Resumo: As mudanças no clima ocorridas nos últimos anos, em virtude do aquecimento global, devem-se ao aumento excessivo das emissões atmosféricas geradas nos processos produtivos, fenômeno este conhecido como efeito estufa antrópico. O presente trabalho nasce tendo como justificativa a necessidade de implantação de Políticas Públicas com base no Princípio da Precaução, tendo em vista as incertezas científicas existentes acerca dos problemas, dos riscos e principalmente das medidas a serem adotadas no intuito de mitigar os problemas climáticos cada vez mais intensos. Assim, diante das incertezas técnico-científicas quanto aos riscos oriundos das mudanças climáticas e da dificuldade de estabelecimento das medidas cautelares a serem adotadas para a solução desse problema, além da impossibilidade de alegação sobre a falta dessa certeza científica como razão para postergar a adoção de qualquer medida de proteção ambiental, faz-se necessário o estabelecimento de normas legais inerentes ao assunto baseadas na aplicação do princípio da Precaução, tanto a nível internacional e como nos ordenamentos jurídicos internos de cada país, no intuito de evitar ou minimizar os efeitos causados no clima.
Palavras-chave: Aquecimento Global. Mudanças Climáticas. Políticas Públicas. Princípio da Precaução.
Abstract: Changes in climate have occurred in recent years because of global warming, are due to excessive air emissions generated in production processes, a phenomenon known as man-made greenhouse effect. This work comes with a justification of the need to implement public policies based on the Precautionary Principle, in view of the scientific uncertainties exist about the problems, risks, and especially the measures to be adopted in order to mitigate the increasingly severe weather more intense. In light of technical and scientific uncertainties about the risks from climate change and the difficulty of establishing the protective measures to be adopted to solve this problem, besides the impossibility of the claim on the lack of scientific certainty as a reason for postponing the adoption of any measure of environmental protection, it is necessary to establish legal norms relating to the subject based on the principle of precaution, both in international as in domestic legal systems of each country in order to avoid or minimize the effects on climate.
Keywords: Global Warming. Climate Change. Public Policy. Precautionary Principle.
Sumário: 1. Introdução. 2. Mudanças Climáticas e os Desastres Ambientais. 3. Políticas Públicas e o Papel da Sociedade. 4. A Formulação de Políticas Públicas Climáticas com Base no Princípio da Precaução. 5. Conclusão. Referências.
1. Introdução
As mudanças no clima ocorridas nos últimos anos, em virtude do aquecimento global, devem-se ao aumento excessivo das emissões atmosféricas geradas nos processos produtivos, fenômeno este conhecido como efeito estufa antrópico.
Frente a todos esses questionamentos, nasce o presente trabalho tendo como justificativa a necessidade de implantação de Políticas Públicas com base no Princípio da Precaução, tendo em vista as incertezas científicas existentes acerca dos problemas, dos riscos e principalmente das medidas a serem adotadas no intuito de mitigar os problemas climáticos cada vez mais intensos.
O presente estudo tem como base a elaboração de uma pesquisa bibliográfica/webibliográfica, sendo utilizados para o estudo textos, mapas e gráficos relacionados ao assunto, presentes em livros, revistas e documentos eletrônicos, os quais forneceram o embasamento teórico necessário para a construção do tema e, por consequência, o alcance dos objetivos propostos.
O marco teórico sobre o qual está constituída a discussão do presente trabalho assenta-se, substancialmente, sobre três documentos internacionais: a Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Convenção sobre a Mudança do Clima e o Projeto Princípio da Precaução, por certo, a conciliação destes documentos direciona, em nosso caso específico, para a reflexão sobre a necessidade de implantação de Políticas Públicas Climáticas com base no Princípio da Precaução.
Assim, a luta contra as consequências trazidas pelas mudanças climáticas, a necessidade de formulação de Políticas Públicas acerca do problema e os meios de formulação das Políticas Públicas do Clima com Base no Princípio da Precaução são questões cuja discussão reveste-se de extrema relevância. Passa-se, então, ao estudo do presente tema.
