A Legalidade do Acordo de Não Persecução Penal à Luz do Ordenamento Jurídico Brasileiro

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Lara Thais Martins de Castro*

MSc Leland Barroso de Souza**

 

RESUMO

O presente artigo utilizou, de forma preeminente, a metodologia instituída pelo estudo descritivo-analítico, bem como o estudo hipotético-dedutivo. Foi elaborado por meio de consulta bibliográfica, pesquisa da legislação vigente, de artigos e sítios eletrônicos. Tal embasamento teórico contribuiu de forma singular para a construção de uma análise acercada legalidade do Acordo de não Persecução Penal concebida pela Resolução n. 181/2017 do Conselho Nacional do Ministério Público, no que tange à Constitucionalidade em detrimento ao Ordenamento Jurídico Brasileiro. Permitiu a contextualização do instituto no movimento internacional de exasperação da justiça negociável, assim como se vislumbra como uma manifestação legítima de política criminal. Denota-se ainda que o Acordo de não Persecução Penal busca, de forma harmônica com o Papel Constitucional do Ministério Público, constituir um sistema de justiça criminal mais célere e pragmático.

Palavras-chave: Acordo de Não Persecução Penal. Legalidade do acordo. Política Criminal.

 

THE LEGALITY OF THE CRIMINAL NON-PURSUANCE AGREEMENT IN THE LIGHT OF THE BRAZILIAN LEGAL ORDER

 

ABSTRACT

This article used, preeminently, the methodology instituted by the descriptive-analytical study, as well as the hypothetical-deductive study. It was prepared through bibliographic consultation, research of current legislation, articles and electronic websites. Such theoretical basis contributed in a singular way to the construction of an analysis about      the legality of the Non-Persecution Agreement conceived by Resolution n. 181/2017 of the National Council of the Public Prosecution Service, regarding Constitutionality to the detriment of the Brazilian Legal System. It allowed the institute in the international movement of exasperation of negotiable justice, as well as legitimate manifestation of criminal policy. It is also noted that the Non-Criminal Prosecution Agreement seeks, in harmony with the Constitutional Role of the Public Prosecution Service, to establish a faster and more pragmatic criminal justice system.

Keywords: Criminal non-pursuit agreement. Legality of the agreement.Criminal policy.

 

SUMÁRIO: Introdução. 1. Conceito e Características do Acordo de não Persecução Penal. 2. Da Constitucionalidade do Acordo de não Persecução Penal implementado pela Resolução n. 181/2017, do CNMP. 3. Dos métodos estrangeiros acerca da realização do Acordo Penal. 4. Da Constitucionalidade Formal da regulamentação do Acordo de não Persecução Penal. 5. Da Aplicação prática do Acordo de não Persecução Penal. 5.1. Caso concreto: ANPP feito pelo MPF/AM, o acusado Francisco de Oliveira Salgado e seu defensor. 6. Acordo de não Persecução Penal e os princípios da economia processual, celeridade e efetividade. Considerações finais. Referências.

 

INTRODUÇÃO

O Acordo de não Persecução Penal é um novo procedimento criminal de natureza extrajudicial, de modo a atingir um fim consensual para dar mais celeridade à esfera criminal, no que tange aos crimes de menor potencial ofensivo.

Esse novo instrumento jurídico foi regulamentado por meio da Resolução n. 181 de 2017, do Conselho Nacional do Ministério Público, em que possibilita ao Ministério Público celebrar acordo de não persecução penal quando o crime for cominado pela pena mínima inferior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa.

Salienta-se que, o Ministério Público têm a autonomia de, conforme o caso, dar início ao acordo de não persecução penal, juntamente com o acusado e sua defesa, para solucionar o caso, transformando num procedimento mais célere, levando em consideração os fatores ligados ao crime cometido, no que diz respeito à tipificação e a pena do crime previsto no Código de Processo Penal para a sua devida aplicação.

Embora não esteja previsto no Ordenamento Jurídico Brasileiro, essa forma de solucionar por meio de acordo entre as partes envolvidas pode ser considerada como uma forma justa e eficaz, haja vista todo o procedimento penal se tornar mais célere, levando em conta o equilíbrio processual no que diz respeito à razoabilidade e proporcionalidade do caso concreto.

Em suma, se contextualiza no atual movimento funcionalista em que se insere o direito penal atual, permitindo vislumbrar no Acordo de não Persecução Penal uma manifestação legítima de um instituto de política criminal, em sintonia com o papel constitucional do Ministério Público, na forma de compor um sistema de justiça criminal mais célere e pragmático.

