*Marina Rossit
A pandemia do Coronavírus deixa evidente a fragilidade da sociedade humana diante das ondas de nocivos biológicos que, por vezes, atravessam o globo e acarretam grande impacto não só em termos de saúde pública, mas também nos negócios globais e na economia mundial.
Mas não apenas o Coronavírus tem esse poder de fazer mercados e previsões de crescimento das grandes economias mundiais despencarem. Vimos situações semelhantes acontecerem com o Ebola, o H1N1, o Zikavírus, entre outros.
Do ponto de vista contratual é importante ressaltar quais os impactos que epidemias dessa espécie causam aos acordos comerciais celebrados, já que muitas empresas, considerando as importações e exportações mundiais e a cadeia de fornecimentos globais, se veem incapazes de cumprir com suas obrigações contratuais.
Tanto é que muitas empresas, especialmente chinesas, estão inadimplindo suas obrigações contratuais em decorrência da pandemia do Coronavírus e justificando tal descumprimento com base no conceito de força maior.
No caso atual do Coronavírus, a maior importadora de gás natural chinesa, China National Offshore Oil, recusou entregas de cargas estrangeiras se valendo do conceito da força maior, em decorrência das restrições estatais causadas pelo Coronavírus. A empresa francesa Total, sua parceira comercial, não aceitou tal declaração, argumentando que ainda não se verificava situação de quarentena de todos os portos chineses, de modo que não entenderia haver uma situação real de força maior, mas, apenas, mera negociação comum entre as partes.
Situações semelhantes já foram objeto de análise de tribunais mundo afora durante as epidemias globais de H1N1, por exemplo. Nesses casos persiste a controvérsia sobre se este tipo de descumprimento traz como consequência a aplicação de penalidades e a possibilidade de resolução contratual ou se, ao invés, é aplicado o conceito de caso fortuito ou de força maior, de forma a se evitar penalidades contratuais e legais decorrentes de tais inadimplementos.
A questão interessante é a perspectiva de que, tanto na hipótese de caso fortuito, como naquela de força maior, se está diante de um acontecimento que cria a impossibilidade de se cumprir a obrigação assumida contratualmente, impossibilidade esta não atribuível, nem à vontade do devedor, nem à vontade do credor, e aos quais é comum a inevitabilidade.
Muitas decisões proferidas tanto em razão da epidemia de H1N1, quanto de epidemias virais que assolaram culturas agrárias reforçaram o entendimento de que pandemias e epidemias, de forma geral, se inserem nas hipóteses de força maior nos termos da legislação brasileira.
É comum que os contratos contenham estipulações sobre força maior e caso fortuito, as quais serão aplicáveis prioritariamente em relação à lei. Nestes casos é imprescindível averiguar se, por um lado, as disposições contratuais incluem pandemias e epidemias ou emergências globais de saúde pública, entre outros, dentro dos pressupostos da força maior, e, por outro lado, quais os requisitos previstos nos contratos para a concretização de tais hipóteses, em especial se os contratos estipulam prazos, a necessidade de aviso prévio ou a comprovação, por meio de documentos, da ocorrência de força maior.
Após a avaliação inicial do impacto de tais pandemias nos negócios e obrigações contratuais, deve-se buscar, rapidamente, informar os parceiros contratuais e adotar medidas de forma a mitigar custos envolvidos e perdas de negócios futuros.
A colaboração de todos os envolvidos em casos como estes, além de trazer soluções eficazes, pode representar o contingenciamento de riscos e a proteção das relações comerciais atuais e futuras.
*Marina Allodi Rossit, advogada da área contratual do escritório Finocchio & Ustra advogados.