Resumo: O presente artigo visa expor a relação do princípio da eficiência, inserido formalmente como princípio da Administração Pública na Constituição Federal de 1988 através da Emenda Constitucional n. 19, de 04 de junho de 1998, com a criação da agências reguladoras. Aborda-se também a influência que o princípio da eficiência deve ter sobre a atividade das agências reguladoras bem como sobre as atividades que elas fiscalizam e gerenciam e em que medida as atuações das agências reguladoras podem ou não ser consideradas eficientes, já que devem ter amparo também nos demais princípios da Administração Pública, quais sejam: legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade (artigo 37, caput, da Constituição Federal de 1988).
Palavras-chave: Estado gerencial. Princípio da eficiência. Agências Reguladoras.
Abstract: This article aims to expose the relationship of the principle of efficiency, entered formally as the principle of Public Administration in the 1988 Federal Constitution through the Constitutional Amendment 19, June 4, 1998, with the creation of regulatory agencies. It also discusses the influence that the principle of efficiency should have on the activity of regulatory agencies as well as the activities that they oversee and manage and to what extent the actions of regulatory agencies may or may not be considered efficient, since they must have support also in other principles of public administration, which are: legality, impersonality, morality, and advertising (Article 37, introduction of the Federal Constitution of 1988).
Keywords: State management. Principle of efficiency. Regulatory Agencies.
Sumário: Introdução. 1. O princípio da eficiência. 1.1. A relação do princípio da eficiência com os demais princípios da Administração Pública. 2. As agências reguladoras. 3. A importância do princípio da eficiência como princípio da Administração Pública em relação às agências reguladoras. Conclusões. Referências.
Introdução
As reformas administrativas implementadas tomaram por paradigma a atividade privada. Muitos doutrinadores vislumbram esse fenômeno como uma fuga para o direito privado. Referidas hipóteses se confirmam, por exemplo, pela valorização dos contratos de gestão, das agências reguladoras e das parcerias público-privadas.
A atividade privada, para sobreviver à concorrência, deve imprescindivelmente ser eficiente. Como o Estado gerencial tem por paradigma a iniciativa privada, um dos princípios elementares de sua administração pública é o da eficiência.
O princípio da eficiência, muito embora alguns doutrinadores o tivessem por implícito na ordem jurídica constitucional, só surgiu como princípio expresso da Administração Pública a partir da Emenda Constitucional n. 19, de 04 de junho de 1998.
Aqueles que afirmavam que a Constituição Federal já albergava esse princípio, antes mesmo da Emenda n. 19/98, extraíam sua existência do art. 74, inciso II, da Constituição Federal de 1988 que afirma o seguinte:
“Art. 74. Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma integrada, sistema de controle interno com a finalidade de:
I –(…);
II – comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia e eficiência, da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e entidades da administração federal, bem como da aplicação de recursos públicos por entidades de direito privado.”
A introdução de maneira expressa na Constituição Federal do princípio da eficiência como princípio da Administração Pública deveu-se ao novo cenário econômico-político mundial que, com a globalização e o neoliberalismo, configurou um modelo de Estado mínimo. De acordo com esse modelo, buscou-se confinar o papel estatal ao de “prestador de serviços públicos essenciais, como aqueles relativos à defesa da pátria, à segurança pública, à administração da justiça, ou ainda, à arrecadação de tributos”[1].
O princípio da eficiência, que tem sua origem no direito privado, veio com a chamada Reforma Administrativa. Surgiu como resposta não apenas à burocratizada estrutura administrativa brasileira, mas também à necessidade que apresentou de se adequar aos novos parâmetros de organização e prestação de serviços que a política de desestatização veio a requerer.
As várias agências reguladoras que foram criadas são consequência da desestatização ocorrida em grande escala nos últimos tempos. O Estado tirou de seu âmbito muitos serviços e atribuições que, embora não constituíssem sua função primordial, não deixaram de ser relevantes à população. Por tal importância, esses serviços demandavam um controle, uma fiscalização por parte daquele que não poderia deixá-los completamente nas mãos da iniciativa privada face ao interesse público que representam até hoje.
