A Injustiça na Legal Aplicação das Penas: A Discrepância no Tratamento Estatal dispendido ao Ofendido e ao Autor de Ilícitos Penais e a Ausência de Reparação do Dano à Vítima

Resumo: O atual sistema carcerário pátrio, alvo de insatisfações jurídico-políticas, demonstra-se defasado e inadequado ao escopo de prevenir a reincidência. Há vasta (des)informação alardeada pelos meios de comunicação brasileiros, de que “cadeia” (conotativamente chamado o sistema carcerário) é sinônimo de justiça. Neste cenário, enquanto cresce o debate quanto à proteção aos direitos dos encarcerados, parcos são os debates a cerca da reparação (ou ao menos minoração) dos efeitos dos ilícitos sob a ótica dos ofendidos. Deste modo, a louvável luta de proteção ao encarcerado é prioridade, enquanto perecem sem qualquer acompanhamento público, os direitos dos ofendidos, gerando a descrença no poder judiciário, a marginalização dos egressos do sistema carcerário e o aumento da sensação de impunidade, o qual finda na reincidência da prática de ilícitos.

Palavras-chave: Pena; Aplicação; Legalidade; Justiça; Igualdade.

Abstract: The current parental prison system, subject to legal and political dissatisfaction shows up outdated and inadequate to the scope of preventing recurrence. There is wide (mis) information vaunted by the Brazilian media, that "chain" (connotatively called the prison system) is synonymous with justice. In this scenario, while growing debate about protecting the rights of prisoners, meager are the debates about the repair (or at least reduction) of the effects of illegal from the perspective of the victims. Thus, the laudable protection fight the imprisoned is priority while perish without any public monitoring, the rights of the victims, creating disbelief in the judicial power, the marginalization of graduates of the prison system and the heightened sense of impunity, which ends the recurrence of illegal practice.

Keywords: Feather; Application; Legality; Justice; Equality.

Sumário: 1. Introdução; 2. Das penas e da aplicação do cumprimento de sentença; 2.1. Das penas; 2.2. O atual sistema de aplicação das penas; 2.3. A sentença; 2.4. Do sincretismo; 2.5. Os efeitos das sentenças condenatórias; 2.6. A possibilidade de reparação civil; 3. Dos direitos dos detentos e a atual política de assistência carcerária; 4. Dos direitos das vítimas e seus familiares; 5. as discrepâncias assistenciais ao condenado e à vítima; 6. Conclusão; 7. Referências.

1. Introdução

A justiça por vezes é confundida como a aplicação pura da lei, quando na realidade a mera aplicação dos preceitos normativos, nada mais é do que a legalidade.

O cotidiano hodierno faz entender que a aplicação da lei cabe à justiça, assim vulgarmente chamado o Poder judiciário, enquanto cabe ao cidadão meramente acompanhar aquele, fiscalizando-o para saber se o poder judiciário, por seus servidores, vem cumprindo os prazos prescritos em lei, e assim fazendo justiça embasados meramente na aplicação da norma friamente posta.

Conquanto a vida em sociedade é regida tanto por normas legais quanto por aquelas que, nas palavras de Jean-Jacques Rousseau, compõe o contrato social ao qual todos os seres humanos aderem compulsoriamente ao nascerem.

Ora, por certo o ordenamento jurídico tende a deixar uma sociedade órfã por com o passar do tempo, não mais adequar-se aos ideias para qual a norma foi criada, inexistindo inclusive os fatos que outrora foram tidos como ilegais.

Doutra banda persistem os ideais de justiça, os quais transpassam a sociedade, sendo de caráter universal e existentes ainda quando não há norma positivada, pois este liga-se mais intimamente ao indivíduo, somente nele existindo, enquanto a legalidade é exterior aquele, necessitando dele para possuir um fim, uma utilidade.

2. Das penas e da aplicação do cumprimento de sentença

Tido como ineficiente, o sistema carcerário brasileiro vem sendo considerado como sistema falido, pois por vezes fomenta uma desigualdade de tratamento entre o infrator e a vítima, gerando discrepâncias legais que chegam a ser afronta ao estado democrático de direito, pois põe a vítima com  menos assistência estatal que o próprio infrator.