2. Mudanças Climáticas e os Desastres Ambientais
O planeta Terra possui uma camada formada por gases que retém e mantém parte da radiação solar que penetra na atmosfera. Esses gases conservam o aquecimento natural do planeta, equilibrando a temperatura média em torno de 15ºC, possibilitando, assim, a vida terrestre, pois “sem essa proteção, o planeta seria coberto de gelo e a sua temperatura média global seria por volta de -18ºC” (SOUZA, 2007, p. 28). Esse fenômeno é conhecido como efeito estufa e se refere “ao processo físico pelo qual a presença de gases atmosféricos faz com que a terra mantenha uma temperatura de equilíbrio maior do que teria caso estes gases estivessem ausentes” (DEMILLO apud LIMIRO, 2009, p. 20).
Contudo, o aumento excessivo das emissões de gás de efeito estudo na atmosfera, geradas por meio dos processos produtivos, principalmente na atividade industrial, na operação de veículos automotores e nos processos de desmatamento, vem causando sérias mudanças no clima, em virtude do aquecimento global. Veja os ensinamentos de Danielle Limiro (2009, p. 17/24) acerca do efeito estufa antrópico: “O que prejudica o meio ambiente e ocasiona esse aquecimento é o que denominamos efeito estufa antrópico, oriundo das atividades desenvolvidas pelo ser humano, as quais emitem gases de efeito estufa. (…) O aquecimento global, em razão da intensificação das emissões de gases de efeito estufa pelas atividades humanas, é prejudicial à nossa existência. Esse aquecimento vem sendo denominado efeito estufa antrópico”.
Assim, a partir do momento que o homem passou a utilizar a queima de combustíveis fósseis como fonte fundamental de energia e, ainda, a desmatar metodicamente para diversos fins, verificou-se o aumento da emissão dos gases do efeito estufa (GEE’s) na atmosfera, causando o aumento da temperatura do planeta, e por consequência, diversas mudanças no clima.
Os gases do efeito estufa (GEE’s) são substâncias gasosas, que têm a finalidade de absorver parte da radiação infravermelha emitida pela Terra, impedindo que ocorra perda considerada de calor para o espaço, mantendo o planeta aquecido. Contudo, em virtude do excesso de emissão dos gases do efeito estufa pelas atividades antrópicas, tem ocorrido uma grande retenção desse calor, provocando o fenômeno conhecido como aquecimento global. (LIMIRO, 2009, p. 20-21)
O efeito estufa caracteriza-se como um problema de responsabilidade global, tendo em vista que, as emissões dos gases cabem tanto aos países industrializado, como aos em desenvolvimento, pois a queima de combustíveis fosséis produzida principalmente pelos países industrializados é responsável por 75% das emissões globais de CO2, enquanto que, as mudanças no uso da terra realizada pelos países em desenvolvimento representa 25% dessas emissões.
O processo de desmatamento cada vez mais utilizado nos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento foi “em grande parte induzido pela instalação e expansão das cidades, (…) pelo estabelecimento e expansão das atividades agropecuárias, particularmente a produção de bovinos e da fronteira agrícola”. (SOUZA, 2007, p. 186).
Diante desses aspectos, as intervenções antrópicas vêm gerando desequilíbrios climáticos em todos os ecossistemas, revelando-se muitas vezes irreversíveis, como apontam o Quarto Relatório do IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change), painel intergovernamental sobre mudança climática criado pela Organização Meteorológica Mundial (WMO) e o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), que tem como objetivo avaliar as informações científicas sobre mudanças climáticas, os impactos socioeconômicos e ambientais causados e formular estratégias de respostas (os chamados cenários). Veja: “Varias mudanças climáticas no longo prazo têm sido observadas em continentes, regiões e oceanos. Isto inclui mudanças na temperatura e no gelo do Ártico, mudanças na quantidade de precipitação em todo lugar, mudança na salinidade dos oceanos, mudança dos patrões de vento e aspectos de clima extremo como as secas, a precipitação forte, as ondas de calor e a intensidade de ciclones tropicais”. (RELATÓRIO DO IPCC/ONU, 2007, p. 6).