Dessa maneira, como estava sendo muito dispendioso para o Estado manter com qualidade serviços relativos a telecomunicações, energia elétrica, água, dentre outros, Ele preferiu delegar essas atribuições aos particulares por meio de concessões, permissões e autorizações, por exemplo.
A Administração Direta, em virtude de suas inúmeras responsabilidades, já estava mesmo querendo ver-se livre das incumbências que diziam respeito às atividades supramencionadas. Assim, o Estado resolveu criar as chamadas agências reguladoras que são autarquais de regime especial encarregadas de fazer essas concessões, permissões e autorizações, conforme suas respectivas leis instituidoras, além de, como o próprio nome está a evidenciar, regular as atividades referentes à matéria para a qual foram criadas e fiscalizar as atividades que lhe competem controlar.
A importância dessas agências reguladoras para os Estados que as adotam é sem dimensões. Além disso, de sua eficiência e da eficiência dos respectivos concessionários, permissionários e autorizatários depende o bom funcionalmento do país. Daí a grande implicação das agências reguladoras com o princípio da eficiência. Este é a base da atividade daquelas.
Uma análise mais profunda desse relacionamento entre princípio da eficiência e agências reguladoras será o objeto desse estudo que abordará também em que medida as atuações das agências reguladoras podem ou não ser consideradas eficientes, já que devem ter amparo também nos demais princípios da Administração Pública, quais sejam: legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade (artigo 37, caput, da Constituição Federal de 1988).
1. O princípio da eficiência
Antes mesmo da promulgação da Emenda Constitucional n. 19/98, Hely Lopes Meirelles já preconizava a eficiência como dever da Administração Pública:
“Dever de eficiência é o que se impõe a todo agente público de realizar suas atribuições com presteza, perfeição e rendimento funcional. É o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros.Esse dever de eficiência, bem lembrado por Carvalho Simas, corresponde ao dever de ‘boa administração’ da doutrina italiana, o que já se acha consagrado, entre nós, pela Reforma Administrativa Federal do Dec.-Lei 200/67, quando submete toda atividade do Executivo ao controle de resultado (arts. 13 e 25,V), fortalece o sistema de mérito (art. 25, VIII), sujeita a Administração indireta a surpevisão ministerial quanto à eficiência administrativa (art. 26, III) e recomenda a demissão ou dispensa do servidor comprovadamente ineficiente ou desidioso (art. 100)”[2].
Enfim, a eficiência já era princípio da Administração Pública, porém não expresso da mesma maneira que os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade (artigo 37, caput, da Constituição Federal de 1988). Apesar disso, o artigo 74, inciso II, da Carta Magna já mencionava a eficiência como critério de controle interno dos poderes do Estado.
A jurisprudência também já consagrava a eficiência como princípio da Administração Pública antes da sua inserção formal na Constituição. Eis uma manifestação do Superior Tribunal de Justiça que confirmava essa realidade:
“A Administração Pública é regida por vários princípios: legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade (Const., art. 37). Outros também se evidenciam na Carta Política. Dentre eles, o princípio da eficiência. A atividade administrativa deve orientar-se para alcançar resultado de interesse público” (STJ – 6ª T – RMS n. 5.590/95 – DF. Diário da Justiça, Seção I, 10, jun. 1996. P. 20.395).
Com a inserção do princípio da eficiência no corpo do texto constitucional como princípio da Administração Pública passou a ser legítima a realização do controle de constitucionalidade de qualquer manifestação da Administração que, de acordo com as condições disponíveis, se revele ineficiente.
Alexandre de Moraes, quando trata da Administração Pública, expõe o seguinte conceito do princípio da eficiência:
“Princípio da eficiência é aquele que impõe à Administração Pública direta e indireta e a seus agentes a persecução do bem comum, por meio do exercício de suas competênciasde forma imparcial, neutra, transparente, participativa, eficaz, sem burocracia e sempre em busca da qualidade, primando pela adoção dos critérios legais e morais necessários para a melhor utilização possível dos recursos públicos, de maneira a evitar-se desperdícios e garantir-se uma maior rentabilidade social”[3].