O Acordo de não Persecução Penal foi instituído recentemente, sendo considerado uma nova forma de política criminal, para instruir e dar celeridade na justiça criminal, como uma questão que provoca questionamentos no que tange à constitucionalidade desse novo procedimento com relação ao Ordenamento Jurídico.

A pesquisa visa esclarecer, a princípio, a conceituação e a história do Acordo de não Persecução Penal, bem como explanar os requisitos e características de quais crimes podem ser passíveis desse acordo, a consequência à Justiça Pública ou ao Interesse público, e demais informações necessárias sobre o tema.

Ressalta-se que essa forma consensual de solucionar o caso, pode ou não trazer revolta à sociedade, tendo em vista existir um benefício para o acusado, haja vista como requisito para a celebração do acordo, a necessidade de reparação de danos, o que atende seus interesses imediatos.

Definição de situações e pressupostos capazes de mitigar o princípio da obrigatoriedade da ação penal, por meio de norma infralegal, equivale à legítima e salutar penetração das decisões valorativas político-criminais no sistema do direito penal, a que se refere Claus Roxin, no livro de Política Criminal y sistema Del derecho penal.

A conclusão pela necessidade da elaboração de um sistema penal de acordo é tão amplamente aceita que há autores como ROSA E LOPES JUNIOR, que afirmam: “Os juristas desatualizados insistem em excluir os institutos da Justiça negociada do ambiente processual brasileiro, lutando por manter a ilha moderna do processo penal e o fetiche pela decisão penal de mérito como o único mecanismo de descoberta e de produção de sanções estatais.

Apesar da constatação de que a solução legislativa seria a ideal, é que se afigura plenamente justificada e adequada a iniciativa do Conselho Nacional do Ministério Público de prever expressamente a possibilidade do acordo de não persecução penal, conforme se depreende no Livro “Acordo de não Persecução Penal” de Rogério Sanches.

 

  1. CONCEITO E CARACTERÍSTICAS DO ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL

O Acordo de não Persecução Penal é um novo instrumento de acordo criminal, de natureza infralegal, no qual dispõe sobre a instauração e tramitação do procedimento investigatório criminal a cargo do Ministério Público, introduzindo a figura do acordo de não persecução penal no sistema brasileiro.

Trata-se de uma adaptação passível de ser celebrado entre o Ministério Público e o investigado, acompanhado por seu advogado, e que, uma vez cumprido todos os termos e requisitos, ensejará a promoção de arquivamento da investigação.

A instalação do crime se desenvolveu na identificação dos vários modelos de resposta estatal, quais sejam: (i) o modelo dissuasório clássico: inspirado pela ideia de retribuição consiste na simples imposição de pena, medida suficiente para retribuir o mal causado pela prática criminosa e para evitar cometimento de novos delitos; (ii )o modelo ressocializador: tem a finalidade de reintegrar o delinquente à sociedade (prevenção especial positiva); (iii) o modelo consensuado: tem o propósito de trazer à justiça criminal modelos de acordo e conciliação que visem à reparação de danos e à satisfação das expectativas sociais por justiça.

Ademais, conforme depreende-se do livro “Acordo de não Persecução Penal”, de Rogério Sanches, pode ser dividido em (1) modelo pacificador ou restaurativo, voltado à solução do conflito entre o autor de crime e a vítima (reparação de danos) e (2) modelo de justiça negociada (pleabargaining), em que o agente, admitindo culpa, negocia com o órgão acusador detalhes como quantidade da pena, forma de cumprimento, perda de bens e reparação de danos.

Observa-se pela abertura do modelo de justiça consensual, que a resposta para o crime tem levado a novas ideias voltadas para uma solução cada vez menos retributiva (meramente punitiva) e mais construtiva (reparadora).

Levando em consideração o contexto atual da justiça criminal, e a realidade nas Varas criminais, com recursos escassos e práticas ilícitas elevadas, bem como o grande acúmulo de processos que causam sérios prejuízos e atrasos no oferecimento de justiça às pessoas, é válido recorrer às soluções alternativas.

Nesse sentido, o autor Rodrigo Leite Ferreira Cabral, sustenta que:

“Referido acordo pretende dar maior racionalidade ao nosso sistema penal. Ele permite que o Ministério Público e Poder Judiciário possam dispensar maior atenção e celeridade aos crimes mais graves. Por outro lado, possibilita uma resposta muito mais rápida aos crimes de pouca gravidade, o que pode ocorrer, inclusive, poucos dias após o crime. Tal proposta segue o exemplo de países como os Estados Unidos e Alemanha, em que a maioria esmagadora dos casos penais são resolvidos por meio de acordo.