Diante dessas mudanças no clima, a ocorrência de desastres ambientais são constantes, causando consequências desastrosas ao planeta e aos seres vivos que o habitam. Esse também é o ensinamento apresentado por Danielle Limiro: “Notícias sobre a mudança do clima e suas consequências desastrosas são diariamente veiculadas. É notório que o clima mundial está sendo alterado e se aquece cada vez mais”. (LIMIRO, 2009, p. 19).
Dentre os Impactos futuros previstos pelo Quarto Relatório do IPCC, as consequências ambientais e sociais são as mais relevantes. Em relação ao meio ambiente, as consequências são alarmantes, afinal, com a mudança global do clima, a frequência e a intensidade dos eventos climáticos mostrar-se-ão cada vez mais curtos e extremos, respectivamente. As consequências sociais também não ficam atrás das consequências provocadas pelos desastres ambientes, até porque, estas refletem diretamente naquelas, tendo em vista que o homem é parte integrante e dependente do ecossistema.
3. Políticas Públicas e o Papel da Sociedade
Políticas públicas são ações que, através de leis e normas abrangentes, estabelecem um conjunto de regras, programas, ações, benefícios e recursos voltados à promoção do bem estar social e dos direitos do cidadão. Derani (2006, p. 131) relata que “A política pública é um fenômeno oriundo de um determinado estágio de desenvolvimento da sociedade. É fruto de um Estado complexo que passa a exercer uma interferência direta na construção e reorientação dos comportamentos sociais. O Estado passa para além do seu papel de polícia e ganha uma dinâmica participativa na vida social, moldando o próprio quadro social por uma participação distinguida pelo poder de impor e pela coerção”.
Vale ressaltar que um único plano ou programa não pode ser considerado uma política pública, “sendo preciso o conjunto articulado de programas operando para a realização de um objetivo, como partes de um todo” (MASSA-ARZABE, 2006, p. 62). Outro fato que deve ser considerado é que nem toda decisão política, ou seja, a escolha de uma alternativa a seguir, chega a ser um política pública, que é a concretização de várias decisões políticas.
Diante disso, a participação de toda a sociedade na formulação, decisão e execução das políticas públicas, através de audiências e consultas públicas, é fundamental para a estruturação de políticas públicas mais coesas e eficazes. Esse também é o ensinament dado por Édis Milaré ao abordar que: “De fato, é fundamental o envolvimento do cidadão no equacionamento e implantação da política ambiental, dato que o sucesso desta supõe que todas as categorias da população e de todas as forças sociais, conscientes de suas responsabilidades, contribuam para a proteção e a melhoria do ambiente, que, afinal, é bem e direito de todos”. (MILARÉ, 2009, p. 833)
A necessidade de participação da sociedade na tomada de decisões públicas, e consequentemente, na formulação de Políticas Públicas, é justificada pela Teoria da Ação Comunicativa de Jürgen Habermas (1929), filósofo e sociólogo alemão contemporâneo, que aponta no sentido que os cidadãos não têm outra opção senão atribuir-se para as decisões públicas enquanto participantes nos discursos jurídicos[1].
As partes envolvidas no processo de formulação das políticas públicas são chamadas de atores, são eles que estabelecem os projetos a serem desenvolvidos e neles, as necessidades e obrigações das partes. Podem ser tanto públicos como privados, os atores públicos são todas entidade públicas envolvidas na produção das políticas públicas, já os atores privados são os entes privados (empresários e trabalhadores) que proporcionam a formulação das políticas públicas.