Tal anomalia é vista pela população como impunidade, injustiça. Aos mais legalistas é a mera e correta aplicação da norma posta. Aos humanistas, é o dever do Estado, pois cabe a este promover a salvaguarda dos direitos dos detentos, aos quais foi tolhido somente o ir e vir.

Aos juristas mais atentos, tal assistência exacerbada a população carcerária em detrimento de um tratamento público de serviços caótico, e a patente afronta aos direitos fundamentais. De nenhum modo pode ser confundida a salvaguarda legal de direitos inerentes ao ser humano, com o protecionismo, sob pena de em poucos anos, ser mais vantajoso cometer crimes do que ser um cidadão que respeita todas as normas e leis vigentes.

Nada de absurdo, somente a realidade.

2.1. Das Penas

A Pena é o poder dever do Estado para punir um infrator da norma posta, em linhas gerais é o modo de repressão, pelo poder público, à violação da ordem social normatizada.

Portanto consiste numa punição imposta pelo Estado ao transgressor de uma norma positivada, não podendo o Estado agir penalmente quando não há tipificação do ato considerado como crime por vedação do Artigo 1º do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, e do inciso XXXIX, do artigo 5º da Constituição Federal da República Brasileira de 1988 – CFRB/88.

Assim, para cada crime cometido há uma sanção prevista, a qual deve ser aplicada pelo Estado, incumbindo ao Ministério Público o dever de promover a ação penal pública, sendo este o titular daquela por força do inciso I, do artigo 129, da CFRB/88. Contudo na ação penal privada o ofendido tem tal incumbência.

2.2. O atual sistema de aplicação das penas

Atualmente o Juiz fixa a pena seguindo o preceito do Artigo 59 do Código Penal, ou seja, “atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima” e estabelece, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, “as penas aplicáveis dentre as cominadas; a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos; o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade; a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível”.

Portanto o quantum da pena depende de diversos fatores, não havendo limite certo e determinado para tal fixação. Contudo há prazo para o cumprimento da pena privativa de liberdade, conforme disposição do artigo 75 do Código Penal esse limite é de 30 anos.

Tal limite existe para impossibilitar que um infrator passe toda sua vida encarcerado, pois assim não se cumpriria o escopo educacional e de ressocialização que é dotado o sistema prisional pátrio.

2.3. A sentença

Segundo o novo conceito, instituído pela Lei nº. 11.232/2005, sentença é o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos artigos 267 e 269 da Lei nº Lei No 5.869, de 11 de Janeiro de 1973 – Código de Processo Civil, assim elas podem determinar a extinção do processo com ou sem resolução do mérito.

Quando aplicado o artigo 267 do Código de Processo Civil – CPC, o processo é extinto sem solução de mérito, ou seja, não põe fim ao processo, pois ainda caberá recurso dessa decisão. Gera coisa julgada meramente formal, o que possibilita ingresso de nova ação pretendendo o mesmo objetivo, sendo também chamada de terminativa.

Nos casos do artigo 269 do CPC são as que resolvem o litígio, adentrando no mérito da questão e solucionando-o, gerando coisa julgada material, o que impossibilita ingresso de nova ação para decidir o mesmo mérito. É também chamada de definitiva.

2.4. Do Sincretismo

O sincretismo processual traduz uma tendência do direito processual, de combinar fórmulas e procedimentos, de modo a possibilitar a obtenção de mais de uma tutela jurisdicional, simpliciter et de plano (de forma simples e de imediato), no bojo de um mesmo processo, com o que, além de evitar a proliferação de processos, simplifica (e humaniza) a prestação jurisdicional, assim define o renomado professor Carreira Alvim (2011, p. 111).

Portanto o sincretismo é a possibilidade de um mesmo juízo decidir pelas questões derivadas da causa inicial, em um mesmo procedimento, tal como ocorre a execução cível imediatamente após o transito em julgado da condenação.

Importante destacar que o termo sincretismo processual ganhou maior conhecimento após a alteração do artigo 273, parágrafo 7º, do Código de Processo Civil, pela lei 10.444/02.

2.5. Os efeitos das sentenças condenatórias

A sentença condenatória julga o processo com resolução do mérito, assim faz coisa julgada material, sendo atacada somente por ação rescisória, em caso de trânsito em julgado.

Com a condenação penal, é cominada sanção, a qual segue os parâmetros fixados no Código Penal, Processual Penal e na Constituição Federal.