Em contrapartida, leciona Emerson Garcia:

“Na disciplina da Resolução CNMP n. 181/2017, não são aplicadas verdadeiras penas, já que os requisitos a serem cumpridos são individualizados em momento anterior à persecução penal, excluindo-a. Acresça-se que o objeto do acordo não importa em qualquer ruptura com o sistema vigente, que admite a celebração de ajustes inclusive em relação ao quantum da pena privativa de liberdade a ser cumprida, afastando a tradicional tese da indisponibilidade do interesse. Além disso, os requisitos que mais se assemelham às sanções previstas na legislação penal, especificamente às penas restritivas de direitos, são a prestação de serviço à comunidade e o pagamento de prestação pecuniária, as quais sequer redundam em privação da liberdade”

Assim, a solução viável para o acolhimento da referida Resolução é a adoção de critérios que oportunizam o MP, com a possibilidade de abrir mão da ação penal, por meio de cumprimento de obrigação de natureza não privativa de liberdade, nos termos propostos pelo CNMP.

Ademais, o acordo de não persecução penal é uma manifestação genuína do funcionalismo penal, haja vista que há previsão em norma editada no que tangeà denominação de espaço de conformação dado pelo legislador às diretrizes possíveis de uma política criminal. A política criminal, segundo Figueiredo Dias, tem a função de:

”Servir de padrão crítico tanto do direito constituído, como do direito a constituir, dos seus limites e da sua legitimação. Neste sentido, se deverá compreender a minha afirmação de que a política criminal oferece o critério decisivo de determinação dos limites da punibilidade e constituir, deste modo, a pedra-angular de todo o discurso legal-social da criminalização/descriminalização.” (DIAS, 1999. P. 42).

Em suma, deve-se consignar que o Acordo de não Persecução Penal, ainda que possa causar muitas dúvidas e perplexidades para a sociedade, na visão de vários autores, representa um dos mais promissores caminhos para, pelo menos, diminuir os sérios problemas penais que vêm sendo enfrentado no Brasil.

 

  1. DA CONSTITUCIONALIDADE DO ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL IMPLEMENTADO PELA RESOLUÇÃO N. 181/2017, DO CNMP.

É cediço que, atualmente o Poder Judiciário encontra-se superlotado devido a vários processos que tramitam na Justiça. A forma ideal para que desafogue essa demanda, seria a aprovação de uma lei pelo Congresso Nacional, de um sistema que operasse como um acordo para a não persecução penal, com seus devidos requisitos, haja vista que afastaria qualquer alegação de inconstitucionalidade na referida regulamentação.

Observa-se a impunidade e a falta de credibilidade do sistema penal, no qual acarreta indignação social, e que decorre de movimentos sociais, sendo altamente nocivo, e podendo trazer graves prejuízos culturais e morais.

Neste diapasão, ressalta-se os movimentos preocupantes de grupos de extermínio, milícias, e da própria população em querer fazer justiça com as próprias mãos, tornando cada vez mais forte na sociedade, ignorando por muitas vezes, os direitos humanos e fundamentais previstos na CRFB/88.

Esse movimento de rebelião contra o sistema normativo posto, ainda que muitas vezes camufle tentativas de legitimar a violência policial, não pode ser ignorado ou menosprezado, haja vista tratar-se de uma situação pré-falimentar do sistema penal.

Nesse sentido, sobre o movimento de resistência e rebelião contra o sistema normativo e que é decorrente da ausência de reconhecimento, derivada da impunidade e falta de credibilidade do sistema de justiça criminal, poder ser compreendido com a seguinte explicação HONNETH:

“Os motivos de resistência social e da rebelião se formam no quadro de experiências morais que procedem da infração de expectativas de reconhecimento profundamente arraigadas. Tais expectativas estão ligadas na psique às condições da formação da identidade pessoal, de modo que elas retém os padrões sociais de reconhecimento sob os quais um sujeito pode se saber respeitado em seu entorno sociocultural como um ser ao mesmo tempo autônomo e individualizado; se essas expectativas normativas são desapontadas pela sociedade, isso desencadeia exatamente o tipo de experiência moral que se expressa no sentimento de desrespeito. Sentimento de lesão dessa espécie só podem tornar-se a base motivacional de resistência coletiva quando o sujeito é capaz de articulá-los num quadro de interpretação intersubjetivo que os comprova como típicos de um grupo inteiro.” HONNETH, Axel. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. Trad. Luiz Repa. São Paulo: Ed. 34, 2003, p. 258.

Tal contexto exige um desenvolvimento de um movimento eficaz de solução de institucional desses problemas, e apesar da constatação de que a solução legislativa seria a ideal, é que se justifica plenamente justificada a iniciativa do Conselho Nacional do Ministério Público de prever expressamente a possibilidade do acordo de não persecução penal, por meio da Resolução n. 181/2017.

Nesse sentido, o item 5.1, da referida Resolução, recomenda que:

“Sempre que adequado e compatível com o sistema jurídico, a polícia, o Ministério Público ou outros serviços encarregados da Justiça Criminal podem retirar os procedimentos contra o infrator se considerarem que não é necessário recorrer a um processo judicial com vistas à proteção da sociedade, à prevenção do crime ou à promoção do respeito pela lei ou pelos direitos das vítimas. Para a decisão sobre a adequação da retirada ou determinação dos procedimentos deve-se desenvolver um conjunto de critérios estabelecidos dentro de cada sistema legal. Para infrações menores, o promotor pode impor medidas não privativas de liberdade, se apropriado

Portanto, já que o Ministério Público é o titular da ação penal, o acordo de não persecução penal é uma forma viável de solução que foi implementada por meio da Resolução do CNMP, podendo abrir mão da ação penal, se forem cumpridos os requisitos determinados na Resolução.

Há de se reconhecer, ante o princípio da presunção da constitucionalidade, que a norma  que regulamenta o ANPP é eficaz e aplicável, até que o STF se manifeste posteriormente analisando sua compatibilidade com CRFB/88.

 

  1. DOS MÉTODOS ESTRANGEIROS ACERCA DA REALIZAÇÃO DO ACORDO PENAL

Existe, em outros países, a possibilidade de realização de um acordo, haja vista o excesso de carga de trabalho que dificulta a efetivação de uma Justiça Criminal célere, sendo como uma opção para a adoção de um sistema de acordos penais.

Nem sempre veio acompanhada de uma autorização legislativa, tal solução, em alguns países como na França, onde os equivalentes jurisdicionais na seara criminal surgiram da iniciativa de juízes e promotores de justiças, que tomaram por base a incapacidade da Justiça Penal em lidar com grandes cargas de trabalhos, relacionados a crimes de menor potencial ofensivo.

De tal maneira, o surgimento de ação penal na França:

“(…) é resultado de um processo ideológico protagonizado, por um lado, pela contestação em relação às instituições repressivas, consideradas estigmatizantes, ineficazes e lentas, que passam a ser dinamizadas pela busca de soluções de “diversificação”, e, por outro lado, do enaltecimento da figura da vítima, não apenas no âmbito penal, como também no âmbito social em geral. (…) Nesse contexto, surgem as primeiras experiências de mediação penal, que não tinham fundamento normativo, com exceção do princípio da oportunidade previsto no CPP. Não é de estranhar, pois, que essas primeiras manifestações de regulação de conflitos, de forma extrajudicial, tenham surgido de modo desordenado e sem grande uniformidade.”

Portanto, os acordos na França iniciaram-se sem autorização legislativa, o que levou quantidade desordenada desses negócios jurídicos. Em razão dessa prática é que surgiu um processo de institucionalização dos acordos penais na França, em que possibilitou promover uma reforma no procedimento penal francês, incorporando a mediação penal em seu sistema legal[1], mediante uma Nota de Orientação do Ministério da Justiça, de 03 de junho de 1992, na qual fundamentou a aprovação da Lei n. 92-2, de 04 de janeiro de 1993.

Ressalta-se que o acordo francês guarda muita similaridade com o modelo adotado pelo art. 18 da Resolução n. 181-17 do Conselho Nacional do Ministério Público, uma vez que na França:

“o promotor pode oferecer ao defensor a opção diversionista para o seu caso, evitando o julgamento criminal padrão, em troca da admissão da culpa e do preenchimento de condições, como o pagamento de multa, a entrega dos objetos utilizados no delito (ou objetos obtidos em virtude dele), a perda da carteira de motorista ou da autorização de caça durante determinado período de tempo, a prestação de serviços à comunidade e ou a reparação do dano causado à vítima.”

Há, ainda a semelhança do previsto na Resolução n. 181/2017, no sistema francês, “caso o investigado não aceite a oferta, ou não preencha os requisitos para o acordo, o Promotor simplesmente iniciará o procedimento formal”, ou seja oferecerá denúncia.

A grande diferença entre o sistema de acordo francês e o sistema brasileiro, é que no Brasil, a Resolução destrincha claramente as hipóteses cabíveis para o acordo, evitando assim, as confusões desordenadas que podem violar o princípio da igualdade.

Por outro lado, retrata-se a experiência alemã, na qual ocorreu uma situação semelhante à francesa, em razão das práticas dos Promotores de Justiça e Juízes, apesar da ausência de lei prevendo tal possibilidade[2].

TURNER consigna sobre o fundamento da criação do acordo penal na Alemanha:

“O acordo penal foi introduzido na Alemanha pela prática dos atores processuais, como resposta ao aumento do número de casos complexos no sistema de justiça criminal. Juízes e promotores queriam economizar tempo e recursos, a medida que a carga de trabalho crescia. Defensores buscavam uma segurança maior e penas menores para os réus, em troca de sua cooperação. Considerando que a legislação não autorizava esses acordos, essa prática se desenvolveu de forma lenta e, inicialmente, se limitava aos casos de delitos sem violência”.

Ademais, como explica SCHUNEMANN,

“esses acordos informais funcionam de forma similar ao pleabargaining dos Estados Unidos; sem embargo, com uma diferença: na Alemanha não contém acordos formais, mas sim apenas um acordo baseado na confiança e, por outro lado, neles o acusado não se declara culpado (guiltyplea), mas apenas formaliza uma confissão que é valorada pelo Tribunal como meio de prova geral para a sua culpabilidade.”

Isto posto, há de se falar que foi bastante discutido sobre a legalidade desse acordo perante o tribunal semelhante ao nosso Superior Tribunal de Justiça, denominado Bundesgerichtshof (BGH), o qual reconheceu, no dia 28 de agosto de 1997, que “os acordos que tenham por objeto a confissão do acusado em troca de uma diminuição da pena, são fundamentalmente possíveis. Eles não violam os princípios constitucionais e processuais.”[3]

Em consequência, foi previsto pelo legislador alemão, de forma expressa, a possibilidade do acordo. Com isso, o Tribunal Constitucional Alemão consignou no dia 19 de março de 2013, que: “O legislador pretendeu fortalecer um procedimento comunicativo e aberto de negociação perante a Corte, mas não chegou a introduzir um novo modelo de processo consensual”.

Como se pode observar, a Suprema Corte Alemã reconheceu a possibilidade da realização de acordos penais (mesmo sem previsão em lei – já que, como dito o legislador não chegou a criar um processo consensual). O único reparo imposto pela Corte foi a necessidade da realização de um acordo público, transparente e formalizado, já que, anteriormente, os acordos realizados eram informais e baseados apenas na confiança.

Por fim, fazendo alusão á prática francesa, o sistema apresentado pela Resolução n. 181/2017, do CNMP, apresenta uma grande vantagem com relação ao sistema alemão, haja vista ter surgido de um ato normativo autônomo do Conselho Nacional, a resolução impõe uma negociação transparente, devendo o acordo ser devidamente celebrado por escrito e assinado pelo Membro do Ministério Público, pelo investigado e por seu defensor.

 

  1. DA CONSTITUCIONALIDADE FORMAL DA REGULAMENTAÇÃO DO ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL

De acordo com as experiências estrangeiras supracitadas, pode-se observar a constitucionalidade do Acordo de não persecução penal. É importante assentar as seguintes premissas que fundamentam a constitucionalidade da regulamentação do acordo de não persecução penal, por meio de resolução do Conselho Nacional do Ministério Público.

Rogério Sanches, em seu livro “Acordo de não Persecução Penal”, sintetiza as premissas, quais sejam: a) As resoluções do Conselho Nacional do Ministério Público ostentam caráter normativo primário, com atos de comando abstrato, que vinculam seus membros; b) o acordo de não persecução penal não é matéria de natureza processual; o acordo de não persecução penal não é matéria de natureza penal; d) o acordo de não persecução penal veicula matéria de política criminal a ser realizado pelo titular da ação penal, o Ministério Público.

Adiante, expõem-se as razões nas quais fundamentam cada uma das premissas acima assentadas.

A CRFB/88 estabelece em seu art. 130-A, 2, I, que compete ao Conselho Nacional do Ministério Público “zelar pela autonomia funcional e administrativa do Ministério Público, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências.”

Não obstante, o CNJ e CNMP, “no exercício de suas atribuições administrativas” ostentam o poder de “expedir atos regulamentares”. Esses, por sua vez, são atos de comando abstrato que dirigem aos seus destinatários comandos e obrigações, desde que inseridos na esfera de competência do órgão.”[4]

Nesse teor, JUSTEN FILHO afirma:

“Esse entendimento foi adotado pelo STF, ao julgar a ADC 12. O STF considerou válida a Res. 7 do CNJ, que impusera vedação ao nepotismo no Poder Judiciário. Essa decisão afastou a necessidade de lei para regulamentar a disciplina constitucional. O STF reputou que a omissão do legislador não constitui obstáculo à edição de normas regulamentares destinadas a tornar efetivas determinações constitucionais.

Sob esse prisma, a questão deixa de ser decidida segundo um critério formal (natureza do ato – legislativo ou administrativo – veiculador de normas) para ser avaliada em face de um critério material (conteúdo das normas constitucionais concretizadas). Assim, a figura do regulamento autônomo, adquire extrema relevância nas hipóteses de omissão legislativa referida a temas essenciais à Constituição.”

Assim, de acordo com as jurisprudências, o CNMP pode sim, expedir regulamentos autônomos, desde que estejam destinados a regulamentar de forma direta a aplicação de princípios constitucionais.

O Supremo Tribunal Federal já assentou sobre esse poder regulamentar, que as Resoluções do CNJ, bem como as do CNMP, ostentam “caráter normativo primário”.[5]

O acordo de não persecução penal, na verdade, visa aplicar os princípios constitucionais da eficiência (CF art. 37, caput); da proporcionalidade (CF, art. 5, LIV); da celeridade (CF, art. 5, LXXVIII) e do acusatório (CF, artigo 129, I, VI E VII).

Neste diapasão, BARJA DE QUIROGA afirma que o “princípio da oportunidade encontra-se fundado em razões de igualdade, pois corrige as desigualdades do processo de seleção; em razões de eficácia, dado que permite excluir causas carentes de importância, que impedem que o sistema penal se ocupe de assuntos mais graves; em razões derivadas da atual concepção de pena, já que o princípio da legalidade entendido em sentido estrito (excludente da oportunidade), somente conjuga uma teoria retributivista da pena”.[6]

Ademais, os autores ROXIN e SCHUNEMANN consignam que: “com a substituição das teorias absolutas (retributivas) da pena, pelas teorias da prevenção geral e especial, que vinculam a aplicação da pena às necessidades sociais e
à sua utilidade, o princípio da legalidade acabou perdendo parte de sua fundamentação teórica originária.”

Além disso, BINDER sustenta que o princípio da oportunidade decorre, também, dos princípios da ultima ratio, da mímina intervenção, da não naturalização, da economia da violência, da utilidade e do princípio de respaldo.[7]

Em suma, o Conselho Nacional do Ministério Público, ao regulamentar o acordo de não persecução penal, nada mais fez do que emprestar máxima efetividade aos referidos princípios constitucionais, de modo a tornar a persecução penal brasileira mais justa e adequada.

 

  1. DA APLICAÇÃO PRÁTICA DO ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL

Estabelecidos os requisitos para o acordo de não persecução penal, instaurados por meio da Resolução n. 181/2017, do CNMP, na prática se observa de uma outra forma, a começar pelo Acordo e Inquérito Policial.

Como é cediça, a Resolução nº 181/2017, de forma evidente, só regulamenta as investigações criminais realizadas pelo Ministério Público.

Portanto, será feito investigação por meio de Procedimento Investigatório Criminal – PIC, promovido pelo Ministério público.

Leva-se em consideração que grande parte das investigações penais realizadas no país, especialmente as de baixa e média gravidade, são feitas no bojo de um inquérito policial, afigura-se imprescindível a possibilidade da realização de acordos nessas hipóteses.

Inicialmente, uma vez chegando ao Ministério Público, o Inquérito Policial maduro para o oferecimento da denúncia, e que tenha por objeto a apuração de delito, em que seja possível a celebração do acordo (Art. 18), deverá o Promotor de Justiça comunicar-se com o investigado para propor o acordo.

Se existir interesse do investigado, deverá ser instaurado um PIC, no qual será realizado o acordo, sendo que o inquérito policial deverá ser apensado ao referido procedimento investigatório criminal, como forma de emprestar justa causa para o acordo e para eventual e futura ação penal.

Ademais, ressalta-se que a realização do acordo, por si só, já representa a realização de atos de investigação, uma vez que o suspeito deverá confessar os fatos e apresentar provas de corroboração e, os atos investigatórios do MP, devem ser feitos predominantemente no PIC.

Dessa maneira, com a instauração de Procedimento Investigatório Criminal, cumpre o Ministério Público a exigência de que o acordo somente pode ser feito no bojo dos PICs.

Além disso, com a instauração do PIC, o Ministério Público passa a ter um procedimento próprio para a fiscalização do cumprimento do acordo. Isso gera, também, um outro efeito colateral positivo, que é o aperfeiçoamento do banco de dados da Instituição e o desenvolvimento, mais adequado, de uma estatística criminal do Ministério Público.

Sobre o Acordo e audiência de custódia: O §5º do art. 18 da Resolução n. 181/2017 estabelece que “O acordo de não-persecução poderá ser celebrado na mesma oportunidade da audiência de custódia.”

Tal dispositivo pretende tão somente possibilitar que o Membro do Ministério Público possa aproveitar a presença física do investigado e – em ato separado da audiência de custódia, mas na mesma oportunidade – eventualmente propor e celebrar o acordo, economizando-se, assim, recursos públicos, além de dinamizar e agilizar, ainda mais, o procedimento consensual, evitando-se a realização de novos atos de comunicação.

De tal maneira, não deverá o acordo ser proposto no mesmo ato jurídico da audiência de custódia (mesmo porque, nesse ato específico, não se pode realizar perguntas sobre o mérito do caso penal, v.g., art.8º, VIII e §1º da Res. 213/15 do CNJ), mas deverá sim o Ministério Público aproveitar a presença física do acusado para propor uma solução consensual para o acusado.

 

5.1 CASO CONCRETO: ANPP FEITO PELO MPF/AM, O ACUSADO FRANCISCO DE OLIVEIRA SALGADO E SEU DEFENSOR

O objeto do Acordo de Não Persecução Penal realizado pelo Ministério Público Federal do Amazonas extrai-se do compromisso feito com o acusado e seu defensor público, visando o pagamento de prestação pecuniária, nos termos do art. 45, § 1º, do CP.

O presente acordo originou-se do IPL n. 348/2017-SR/DPF/AM, referente ao ilícito penal previsto no art. 171, § 3º c/c art. 14, II, ambos do Código Penal cuja autoria foi atribuída a Francisco de Oliveira Salgado.

Salienta-se que, ficou demonstrado que o acusado procedeu com a prática delitiva narrada, bem como confessou a prática dos ilícitos apurados no inquérito policial em epígrafe, conforme depreende-se de seu depoimento gravado em mídia audiovisual, e ainda, não possui antecedentes criminais.

Isto posto, preencheu todos os requisitos impostos pela Resolução n. 181/2017 para a formulação do acordo de não persecução penal, sendo feito o Acordo de não persecução Penal, com suas devidas cláusulas de direitos e obrigações para a posterior homologação judicial pelo Juízo ou pela Câmara de Coordenação e Revisão Criminal do Ministério Público Federal, se for o caso.

 

  1. ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL E OS PRINCÍPIOS DA ECONOMIA PROCESSUAL, CELERIDADE E EFETIVIDADE

A Resolução n. 181 do CNMP encontra-se em harmonia com os ditames da justiça restaurativa e com a evolução jurisprudencial da sociedade moderna brasileira, compatibilizando-se, ainda, com o movimento de descarcerização, das audiências de custódia – podendo ser aplicado inclusive nesse momento – e com os princípios da economia processual e celeridade.

O princípio da economia processual visa gerar soluções de uma forma mais eficaz, extraindo o máximo de rendimento do processo a fim de se evitar desperdícios na condução do processo. Dessa forma, o acordo de não persecução representa a aplicação máxima desse princípio, pois evita a burocratização do caso com a deflagração de um processo no qual não há necessidade.

Já o princípio da celeridade está relacionado com a tentativa de solução rápida do litígio. Nesse passo, o acordo de não persecução visa uma solução mais célere e eficaz para o conflito instaurado pela prática delitiva.

Nesse sentido, o instrumento imprimirá maior rapidez na solução de conflitos menos graves, evitando a superlotação dos presídios e permitindo, tanto no ao Poder Judiciário quanto ao Ministério Público, a canalização das forças no combate aos delinquentes contumazes e crimes mais graves, que geram consequências muitas vezes transcendentes à esfera individual, causando gravames a uma gama indeterminada de vítimas.

Em decorrência dos princípios da economia processual e celeridade, entendemos que, mesmo naqueles processos já deflagrados em data anterior à publicação da resolução em estudo, seria possível a aplicação do acordo de não persecução penal.

Se esse instrumento é uma garantia fundamental do acusado, não há razão lógica para impedir sua incidência nos casos já denunciados pelo Ministério Público.

Fazendo analogia, o STF se pronunciou no sentido de que, uma vez cabível a suspensão condicional do processo prevista no art. 89 da Lei n. 9.099/95, apesar de não ser direito subjetivo do réu, o Ministério Público tem o poder-dever de oferecê-la.