Os atores privados podem atuar através de audiências públicas, abaixo-assinados, mobilizações sociais ou iniciativas judiciais para elaboração das políticas públicas, contudo, mesmo as pessoas de direito privado, físicas ou jurídicas, possuindo capacidade de formular as políticas públicas, o Estado ainda é considerado “o principal formulador das políticas de desenvolvimento, ao introduzir a dimensão política no cálculo econômico, em busca da constituição de um sistema econômico nacional” (BERCOVICI, 2006, p. 143).
Contudo, no Brasil, tais instrumentos, apesar de muitas vezes utilizados, não possuem o desenvolvimento continuado para o estabelecimento de ações governamentais eficientes. É o que expõem Bercovici (2006, p.148): “O Estado brasileiro não está, e nunca esteve, apesar das inúmeras tentativas, organizado para formular e executar uma política de desenvolvimento continuada. Surgem planos, mas não há planejamento. Um plano de desenvolvimento requer o planejamento da Administração Pública. O plano sem planejamento é uma formulação racional de idéias, mas sem nenhuma efetividade prática”.
Em se tratando das questões ambientais, as políticas públicas ambientais “(…) tem por conteúdo a atribuição expressa ao Poder Público da obrigação de preservação e defesa do meio ambiente” (D’ISEP, 2009, p. 161).
Trata-se da imposição de valores socioambientais, ou seja, a integração entre o meio ambiente e a sociedade, para assegurar o equilíbrio econômico/ambiental através do dever do Estado de promover o bem comum, assim, também na formulação de Políticas Públicas Ambientais, é fundamental a atuação da sociedade de forma ativa, através de audiências públicas, abaixo-assinados, mobilizações sociais ou iniciativas judiciais, para elaboração das políticas públicas que busquem a garantia de estrutura de proteção ambiental.
Tais aspectos também são relevantes no momento das formulação das Políticas Públicas inerentes às mudanças do clima, tendo em vista que estas são parte integrante das Políticas Públicas Ambientais, devendo ser adotada em todas as esferas e níveis de governos, para a conquista de metas significativas.
Diante disso, a participação de toda a sociedade na formulação, decisão e execução das políticas públicas climáticas, através de audiências e consultas, é fundamental para a estruturação de políticas mais coesas e eficazes.
Esse também é o entendimento quando da adoção de medidas que visem prevenir e precaver danos ao meio ambiente, com base nos princípios da informação ampla e da participação ininterrupta das pessoas e organizações sociais no processo das decisões, previstos no artigo 10 da Declaração do Rio de Janeiro de 1992, da Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento e no artigo 225, caput da Constituição Federal.
Contudo, em se tratando de Políticas Públicas Climáticas não se deve considerar somente aos quesitos e ponderações acima definidos, diversos outros aspectos devem ser observados no momento de sua elaboração, dentre os mais relevantes está a necessidade de formulação dessas Políticas Públicas com base no princípio da Precaução, sendo esse o tema do nosso próximo capítulo.
4. A Formulação de Políticas Públicas Climáticas com Base no Princípio da Precaução
Como observado, as Políticas Públicas Climáticas devem estabelecer parâmetros e diretrizes capazes de conservar a qualidade de vida das populações, o ecossistema como um todo e, principalmente, buscar a antecipação dos cuidados necessários, evitando, assim, futuros desastres, como os decorrentes das mudanças do clima, atendendo não apenas aos objetivos, mas também aos princípios do Direito Ambiental.
Antes de adentrar ao tema central deste trabalho, faz-se necessário tecer alguns comentários acerca da matéria, principalmente em relação aos princípios da Prevenção e da Precaução. Semanticamente a distinção entre os princípios é plenamente visível, veja: “Prevenção é substantivo do verbo prevenir (do latim prae = antes e venir = vir, chegar), e significa ato ou efeito de antecipar-se, chegar antes; induz uma conotação de generalidade, simples antecipação no tempo, é verdade, mas com intuito conhecido. Precaução é substantivo do verbo precaver-se (do latim prae = antes e cave = tomar cuidado), e sugere cuidados antecipados com o desconhecido, cautela para que uma atitude ou ação não venha a concretizar-se ou a resultar em efeitos indesejáveis”. (MILARÉ, 2009, p. 822)
Assim, o princípio da Prevenção refere-se ao perigo certo, tendo como objetivo impedir a ocorrência de danos ao ecossistema. Expresso no Princípio 2 da Declaração de Estocolmo sobre o Meio Ambiente Humano, que aponta para a necessidade de um critério e de princípios comuns que ofereçam aos povos do mundo inspiração e guia para preservar e melhorar o meio ambiente humano.