A interpretação do Código Penal à luz da Constituição Federal revela os seguintes princípios basilares: a legalidade, devido processo legal, culpabilidade, lesividade, proporcionalidade, individualização, humanização e valor social da pena, subsidiariedade, fragmentariedade. Enfim, a lei penal brasileira é uma barreira de defesa do indivíduo em face do poder punitivo do Estado.

Conquanto quando exacerbada esta proteção finda por ser similar a impunidade, muitas vezes sendo consequência de penas brandas e cautela desmedida, o que torna a população descrente quanto ao caráter punitivo dado aos atos tidos como crime.

2.6. A possibilidade de reparação civil

A reparação civil é feita basicamente através da indenização (que tem natureza compensatória) e da restituição do bem jurídico o tanto quanto possível ao estado anterior ao evento danoso.

Hodiernamente, a reparação civil por ilícitos penais não é tida como sincrética, mas somente como possível, conforme disposição do artigo 63 do Código de Processo Penal, no qual resta prevista a possibilidade de ação civil que vise indenização pelos danos experimentados pelo ofendido, seu representante legal ou seus herdeiros.

Conquanto, esta matéria é controvertida.

“O juiz criminal tem obrigação, por força de lei, de fixar um valor mínimo para reparar os danos causados por uma infração”. A decisão é da 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais[1], que, por maioria, entendeu que a indenização reparatória à vítima, embora seja matéria cível, deve ser inserida na sentença penal condenatória por conta do artigo 387, inciso 4º, do Código de Processo Penal. Por ser norma cogente, ou seja, independe da vontade do indivíduo, o juiz não pode deixar de apurar o valor.

Conquanto haja o decisum, o julgamento dos embargos foi apertado. Ficaram vencidos os desembargadores Eduardo Brum, relator, e Júlio Cezar Guttierrez. Eles votaram no sentido de que, apesar da reforma do CPP, com a alteração do inciso 4º do artigo 387, é necessário que a vítima peça a indenização no processo, para que não haja lesão aos princípios da ampla defesa e do contraditório e que seja avaliado o dano causado.

De acordo com o dispositivo do Código de Processo Penal, o juiz “fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido”. A norma permite que a vítima, satisfeita com o piso fixado pelo juízo criminal, proceda com a execução do valor, sem impedir que ela discuta, posteriormente, o valor total da reparação na esfera cível, impetrando ação civil ex delicto, de acordo com o artigo 63 do Código de Processo Penal.

Tal posicionamento parece ser mais coerente, uma vez que a restitucio in integro deve ser máxima quando há possibilidade, ou ao menos ser facilitada a compensação pelo fato lesivo provocado pelo infrator.

Conforme o voto do desembargador Hebert Carneiro, que citou Audrey Borges de Mendonça, no livro Nova Reforma do Código de Processo Penal, que diz que não há violação ao princípio da inércia quando o juiz criminal fixa o valor mínimo na sentença independentemente de pedido explícito. “Isso porque é efeito automático de toda e qualquer sentença penal condenatória transitada em julgado impor ao réu o dever de indenizar o dano causado. Não é necessário que conste na denúncia ou queixa tal pedido, pois decorre da própria disposição legal o mencionado efeito. (…) No âmbito penal, a sentença penal condenatória será considerada título executivo. O mesmo se aplica em relação ao valor mínimo da indenização: decorre da lei, é automático, sem que seja necessário pedido expresso de quem quer que seja”.

Deste modo, cumpre ressaltar que a indenização por danos materiais corresponde ao valor patrimonial atingido e danificado, fixada pelo juízo criminal, não pode ser confundida com a possibilidade de indenização por danos morais que será verificada em juízo cível, sendo esta ultima uma forma de compensação em dinheiro pela lesão à personalidade, nome, imagem, privacidade, ânimo psíquico, moral e intelectual da vítima do ato lesivo.

3. Dos direitos dos detentos e a atual política de assistência carcerária

O sistema carcerário pátrio hodierno busca dar “nova chance” aos egressos do sistema prisional, sob o argumento de que assim tornaria menor o risco de retorno a delinquência.

Instituído pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ, o programa “Começar de Novo” é um dos principais projetos do Brasil para reintegração de ex-detentos.

“Desde sua criação, em 2009, já empregou mais de 2 mil ex-presidiários em empresas públicas e privadas. Os ex-presos têm acesso às vagas por meio dos tribunais locais ou pelo Portal de Oportunidades, ferramenta do site do CNJ. Mais de 300 empresas parceiras cadastradas disponibilizam trabalho para quem já deixou a prisão ou está no regime semi-aberto.”[2]

Atualmente é exponencial o crescimento do número de vagas oferecidas e das empresas conveniadas ao programa, havendo envolvimento inclusive do Sistema “S” (SENAI, SENAC), os quais profissionalizam o detento para melhor colocação no mercado de trabalho, já que se estima que 70% da população carcerária sequer tem o ensino fundamental concluído[3].

O CNJ também realiza o cadastramento de parentes de pessoas presas. Muitas vezes, a família fica desestruturada quando o pai ou mãe vai para a prisão. Com o levantamento, os familiares são encaminhados para receber benefícios e para concorrer a vagas de trabalho. O sistema já está funcionando nos estados do Maranhão e de Minas Gerais.

Ademais, o Governo Federal promove assistência psicológica, médica, jurídica e nutricional para todos os detentos, conforme comunica em seu sítio eletrônico, sendo este um dos grandes avanços humanitários contemporâneos de nosso sistema prisional atual.

“Os presos carentes contam com assistência jurídica integral prestada por 271 advogados. Quem quer estudar tem acesso à alfabetização e pode cursar o ensino fundamental e médio. Há ainda salas de leitura, palestras e oficinas.  A FUNAP também oferece cursos profissionalizantes com certificação.

A oportunidade de aprender um oficio ainda no regime fechado é importante para que o detento já ganhe a liberdade em condições de assumir uma nova profissão.

ONG Bem Querer oferece cursos na área da construção civil para internos da Fundação Casa, de São Paulo. Além de capacitar os jovens com aulas técnicas, o programa Construtores do Amanhã tem palestras e debates sobre cidadania, comportamento e voluntariado visando a formação global do aluno. Com a qualificação, aumentam as chances de obter um emprego ao deixar a instituição.

Pastoral Carcerária também tem papel importante na defesa dos direitos dos presos. Em 1986, surgiu como serviço organizado da CNBB e passou a ter uma coordenação nacional em 1988. Entre suas atividades estão visitas, apoio jurídico, assistência às famílias e acompanhamento de denúncias de violação dos direitos humanos.”

A título de exemplo, em estudo já realizado e publicado, no Estado do Amazonas estima-se que cada detento, mensalmente custa entre R$ 1,7 mil a R$ 2,3 mil reais[4], sendo ainda assegurado auxílio Reclusão no valor de R$ 1.089,72 (um mil e oitenta e nove reais e setenta e dois centavos) até R$ 4.663,75 (quatro mil seiscentos e sessenta e três reais e setenta e cinco centavos), conforme portaria interministerial nº 13, de 9 de janeiro de 2015[5], nos casos em que forem devidos tais pagamentos, conforme legislação vigente.

Portanto um único detento no Estado do Amazonas pode custar ao erário o valor de R$ 6.963,75 (seis mil novecentos e sessenta e três reais e setenta e cinco centavos) mensais.

4. Dos direitos das vítimas e seus familiares

Contracenso ao anteriormente narrado há a posição da vítima e seus familiares.

O atendimento público de saúde é dado pelo Sistema Único de Saúde – SUS, o qual criado em 1988, com a promulgação da Constituição Federal, tornou o acesso gratuito à saúde direito de todo cidadão.

Até então, o modelo de atendimento era dividido em três categorias: os que podiam pagar por serviços de saúde privados, os que tinham direito à saúde pública por serem segurados pela previdência social (trabalhadores com carteira assinada) e os que não possuíam direito algum.

Com a implantação do sistema, o número de beneficiados passou de 30 milhões de pessoas para 190 milhões. Atualmente, 80% desse total dependem exclusivamente do SUS para ter acesso aos serviços de saúde[6].

Ademais, o SUS responde não apenas pelos atendimentos médicos, mas clínicos, psicológicos, e nutricionais da maior parte da população brasileira, conforme anteriormente aferido.

Não obstante é o fato de que o sistema público de saúde não suporta o quantitativo de atendimentos necessários a população, sendo frequentes os escândalos envolvendo fraudes e até mesmo mortes por precariedade ou até ausência de atendimento.

Doutra banda, incumbe salientar o sistema público de ensino, o qual é incapaz de tirar 9,7 milhões de brasileiros do analfabetismo[7], demonstrando assim que ainda está longe de ser um serviço adequado.

Igualmente seguem os índices de trabalho e emprego, devido a ausência de qualificação da mão de obra.

Insta salientar que igualmente vexatórios os dados quanto a assistência pública dos ofendidos e vítimas de crimes. Atualmente uma pessoa agredida fisicamente deve ser submetida a exame de corpo de delito, pois por ser crime material, a ofensa a integridade deve ser atestada por médico perito, sob pena de a ação ser arquivada.

Deste modo, há submissão do ofendido ao sistema público de saúde!

Fato pior ocorre nos casos onde há estupro, pois geralmente são crimes com violência exacerbada, exigindo que as vítimas passem pelo constrangimento de contar em depoimento o ocorrido. Após devem ser submetidas as avaliações periciais, narrando novamente o ocorrido. Em seguida devem receber tratamento médico para evitar contaminação por doenças sexualmente transmissíveis, e assim utilizam da rede pública ineficiente para seu atendimento e tratamento posterior.

Assim, a vítima e toda sua família estão sempre a mercê dos atendimentos públicos, que muitas vezes demonstram-se lentos, morosos, incompletos e atormentadores.

Outro fato que merece relevância é o tratamento dos direitos, pois quando o ofendido sofre o ilícito, deve comunicar o ocorrido a autoridade policial, assim o Ministério Público que tem a função de titular da ação penal pública, inicia a persecução penal.

Conquanto a vítima é tida como mero elemento dentro do contexto criminoso, sendo ínfimo o tratamento aquela, pois apensar de poder, o parquet não encaminha as vítimas para assistência médica, não realiza acompanhamento psicológico e nem da saúde do ofendido.

De igual modo agem os direitos humanos, assim conhecidos os órgãos assistenciais mantidos pelo Estado, os quais evocados para manifestarem acerca de um determinado ilícito, geralmente tomam posição neutra, não agindo para a salvaguarda dos direitos da vítima, a qual deve a todo instante buscá-los para ter atendimentos que aliviem o trauma sofrido pelo evento penal.

5. As discrepâncias assistenciais ao condenado e à vítima

Inicialmente frisa-se o salário mínimo nacional é notoriamente incapaz de suprir necessidades como alimentação, vestuário, educação, saúde, transporte e outras que são tidas como essenciais para a salvaguarda da dignidade da pessoa.

Conforme indicadores do IBGE cerca de 16,2 milhões de pessoas estão abaixo linha de pobreza[8], ou seja, sequer recebem o valor de um salário mínimo mensal, já que assim são considerados aqueles brasileiros que tem renda per capta igual ou inferior a R$ 70,00 (setenta reais).

Ainda mais preocupante é saber que no caso de um trabalhador, que labora em regime celetista e percebe um salário mínimo (R$ 788,00 em 2015), ao praticar um crime e ser conduzido à cadeia, passa a perceber auxílio-reclusão no mesmo valor do mínimo nacional. De certo que tal benefício é destinado a seus familiares, conquanto resta um paradoxo de difícil entendimento.

Assim, verifica-se a diferença econômica entre o detento e o cidadão que não pratica ato ilícito, sendo ainda tratado este tema como tabu pelos magistrados, os quais não exaram decisões contrárias ao texto de lei, sendo meramente legalistas e não operadores do direito.

Isto pelo fato de que ao ofendido, assim como à sua família, não são assistidos in totum os direitos que lhes são conferidos por justiça, como a reparação material pela ofensa, sendo esta pela retromencionada fixação de quantum indenizatório já em juízo criminal.

Além disto, há diferença quanto ao atendimento dispensado ao infrator e à vítima e seus familiares, pois enquanto a comunidade carcerária tem sistema de proteção para seus interesses, inclusive dezenas de Organizações Não Governamentais, o Estado mantém somente os sistemas públicos de atendimento para minimizar os efeitos danosos causados às vítimas de ilícitos penais, os quais cada vez mais se demonstram ineficazes.

Ora, se os órgãos de atendimento e salvaguarda de direitos humanos buscam o melhor atendimento das pessoas humanas, por qual motivo atendem primordialmente, por vezes somente, a população carcerária? Deveriam então denominar “direitos dos detentos humanos”

Os esforços governamentais se demonstram cada vez menos eficazes no combate a criminalidade, sendo patente que maiores investimentos na população carcerária não são uma saída plausível para a realidade que afronta a sociedade.

6. Conclusão

Por todo o exposto, cumpre salientar que os esforços penais para ressocialização dos detentos não ocorre com eficácia, mas constituem mecanismos legais que tutelam a discrepância de atendimento pós crime entre o agente infrator e o ofendido, pois ao infrator há toda uma malha governamental que salvaguarda seus direitos e interesses, inclusive de seus familiares, enquanto ao ofendido resta o atendimento público judiciário, de saúde, educação, e outros necessários a reparação do ilícito sofrido.

Ora, a sociedade brasileira cresce e avança rumo a uma política carcerária assistencialista, pois as normas legais, friamente aplicadas podem sugerir que ao trabalhador que, recebendo um salário mínimo, queira aumentar os rendimentos mensais de sua família, basta cometer crime e solicitar auxílio-reclusão, sendo majorado o valor de seus rendimentos mensais em quase metade.

Por certo que todos os seres humanos merecem dignidade de atendimento dos seus direitos e proteção de seus interesses, todos! Contudo a atual atenção dispensada pelo Estado nas causas criminais demonstram esforços em um sentido de proteção exacerbada ao infrator em detrimento ao ofendido e seus familiares.

Logo, o mais aceitável nesta conjuntura, seria a reparação pelo ilícito praticado, onde o infrator fosse compelido a ressarcir aquilo que lesionou, sempre sendo assegurado o direito a reparação por danos morais ao ofendido, quando couber.

Contudo a mera aplicação das leis demonstra-se obstáculo ainda maior aos problemas narrados, sendo necessária a interpretação também em favor do ofendido, rompendo assim com a mera legalidade, a qual hodiernamente é empecilho que obsta o vislumbre de justiça, quando vista a aplicação da lei sob a ótica do ofendido.

Referências
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MARCÃO, Renato. Curso de Execução Penal. 4ª Ed. Ver. Atual. Ed. Saraiva. São Paulo 2007.
REALE JUNIOR, Miguel. Novos rumos do sistema prisional. Forense. Rio de Janeiro. 1983
HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal. 3ª Ed. Forense. Rio de Janeiro. 2001
MARQUES, Luiz. A solução das disputas. Revista História Viva, nº 50.
FELIX, Nildo Cristiano.  História do Direito Penal Brasileiro. Disponível em: <http://www.sabernarede.com.br/a-historia-do-direito-penal-brasileiro> Acesso em: 13 mar 2013.
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Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de Dezembro de 1940 – Código Penal disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm> Acesso em 1 de jun 2013.
Lei nº 11.232, de 22 de Dezembro de 2005. Altera a Lei nº 5.869, de 11 de Janeiro de 1973 – Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11232.htm> Acesso em 1 de jun 2013.
JusBrasil Tópicos. Decisão Definitiva. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/topicos/292525/decisao-definitiva#topicos-dicionario> Acesso em 1 de jun 2013.
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Notas:
[1] Processo 1.0035.09.158782-0/002(1)

[2] http://www.brasil.gov.br/sobre/cidadania/direito-dos-detentos

[3] http://www.bemquerer.org.br/projetos.html

[4] http://www.aleam.gov.br/ANMateria.asp?id=11263

[5] http://www3.dataprev.gov.br/sislex/paginas/65/MF-MPS/2015/13.htm

[6] http://www.brasil.gov.br/sobre/saude/atendimento

[7] http://gestao2010.mec.gov.br/indicadores/chart_102.php

[8] http://www.estadao.com.br/noticias/nacional,brasil-tem-162-milhoes-em-situacao-de-pobreza-extrema-aponta-ibge,714242,0.htm


Informações Sobre o Autor

Rodrigo Cavalcante dos Santos

Bacharel em Direito pelo Centro Universitário do Norte UNINORTE/LAUREATE UNIVERSITY. Advogado e Coordenador da 1 Defensoria Pública Especializada em Atendimento de Interesses Coletivos da Defensoria Pública do Estado do Amazonas


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