Resumo: Este trabalho consiste na abordagem da flexibilização da penhora sobre salários na dinâmica do novo Código de Processo Civil Brasileiro (Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015), comparando com decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) anteriores à vigência da nova Lei Processual quanto à possibilidade da constrição de parte dos valores relativos a salários ou outros rendimentos de natureza alimentícia.[1]
Palavras-Chave: salário, penhora, alimentos, devedor, crédito.
Abstract: This work consists in addressing the flexible attachment on wages in the dynamics of the new Brazilian Civil Procedure Code (Law No. 13,105, of March 16, 2015), compared with decisions of the Superior Court of Justice (STJ) prior to the enactment of the new Law Processua as to whether the constriction of the amounts related to wages or other food nature of income
Key-words: salary, garnishment, alimony, debtor, credit.
Introdução
O direito processual civil brasileiro, ao longo dos anos teve significativa modificação em sua aplicabilidade prática considerando os efeitos evolutivos da sociedade. Não obstante à necessidade de atribuir à lei uma interpretação mais aproximada à pretensão social os tribunais brasileiros foram levados a decidirem de modo mais flexível em favor do credor sobre os créditos alimentícios do devedor, culminando com a modificação no novel Código de Processo Civil Brasileiro, surgindo, então, um novo parâmetro que permitiu ao exequente uma nova dinâmica na tentativa de ver seu crédito resgatado em face do devedor.
Ao longo do trabalho será possível perceber de modo sistemático as evoluções ocorridas até o presente momento em que vem a ser a nova dimensão do direito processual em sua fase executiva, demonstrando, seja por meio de processualistas ou dos julgados dos tribunais, as alterações ocorridas na legislação pátria concernentes à execução dos créditos outrora impenhoráveis por força de lei.
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Desenvolvimento
Como o direito consiste em ciência social, via de regra, consiste em permanente evolução, tendo em conta os avanços e expectações da sociedade, bastante comum percebermos, portanto, as mudanças nos regramentos legais que regem a sociedade, visto que esta se encontra em evolução constante.
Ao nos depararmos com o instituto da penhora, notamos que a lei processual observa este instituto como aquele que permite ao credor a satisfação do seu crédito, assegurando o objeto da lide, como observa Theodoro,
“(…), que a penhora é um ato de afetação porque sua imediata consequência, de ordem prática e jurídica, é sujeitar os bens por ela alcançados aos fins da execução, colocando-os à disposição do órgão judicial para, “à custa e mediante sacrifício desses bens, realizar o objetivo da execução”, que é a função pública de “dar satisfação ao credor”. (THEODORO, 2011, p. 275, apud REIS, VI, Nº 16, pp. 37-38).
Não diferente do que entende Theodoro, o também processualista Santos definiu a penhora da seguinte maneira:
“A penhora se caracteriza por ser ato específico da execução por quantia certa contra devedor solvente. É, assim, ato de execução, ato executório, pois produz modificação jurídica na condição dos bens sobre os quais incide, e se destina aos fins da execução, qual o de preparar a desapropriação dos mesmos bens para pagamento do credor ou credores.” (SANTOS, 2010, p.310)
Neste raciocínio, quando falamos em penhora, necessariamente estamos falando acerca da afetação patrimonial do devedor, visto que esse instituto suprime o domínio do proprietário sobre determinado bem, deixando-o à disposição do judiciário que, ao final, poderá expropriá-lo em definitivo em favor do credor.
O Código de Processo Civil Brasileiro de 1973 (Lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973), em seu Art. 649, asseverou que seriam absolutamente impenhoráveis certos bens e valores do devedor, afastando a possibilidade de alcance dos mesmos em uma possível execução forçada. Entre esses bens, houve o resguardo previsto no inciso IV, que seguem alistados: os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal.
Entretanto, há no mesmo Art. 649 uma observação ao disposto no § 3º (que foi vetado). É que aquele parágrafo terceiro fazia menção à possibilidade da penhora de valores percebidos de natureza alimentar excedentes a vinte salários mínimos, limitados a 40% deste excedente, após extraídos os descontos obrigatórios incidentes sobre essas rendas (texto existente na Lei 11.382, de 6-12-2006, que introduziu diversas alterações no CPC de 1973).
Nota-se, portanto, que já ao tempo da Lei 11.382/2006 havia um sentimento geral acerca de dar limites à impenhorabilidade absoluta àqueles rendimentos, conquanto o que pretendia o legislador seria legitimar o direito do credor, sem sacrificar o sustento do devedor, minimamente.
Até a presente data, o posicionamento do STJ tem sido o de dar efetividade ao § 2º do Art. 649 do CPC de 1973, no que diz respeito à garantia do crédito de prestação alimentícia, estendendo esse entendimento às verbas honorárias que tem natureza alimentícia). Em ambos os casos, no limite de 30% da percepção econômica pelo devedor, conforme colacionamos abaixo os Agravos nos Recursos Especiais, extraídos do Sítio do Superior Tribunal de Justiça – STJ.