Diante disso, o “principio da prevenção aplica-se a impactos ambientais já conhecidos e dos quais se possa, com segurança, estabelecer um conjunto de nexos de causalidade que seja suficiente para a identificação dos impactos futuros mais prováveis”. (ANTUNES, 2008, p. 45).
Já o princípio da Precaução, tema base deste trabalho, visa precaver danos cujas informações científicas são “insuficiente, inconclusiva ou incerta e haja indicações de que os possíveis efeitos sobre o ambiente, a saúde das pessoas ou dos animais ou a proteção vegetal possam ser potencialmente perigosos e incompatíveis com o nível de proteção escolhido”. (MILARÉ, 2009, p. 824).
Originário do Direito Alemão, este princípio nasceu em meados da década de 70 e, inicialmente, o significado dado era de que a precaução deveria reduzir as cargas ambientais emitidas em todos os setores da economia. Contudo, ao longo dos anos outras formulações foram construídas, como é o caso da concepção dada pela Segunda Conferência Internacional sobre a Proteção do Mar do Norte em 1987, que estabeleceu que o princípio da Precaução tem como entendimento o fato de que “as pessoas e o seu ambiente devem ter em seu favor o benefício da dúvida quando haja incerteza sobre se uma dada ação os vai prejudicar”. (ARAGÃO, 2008, p. 42).
Boa parte da doutrina aponta a concepção dada por Marcelo Abelha Rodrigues, como sendo uma das melhores conceituações, veja: “Tem se utilizado o postulado da precaução quando pretende-se evitar o risco mínimo ao meio ambiente, nos casos de incerteza científica acerca da sua degradação. Assim, quando houver dúvida científica da potencialidade do dano ao meio ambiente acerca de qualquer conduta que pretenda ser tomada (ex. liberação e descarte de organismo geneticamente modificado no meio ambiente, utilização de fertilizantes ou defensivos agrícolas, instalação de atividades ou obra, etc.), incide o princípio da precaução para prevenir o meio ambiente de um risco futuro”. (RODRIGUES, 2002, p.150 apud ANTUNES, 2008, p. 29).
Contudo, Paulo de Bessa Antunes esclarece que esta posição doutrinária na verdade revela-se uma visão unilateral do risco, confundindo-se com o dano, apontando que “um dos pontos centrais da argumentação em favor de uma aplicação maximalista do Princípio da Precaução é a chamada equidade intergeracional, de forma que as nossas ações presentes devem ser pautadas por um comportamento ético em relação às gerações do porvir”. (ANTUNES, 2008, p. 30).
Todavia, o esclarecimento a respeito da real concepção do princípio da Precaução somente veio em agosto de 2002, após o início do Projeto Princípio da Precaução, realizado pela União Européia em parceria com quatro ONGs internacionais, tendo como objetivo clarificar as definições relativas ao princípio da precaução e estabelecer suas diretrizes.
Assim, no início do ano de 2006 o princípio da Precaução ganha uma nova perspectiva, passando a ser conhecido também como abordagem de precaução, no intuito de evitar grave ou irreversível dano potencial, em resposta à incerteza em face dos riscos para a saúde ou o ambiente, apesar da falta de certeza científica, passando a ser um princípio de governança ambiental.