Outros dispositivos alterados pela Emenda Constitucional n. 19/98 buscam alcançar a eficiência no serviço público. Dentre eles, merece destaque o artigo 241 que preceitua o seguinte:
“Art. 241. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplinarão por meio de lei os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes federados, autorizando a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos.”
Esse dispositivo conferiu maior autonomia e liberdade de ação para a consecução das finalidades públicas, o que reflete a necessidade de eficiência na atuação dos administradores públicos.
Garantindo a efetividade e a aplicação do princípio da eficiência, pode-se mencionar o parágrafo 3º do artigo 37 da Constituição Federal de 1988 que prevê que a lei disciplinará as formas de participação do usuário na Administração Pública direta e indireta, regulando especialmente as reclamações relativas à prestação dos serviços públicos em geral, asseguradas a manutenção de serviços; o acesso dos usuários a registros administrativos e a informações sobre atos de governo, observado o disposto no artigo 5º, X e XXXIII; e a disciplina da representação contra o exercício negligente ou abusivo do cargo, emprego ou função na Administração Pública.
Da mesma forma, pode-se mencionar os parágrafos 2º do artigo 39 e 4º do art. 41 da Constituição Federal de 1988, alterados pela Emenda Constitucional n. 19/98 que preceituam, respectivamente, o seguinte:
“Art. 39. (…)
§ 2º. A União, os Estados e o Distrito Federal manterão escolas de governo para a formação e o aperfeiçoamento dos servidores públicos, constituindo-se a participação nos cursos um dos requisitos para a promoção na carreira, facultada, para isso, a celebração de convênios ou contratos entre os entes federados.
Art. 41. (…)
§ 4º. Como condição para a aquisição da estabilidade, é obrigatória a avaliação especial de desempenho por comissão instituída para essa finalidade.”
Todos esses dispositivos constitucionais indicam que o princípio da eficiência veio para ficar e que a previsão de normas que o asseguram atestam a vontade efetiva de imprimir melhorias ao serviço público.
O principal objetivo da Administração Pública é atingir o fim público e este, para que seja alcançado tempestivamente, necessita ter meios de execução eficazes.
A burocracia reinante na Administração Pública já deveria ser algo do passado. A dinamicidade do mundo atual não mais permite formalismos desnecessários. A simplicidade e a rapidez se impõem para que o ser humano possa acompanhar a evolução mundial. Contudo, não se deve esquecer que a simplicidade e rapidez não bastam, pois elas devem ser arquitetadas de modo a produzir resultados que sejam satisfatórios para a sociedade.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro demonstra duas faces do princípio da eficiência:
“(…) o princípio da eficiência apresenta, na realidade, dois aspectos: pode ser considerado em relação ao modo de atuação do agente público, do qual se espera o melhor desempenho possível de suas atribuições, para lograr os melhores resultados; e em relação ao modo de organizar, estruturar, disciplinar a Administração Pública, também com o mesmo objetivo de alcançar os melhores resultados na prestação do serviço público”.[4] (destacado)
O princípio da eficiência é, assim, imprescindível ao bom funcionamento de qualquer administração, pois é destinado a produzir resultados positivos, devendo estar não apenas na organização e estrutura públicas, mas na atividade de cada agente público, ou seja, em todas as atuações do Poder Público.
1.1. A relação do princípio da eficiência com os demais princípios da Administração Pública
A legalidade, a moralidade, a impessoalidade e a publicidade são os princípios clássicos da Administração Pública.
Ao contrário da área privada em que é permitido tudo o que não está expressamente vedado pela lei, o setor público só pode atuar de acordo com o que está expressamente autorizado em lei. Dessa maneira, não é lícito à Administração Pública atuar fora dos limites da legalidade.
Herança da criação do Estado de Direito, o princípio da legalidade conserva sua importância no âmbito administrativo, pois o administrador público deve ater-se aos comandos legais sob pena de responsabilidade civil, administrativa e até criminal.
O princípio da moralidade impõe ética à Administração Pública. O administrador público, além de observar a lei, deve pautar sua conduta pela honestidade, pois um ato formalmente correto pode apresentar-se moralmente viciado por improbidade, desonestidade, corrupção, etc. Se a imoralidade consiste em atos de improbidade, por exemplo, deve-se aplicar a Lei 8429/92 que inclusive prevê sanções para os administradores ímprobos.
