A Inconstitucionalidade da Lei de Interceptação Telefônica em Razão da Exclusão da Defesa no Rol dos Legitimados a Requerer as Provas Nela Reguladas

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Desde 24 de julho de 1996 está em vigor a lei 9.296, criada para regulamentar o inciso XII, parte final, do art. 5° da Constituição Federal.

Referida norma federal definiu: critérios, hipóteses, finalidades, legitimados para requerer e a autoridade competente para autorizar a realização de interceptação telefônica ou do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática e de captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos (esses últimos inseridos pela lei 13.964/2019).

O artigo 1º se apresenta em total sintonia com a Lei Maior, ao limitar a utilização de tais ferramentas “para prova em investigação criminal e em instrução processual penal” e ao realçar a indispensável necessidade do filtro judicial consistente em “ordem do juiz competente da ação principal”; ainda que caiba uma crítica ao uso da expressão “juiz” quando o adequado é “juízo”.

Mas da leitura do artigo 2º já é possível notar que a lei em comento não está perfeitamente alinhada às diretrizes constitucionais que norteiam o desenrolar processual no âmbito de um Estado Democrático de Direito.

O inciso II, do indigitado dispositivo afirma que os mecanismos para colheita de provas dispostas na citada lei só poderão ser utilizados se existir “indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal”.

Numa leitura superficial parece que a redação visa proteger o jurisdicionado, pois cria uma barreira a ser ultrapassada para justificar a violação do direito à privacidade.

Não obstante, basta aprofundar um pouco a análise para se perceber que, em verdade, o Legislador já está a anunciar que os meios de prova regulados serão de uso exclusivo do Estado acusador.

É no artigo 3º, que a afirmação acima se materializa de modo cristalino quando são legitimados apenas a “autoridade policial, na investigação criminal” e o “representante do Ministério Público, na investigação criminal e na instrução processual penal” como atores da persecução para requerer a produção de tais provas, o que lamentavelmente foi recentemente repetido no artigo 8º-A inserido pela lei 13.964/2019.

Soa-nos de todo equivocado tal direcionamento legislativo, tendo em conta que faz parecer que o resultado probatório, irrepetível por essência, só tem lugar para embasar a acusação, mas que nenhuma serventia tem para a defesa do perseguido criminalmente.

A título de comparação de boa medida relembrar que o artigo 242, do Código de Processo Penal,  dispõe que a busca e apreensão “poderá ser determinada de ofício ou a requerimento de qualquer das partes”.

No ponto cumpre destacar que se o Manual de Ritos também peca pelo resquício inquisitivo e ofende o princípio do acusatório, intrínseco ao nosso sistema, quando permite ao juízo produzir prova, ao menos se mostra muito mais democrático do que as leis 9.296/1996 e 13.964/2019, ao colocar no mesmo patamar todos os atores processuais pelo uso singelo do vocábulo “partes” deixando evidente que a legitimidade para requerer tal prova é de “qualquer” delas.

O exemplo da busca e apreensão tem especial significado pois, é também no artigo 5º, da Carta da República, no inciso XI, vizinho daquele que rendeu ensejo à norma que ousamos criticar, reside o resguardo da casa como asilo inviolável, cuja penetração sem consentimento só poderá ocorrer sendo o caso de flagrante delito ou desastre, ou ainda por determinação judicial.

É de se observar a evidente simetria entre o sigilo das comunicações e a proibição de se devassar casa alheia, pois ambas as situações remontam ao direito à intimidade e à privacidade, daí porque, nos dois casos exige-se autorização judicial prévia.

Ora, se duas situações tão próximas merecem tratamento idêntico no texto constitucional, qual é a razão legítima para que no plano da legislação federal uma possa ser requerida por “qualquer das partes” e a outra apenas pela “autoridade policial” ou pelo “membro do Ministério Público”?

Se existe, desconhecemos.

Esse é ponto principal do presente ensaio, pois a lei em apreço, sem qualquer base constitucional ou principiológica, restringiu inadvertidamente o uso desses mecanismos probatórios pela defesa técnica, o que, a toda evidência, não se compraz com as premissas da Lei Maior.

Cabe assentar que soa pueril a conclusão de que qualquer meio de produção de prova só possa interessar a um lado, e que não possa ser utilizado com o explícito fim de se comprovar a inocência de quem é perseguido criminalmente.

Importante ainda relembrar que o inciso XII, do artigo 5º, da Constituição Federal não fez tal direcionamento, pois sua dicção é de que devem se restringir à investigação criminal ou instrução processual penal, sem qualquer indicação de que deve servir apenas para acusar.

A título de reforço cumpre trazer à baila o disposto no inciso LV, também do artigo 5º, da Constituição: “LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

Para em seguida indagar: Como é possível se falar em ampla defesa quando uma lei se presta a regular meios probatórios reservando-os apenas à acusação?

É óbvia a resposta: Em uma só penada feriu-se os princípios da ampla defesa, do contraditório e da paridade de armas, desnudando a inconstitucionalidade da lei neste particular.

Em continuidade cabe ainda perquirir: Será que sob nenhum aspecto seria proveitoso à defesa do indiciado ou denunciado o requerimento para a realização da colheita de tais provas?

Evidente que a riqueza do cotidiano forense é capaz de nos mostrar inúmeras situações em que a realização de interceptação telefônica e escuta ambiental podem ser vitais para o acusado.

Com efeito, por certo que somente à defesa cabe deliberar se é o caso de utilizar tal via diante de um caso concreto, sendo completamente descabida a presunção presunçosa insensatamente inserida na lei, que claramente contraria as balizas básicas do processo democrático constitucional.

Aos que ainda duvidam do potencial desse instituto para a efetivação da justiça se manejado adequadamente pela defesa, de boa valia a leitura de materiais que tratem da teoria dos jogos e da investigação defensiva.

Diante do exposto, parece-nos que os artigos 3º e 8º-A merecem ser alterados para que qualquer das partes possa requerer a produção das provas reguladas pela Lei 9.296/96, afastando-se a inconstitucionalidade latente que a assola; e que o inciso II, do artigo 2º, se mantido como está, seja interpretado conforme o texto constitucional de modo que aquele contra quem pese investigação ou acusação penal, seja permitido utilizar tais ferramentas no ensejo de demonstrar sua inocência.

 

PAULO BRAGA, ADVOGADO, PÓS-GRADUADO EM DIREITO PÚBLICO

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