Atualmente existe um consenso internacional em relação à aplicação do princípio da Precaução em caso de dúvidas acerca da periculosidade de uma determinada ação, sendo que tais dúvidas podem ocorrer em várias circunstâncias, como relata Alexandra Aragão: “Ora, as dúvidas sobre a perigosidade de uma determinada acção para o ambiente podem existir em várias circunstâncias: ou quando ainda não se verificaram quaisquer danos decorrentes de uma determinada actividade, mas se receia, apesar da falta de provas científicas, que possam vir a ocorrer; ou então quando, havendo já danos provocados ao ambiente, não há provas científicas sobre qual a causa que está na origem dos danos, ou sobre o nexo de causalidade entre uma determinada causa possível e os danos verificados”. (ARAGÃO, 2008, p. 42).
Assim, existindo dúvidas acerca da periculosidade, em virtude das incertezas científicas, as decisões devem prevalecer em beneficio ao meio ambiente, devendo, nas atividades, produtos, projetos ou instalações que causem o dano ou exista receio de possível dano se concretizar, serem tomadas as medidas cautelares necessárias, tais como: indeferimento do pedido de licenciamento, notificações, monitoramentos, entre outros.
Portanto, o princípio admite agir mesmo sem certezas técnico-científicas quanto à natureza do dano, ou seja, os riscos (devendo apresentar verossimilhança e plausibilidade mínima) e à adequação da medida cautelar a ser adotada (que deve ser coerente), contudo, esse princípio também prevê, em linhas gerais, que existindo risco elevado devem-se aplicar as medidas de interdição da atividade e, em caso de risco reduzido, a mera informação do público é suficiente.
Ademais, o princípio da Precaução estabelece, ainda, que cabe ao interessado no desenvolvimento da atividade a responsabilidade de produzir os estudos científicos que provem que a atividade não possui riscos ou virá a produzi-los.
O princípio da precaução foi incorporado no Direito Ambiental brasileiro após a elaboração de dois importantes documentos existentes no âmbito da Organização das Nações Unidas, quais sejam: Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Princípio 15) e a Convenção sobre a Mudança do Clima (ratificado pelo Decreto Legislativo 1/1994).
Nas questões climáticas, tema principal deste trabalho, a Convenção sobre a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (CQUNUMC), que teve o objetivo de estabelecer as diretrizes e condições para estabilizar os níveis dos gases de efeito estufa (GEE’s) na atmosfera, tem o princípio da precaução expresso no princípio 3 do artigo 3º: “3. As Partes devem adotar medidas de precaução para prever, evitar ou minimizar as causas da mudança do clima e mitigar seus efeitos negativos. Quando surgirem ameaças de danos sérios ou irreversíveis, a falta de plena certeza científica não deve ser usada como razão para postergar essas medidas, (…)”. (Grifo e negrito)
Observa-se, assim, que a ausência de certeza científica não pode ser utilizada como pretexto para adiar a adoção de medidas que visem a precaver a degradação do meio ambiente, afinal, “a incerteza científica milita em favor do ambiente, careando-se ao interessado o ônus de provar que as intervenções pretendidas não trarão consequências indesejadas ao meio considerado”. (MILARÉ, 2009, p. 825).
Paulo Affonso Leme Machado aponta que: “a Convenção da Mudança do Clima preconiza que as medidas adotadas para enfrentar a mudança do clima devem ser eficazes em função dos custos” (MACHADO, 2006, p. 66), assim, o princípio da Precaução deve ser utilizado no intuito de evitar ou minimizar os efeitos causados pela emissão de gases de efeito estufa no clima, através da formulação de políticas a nível internacional e nos ordenamentos jurídicos internos de cada país.
Ressalta-se, contudo, que a adoção de uma Convenção Quadro apenas iniciou o processo de discussão acerca dos problemas climáticos em virtude da emissão exagerada dos gases causadores do efeito estufa, pois, tendo em vista as mudanças no conhecimento científico e nas disposições políticas, o processo está em plena revisão, através de discussão e troca de informações entre os Países signatários, enfim, os debates e as agendas acerca das mudanças climáticas estão em plena mutação.