Há profunda interligação entre o princípio da moralidade e o da eficiência. Diogo de Figueiredo Moreira Neto, confirmando essa vinculação, afirma que “deve-se considerar como imoralidade administrativa ineficiência grosseira da ação da Administração Pública”[5].
O princípio da impessoalidade indica que a Administração Pública não deve visar pessoas, mas sim objetivos, metas que privilegiem o interesse público, descartando proveitos ou vantagens exclusivamente privados. Nessa acepção, o princípio da impessoalidade apresenta ponto de interseção com o princípio da finalidade. A atuação administrativa deve ser impessoal, atendendo-se ao princípio da isonomia, sem privilegiar determinadas pessoas em detrimento de outras.
Quanto ao princípio da publicidade, acaso não fosse considerado, não haveria Administração Pública. Se tratamos de Administração Pública, todos os seus atos devem revestir-se de publicidade. A atuação dos administradores públicos deve ser divulgada para que se possa evidenciar a transparência na condução da coisa pública. A publicidade é importantíssima para o exercício do controle da Administração, pois, sendo divulgados os atos, a população e as autoridades podem fiscalizar a atuação pública.
O princípio da eficiência surgiu oficialmente por último (Emenda Constitucional n. 19, de 04/06/1998). Assim como os demais princípios, não se deve privilegiá-lo isoladamente.
É de se observar que a eficiência no âmbito da Administração Pública, ao contrário do que ocorre na esfera privada, não pode ser realizada independentemente de qualquer aspecto. A eficiência administrativa pública, para ter abrigo na ordem jurídica, deve observar os demais princípios constitucionais, especialmente os próprios da Administração Pública. Dessa forma, o ato eficiente deve também ser legal, impessoal, moral e público. Jamais se poderá justificar a atuação administrativa contrária ao direito, por mais que possa ser elogiado em termos de pura eficiência.
O administrador deve, então, atentar para o princípio geral da razoabilidade . Essa exigência de razoabilidade traduz-se na “compatibilidade entre o meio empregado pelo legislador e os fins visados, bem como a aferição da legitimidade dos fins”[6]. O princípio da razoabilidade servirá, dessa maneira, tanto como critério de controle, como para guiar a atividade administrativa. Sandra Pires Barbosa escreve sobre a estreita relação do princípio da eficiência com o princípio da razoabilidade:
“Convém ressaltar, finalmente, que o princípio da eficiência, além de extremamente vinculado ao princípio da legalidade, como destacado, está intrínsecamente relacionado também aos princípios da razoabilidade e da moralidade. Ao da razoabilidade porque o administrador deverá adotar critérios razoáveis por ocasião de sua atividade discricionária, evitando, dessa forma, cometer abusos; ao da moralidade porque a imoralidade administrativa é, em si, um ato que representa ineficiência grosseira.”[7]
Além da razoabilidade, a proporcionalidade, especialmente em seu sentido estrito, também deve ser observada. Quando da realização da atividade administrativa, deve ser feito um sopesamento dos valores para que se chegue a uma conclusão acerca da prevalência da eficiência em determinados casos especiais em detrimento de outros princípios que, embora menos privilegiados, jamais devem deixar de ser observados.
Lançadas as principais idéias acerca do princípio da eficiência, passa-se à analise das agências reguladoras, as autarquias especiais em que o referido princípio tem elevada importância.
2. As Agências Reguladoras
A maior parte dos doutrinadores reconhece o modelo norte-americano de agências reguladoras como a principal fonte inspiradora para o surgimento de institutos com características similares na Europa Ocidental e em vários Estados latino-americanos, como o Brasil. Isso se explica porque as agências têm sido, realmente, um dos pilares da Administração Pública nos Estados Unidos da América.
A evolução do direito administrativo norte-americano nesse âmbito chegou a tal ponto que este passou a ser denominado direito das agências.
A partir do New Deal instaurado por Roosevelt na década de 20, consolidaram-se as agências reguladoras no direito dos Estados Unidos da América. As reformas, caracterizadas pela expressiva intervenção do poder público na ordem econômica e social foram efetivadas com a criação de agências independentes às quais se delegaram competências regulatórias.
No Reino Unido, há muito tempo a tradição é no sentido da descentralização da Administração Pública. A criação de entes autônomos operou-se em decorrência de reivindicações da sociedade que almejava serviços públicos livres de interferências políticas.
O modelo norte-americano juntamente com o britânico serviram de parâmetro para a criação do modelo brasileiro de agências reguladoras.
Cumpre observar, contudo, que exatamente quando esse modo de organização administrativa estava enfraquecendo nos países que o originaram é que o Brasil resolveu adotá-lo. A tradição de importar nem sempre traz resultados positivos, pois o que é ou foi bom para determinado Estado pode não ser adequado para o Brasil. Ainda mais quando é claro que tal modelo tem se tornado obsoleto.
Entretanto, a explicação histórica, econômica e sociológica para a adoção de um modelo regulador é a que se relata a seguir:
O Estado, não mais suportando a enorme quantidade de atribuições e responsabilidades sobre todas as atividades de interesse público, inclusive sobre os monopólios, resolveu desestatizar determinadas atividades que poderiam ser melhor desenvolvidas ou igualmente desempenhadas pelo setor privado.
Algumas dessas atividades, pela importância maior que possuíam para a coletividade, não foram privatizadas, pois na privatização, a titularidade do serviço é entregue por completo ao setor privado. Simplesmente tais atividades deixaram de ser executadas pelo Poder Público que as delegou a empresas particulares que passaram a explorá-las, mas sempre sob os olhos da Administração Pública. Para o exercício da supervisão dessas atividades foram criadas as agências reguladoras.
Sobre estas mudanças, as palavras de Germana Moraes:
“As regras constitucionais previstas no texto de outubro de 1988 não guardavam compatibilidade com a nova opção política de adesão ao neoliberalismo.
A transferência para a iniciativa privada de atividades econômicas, antes exercidas (v.g. Companhia Vale do Rio Doce) e de alguns serviços públicos impróprios (v.g. energia elétrica, telecomunicações), antes prestados pelo Estado, além de reduzir seu espectro, enseja novas dinâmicas, ocasionando a criação de originais formas de co-participação, isto é, de parcerias entre os setores público e privado, bem como de entidades estatais, com inéditas funções regulamentadoras e fiscalizadoras do exercício pelos particulares dessas novas atividades por eles assumidas, dentre as quais se destacam as Agências, v.g. ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica (Lei 9427, de 26/12/96), ANP –Agência Nacional de Petróleo (Lei 9478, de 6.9.97) e Anatel – Agência Nacional de Telecomunicações (Lei 9472, de 16.7.97).”[8]
Quanto às atividades econômicas, o artigo 174 da Constituição Federal de 1988 já previra a função reguladora a ser desempenhada pelo Estado nos termos seguintes:
“Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado” (destacado).
Muito antes, porém, entre as décadas de 30 e de 70, já surgiram alguns órgãos estatais com funções reguladoras, como, por exemplo, o Conselho Nacional de Telecomunicações – CONTEL – e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE que fora transformado em autarquia em 1994 pela Lei 8884. Sobre eles, relata Pedro Dutra que:
“Estes órgãos resistiram ao longo do tempo, mas viram frustrada sua efetiva atuação reguladora porque, à exceção do CADE, nasceram subordinados, decisória e financeiramente, ao Poder Executivo, fosse à Presidência da República, ou mesmo a algum Ministério”[9].
As agências reguladoras, diferentemente dos órgãos supramencionados, gozam de relativa independência em relação ao Poder Executivo, nos limites estabelecidos em suas respectivas leis instituidoras, pois os seus atos não podem ser revistos ou alterados no âmbito daquele Poder. Têm, portanto, as referidas agências autonomia na esfera do Poder Executivo, o mesmo não se podendo dizer em relação ao Poder Judiciário (artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal de 1988) nem ao Poder Legislativo (artigo 49, inciso X e artigo 70 da Constituição Federal de 1988), pois estes podem e devem controlar as atividades das agências reguladoras.
