislativa”) que permaneceram contratando normalmente com o Poder Público e estão atualmente no centro de investigações de corrupção na Operação Lava Jato.
Importante mencionar que o legislador estabeleceu uma série de sanções administrativas para as hipóteses de inexecução contratual, tais como advertência, multa, suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, e declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública. Ocorre que, nem mesmo a existência das referidas sanções se mostrou capaz de inibir as condutas fraudulentas e corruptivas, o que permite concluir que o viés punitivo da legislação, por si só, não se revela suficiente como medida de combate à corrupção.
Ademais, o excessivo rigor legislativo trouxe também como consequências: 1) a majoração dos gastos para a Administração, uma vez que as empresas imbutem em suas propostas contratuais os custos dos procedimentos complexos e burocráticos, acarretando contratações antieconômicas para o Estado; 2) a morosidade na contratação, em virtude das inúmeras fases que compõem o procedimento licitatório e contratual, além da crescente judicialização dos certames, que ocasiona por demasiadas vezes a paralisação ou mesmo a anulação de determinadas fases do procedimento; 3) a restrição da competitividade, tendo em vista que são poucas as empresas capazes de cumprir as rigorosas e extensas exigências previstas na legislação, fazendo com que haja uma “dominância” de determinadas empresas no mercado de contratação com o Poder Público.
Desta feita, nota-se que a Lei n.º 8.666/93, concebida inicialmente como um diploma normativo que colocaria uma pá de cal na corrupção e revolucionaria as contratações públicas no Brasil, hodiernamente não satisfaz as necessidades da administração pública moderna, que possui a eficiência e os resultados como diretrizes fundamentais e permanentes.
Nesse contexto, Diante das novas necessidades da Administração Pública, bem como de alguns compromissos internacionais firmados pela República Federativa do Brasil, optou-se por alterar o regime jurídico de contratação pública de forma setorial, isto é, sem a necessidade de promover uma reforma legislativa com a modificação direta e substancial dos dispositivos da Lei n.º 8.666/93.
Essa alteração setorial se deu a partir da criação de leis esparsas sobre a matéria, todas com uma finalidade comum: prestigiar valores como eficiência, economicidade, simplificação dos procedimentos, relativização das formalidades, inversão de fases etc.
Foi criado, então, o Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC – Lei n.º 12.462/2011), inicialmente com previsão de aplicação exclusiva nas contratações relativas aos Jogos Olímpicos de 2016, à Copa do Mundo de 2014 e aos serviços e obras de infraestrutura de aeroportos. Tal diploma trouxe inúmeras novidades relativas à contratação pública, excepcionando a incidência da Lei nº 8.666/93.
Caminhando em sentido convergente com as exigências e os valores da administração pública moderna, sobretudo diante dos resultados benéficos que a referida alteração setorial trouxe ao setor público e à sociedade, decidiu-se por ampliar o campo de aplicação do RDC, inicialmente previsto apenas para Olimpíadas, Copa do Mundo e Aeroportos, para outras hipóteses, tais como: 1) obras e serviços de engenharia no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS (incluído pala Lei 12.745/12); 2) obras e serviços de engenharia para construção, ampliação, reforma e administração de estabelecimentos penais e unidades de atendimento socioeducativo (art. 1.º, VI, da Lei 12.462/11, alterado pela Lei 13.190/15); 3) ações no âmbito da segurança pública (art. 1.º, VII, da Lei 12.462/11, alterado pela Lei 13.190/15); 4) obras e serviços de engenharia, relacionadas a melhorias na mobilidade urbana ou ampliação de infraestrutura logística (art. 1.º, VIII, da Lei 12.462/11, alterado pela Lei 13.190/15); 5) contratos de locação de bens móveis e imóveis (contratos built to suit ou “sob medida ou encomenda”), nos quais o locador realiza prévia aquisição, construção ou reforma substancial, com ou sem aparelhamento de bens, por si mesmo ou por terceiros, do bem especificado pela administração (arts. 1.º, IX, e 47-A, da Lei 12.462/11, alterado pela Lei 13.190/15); 6) ações em órgãos e entidades dedicados à ciência, à tecnologia e à inovação (art. 1.º, X, alterado pela Lei 13.243/16); e 7) obras e serviços de engenharia no âmbito dos sistemas públicos de ensino e de pesquisa, ciência e tecnologia (art. 1.º, § 3.º, da Lei 12.462/11, alterado pela Lei 13.190/15).
A considerável ampliação das hipóteses de aplicação do Regime Diferenciado de Contratações Públicas demonstra o êxito da inovação legislativa, não sendo exagero afirmar que muitos dos problemas oriundos do modelo maximalista da Lei n.º 8.666/93 foram solucionados, ou ao menos reduzidos com a roupagem minimalista do RDC, que trouxe, dentre outras vantagens, flexibilidade e permitiu opções variadas para solução adequada em um certame.
Diante de tamanha importância do instituto nas contratações públicas brasileiras, convém aqui trazer à baila suas principais características, a saber: 1) contratação integrada de obras e serviços de engenharia; 2) orçamento sigiloso – o orçamento estimado será disponibilizado apenas aos órgãos de controle, não sendo divulgado aos licitantes (recomendação da OCDE – Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, visando evitar o coluio entre concorrentes em contratações públicas); 3) pré-qualificação permanente, com a possibilidade de licitações direcionadas à participação exclusiva dos pré-qualificados.
Fica evidente que o sistema brasileiro de contratações públicas, no momento atual, encontra-se num processo de mudança estrutural, rompendo com a visão de que as boas contratações são aquelas decorrentes do estrito cumprimento de regras minuciosas e procedimentos complexos, para instituir um regime pautado na flexibilização e em prol da eficiência, conferindo à administração pública novas e eficazes alternativas para contratar, bem como para combater a corrupção.
Passando agora a analisar como a questão é tratada no âmbito internacional, nota-se que as Diretivas Europeias sobre os contratos públicos, aprovadas no ano de 2014, acompanham a linha minimalista em que se prioriza a flexibilização e a simplificação dos procedimentos de contratação.
Dessa forma, a transposição das Diretivas de 2014 permite aos ordenamentos jurídicos nacionais uma oportunidade de mudança qualitativa nos regimes de contratação pública, sugerindo medidas tendentes a, de um modo geral, conferir eficácia e obter melhores resultados.
A título de exemplo, além da simplificação e a flexibilização dos procedimentos de contratação, as Diretivas trazem outras medidas do gênero, como a ampliação da utilização de meios eletrônicos, o aumento da transparência e o combate à corrupção e os conflitos de interesse.
Neste ponto, importante novamente destacar que a simplificação e flexibilização não podem ser encaradas como sinônimos de desprocedimentalização, uma vez que a existência de um procedimento claro é condição imprescindível para a realização de toda e qualquer contratação.
Percebe-se que há uma tendência mundial no sentido de se romper com a burocracia, pois além de não conferir uma contratação de qualidade, implica em consequências nefastas, como a elevação de gastos públicos, morosidade nos procedimentos – que muitas vezes ocasiona o atendimento ao interesse público a destempo, além de ser ineficaz no combate à corrupção.
Comparando as Diretivas de 2014 com o RDC brasileiro, é possível observar, de fato, uma inclinação para o modelo normativo minimalista, em razão das próprias necessidades do Estado, que não coadunam mais com um sistema maximalista burocrático e sem margem de discricionariedade.
Assim, com a transposição das Diretivas de 2014 para o regime jurídico de contratação pública português, optou-se por realizar uma revisão normativa atinente à matéria. Surgiu, então, o Decreto-Lei n.º 111-B/2017, procedendo à nona alteração ao Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro, e transpõe as Diretivas n.os 2014/23/UE, 2014/24/UE e 2014/25/UE, todas do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014 e a Diretiva n.º 2014/55/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014.
O novo diploma português passou a vigorar em 1º de janeiro de 2018, e adotou esta nova roupagem de flexibilização e interação da nova dimensão da contratação sustentável, que impõe um repensar a respeito da contratação pública.
As alterações introduzidas pelo novo diploma podem ser elencadas em três grandes grupos, a saber: 1) modificações decorrentes da transposição das diretivas; 2) medidas de simplificação, desburocratização e flexibilização; e 3) medidas de transparência e boa gestão pública.
Analisando as inovações advindas do CCP português, observa-se uma legislação clara, primando por decisões políticas profissionais no que diz respeito à escolha do objeto a ser contratado e, principalmente, prevendo mecanismos de controle e fiscalização do procedimento. Como exemplo de mecanismo de fiscalização, merece destaque a criação da figura do gestor do contrato, com a função de acompanhar permanentemente a execução deste, o que vai ao encontro dos desideratos de eficiência e qualidade na contratação pública.
Procedendo-se ao estudo comparado dos regimes português e brasileiro, é possível constatar uma gama de semelhanças, com o objetivo comum de simplificar a contratação pública e realizar medidas de prevenção e de repressão às práticas corruptivas.
É o que, felizmente, se observa a partir das disposições que prestigiam valores como imparcialidade, proporcionalidade, boa-fé, proteção da confiança, sustentabilidade, responsabilidade, ampla concorrência, publicidade, transparência, igualdade de tratamento, não-discriminação, critérios objetivos de adjudicação, entre tantos outros.
Medidas e valores que conferem proteção ao interesse público, escopo fundamental de toda a atividade do Estado.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Buscou-se, por meio do presente trabalho, realizar um estudo comparado luso-brasileiro acerca do movimento de reformulação normativa na área da contratação pública, impulsionado pela necessidade de evoluir os mecanismos de combate à corrupção – um mal que pode ser considerado global, pois assola os regimes de contratação em todo o mundo.
O maximalismo, que ganhou força no Brasil sobretudo nos anos 90, hoje apresenta indícios de exaustão, tornando-se um modelo aparentemente superado, pois não logrou êxito nos propósitos para os quais foi concebido: erradicar a corrupção, restaurar a moralidade administrativa e dar uma resposta à população após um momento de grave crise institucional.
O insucesso do maximalismo pode ser explicado pelo fato de que normas extremamente detalhistas, minuciosas, procedimentos burocráticos etc., acabam por restringir a margem de liberdade da administração pública. Como consectário, ocasiona uma verdadeira inversão de valores, haja vista que a escolha do administrador e o procedimento a ser adotado, por exemplo, devem ser flexibilizados de acordo com a necessidade pública.
Determinadas opções e critérios competem ao gestor, por meio de uma decisão política profissional em cada situação concreta, e não ao legislador de forma fria e abstrata.
No caso do Brasil, o maximalismo, exaltado num momento em que o país enfrentava uma grande crise, acabou supervalorizando as regras e reduzindo a discricionariedade a um patamar mínimo. Inevitavelmente, alterações setoriais tiveram de ser realizadas com o fito de dinamizar o regime de contratação pública, solucionando gradativamente muitos dos problemas advindos do regime maximalista.
Foi assim que o minimalismo começou a ganhar relevo no Brasil, sendo o Regime Diferenciado de Contratação (RDC) um grande marco representativo desta transição de regimes.
De forma semelhante, e também em decorrência de um momento de crise experimentado pelo continente europeu, Portugal caminha no sentido da flexibilização dos procedimentos de contratação pública, promovendo sua recente alteração do Código de Contratação Pública como transposição das Diretivas Europeias de 2014, e prestigiando valores como imparcialidade, proporcionalidade, boa-fé, proteção da confiança, sustentabilidade, responsabilidade, ampla concorrência, publicidade, transparência, igualdade de tratamento, não-discriminação, critérios objetivos de adjudicação, entre tantos outros.
Vale destacar, ainda como inspiração do minimalismo, a previsão da arbitragem nas Diretivas de 2014 e no CCP português como meio de resolução de litígios que envolvem a matéria, permitindo um julgamento mais rápido e menos oneroso dos conflitos decorrentes da contratação pública.
A arbitragem, além de ser um meio de composição comprovadamente eficaz, simples e célere, desafoga o Poder Judiciário e evita que este acabe por substituir a vontade da administração e dos cidadãos. Espera-se que seja seguido o exemplo lusitano no que tange à arbitragem, ainda muito pouco utilizada no Brasil.
Por fim, deve ser ressaltada e exaltada a gradual mudança de ótica acerca da contratação pública, outrora meramente vista como uma “oportunidade de negócio público” para a Administração, e agora enxergada a partir de um viés de responsabilidade e sustentabilidade. Esse novo “olhar” é fundamental no combate à corrupção, evitando prejuízos de extrema gravidade – e de difícil reparação – à máquina pública e, sobretudo, à sociedade, destinatária final de todos os serviços públicos.
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[1] Relevantes marcos legislativos do regime jurídico de contratação pública no Brasil: Decreto 4.536, de 28/01/1922 (Código de Contabilidade da União); Decreto 15.783, de 08/11/1922 (Regulamento Geral de Contabilidade Pública0; Decreto-lei 200, de 25/02/1967; Decreto-lei 2.300, de 21/11/1986.