O princípio da Precaução também está previsto na Lei n.º 9.605/1998 (Lei dos Crimes Ambientais), que deu respaldo criminal contra qualquer omissão acerca da inobservância das medidas de precaução em caso de risco de dano ambiental grave ou irreversível (Art. 54, § 3º) e na Lei da Biossegurança (Lei n.º 11.105/2005) que fez menção expressa ao princípio da Precaução em seu artigo 1º ao mencionar tal princípio como uma das diretrizes da lei.
Diante da ausência de certeza científica absoluta para solução das questões climáticas e da impossibilidade de alegação sobre a falta dessa certeza científica como razão para postergar a adoção de qualquer medida de proteção ambiental, faz-se necessário o estabelecimento de normas legais inerentes ao assunto, baseadas na aplicação do princípio da Precaução. Tal afirmativa está estabelecida nas diretrizes determinadas no Projeto Princípio da Precaução, elaborado pela União Européia para a aplicação do princípio da Precaução, como já mencionado.
Essa diretriz estabelece a necessidade de elaboração de normas e instrumentos legislativos com base no princípio da Precaução em todos os países, tratando-se de um mecanismo internacional que visa à determinação de medidas a serem adotadas pela administração pública no intuito de minimizar os danos causados pelas mudanças climáticas, através da análise dos custos e benefícios, mesmo que estas não apontem por completo quais os meios e metas a seguir.
É o que relata Antunes (2008, p. 44-45), veja: “Quanto ao último ponto, isto é, o estabelecimento de normas legais baseadas no princípio, penso que este é um mecanismo bastante adequado, pois há uma materialização concreta do que se pretende, e os diferentes stakeholders não são pegos de surpresa, por esta ou aquela medida adotada por um órgão administrativo que, não raras vezes, corresponde a uma incapacidade técnica de enfrentar o problema suscitado e não propriamente a uma medida racional de avaliação de riscos. Contudo, se faz necessário que as normas legais a serem produzidas, sem menosprezar a participação da sociedade e a expressão de seus anseios e preocupações, sejam capazes de estabelecer mecanismos que determinem ao administrador a realização de uma avaliação de custo e benefício que leve em conta a comparação entre realizar e não realizar uma atividade tanto nos aspectos ambientais, como nos econômicos e sociais”.
Como apontado anteriormente neste trabalho e conforme entendimento acima apresentado por Paulo de Bessa Antunes, a participação de toda a sociedade na formulação dessas normas de minimização dos efeitos climáticos é necessária para o atendimento dos anseios e preocupações, sendo de fundamental importância para a estruturação de normas e instrumentos mais coesos e eficazes, as chamadas Políticas Públicas Climáticas.
Diante disso, a incorporação do princípio da Precaução na elaboração das Políticas Públicas Climáticas é plenamente aceitável e necessário. Contudo, terá de enfrentar uma série de questões práticas, como, por exemplo, o estabelecimento do ônus da prova frente à falta de dano concreto. Sobre o assunto, o próprio documento do Projeto Princípio da Precaução aponta ser uma questão singular, contudo complicada de ser determinada. Veja: “A precautionary regulatory framework needs to address, for instance, the nature of rights to object on precautionary grounds to government decisions, determination of who bears the burden of proof to demonstrate harm or lack thereof, the standards of proof considered acceptable to demonstrate harm or lack, and mechanisms for stakeholder involvement. The burden of proof is often an onerous one, particularly where it falls on a party to conclusively demonstrate lack of harm”.[2]
Outra questão prática a ser enfrentada no momento de formulação das Políticas Públicas Climáticas pelos governos é em relação à natureza dos direitos, tendo em vista que muitos documentos que invocam o princípio da Precaução acabam por apontar procedimentos muito detalhados e abrangentes, em virtude dos riscos e incertezas, o que muitas vezes dificulta sua aplicação. “Similarly, where procedures for invoking precaution are detailed or extensive, it may have little practical value to those most affected by the risks and uncertainties. Guidance for governments on these points, and realistic data on the impacts of various legislative choices, would greatly improve the chances of effective incorporation of precaution into national level regulation”.[3]
Essa questão deve ser solucionada através da análise de dados reais sobre os impactos e a aplicação de medidas eficazes de solução em diferentes regimes legais, nas diversas esferas e níveis do governo, contribuindo, assim, para a resolução dos problemas climáticos, ou, pelo menos estabelecendo medidas mitigatórias.