“AgRg no AREsp 634032 / MG
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. NATUREZA ALIMENTAR. PENHORA DE VERBA SALARIAL. PERCENTUAL DE 30%. POSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 83 DO STJ. DECISÃO MANTIDA.
1. Esta Corte Superior adota o posicionamento de que o caráter absoluto da impenhorabilidade dos vencimentos, soldos e salários (dentre outras verbas destinadas à remuneração do trabalho) é excepcionado pelo § 2º do art. 649 do CPC, quando se tratar de penhora para pagamento de prestações alimentícias (AgRg no AREsp 632.356/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Quarta Turma, julgado 3/3/2015, DJe 13/13/2015).
2. Os honorários advocatícios, contratuais ou sucumbenciais têm natureza alimentícia, sendo, assim, possível a penhora de 30% da verba salarial para seu pagamento. Incidência à hipótese da Súmula nº 83 do STJ.
3. Agravo regimental não provido.” (Fonte: http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=penhora+salarios&b=ACOR&p=true&l=10&i=8)
“AgRg no AREsp 645274 / SP
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO. PENHORA DE SALÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. ART. 649, IV, DO CPC. PRECEDENTES. SÚMULA N. 83/STJ. DECISÃO MANTIDA.1. Consoante entendimento consolidado desta Corte, é incabível a penhora incidente sobre percentual de valores recebidos a título de subsídio, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria e pensões entre outras, em virtude de sua natureza alimentar. Inteligência do art. 649, IV, do CPC.2. Agravo regimental a que se nega provimento.” (Fonte: http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=penhora+salarios&b=ACOR&p=true&l=10&i=7)
O posicionamento, portanto, do STJ tem sido pela preservação da impenhorabilidade absoluta de rendimentos de caráter alimentícios, excetuado pelos créditos de mesma natureza em fase executiva.
O posicionamento do STJ implica em acolher o dispositivo legal, levando em conta a clareza do diploma instituidor do direito, em face do crédito perseguido.
Vale ressaltar que confere também a esse posicionamento o princípio da menor onerosidade do devedor, pelo qual a execução dos créditos inviabilize a segurança alimentar do devedor e seus familiares.
Para Didier a impenhorabilidade de certos bens “é uma restrição ao direito fundamental à tutela executiva”. (DIDIER, 2010, p. 543)
Certamente, a impenhorabilidade destes bens se traduz em segurança à sobrevivência do devedor e de sua família, que por sinal, o Código de Processo Civil de 1973 estabeleceu, a partir das alterações ocorrias por intermédio da Lei 11.382/2006, um mediano padrão de vida, como parâmetro mínimo patrimonial do devedor.
Não é outra a inteligência do inciso II, do Art. 649 do referido Diploma legal que passamos a colacionar abaixo:
“Art. 649 (,,,)
I – (…)
II – os móveis pertences e utilidades domésticas que guarnecem a residência do executado, salvo os de elevado valor ou que ultrapassem as necessidades comuns correspondentes a um médio padrão de vida;” (fonte: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1970-1979/L5925.htm)
A Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro – LINDB (Decreto-Lei nº 4.657, de 04 de setembro de 1942) prescreve em seu Art. 5º, estabelece que o juiz atenderá aos fins sociais a que a lei deva ser aplicada, como se vê adiante:
“Art. 5º Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.” (Fonte: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del4657compilado.htm)
Apesar de não se encontrar definido claramente acerca dos casos de flexibilização dos rendimentos de natureza alimentícia quanto a salários de terceiros em face do devedor, a interpretação lógica permitiu ao STJ considerar plausível a penhora de valores de rendimentos para pagar honorários advocatícios, visto que este último também é de natureza alimentar, cumprindo-se, portanto, a disposição da LINDB nos julgados do STJ colacionado acima. Visto esta se tratar da essência do dispositivo previsto no § 2º do Art. 649 do CPC de 1973.
Por outro lado, afeto aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, há correntes doutrinárias que entendem que a impenhorabilidade absoluta de determinados bens venham atingir o direito constitucional do credor quando este guerreia pela satisfação do seu crédito em face de um bem de elevado valor amparado pelo manto da impenhorabilidade.
Dissertando a respeito da relativização destes bens, Didier, citando Guerra, afirma:
“O primeiro dado que se impõe ao intérprete é que a impenhorabilidade de bens do devedor imposta pela lei consiste em uma restrição ao direito fundamental do credor aos meios executivos, (…) …as restrições aos direitos fundamentais não são, em princípio, ilegítimas. Devem, no entanto, estar voltadas à realização de outros direitos fundamentais e podem, por isso mesmo, estar sujeitas a uma revisão judicial que verifique, no caso concreto, se a limitação, ainda que inspirada em outro direito fundamental, traz uma excessiva compressão ao direito fundamental restringido.” (DIDIER, 2010, p. 544, apud GUERRA, 2003)
Também nesse diapasão afirma Dinamarco que:
“Pelo aspecto da relevância social da tutela jurisdicional, é imperioso mitigar as impenhorabilidades, adequando as previsões legais ao objetivo de proteger o mínimo indispensável à vida. Não se legitima, por exemplo, livrar da execução um bem qualificado como impenhorável mas economicamente tão valioso que deixar de utilizá-lo in executivis seria um inconstitucional privilégio concedido ao devedor”. (DINARMCO, 2009, p.383)
Finalmente, com o advento do novo Código de Processo Civil, instituído pela Lei 13.105/2015, especificamente no §2º do Art. 833, além de manter a preferência dos créditos de natureza alimentar em face dos rendimentos de salários ou equivalentes, a nova redação permitiu ao credor tentar reaver os créditos não alimentares a partir dos rendimentos de salários, que ultrapassarem os cinquenta salários mínimos, in verbis:
“Art. 833 – São impenhoráveis.
IV – os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2o;
§ 2º – § 2o O disposto nos incisos IV e X do caput não se aplica à hipótese de penhora para pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, bem como às importâncias excedentes a 50 (cinquenta) salários-mínimos mensais, devendo a constrição observar o disposto no art. 528, § 8o, e no art. 529, § 3o.” (Fonte: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm)
Corroborando com os posicionamentos acima, Carneiro observa que a nova legislação abriu o permissivo à penhora dos bens antes impenhoráveis:
“O § 2º amplia a previsão do § 2º do art. 649, CPC/1973. Afasta a impenhorabilidade dos incisos IV (vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, etc.) e X (quantias depositadas em caderneta de poupança, de até quarenta salários mínimos) para os casos de prestação alimentícia, independentemente de sua origem/natureza. Igualmente, afasta a impenhorabilidade de quaisquer importâncias recebidas pelo executado que excedam cinquenta salários mínimos mensais.” (CARNEIRO, 2015, p. 834).
Conclusão
Como se vê das argumentações dispostas acima, nota-se que desde a Lei 11.382/2006 já havia um anseio por flexibilizar alguns dos bens considerados absolutamente impenhoráveis pelo Código de 1973, que permitisse ao credor reaver os seus créditos face ao devedor.
Restou infrutífera, naquela oportunidade, a tentativa de flexibilizar o dispositivo legal, restringindo a flexibilização dos rendimentos de salários ou outros haveres de caráter alimentar, apenas quanto às ações de alimentos. Ou seja, a lei deu igualdade de condições de arresto apenas quando os créditos fossem decorrentes de prestações alimentícias, tendo em visto a previsão do § 2º do art. 649 da Lei 5.869/73, e a posterior interpretação dada pelo STJ quando julgou procedente a penhora para garantia de honorários advocatícios, como visto no desenvolvimento deste trabalho.
Todavia, apesar da escusa inicial da flexibilização da penhora dos rendimentos, permaneceu ainda a necessidade de adequar o dispositivo legal aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, vindo, com o advento da nova ordem processual civil impressa pela Lei 13.105/2015, em seu § 2º do Art. 833, a possibilidade da penhora de valores percebidos pelo devedor a título de rendimentos independentemente de sua natureza alimentar, acima de cinquenta salários mínimos mensais, para pagamento de dívida de outras naturezas que não estritamente alimentícia.
Percebe-se que a inovação da Lei Processual abarcou, em verdade, um anseio jurídico-social, permitindo não apenas que o devedor permaneça seguro em suas condições alimentar e de patrimônio mínimo à sua sobrevivência e dos seus familiares, como atendeu ao interesse do credor no momento em que este busca por reaver seus créditos.
Ainda pela ótica do interesse da boa fé, essas alterações proporcionou certa segurança jurídica nas relações onerosas, conquanto as relações contratuais onerosas não estarão de todo a descoberto quando não importem relação jurídica alimentar, como o caso de fornecimento de bens duráveis, que antes, impossibilitaria ao fornecedor/credor reaver os seus créditos diante de uma restrição jurídica que tornaria absoluta a impenhorabilidade de rendimentos de salários, independentemente do seu valor.
A nova Lei, nesse aspecto, alcançou ambos os anseios sem se traduzir em um injusto legal.
Notas
Informações Sobre o Autor
Daniel Gomes da Silva
Técnico Judiciário na Justiça Federal de Pernambuco 12 Vara Federal Especializada Cível de Pernambuco Bacharel em Direito pela Faculdade Joaquim Nabuco Pós-Graduando em Direito Processual Civil pela Universidade Cândido Mendes