Essas agências são provenientes de um modelo de administração descentralizada. Instituem-se sob a forma de autarquias e pertencem, portanto, à Administração Indireta, mas têm regime especial estabelecido nas leis que as instituem.
Diversas agências reguladoras foram criadas no Brasil. Em nível federal já se tem:
– ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica (Lei 9427/96);
– ANATEL – Agência Nacional de Telecomunicações (Lei 9472/97);
– ANP – Agência Nacional de Petróleo (Lei 9478/97);
– ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Lei 9782/99);
– ANS – Agência Nacional de Saúde (Lei 9961/2000);
– ANA – Agência Nacional de Águas (Lei 9984/2000)
– ANTT – Agência Nacional de Transportes Terrestres (Lei 10.233/2001);
– ANTAQ – Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Lei 10.233/2001);
– ANCINE – Agência Nacional de Cinema (Medida Provisória n. 2228-1/2001);
– ANAC – Agência Nacional de Aviação Civil (Lei 11.182/2005)
Tratando das principais atribuições das agências reguladoras, José dos Santos Carvalho Filho expõe os papéis reservados a essas agências:
“A essas autarquias reguladoras foi atribuída a função principal de controlar, em toda a sua extensão, a prestação dos serviços públicos e o exercício de atividades econômicas, bem como a própria atuação das pessoas privadas que passaram a executá-los, inclusive impondo sua adequação aos fins colimados pelo governo e às estratégias econômicas e administrativas que inspiraram o processo de desestatização.
Pode mesmo afirmar-se, sem receio de errar, que tais autarquias deverão ser fortes e atentas à área sob seu controle. Sem isso, surgirá o inevitável risco de que pessoas privadas pratiquem abuso de poder econômico visando à dominação dos mercados e à eliminação da concorrência, provocando aumento arbitrário de seus lucros. A Constituição já caracterizou essas formas de abuso (art. 173, § 4º), cabendo dessa maneira, às novas agências autárquicas a relevante função de controle dos serviços e atividades exercidos sob o regime da concessão.”[10]
Da mesma maneira como ocorre com o direito norte-americano das agências, está sendo conferido o poder de ditar normas com força de lei às agências reguladoras. Isso está gerando muitas discussões, pois tal poder normativo é exercitado com base em conceitos indeterminados predispostos nas leis instituidoras das agências. Referidos conceitos indeterminados, sendo muito gerais e abstratos, dão margem a amplas possibilidades de regulamentação o que faz com que tais agências exerçam uma espécie de poder legislativo paralelo.
As duas únicas agências que estão previstas na Constituição são a de telecomunicações – ANATEL (artigo 21, XI, da Constituição Federal de 1988 com a redação dada pela Emenda Constitucional n. 8 de 1995) e a de petróleo – ANP (art. 177, parágrafo 2º, inciso III, da Constituição Federal de 1988 com a redação conferida pela Emenda Constitucional n. 9 de 1995). A Carta Magna fala em órgão regulador quando trata dessas agências, havendo, por conseguinte, fundamentos jurídico-constitucionais para delegar funções normativas a tais autarquias especiais. A função reguladora nesses casos pode ser exercida desde que observados os seguintes requisitos:
– respeito aos limites dos conceitos gerais das leis instituidoras;
– conteúdo relacionado às matérias dos respectivos contratos de concessão, autorização e permissão, não podendo haver invasão em relação a matérias de competência do legislador por parte dessas agências.
O mesmo não se pode dizer em relação à ANEEL, ANVISA, ANS, ANA, ANTT, ANTAQ, ANCINE, ANAC e outras agências reguladoras que vierem a ser criadas, pois “a função normativa que exercem não pode, sob pena de inconstitucionalidade, ser maior do que a exercida por qualquer outro órgão administrativo ou entidade da Administração Indireta”[11].
Feitas estas considerações sobre as agências reguladoras e sua função normativa, que é a que gera mais polêmica, analisar-se-á no próximo tópico as demais atribuições das agências reguladoras concluindo-se, então, pela sua profunda relação com o princípio da eficiência.