Assim, o princípio da precaução tem o objetivo de atualizar e reavaliar os riscos e as medidas a serem adotadas, tendo em vista que se tratar de um princípio não estatítico, que busca a dinâmica de suas ações para influenciar a formulação de novas Políticas Públicas Climáticas.
Portanto, a adoção dos ditames estabelecidos pelo princípio da Precaução no momento da formulação das Políticas Públicas Climáticas deve ser realizada em sua amplitude máxima, contudo, respeitando os estudos e índices já realizados sobre a questão e incentivando a realização de novos estudos, tendo em vista que se trata de problemas com diversas incertezas científicas que devem ser combatidas em todos os níveis governamentais nacionais e internacionais.
5. Conclusão
Na luta contra as consequências trazidas pelas mudanças climáticas, a formulação de Políticas Públicas Climáticas coesas e eficazes mostra-se uma das principais questões discutidas nos dias atuais, em virtude da necessidade de elaboração de ações, através de leis e normas abrangentes que estabeleçam um conjunto de regras, programas, ações, benefícios e recursos voltados à promoção do bem estar social e dos direitos do cidadão frente aos problemas climáticos.
O princípio da Precaução visa precaver danos cujas informações científicas são incertas ou insuficientes, além de inexistirem indicações de que tais danos causem possíveis efeitos sobre o ambiente, assim, diante das incertezas técnico-científicas quanto à natureza do dano, ou seja, os riscos oriundos das mudanças climáticas e da dificuldade de estabelecimento das medidas cautelares a serem adotadas para a solução desse problema climático, além da impossibilidade de alegação sobre a falta dessa certeza científica como razão para postergar a adoção de qualquer medida de proteção ambiental, faz-se necessário o estabelecimento de normas legais inerentes ao assunto baseadas na aplicação do princípio da Precaução, tanto a nível internacional e como nos ordenamentos jurídicos internos de cada país, no intuito de evitar ou minimizar os efeitos causados pela emissão de gases de efeito estufa no clima.
Diante disso, a incorporação do princípio da Precaução na elaboração das Políticas Públicas Climáticas é plenamente aceitável, contudo, terá de enfrentar uma série de questões práticas, sendo uma delas o estabelecimento do ônus da prova frente à falta de dano concreto, que, como aponta o próprio documento do Projeto Princípio da Precaução, trata-se de uma questão singular, contudo complicada de ser determinada.
Portanto, a adoção dos ditames estabelecidos pelo princípio da Precaução no momento da formulação das Políticas Públicas Climáticas deve ser realizada em sua amplitude máxima, contudo, respeitando os estudos e índices já realizados sobre a questão e incentivando a realização de novos estudos, tendo em vista que se trata de problema com diversas incertezas científicas que devem ser combatidas em todos os níveis governamentais nacionais e internacionais.
Informações Sobre o Autor
Michele Lucas Cardoso Balbino
Analista Educacional SRE Unaí e Professora Universitária
Coordenadora do Curso de Direito da Faculdade de Ciências e Tecnologia de Unaí (FACTU). Professora Universitária. Advogada. Mestre em Sustentabilidade Socioeconômico e Ambiental e Especialização em Direito, Impacto e Recuperação Ambiental, ambos pela Universidade Federal de Ouro Preto; Pós graduação em Direito Público pela Sociedade Universitária Gama Filho; Pós Graduação em Gestão Pública Municipal pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU)