Resumo: O objetivo deste artigo é abordar a importância da questão relativa à função social dos direitos fundamentais, dentro de uma perspectiva objetiva e subjetiva dos direitos.
Palavras Chave: Direitos Fundamentais. Função Social. Dimensão Objetiva dos Direitos Fundamentais. Dimensão Subjetiva dos Direitos Fundamentais.
Abstract: This paper aims to demonstrate the importance of the issue on the social function of fundamental rights within a perspective of objective and subjective rights.
Keywords: Fundamental Rights. Social Function. The objective dimension of fundamental rights. Subjective Dimension of Fundamental Rights.
Sumário: Introdução. 1. A função social dos direitos fundamentais. 2. As dimensões objetiva e subjetiva dos direitos fundamentais. 3. Conclusão. Referências
INTRODUÇÃO
Tratar da função social dos direito fundamentais insta o jurista a buscar respostas a uma indagação seminal no capitulo dos direitos fundamentais: de quem são os direitos? Será que existe clareza quanto à titularidade dos direitos fundamentais?
Dizer que todos os indivíduos são titulares de direitos fundamentais não significa afirmar que todos os cidadãos são titulares dos mesmos direitos, com a mesma intensidade e simultaneamente. No espaço da convivência social, que é o solo em que os direitos se efetivam ou são desprezados, existe uma complexa rede relações interpessoais e grupos onde avultam atritos e conflitos de interesses, tudo interferindo na eficácia dos direitos fundamentais.
O problema ainda torna-se mais complexo quando se foca na titularidade puramente coletiva e não individual, ocasionando grande dificuldade para teoria constitucional ao elaborar o regime dos direitos sociais, dos direitos difusos e coletivos, ou seja, daqueles direitos que acentuadamente podem ser qualificados como direitos sem um sujeito individualizável.
Nessa perspectiva, importa acentuar que o caráter liberal dos direitos fundamentais, havidos numa concepção individualista e exclusivista, típicos do movimento iluminista que inspirou os ideais revolucionários da modernidade, foram duramente criticados pela resposta que o estado social patrocinou, fulcrada nas noções de distribuição isonômica dos recursos econômicos e financeiros disponíveis à realização dos direitos que, sobretudo aqueles que mais acentuadamente, reclamam providências positivas ou prestações jurídicas e materiais à sua efetiva fruição.
Dentre as inúmeras críticas ao excesso de individualismo que o liberalismo forjou, surge uma resposta contundente, mas pouco examinada na doutrina brasileira, qual seja, o argumento que talhou a valorização da função social dos direitos, apta a assegura que questões basilares para a sociedade fossem postas em pauta; possibilitando a correção de distorções provocadas no movimento liberal, indicadas por John Rawls, como a distribuição desigual de oportunidades, principalmente no acesso aos bens econômicos e à participação democrática; acabando por instigar o Estado de Direito a se transformar em um Estado Social de Direito.
A análise presente reveste-se desse propósito: apresentar a função social dos direitos fundamentais, não como uma única fórmula possível, nem defendendo a sua primazia sobre a função individual, mas lançando foco de luz à esse importante matéria.
1. A função social dos direitos fundamentais
Uma das principais indagações da atualidade, e que pode ser útil a resolução de muitas indagações que permeiam o debate jurídico consiste na busca de uma resposta acerca da titularidade dos direitos fundamentais, tergiversando muitos trabalhos num pseudodebate que ora defende a titularidade individual ora enquadra-a como coletiva.
Defender a efetiva fruição e o gozo dos direitos fundamentais a uma determinada pessoa, isoladamente considerada, além dos problemas decorrentes da impossibilidade desse modo de exercício quando se tratarem de direitos cuja dimensão transindividual é marcante, acaba por privilegiar uma ideologia política assentada no primado da pessoa, isoladamente considerada, em prejuízo da concepção de inserção dela numa coletividade, dado que o ser humano não é, nem pode sê-lo, autótrofo.
Os direitos fundamentais não podem, nesse contexto, ser considerados como asilo ao pensamento insular que desconhece a convivência como necessária, num mundo onde o ser humano não pode ser considerado sem o contexto em que vive.
Sendo dessa maneira, e sem desmerecer a reflexão liberal, mas antes a equilibrando com valores da socialidade, deve-se mergulhar na função social dos direitos fundamentais como uma forma de temperamento do excessivo individualismo patrocinado por um momento histórico em que as liberdades individuais era havidas como as únicas merecedoras de destaque e prestígio.
Analisar uma teoria jurídica acerca dos direitos fundamentais perpassa por diversas possibilidades, razão porque parece correta a preocupação e advertência de Robert Alexy[1] quando lembrou ser possível, sobre o tema, elaborarem-se as mais diversas teorias, sejam elas históricas, a explicarem o desenvolvimento dos direitos fundamentais, filosóficas, que se empenham de esclarecer seus fundamentos, ou da sociologia jurídica, que verifica a função social dos direitos fundamentais.
A partir da possibilidade de classificação dos direitos fundamentais segundo a função por eles exercida no ordenamento jurídico, J.J.Gomes Canotilho[2] sistematizou uma útil classificação descrevendo-os como direitos de defesa, direitos a prestação e direitos de participação, que ainda trouxe a subdivisão da categoria “direitos a prestações” em direitos originários a prestações e direitos derivados a prestações, sendo os primeiros de índole prestacional diretamente compreensíveis a partir da norma constitucional, ou seja, independentes da atuação do legislador para a definição do seu conteúdo e, os segundos, aqueles pelos quais aos cidadãos se asseguraria uma participação igual nas prestações segundo as capacidades existentes, de modo que restaria assegurado o nível de concretização das prestações constitucionalmente previstas na Constituição pelos poderes públicos[3].
Relevante advertir que a classificação formulada diz respeito às funções dos direitos fundamentais e não dos direitos fundamentais em si mesmo considerados, a ensejar a incorreção daqueles que enxergam em tais direitos a função de defesa vinculada aos direitos de primeira dimensão, os direitos de liberdade, ao passo em que estariam ligadas as funções prestacionais aos direitos sociais.
Nesse contexto, além das funções de defesa, participação e prestação, Peter Häberle[4] acrescenta à análise dos direitos fundamentais a denominada função social como um elemento essencial para o direito e especialmente para os direitos fundamentais.
Indiscutivelmente a ordem jurídica neoconstitucionalista confere aos direitos fundamentais uma posição privilegiada em razão do seu forte significado político e da sua funcionalidade social que conforma a convivência política e social mantendo em constante tensão dialética o direito e o poder.
Fortemente influenciado pelas ideias de sistema de Niklas Luhmann e de Marcelo Neves[5], Marcio Augusto de Vasconcelos Diniz[6] lança olhar sobre a comunicação entre os dois sistemas autopoiéticos, o político e o jurídico, – admitindo a abertura cognitiva de um sistema ao outro mas recusando qualquer forma de alopoiese, ou de contaminação intrassistêmica – afirmando que o sistema político oferece ao sistema jurídico premissas de decisão enquanto o jurídico proporciona ao político “o instrumental necessário ao exercício do poder”.
Daí porque Konrad Hesse[7] destaca o fundamental papel dos Tribunais Constitucionais que possuem, dentre outras missões, a relevante competência de proteção dos direitos fundamentais, onde quer que eles se vejam ameaçados ou afetados.
Ao falar da função social dos direitos fundamentais, Peter Häberle[8] afirma que ela promove oposição a uma visão personalista e individualista dos direitos fundamentais, imantando todos eles com uma missão de satisfação dos interesses da coletividade. Trata-se, aqui, da imposição de limites às liberdades individuais visando ao bem comum.
A função social almeja coibir as deformações de ordem jurídica ocasionadas pelo uso intensamente individual do direito, impedindo que o detentor do direito fundamental se encastele numa posição que o isole da comunidade. A fruição dos direitos fundamentais também[9] deve estar condicionada ao bem-estar coletivo; o gozo dos direitos está condicionado ao bem-estar geral. Nesse contexto, a função social visa coibir as deformações de ordem jurídica ocasionadas pelo uso degenerado de um direito visto de uma perspectiva somente individualista.
Sendo a cidadania, “um status concedido àqueles que são membros integrais de uma comunidade” como advertiu Thomas Humprey Marshall[10], tem-se que a função social primordial do direito é, então, assegurar esse status social e político que iguala a todos como cidadãos dentro de um mesmo ordenamento jurídico. Como acentuara, “todos aqueles que possuem o status são iguais”, merecendo acesso indistintamente aos direitos.
Ao analisar a teoria democrática-funcional dos direitos fundamentais, J.J. Gomes Canotilho[11] estuda as diversas consequências de sua adoção, realçando que por ela os direitos são concedidos aos cidadãos para que possam ser exercidos como membros de uma comunidade, e em razão do interesse coletivo, eis que a liberdade assegurada é um meio de persecução do processo democrático. Possuindo esse condicionamento funcional, justifica-se ser o direito, ao mesmo tempo, um dever, permitido aos poderes públicos o exercício da intervenção conformadora do uso dos direitos fundamentais, complementa.
Não se pode, outrossim, sustentar que da funcionalização decorre a preponderância dos interesses da sociedade sobre a noção de liberdade e autonomia moral do indivíduo, à ponto de legitimar totalitarismo de toda ordem, em nome do interesse coletivo, numa postura organicista e antiliberal[12].
Os direitos fundamentais devem ser vistos, ao mesmo tempo, na perspectiva individual e também no compromisso que possuem de realizar as chamadas tarefas sociais, levando ao gênese daquilo que atualmente se denomina abuso de direito que deve ser entendido como a possibilidade de, em casos específicos, o direito fundamental poder ser contido. Segundo os autores, o núcleo fundamental da problemática do abuso de direito consiste em que o uso de permissões legais pelo titular do direito pode, em certas situações, estar fora dos limites dos princípios que justificam essas mesmas permissões.
Pela compreensão da função social combate-se a chamada usage antifonctionnel de droit, já que o conteúdo do direito é determinado, também, por meio de sua função ético-jurídica e social, como anota Peter Häberle[13] para quem, como consequência, um exercício de direito contrário a função social não está coberto pelo conteúdo do próprio direito considerado.
Arquiteta-se, aqui, um novo conceito do direito subjetivo, em oposição à noção clássica que agora, tem revisado seu lastro secular baseado no individualismo e no absolutismo dos direitos, muitas vezes intransigente para de forma crítica tornar-se sensível às solicitações de ordem moral e social do campo adverso, porque os direitos não se realizam em uma direção qualquer, mas em um ambiente social.
Firme nessa premissa, Alvino Lima[14] sentencia que os direitos não são, portanto, concedidos aos indivíduos, para satisfazer apenas os seus interesses e necessidades, eis que não são poderes “amparando proventos ilimitados quaisquer que sejam os motivos das nossas ações ou as conseqüências oriundas do exercício de direito”. Em seguida, justifica que a “cristalização, na forma rígida e contingente da lei, de direitos intangíveis, em conflito com os fins orgânicos da sociedade, é absolutamente insustentável”.
Garrido Peña[15], a partir da leitura que faz da doutrina de John Rawls, contrapõe os princípios constitucionais da liberdade e da igualdade, como valores intrinsecamente relacionados no contexto societário contemporâneo, alertando para um limite social imposto à liberdade individual. Com base em tal reflexão, lembra que todo individuo direito ao grau máximo de liberdade possível desde que esta seja que compatível com a igual liberdade de todas as pessoas. Com base nisso, defende:
“La aceptación de este principio comporta que todo plus de libertad que sea superior a otro conlleva una imposición y una expropiación de la libertad del otro. Desde esta razonable definición de Rawls, la igualdad y libertad son miembros de un mismo par ordenado. La libertad individual tiene como límites la libertad del otro. Y la libertad, desde el punto de vista social, solo puede ser vista como el reconocimiento de la igualdad en el disfrute de las libertades individuales. Es el principio social de la igualdad el que hace posible el reconocimiento efectivo de las libertades individuales de todos los miembros de la sociedad. Y, por otro lado, la autolimitación colectiva de la libertad individual es la condición de posibilidad de la diferencia e la singularidad del ejercicio individual de las libertades. Cuando una libertad individual transgrede el consenso constituyente sobre esta regla de oro de la igualdad de libertades usurpando la libertad del otro, entonces no estamos ante un ejercicio de libertad sino de poder, como nos dice Ferrajoli (Derecho y razón. Teoría del garantismo penal. Barcelona: Trotta, 1995, p. 908-912). A este límite le llamaremos el límite social de la libertad individual”.
Comungando com a reflexão acima, as palavras de Judith Martins Costa[16] revelam que a função social aponta para um caminho a seguir, calçado pela socialidade que projeta, nas distintas disciplinas jurídicas, “a diretriz da solidariedade social (Constituição Federal, art. 3º, III, in fine […]” indicando um desenvolvimento “oposto ao do individualismo predatório”.
Do reconhecimento a função social dos direitos fundamentais decorrerá duas relevantes consequências um dos mais caros capítulos da teoria geral dos direitos fundamentais, qual seja, o tema do conteúdo essencial dos direitos fundamentais. O primeiro consistente na determinação do chamado limite imanente dos direitos subjetivos; o segundo diz respeito à vinculação material do legislador no âmbito dos direitos fundamentais que impõe um limite, que é o mesmo do indivíduo, por meio dos direitos fundamentais, assegurar o chamado funcionamento global da sociedade, reforçando o papel de integração da norma constitucional.
Exatamente por isso não pode haver supremacia do interesse individual, nem do coletivo, mas uma necessária relação de complementariedade, como constata Óscar Rodríguez Olvera[17] ao defender o caráter ambivalente dos direitos fundamentais.
Deve-se advertir, contudo, que a função social não está radicada da ideia de que deve ser conquistada a custo do sacrifício individual, já que os direitos fundamentais não são assegurados apenas para o atendimento do fim coletivo, mas também para garantir o desenvolvimento pessoal e individual de todos os setores do desenvolvimento da personalidade individual. Exatamente por isso arremata Peter Häberle[18] que “todo ejercicio de um derecho fundamental es, em un sentido específico, uma actividad social”.
Pelo exposto, fica evidente que a abordagem acerca da função social dos direitos fundamentais reclama o estudo das dimensões objetiva e subjetiva deles, num propósito de conciliação de ambas, o que se tentará fazer no desenvolvimento do conteúdo do próximo tópico.
2. aS DIMENSÕES OBJETIVA E SUBJETIVA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
O estudo dos direitos fundamentais ocupa-se de análise que toma em conta uma sua dupla dimensão, ou uma dupla natureza, ou um duplo caráter, quais sejam, a objetiva ou a subjetiva, porque os direitos fundamentais possuem um duplo conteúdo jurídico-constitucional, representando, por um lado, uma dimensão individual, garantidora dos direitos subjetivos de um particular indivíduo, por meio dos quais se fixa que os titulares dos direitos fundamentais são os indivíduos particulares. Do outro lado está caracterizada a dimensão institucional, regulamentado e moldado de acordo com critérios de liberdade que, devido a sua significação jurídico-institucional, não comporta o simples fechamento da liberdade individual, nem a simples relação unidimensional indivíduo-estado, mas a importância destes para o todo social.
Observe-se que o estabelecimento dos direito fundamentais, ao mesmo tempo em que atribuem direitos subjetivos ao particular, reforçam simultaneamente o conjunto de normas negativas de competência do Estado, eis que proíbem objetivamente – ou só permitem ação sob certas condições – uma intervenção do Estado nos espaços por eles protegidos.
Nas palavras de Ernst-Wolfgang Böckenförde[19], a concepção atual dos direitos fundamentais possui uma dupla qualificação desses direitos, pois os direitos fundamentais podem ser concebidos como direitos subjetivos de liberdade – dirigidos em face do Estado – e, também, como normas objetivas.
Como assinala Virgílio Afonso da Silva[20], na análise da dimensão objetiva, se analisa o direito fundamental como um todo, com base no significado desse direito para a vida social considerada a coletividade, significando dizer que a perspectiva parte da busca de uma eficácia do direito fundamental a partir do seu significado para todos os indivíduos, ou para boa parte deles.
Pela noção de dimensão objetiva, o direito fundamental deve possuir um valor e extensão para o todo social, porque deve ser protegido como verdadeira instituição em favor da coletividade, conjuntamente considerada. Tomando-se essa constatação, Dimitri Dimoulis[21] define que nessa dimensão objetiva a percepção dos direitos fundamentais não levará em conta os titulares individuais, os chamados sujeitos de direito.
Constata-se, pois, que a teoria objetiva pretende privilegiar a noção de função social dos direitos fundamentais, afastando-os da noção meramente individualista, para compatibilizá-la com os influxos do Estado social. Essa aquisição fez com que a teoria dos status, de Jellinek, porque partia da perspectiva exclusivamente subjetiva, fosse cedendo espaço ao desenvolvimento de uma noção objetivista que, com sua formação, ultrapassa a perspectiva puramente individualista dos direitos fundamentais, associada a visão atomista da sociedade, vez que os direitos fundamentais se apresentam como pressupostos de uma vida humana livre tanto para o sujeito, como para a comunidade, como acentuara José Carlos Vieira de Andrade[22], que complementa, de forma lapidar: “o indivíduo só é livre e digno numa comunidade livre; a comunidade só é livre se for composta por homens livres e dignos”.
Mas não se pode extrair apenas a dimensão objetiva dos direitos fundamentais. Nssa visão sectária é que se tem defendido a necessidade de conformação prévia dos direitos sociais para que possam ser exigidos, esquecendo-se esses defensores, que à essa dimensão deve somar[23] – e não alternar com – a dimensão subjetiva que, nas palavras de José Carlos Vieira de Andrade[24] é a dimensão principal, enquanto a outra deve ser reduzida a uma “pura dimensão objectiva, em que só têm lugar conteúdos normativos (as garantias ou deveres) a que não possam corresponder direitos individuais”.
Nesse contexto é que devem ser incluída a proteção dos direitos insuscetíveis de fracionamento individual, tais como os interesses difusos e os coletivos, considerados os pertencentes à coletividade como um todo.
De qualquer modo, aditado à dimensão objetiva, a perspectiva subjetiva indica a necessidade de observância do conteúdo do direito fundamental para um sujeito determinado, tendo em vista que é ele, e não a coletividade indeterminada, o sujeito desse direito fundamental.
Esse duplo caráter foi assinalado pelo Tribunal Constitucional Espanhol, em voto da lavra do magistrado Antonio Truyol Serra, STC número 21/1980, que assim sustentou a dupla dimensão:
“Ello resulta lógicamente del doble carácter que tienen los derechos fundamentales. En primer lugar, los derechos fundamentales son derechos subjetivos, derechos de los individuos no sólo en cuanto derechos de los ciudadanos en el sentido estricto, sino en cuanto garantizan un «status» jurídico o la libertad en un ámbito de la existencia. Pero al propio tiempo, son elementos esenciales de un ordenamiento objetivo de la comunidad nacional, en cuanto ésta se configura como marco de una convivencia humana justa y pacífica, plasmada históricamente en el Estado de Derecho y, más tarde, en el Estado social de Derecho o el Estado social y democrático de Derecho, según la fórmula de nuestra Constitución (artículo 1.º1).
Esta doble naturaleza de los derechos fundamentales, desarrollada por la doctrina, se recoge en el artículo 10.1 de la Constitución, a tenor del cual «la dignidad de la persona, los derechos inviolables que les son inherentes, el libre desarrollo de la personalidad, el respeto a la Ley y a los derechos de los demás son fundamento del orden político y de la paz social». Se encuentran afirmaciones parecidas en el derecho comparado y, en el plano internacional, la misma idea se expresa en la Declaración universal de los derechos humanos (preámbulo, párrafo 1.º) y en el Convenio europeo para la protección de los derechos humanos y de las libertades fundamentales del Consejo de Europa (preámbulo, párrafo 4.º) (RCL 19792421).
En el segundo aspecto, en cuanto elemento fundamental de un ordenamiento objetivo, los derechos fundamentales dan sus contenidos básicos a dicho ordenamiento, en nuestro caso al del Estado social y democrático de Derecho, y atañen al conjunto estatal. En esta función, los derechos fundamentales no están afectados por la estructura federal, regional o autónomica del Estado. Puede decirse que los derechos fundamentales, por cuanto fundan un «status» jurídico-constitucional unitario para todos los españoles y son decisivos en igual medida para la configuración del orden democrático en el Estado central y en las Comunidades Autónomas, son elemento unificador, tanto más cuando el cometido de asegurar esta unificación, según el artículo 155 de la Constitución, compete al Estado. Los derechos fundamentales son así un patrimonio común de los ciudadanos individual y colectivamente, constitutivos del ordenamiento jurídico cuya vigencia a todos atañe por igual. Establecen por así decirlo una vinculación directa entre los individuos y el Estado y actúan como fundamento de la unidad política sin mediación alguna”.
Tal como assinalado, todavia, em relação à dimensão objetiva, não se pode levar às últimas consequências à dimensão subjetiva, sobretudo quando o exercício dela acaba por comprometer a própria ideia de direito, ou o próprio sistema de direitos fundamentais.
Assim, firme na advertência de Paulo Bonavides[25], é que se impõe a complementação da dimensão objetiva – e jamais a substituição de uma dimensão pela outra – adicionando-lhe o necessário enfoque subjetivo. As dimensões objetiva e subjetiva mantém relação de remissão e de complemento recíproco.
Reconhecer uma dupla dimensão aos direitos fundamentais implica considerar que eles se apresentam como direitos subjetivos individuais essenciais à proteção da pessoa humana, e, também, como expressão de valores objetivos de atuação e compreensão do ordenamento jurídico, relacionados aos objetivos fundamentais da comunidade constitucionalmente organizada.
CONCLUSÃO
O presente estudo dedicou-se ao esclarecimento do sentido da função social dos direitos fundamentais, muitas vezes havidos como reduto de proteção absoluta do cidadão, mas sem perceber que a titularidade dos direitos fundamentais reclama uma dupla perspectiva, quais sejam, aquelas que protegem o indivíduo isoladamente considerado e, ao mesmo tempo, a noção de preservação do direito como uma instituição válida para o todo social.
Fixou-se como um dos problemas mais recorrentes desse Século XXI a definição da titularidade dos direitos fundamentais, demonstrando duas teses aparentemente antagônicas. Pela primeira, de caráter liberal, apta a defender uma preservação individualista dos direitos fundamentais e, pela segunda, de caráter social, obstinada a perceber os direitos fundamentais numa dimensão coletivizada, ainda que no caso concreto o direito pudesse ter o seu conteúdo esvaziado.
Inegavelmente, a teoria objetiva tem o mérito de restaurar a noção da função social dos direitos fundamentais, afastando-os de uma aplicação meramente individualista, para compatibilizá-la com os influxos do Estado social, onde a socialidade marca a convivência de múltiplos interesses e interesses múltiplos.
Defender a função social pode, entretanto, impedir as deformações de ordem jurídica ocasionadas pelo uso intensamente individual do direito, impedindo que o detentor do direito fundamental se encastele numa posição que o isole da comunidade, pretendendo gozar de forma egoística dos direitos fundamentais, sem perceber que isso poderá não somente desnaturar o direito fundamental, mas pior, submeter toda a coletividade às suas peculiares vontades. Direito não pode confundir-se com a vontade egoística do seu titular.
Todavia, conclamou-se uma conciliação da posição individual, revista pelo filtro da função social, tendo em vista que as dimensões objetiva e subjetiva dos direitos fundamentais mantêm relação de remissão e de complemento recíproco e não de contradição.
Informações Sobre o Autor
Marcos Sampaio
Bacharel em Direito graduado pela Universidade Católica do Salvador/BA. Pós-Graduado em Direito Público pela UNIFACS – Universidade Salvador. Mestrando em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia – UFBA. Procurador do Estado da Bahia. Professor de Direito Constitucional e Econômico do Curso de Graduação em Direito da UNIFACS e da Faculdade Baiana de Direito. Advogado