3. A importância do princípio da eficiência como princípio da Administração Pública em relação às agências reguladoras.
Em todas as atividades das agências reguladoras as seguintes características estão presentes:
“(…) o direcionamento da atividade e dos serviços públicos à efetividade do bem comum, imparcialidade, neutralidade, transparência, participação e aproximação dos serviços públicos da população, eficácia, desburocratização e busca da qualidade”[12]
Ora, estas são as características básicas do princípio da eficiência. Pelo próprio conceito de princípio da eficiência apresentado, quando se tratou de seus aspectos gerais, pode-se verificar que estas são também as suas características fundamentais. Daí a profunda implicação das matérias deste estudo a ponto das atividades das agências reguladoras, para serem bem desempenhadas, apresentarem, em construção lógica, as mesmas características do princípio da eficiência.
Especificando as principais atribuições das agências reguladoras em relação à concessão, permissão e autorização de serviço público verifica-se que são, basicamente, as mesmas funções que o poder concedente assumia nesses tipos de contratos ou atos de delegação. Costuma-se enumerar as seguintes atribuições às agências reguladoras:
– realizar o procedimento licitatório para escolha do concessionário, permissionário ou autorizatário;
– celebrar o contrato de concessão ou permissão ou praticar ato unilateral de outorga da autorização;
– regulamentar os serviços que constituem objeto da delegação;
– definir o valor da tarifa e da sua revisão ou reajuste;
– fiscalizar e controlar a execução dos serviços;
– aplicar sanções;
– encampar;
– decretar caducidade;
– intervir;
– fazer rescisão amigável;
– fazer a reversão dos bens ao término da concessão;
– exercer o papel de ouvidor de denúncias e reclamações dos usuários;
– decidir sobre matérias de sua alçada e dirimir, no âmbito administrativo, as divergências entre concessionárias, permissionárias, autorizatárias, produtores independentes e autoprodutores, bem como entre esses agentes e seus consumidores (ANEEL) (art. 3º, V, Lei 9427/96);
– regulamentação das obrigações de universalização e de continuidade atribuídas às prestadoras de serviço no regime público (ANATEL) (artigo 79 e ss., Lei 9472/27), etc.
Essas são apenas algumas atribuições mais comuns. Obviamente existem outras tantas que se diversificarão conforme as leis de cada agência.
Importante é acrescentar que o controle das atividades concedidas, permitidas ou autorizadas deve ser realizado pelas agências reguladoras, inclusive quanto ao aspecto da eficiência. Enquanto isso, o controle das agências reguladoras pode ser efetuado tanto pelo Poder Legislativo quanto pelo Poder Judiciário. Especialmente após a constitucionalização do princípio da eficiência, as agências reguladoras ineficientes poderão ser reponsabilizadas em sede de controle legislativo ou de controle jurisdicional.
As atividades das concessionárias, permissionárias e autorizatárias estão imediatamente direcionadas à população e são serviços imprescindíveis à comunidade, como, por exemplo, os serviços de energia, água, telecomunicações, saúde, etc. Mais do que qualquer outro serviço público, essas atividades devem ser prestadas com extrema eficiência em virtude da essencialidade e imprescindibilidade desses serviços para a população. As agências reguladoras, por conseguinte, devem ser extremamente eficazes na realização de suas atribuições, pois se não observarem o princípio da eficiência, correr-se-á o risco de ver-se atividades importantes para a população sob o manto da irresponsabilidade e da burocratização que, na maioria das vezes, reinam na Administração Pública, prejudicando sensivelmente a economia e o desenvolvimento do país.
Conclusões
A Globalização e neoliberalismo conduziram a um novo modelo de Estado diverso do Estado do bem-estar social (welfare state).
Surgia o Estado mínimo ou, como preferem alguns, Estado gerencial como resposta aos reclamos originados do excesso de atividades estatais.
A Administração Pública de modelo burocrático encontrava-se altamente obsoleta e só estagnava qualquer tentativa de desenvolvimento.
Assim, alguns Estados, dentre eles o Brasil, iniciaram programas de desetatizações e privatizações com o objetivo de reduzir as atribuições do Estado que se tornava predominantemente regulador, controlador e planejador. O Estado, portanto, executava menos e fiscalizava mais.