HABEAS CORPUS. EMBARGOS DE CLARAÇÃO. OMISSÃO QUANTO À NECESSIDADE OU NÃO DE CONTRADITÓRIO. A suspensão condicional do processo é um poder-dever do Ministério Público, e não um direito subjetivo do acusado, de modo que é desnecessário o contraditório nessa fase do processo. Embargos de Declaração rejeitados.

HC 84935 ED. Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 31/05/2005, Dj 21-10-2005 PP-00041 EMENT VOL-02210-01 PP-00146

Por fim, esses princípios andam lado a lado com o Acordo de Não Persecução Penal, no sentindo de trazer mais celeridade e eficácia nos termos da CRFB/88, da Lei infraconstitucional e da Resolução n. 181/2017, a fim de realizar justiça com flexibilidade, razoabilidade e equilíbrio processual.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho analisou o Acordo de não persecução penal, tema de fundamental importância para compreender o mecanismo de solução penal, por meio de Acordo regulamentada pela Resolução n. 181/2017.

A solução ideal seria que a regulamentação do acordo viesse pela via legislativa, o que evitaria alegações de inconstitucionalidade formal do instituto. Porém até agora não ocorreu, e, como visto, essa demora do legislador também ocorreu em países desenvolvidos como Alemanha e França.

Por outro lado, a grande vantagem da regulamentação por resolução é a possibilidade do imediato alívio do sistema penal, além de representar um importante balão de ensaio para eventual futura regulamentação, assim como uma preciosa avaliação do que funcionou adequadamente e o que funcionou.

Apesar de tudo isso, como já exposto no presente trabalho, defende-se aqui a clara possibilidade de regulamentação do acordo de não persecução pela via da resolução do CNMP, já que, além dela ser dotada de força de regulamento autônomo, a matéria que veicula não é de processo penal, nem de Direito penal, mas sim de política criminal do titular da ação penal.

Com essas razões, espera-se que o Supremo Tribunal Federal assente a constitucionalidade do acordo de não persecução penal, permitindo, assim, a imediato alívio do sistema penal, reservando ao poder Judiciário o julgamento de forma célere e adequada dos casos mais graves e importantes para o país.

 

REFERÊNCIAS

ALBRECHT, Peter-Alexis. Criminologia: Uma Fundamentação para o Direito Penal. Curitiba: ICPC; Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

BARJA DE QUIROGA, Jacobo López. Tratado de Derecho Procesal Penal. Vol. I, 6ª ed. Cizur Menor: Aranzadi, 2014.

BINDER, Alberto. Fundamentos para a Reforma da Justiça Penal. Florianópolis: Empório do Direito, 2017.

CUNHA, Rogério Sanches; SOUZA, Renee do Ó; BARROS, Francisco Dirceu; CABRAL, Rodrigo Leite Ferreira, Acordo de não persecução Penal. Ed Juspodivm, 2018.

Coletânea de artigos, MPF, Vol. 06, Temas Processuais, Prova e Persecução Patrimonial.

ROXIN, Claus; SCHUNEMANN, Bernd.Strafverfahrensrecht. 27ª Ed. Munchen: Beck, 2012, p 77.

BINDER, Alberto. Fundamentos para a Reforma da Justiça Penal. Florianópolis: Empório do Direito, 2017, pp. 159-181.

https://www.conjur.com.br/2018-nov-30/hermes-morais-acordo-nao-persecucao-penal-constitucional

 

[1] Ibidem, p. 183.

[2] TURNER, Jenia. Plea bargain across the borders. New York: Aspen Publisher, 2009, p. 74.

[3] BGH 4 StR 240;97 – Urteilvom 28. August 1997 (LG Dortmund). Corpo do voto. Tradução minha.

[4] SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – MS 27621, Relator(a): Min. CARMEN LÚCIA, Relator(a) p; Acórdão: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 07.12.2011, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-092 DIVULG 10-05-2012 PUBLIC 11-05-2012.

[5] SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – ADC 12 MC, Relator(a): Min, CARLOS BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 16.02.2006 PP-00015 EMENT VOL-02245-01 PP-00001 RTJ VOL-00199-02 PP-00427.

[6] BARJA DE QUIROGA, Jacobo López. Tratado de DerechoProcesal Penal, vol I, 6 ed. Cizur Menor: Aranzadi, 2014, p. 470.

[7] BINDER, Alberto. Fundamentos para a Reforma da Justiça Penal. Florianópolis: Empório do Direito, 2017, PP. 159-181.