Neste cenário o Brasil efetuou várias reformas, principalmente de caráter econômico, administrativo e previdenciário.
A Emenda Constitucional n. 19, de 04 de junho de 1998, dentre outras importantes reformas administrativas, incluiu entre os princípios da Administração Pública o princípio da eficiência que veio em boa hora, já que o Estado atual não mais se coaduna com uma administração burocrática, ineficiente e em que ninguém é responsável por nada.
A pesada carga que se avolumava sobre o Estado não permitia mais a prestação de certos serviços de maneira satisfatória, razão pela qual o Estado passou a transferir para a iniciativa privada grande parte dos serviços que outrora prestava diretamente. O Estado empresário transmudava-se para Estado gerencial.
Como alguns desses serviços eram de relevância pública, o Estado não poderia se descuidar deles de maneira absoluta. Foi aí então que se criaram as agências reguladoras, autarquias de regime especial destinadas a regular, fiscalizar e controlar as atividades delegadas aos concessionários, permissionários e autorizatários.
As atribuições das agências reguladoras são semelhantes às que o próprio Poder Executivo realizava em relação às suas concessões, autorizações e permissões. Em virtude disso, as autarquias de regime especial têm que apresentar uma eficiência excepcional, pois a responsabilidade sobre a regularidade, continuidade e universalidade dos serviços públicos prestados pelos entes privados é, além destes, principalmente das agências, já que estas tomam decisões em última instância acerca das matérias cujo controle a elas é destinado pelas respectivas leis instituidoras.
Além da eficiência que têm que apresentar na realização de suas atribuições, as agências reguladoras também devem controlar a eficiência do serviço público concedido, permitido e autorizado.
Controlam as agências reguladoras os Poderes Legislativo e Judiciário que têm autoridade para aferir, inclusive, a eficiência dessas agências.
As agências reguladoras, como são pertencentes à Administração Pública Indireta, quando observarem o princípio da eficiência, que é dos mais importantes para elas, não se devem descuidar dos demais princípios previstos no artigo 37, caput, da Constituição Federal de 1988, quais sejam: os princípios da moralidade, impessoalidade, publicidade e legalidade. Acaso tal descuido se verifique, o ato, apesar de extremamente eficiente, pode ser anulado pela própria agência, através do controle interno previsto no art. 74, inciso II, da Constituição Federal de 1988; pelo Poder Judiciário através do controle jurisdicional ou, ainda, sofrer controle por meio do Poder Legislativo através do Tribunal de Contas.
Assim, há um relacionamento estreito entre o princípio da eficiência e a atividade das agências reguladoras. O princípio da eficiência serviu de fundamento para a criação de agências que melhor desempenhariam um dos papéis que a Administração Pública já não executava com satisfatoriedade. Partindo desse pressuposto, as atividades que as agências reguladoras controlam devem ser realizadas com presteza, perfeição, alto rendimento, resultados positivos, qualidade e rapidez. Tudo isso só poderá ser alcançado se as agências realizarem suas atribuições com essas mesmas qualidades o que imprimirá seriedade aos serviços prestados.
Enfim, o bom funcionalmento do Brasil, que só pode crescer economicamente se houver excelência nos serviços públicos de energia, telefonia, água, combustível, etc, que são serviços essenciais a toda a coletividade, depende fundamentalmente da presteza, perfeição, alto rendimento, resultados positivos qualidade e rapidez das agências reguladoras que devem exigir o mesmo de seus delegatários.
Para finalizar, cumpre ressaltar que as características supramencionadas só podem ser exigidas com juridicidade porque têm fundamento no princípio constitucional da eficiência. Esse princípio justifica com legitimidade todas as atuações naqueles parâmetros, gerando responsabilidades a quem não o observar.
Informações Sobre o Autor
Rosalliny Pinheiro Dantas
Procuradora Federal; Mestre em Direito pela Universidade Federal do Ceará; Especialista em Direito Público pela Universidade Federal do Ceará; Graduada em Direito pela Universidade Federal do Ceará.